Choque de Tempo escrita por Miss Krux


Capítulo 8
Capitulo 8 - Uma Longa Madrugada.




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Marguerite já estava aplicando as pomadas na região torácica de John que estava sentado na cama, com faixas e uma camisa limpa ao lado. A herdeira estava um tanto quieta apenas empenhada em cumprir o seu trabalho, nem sequer olhava para ele como de costume.

O belo caçador sabia o porquê daquele comportamento de sua amada: estava irritada com o comentário que ele mesmo havia feito mais cedo. Porém, ele não tinha certeza se era só isso; por algum motivo lhe bateu uma insegurança, ele se lembrou que ouviu o modo como William havia sido cavalheiro ao conhecê-la. Ainda que não fosse mulherengo, seu irmão sabia muito bem como cortejar uma mulher, mas não podia acreditar que seria este o motivo do silêncio de Marguerite. Logo o caçador tratou de afastar esse pensamento e direcionar sua atenção para a bela dama que estava a sua frente; sua mão delicada, os dedos tão finos e pequenos – comparados aos seus – tocando seu tórax faziam-no se arrepiar. Lembrou-se das habilidades que aquela mulher tinha, principalmente na manhã daquele mesmo dia quando ela o dominou totalmente levando-o à loucura e agora cuidando de seus ferimentos; era, de fato, uma mulher com habilidades excepcionais.

M – John, está me ouvindo? Parece até estar em outro mundo. Tem certeza que está bem? Estou lhe pedindo a faixa, vamos, preciso logo enfaixar onde passei a pomada para não escorrer.

John pega a faixa ao lado e entrega nas mãos de Marguerite, que procura evitar tocá-lo mais que o necessário.

J – O que há com você? Por que não quer me tocar? Já não me repreendeu o suficiente sobre o meu comentário? Agora não me olha nos olhos, não fala comigo e não vai encostar em mim também?

Marguerite pára de imediato de enfaixar John e o encara. O caçador parecia estar um tanto nervoso e magoado com ela, mas ele sabia que ela não estava pronta para admissões na frente de seus companheiros. Eles tinham feito um acordo e ele havia quebrado.

M – O que há comigo não, o que há com você? Tínhamos um acordo, você disse que me daria o tempo necessário para eu me acostumar com o fato de estarmos juntos e só então assumiríamos algo na frente dos outros. O que passou na sua cabeça de me chamar de “minha Marguerite” na frente do Challenger?

Foi a gota d’água para John. Tudo o que havia acontecido naquela noite e agora mais essa; Marguerite brava por ele tê-la cortejado na frente de seu amigo como se fosse alguma novidade, como se eles nunca tivessem feito isso e na frente de todos os habitantes da casa da árvore, não de apenas um. John estava furioso, estava começando a sentir dores, ainda se sentia perdido quanto ao seu irmão e, agora que havia recobrado totalmente a consciência, experimentava sentir algo que antes nunca havia sentido com tanta intensidade por ninguém: ciúme. Ele estava, além de tudo, com ciúme de Marguerite.

J – Você quer saber o há comigo, Marguerite? Prefere que eu enumere ou que eu vá direto ao ponto? Sabe, isso de eu não poder cortejá-la na frente dos outros, não poder chamá-la de minha, as vezes cansa. Estou tentando ser o mais paciente possível, mas não sou de ferro e uma hora eu te juro que canso de correr atrás de você como um cachorro fiel. Eu não posso, mas um estranho que se diz meu irmão pode cortejá-la, e na minha frente, sem que você o rechaçasse como fez comigo há pouco. Isso você acha apropriado? Estou cansado de vê-la cortejar outros homens para conseguir o que quer enquanto que comigo, que estou lhe oferecendo um porto seguro, você não quer nem assumir um relacionamento. Depois de tudo que passamos juntos. Aliás, “algo”, como você descreveu. É isso que somos, não é? “Algo”? Irei cumprir o acordo como prometi. Terá o tempo que precisar, mas se eu ver um gracejo seu com aquele homem saiba que não irei perdoá-la. Ou iremos assumir de uma vez ou estará tudo acabado.

Os olhos de Marguerite estavam vidrados em John, analisando as expressões de seu rosto. Ele poucas vezes havia falado de tal forma com ela; estava de fato furioso, ela sentia como se seu coração tivesse parado de bater. Principalmente com as últimas palavras: “estará tudo acabado”. Ela não podia acreditar naquilo, não podia acreditar no que acabara de ouvir do homem que amava e que sempre esteve ao seu lado. Será que ele realmente estava cansado ou só a estava pressionando?

M – Você só pode estar brincando. Está fazendo isso para me pressionar, para que eu me decida logo, sendo que você sabe tão bem quanto eu que as coisas não são tão simples assim. Que existem muito mais coisas que me impedem de assumir algo com você...

Antes que Marguerite pudesse concluir sua resposta, John corta severamente, respondendo-a mais irritado do que já estava.

J – Não me importo com os seus segredos malditos e nem com o que iremos enfrentar se voltarmos para Londres. Já lhe disse isso bem mais de uma vez, que se for preciso eu deposito toda a minha fortuna em você para acertar suas pendências contanto que fique comigo, apenas comigo, Marguerite, como minha esposa. Porém, até se decidir eu gostaria muito, imensamente, que não ficasse dando em cima ou recebendo cortejos de outro homem, pois se eu ver e for da sua parte, já sabe que terá que tomar sua decisão de imediato ou tomarei eu. E se for da outra parte, tenha certeza que não pensarei duas vezes em reagir.

Se antes Marguerite já estava pasma, tal declaração de amor misturada com a fúria de John havia lhe pegado de surpresa. De fato, ele não estava mesmo brincando e estava disposto a se arriscar por ela, mas também a abandoná-la se ela abusasse de seus limites. E a idéia de perdê-lo era insuportável ao mesmo tempo em que não se achava digna de tal amor, não o merecia. Também não era certo ele depositando sua fortuna nela, pagando dividas que ele nem sequer sabia como surgiram e o porquê. Porém, o fato de não assumirem um relacionamento até o momento não tinha sido um problema entre eles; o que teria acontecido com John para fazê-lo mudar tanto de idéia assim? Era uma mudança repentina e brusca demais. Ela se lembrou de uma de suas frases: “Porém, até se decidir eu gostaria muito, imensamente, que não ficasse dando em cima ou recebendo cortejos de outro homem”. Ele estava com ciúme! Estava cego de ciúme, como ela nunca tinha visto. Ela sabia que a decisão que iria tomar seria como brincar com fogo, mas iria arriscar ver até onde esse ciúme de John podia chegar. Não iria flertar com  William, mas também não iria perder a oportunidade de provocar John como sempre fez. Além disso, ela tinha cartas na manga: já havia perdido as contas de com quantas mulheres John havia flertado e algumas diante de seus olhos, sendo que todos esses flertes trouxeram riscos para todos eles.

M – Ora, ora... O grande caçador branco, cuja fama percorre o mundo, com ciúme. Sim, está com ciúme sim e não adianta negar. Está nítido em cada frase sua. Sabe, John, achei que me conhecesse melhor. Como se já não soubesse que em cada vez que flertei com algum homem aqui no platô foi na esperança de nos tirar daqui ou de alguma encrenca em que havíamos nos metido. Muito diferente de você; pelo que me lembro, todas as mulheres com as quais flertou e fez algo mais, sabe-se lá o quê, só nos meteram em enrascadas. Portanto, antes de ficar com ciúme veja se tem o direito de ter, e antes de me ameaçar, de me pressionar como está fazendo, pense muito bem, pois a decisão não parte só de mim, parte de nós dois. E pode ser que a minha não seja como você espera, como está tão confiante de si.

Antes que John pudesse respondê-la, a herdeira já estava se virando e indo rumo ao andar de cima para auxiliar George com as bandejas.

M – Agora, sugiro que se deite e descanse mais um pouco. Irei ver se George precisa de ajuda com as bandejas de comida. Também fique um tempo sem camisa para seus ferimentos “respirarem” melhor. Logo estarei de volta com o seu jantar e também te ajudo a vestir a camisa. Creio que Challenger irá querer conversar com nós dois juntos, portanto, prepare-se para o que será uma longa madrugada.

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Não demorou muito para Marguerite e Challenger estarem de volta ao quarto do caçador. O cientista acabara de depositar as bandejas em cima da cômoda próxima, enquanto a herdeira estava vestindo uma camisa limpa em John. O clima estava pesado, os três tensos, cada um olhando para seu próprio prato sem saber bem o que falar ou como falar. Marguerite mais brincava com a comida do que se alimentava; Challenger, por sua vez, se sentia como um homem que havia passado fome – se não estava enganado, sua última refeição digna tinha sido a janta do dia anterior. John se sentia forçado a comer, mas sabia que quanto mais se alimentasse mais rápido seria sua recuperação. Após terminarem suas refeições, George juntou os talheres e estava prestes a subir com as bandejas quando sentiu uma súbita tontura, se não fosse Marguerite ao lado para ajudá-lo teria, no mínimo, caído sentado.

M – Challenger, o que está acontecendo? É por conta de não ter se alimentado, não é? Vamos, vou tratar de seus ferimentos agora mesmo e depois levamos essas coisas para cima.

C – Estou bem, minha cara. Mas admito que não me alimentava corretamente desde ontem no jantar. Talvez também eu tenha me alimentado muito rápido. Por Deus, já até havia me esquecido deste ferimento.

John observava o cientista se sentando na cadeira ao lado e Marguerite já com o kit médico pronta para fazer o curativo necessário. Ele agora se recordava de, antes de ter levado aquela surra do William, ter reparado no ferimento do amigo.

J – George, como conseguiu esse corte? Parece um tanto profundo, embora nada grave.

Challenger encarou a morena que estava em pé a sua frente realizando a limpeza do ferimento para logo aplicar os medicamentos e enfaixar. Ela o encarava de volta, esperando uma resposta. Ele já havia visto a reação da herdeira, mas agora seria diferente, seria John, não tinha idéia de como ele iria se sentir; sabia que o caçador era um homem de bom coração, compreensivo, mas sabia também que ele poderia ser explosivo. Já havia presenciado John reagir por impulso, mas como o amigo iria lidar ao saber que aquele era o próprio William tirado de seu tempo para o presente? Não seria algo tão fácil de explicar.

 C – Bom, John, eu consegui esse corte ao saltar por cima do seu irmão, entre um gorila enorme e o seu tiro de espingarda, salvando a vida dele.

John, ainda atordoado, encarava o amigo. “Então foi assim que William estava ali, George o havia trazido. Mas para quê? Porque?”. Várias perguntas formavam-se agora. O que estava acontecendo ali? O que seu amigo havia feito e como havia feito? Como era possível? Ele ainda se lembrava do tiro, da dor, de tudo. Porém, antes que o caçador começasse a sua seqüência de perguntas, Challenger se adiantou.

C – John, meu velho. Eu usei o teletransportador, errei nos cálculos e acabei me direcionando para a cena onde você acidentalmente matou seu irmão. Eu pude ver tudo, presenciar tudo, e como te falei acabei por salvar seu irmão e o trouxe para nossa realidade. Meu amigo, eu quero que, antes que pense mal de mim, que saiba que fiz por bem, para tentar acabar com toda a sua angústia e dor. Tentei fazer de um modo tal que você pudesse ter uma reconciliação com seu irmão, um reencontro inesquecível. No caminho para casa contei para ele sobre o acidente, mas ele não me pareceu dar tanta importância. Acreditei nas palavras dele, John, de que assim como eu só queria o seu bem. Nunca pude imaginar causar tanta confusão, tantas brigas, sabe bem que não sou disso. Porém, meu caro, eu vou entender se dispensar minha amizade. De fato, eu deveria ter consultado você antes, deveria saber que você seria o principal atingido com essa história toda. Foi um engano.

John observou cada palavra pronunciada e também notou a herdeira quieta na porta do quarto observando o homem ruivo. John sabia que George tinha se tornado um amigo fiel e que ele nunca faria algo para machucá-lo. O homem mais velho nunca teve a intenção de arriscar a seguranças deles em todas as suas aventuras, pelo menos nunca de propósito, e John sabia o quanto Challenger estava chateado por tudo o que provocou, mas ele não podia imaginar como era o convívio dos irmãos.

J – George, eu não nego que suas experiências às vezes nos colocam em riscos, mais do que gostaríamos de ter, mas eu também sei que todas elas foram na tentativa de nos beneficiar e, principalmente, de nos tirar daqui. Não tenho dúvidas de que não fez por mal, que suas intenções foram totalmente diferentes do que vivemos mais cedo. Fique tranqüilo, meu velho, já me respondeu tudo o que precisava saber e não posso te desculpar por algo que não fez. Só acho que agora temos que procurar arrumar esse engano, porque se eu não estiver errado você quebrou novamente as barreiras do tempo e sabe-se lá o que mais não fez. Além disso, eu me lembro de tudo sobre a morte do meu irmão e do meu pai. Como é possível?

Challenger se sentia mais leve após ter passado por seu pior receio: John não o odiava e não estava nem com raiva, pelo contrário, havia ainda o elogiado por suas tentativas de sair do platô e se preocupado com ele daquela maneira.

C – John, para ser honesto nem eu mesmo sei lhe dizer como isso foi possível, não ainda. Vou precisar estudar um pouco mais e talvez com Verônica de volta em alguns dias possamos resolver isso, todos juntos. Mas irei precisar da colaboração de todos. E agora que mencionou estou me lembrando que não contei ao William a respeito do falecimento de seu pai. Acredito que seja melhor nem mencionar.

J – Eu concordo, George. Na verdade, não sabemos como serão os próximos dias, o nosso convívio; tudo o que posso lhe dizer é que não será nada fácil depois de hoje. E se ele souber será pior. É, meu amigo... Parece que dessa vez você se superou.

Diferente de Marguerite que havia falado com um tom ameaçador, a última frase dita pelo caçador soou com um tom brincalhão, seguido por um tapa no ombro do cientista e um sorriso no rosto na tentativa de alegrar o homem mais velho. John olha para a porta de seu quarto; Marguerite continuava lá, atenta a tudo que ocorria, mas sem se pronunciar.

J – Então, não vai dizer nada, Marguerite? Não vai nos deixar saber qual é a sua opinião?

M – Querem mesmo saber minha opinião? Acho que isso tudo se tornará uma grande briga de família, uma família a qual não pertenço. Isso é entre você e seu irmão, John. Vocês dois tem que se entender seja como for, nenhum de nós aqui da casa da árvore estamos envolvidos nesse problema, portanto, não contem comigo para separar suas brigas. George, eu já lhe disse mais cedo: não me importa o que faça e como faça, mas resolva o que causou. Não é porque estou concordando em aguardar o retorno de Verônica que quer dizer que você não irá buscar uma solução. Quanto ao seu falecido pai, faça como achar melhor. Só não quero ter que tomar a frente novamente e lidar com dois homens crescidos que mais parecem dois garotos mal educados.

Challenger e John trocam olhares cúmplices. A herdeira não estava para brincadeira e parecia estar mais irritada à medida que o tempo passava e eles não tinham ainda nenhuma solução.

C – Minha cara, tem minha palavra que irei nos tirar dessa. Eu causei tudo isso, eu irei consertar. Aconselho que nos próximos dias cuide de John, dois dias de repouso lhe farão bem. Eu irei estudar os cálculos exatos na caverna, irei averiguar quais foram os meus erros. Para evitar as futuras brigas, levarei o William comigo, ele pode ajudar; além disso, assim lhe daremos um tempo maior para aceitar que o que aconteceu foi uma fatalidade e não culpa de John.

J – Mas, George, e se ele tentar te atacar? Não é seguro, principalmente por estar longe de casa.

C – Não, John, a briga de William creio que não ser comigo. Ele não me mostrou ameaça nenhuma e também assim ganho sua confiança para, quem sabe, tentar fazer com tenham uma conversa civilizada. E daqui a dois dias, quando já estiver recuperado, iremos ver o que será feito.

John não havia concordado com tudo, mas sabia que deveria ser feito. George estava certo, seria melhor assim. Além de que também poderia ter Marguerite por dias “só para ele”. Quem sabe assim conseguiriam se acertar depois da briga que haviam tido...

M – Certo, tudo fica bem quando todos estamos bem. Será que agora podemos ir dormir? Pelo menos o pouco que nos resta dessa noite. Estou exausta e muito ansiosa pelos próximos dias, principalmente quando o outro lá acordar.

Claro que as palavras de Marguerite não haviam sido apenas ásperas, mas também sarcásticas. Ela com seu senso de auto-preservação estava gritando por dentro que nem tudo seria como estavam planejando, algo iria dar errado, algo não se encaixava e os próximos dias seriam difíceis.

J – Claro, Marguerite, vamos todos. Já passou da hora.

C – Sim, de fato precisamos descansar. Todos nós.

Assim, John repousou sobre a sua cama e Challenger e Marguerite seguiram para seus respectivos quartos.


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