Choque de Tempo escrita por Miss Krux


Capítulo 25
Capítulo 25 - Cerimônia.




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Dias se passaram, uma semana mais precisamente.
William, John e Malone trabalharam em equipe para conseguirem finalizar as trilhas e, de fato, conseguiram. Até mesmo a distância dos pontos, a altura da fiação, os dois percursos, a cerca elétrica da casa e a própria casa, estavam com energia elétrica estabilizada e a corrente ainda mais forte.
Verônica, Marguerite e Challenger leram tudo o que podiam referente aos medalhões, o cientista também tomou notas das vezes em que elas testaram o teletransporte (as vezes uma, as vezes a outra, mas nem sempre Challenger as acompanhava); algumas vezes a herdeira sumia, até para pregar uma peça em Challenger, e quando reaparecia sempre o assustava, logo as duas caíam na risada. Isso também estava fazendo com que às duas ficassem mais unidas, os ânimos na casa estavam mais amenos, mais descontraídos, talvez só não estivesse mais porque a herdeira nem sequer mais olhava para John - com William falava normalmente. Não que estivesse fazendo diferença entre os irmãos, é só que entendia que William tinha sido tão vítima quanto ela e ainda via John como o principal culpado.
No final daquela semana, no jantar, Challenger, orgulhoso de todas as suas experiências terem dado certo e suas notas estarem aparentemente corretas desta vez, estava convicto de que agora tudo ocorreria como planejado.
C - Bem, se me permitem, meus caros, tenho um anúncio a fazer: William, creio que amanhã ou, se as senhoritas preferirem, depois de amanhã, poderemos enviá-lo para seu devido tempo. Também, se a viagem for um sucesso, em dias poderemos voltar para casa.
J - Mas já, George? Quer dizer, não acha que uma semana é muito pouco tempo.
M - É, Challenger, John pode ter razão. É pouco tempo, talvez eu ainda precise de mais alguns dias, sabe, para treinar. Nada pode dar errado.
John olhou para a herdeira, próxima dele; ele a conhecia, fazia uma semana que ela nem sequer o olhava e agora assim tão facilmente estava concordando com ele... algo estava errado, algo que não se encaixava, mas como ele não sabia exatamente o que era, preferiu calar-se, embora ainda tentaria descobrir aos poucos.
C - Bobagem, minha cara, você tem o domínio do Oroboros como se tivesse feito a vida toda; assim como Verônica com o Tryon. Não vejo nenhum impedimento de tentarmos, tenho total certeza de que vocês duas irão conseguir.
Verônica sabia que uma vez que Challenger colocasse algo na cabeça, difícil seria persuadi-lo, e dessa vez estavam em maus lençois, principalmente a herdeira.
V - Espera, Challenger, eu concordo que temos o domínio dos medalhões, essa semana nos ajudou muito. Mas tem algo que quero falar a todos e por isso também gostaria que ficassem mais tempo, até mesmo você, William. Eu e Ned decidimos assumir o nosso relacionamento e, como uma despedida do William e até mesmo dessa família que formamos, queríamos festejar. Sabe, fazer uma comemoração aqui na casa da árvore. Não é, Ned?
Verônica e Malone já haviam conversado sobre o assunto, a garota havia lhe confiado o porquê de tentarem adiar, segurar os exploradores um pouco mais no platô, e o repórter decidiu manter em segredo e ajudar as mulheres com este plano, ajudar Marguerite, embora achasse que ela, às vezes, não merecia por provocá-lo tanto, mas também não desejava seu mal.
N - Sim, Challenger, é verdade. Gostaríamos de fazer uma comemoração, até porque, como sabe, eu ficarei com Verônica, não irei partir com vocês. Pensamos em trazer o Xamã Zanga apenas para oficializar nossa união, claro que Assai e Jarl também virão e se puderem, por favor, fiquem. É muito importante para nós.
A herdeira olhou para Verônica como um sinal de agradecimento, sua expressão agora mais leve, sem o ar de preocupação de poucos minutos atrás. Como o caçador percebeu que havia algo no ar, decidiu jogar o mesmo jogo, pois sabia que quanto mais opiniões iguais as do amigo, mais rápido ele cederia.
J - Ora, e vocês dois acham que eu irei perder isso? Mas por nada nesse mundo! Já esperamos quatro anos, o que é mais uma ou duas semanas? Vamos, George; assim também ganha tempo para reunir mais espécimes. Quem sabe até um ovo de dinossauro hein, amigo?
C - Bem, talvez esteja certo, pensando por esse lado. Mas somente mais alguns dias, não vamos prolongar tanto assim. Certo?
M - Ótimo, viu? Tudo fica bem, quando todos estão bem. Agora, se me dão licença, tenho mais o que fazer.
C - Ah Marguerite, espere. Antes que se retire, preciso que nos acompanhe hoje até o moinho. Quero dizer, usando o Oroboros.
M - Pra que? O que eu tenho a ver com suas invenções? Já aviso, não serei sua cobaia.
C - Oh não, não, minha cara. Acredito que usando o Oroboros será mais rápido para medir e confirmar a distância entre os pontos. Pode fazer isso com o William, assim já testa como é se teletransportar com outra pessoa.
M - Eu preciso mesmo, George? Não pode mandar a Verônica?
C - Ora, Marguerite, a dona do Oroboros é você e Verônica irá tratar de organizar as festividades.
Marguerite encara o cientista com desdém, não havia gostado da ideia, mas faria. Ou era concordar com as imposições desta próxima semana ou ir para casa de imediato; nesse caso era melhor a primeira opção.
M - Daqui uns trinta minutos saímos, William. Vou me arrumar e te encontro aqui em cima.
C - Ah sim, Marguerite, leve John com você. Para evitarem perigos.
Marguerite fuzilou o cientista com o olhar, o qual até o havia feito arrepender-se de seu comentário.
M - Sabe, George, às vezes acho que você gosta de testar minha paciência. Então em meia hora encontro os dois. Mas que droga! Esse dia não podia melhorar...
Sai a herdeira batendo os pés, em direção ao seu quarto, praguejando o dia e o comentário de Challenger - claro que mais pra si do que para os outros.
Os irmãos também rumaram para seus quartos para se arrumarem, pois não queriam provocar mais ainda a herdeira. Já Challenger rumou para seu laboratório para tomar as últimas notas a respeito dos medalhões. Verônica e Malone também foram se preparar para irem até os Zangas e combinarem com o Xamã uma data próxima para a realização da cerimônia que iria oficializar a união deles e, claro, dar a notícia para Assai também.
Como combinado, em trinta minutos todos estavam prontos, apenas verificando suas armas, os últimos detalhes - a não ser Challenger que iria ficar.
Marguerite tinha em mãos um pequeno embrulho aveludado que até despertou interesse dos demais, mas ela prefirou calar-se por hora. Já próximo à cerca elétrica, onde os caminhos do casal se separariam dos dela, a herdeira aproximou-se de Verônica e entregou-lhe o embrulho.
M - Tome; é meu presente de casamento para vocês, para não dizerem que nunca lhes dei nada.
Verônica, ao abrir o pequeno embrulho, se depara com um colar todo de ouro, cravejado de diamantes. A garota chega a espantar-se com tamanha riqueza do colar, não esperava por isso vindo de Marguerite.
V - Marguerite, é lindo, mas não posso aceitar. Deve valer uma fortuna.
M - É, deve. Não é qualquer dia que dou uma de minhas jóias para alguém. Derreta e faça um par de alianças para vocês dois. Vamos, é melhor aceitar antes que eu me arrependa.
V - Bem, se insiste... Claro, eu aceito. Muito obrigada. Muito obrigada.
A garota fala emocionada, abraçando a herdeira, que não esperava a atitude de Verônica, mas retribui o abraço.
M - É, eu insisto sim. Agora, vamos, que hoje o dia será longo.
William, John e Marguerite seguiam para o moinho de vento; iriam começar por lá, vindo para a casa da árvore. Os irmãos seguiam à frente da herdeira, conversando entre si, de um modo que Marguerite não compreendesse ou pelos menos não ouvisse qual era o assunto.
J - Will, me faz um favor?
W - Eu acho que sei o que vai pedir, mas é melhor conferir. O que quer?
J - Tente descobrir o que está preocupando Marguerite, por favor? O porquê dela parecer não querer voltar para casa, digo, não agora.
W - Bem que desconfiei que seria isso que me pediria. Vamos ver... Quer que eu descubra o que ela tem? O que se passa na cabeça dela nesse momento? Com o humor que ela está? É isso?
J - Sim, é isso. Vai fazer?
W - Ora, nem precisa perguntar, John. Claro que sim. Mas quando você não estiver por perto, ela pode desconfiar.
J - Se já não estiver, já está nos fuzilando.
W - Vou distrair ela.
William diminui o passo, deixando o caçador seguir mais adiante e alcançando Marguerite mais atrás. Ele estava com ar brincalhão; depois que ele e o irmão haviam feito as pazes, os dois estavam, além de mais unidos, mais felizes, sempre estavam juntos, ajudavam com tudo na casa, até mesmo a produtividade de ambos havia aumentado.
W - Então, hoje vamos testar o Oroboros?
M - Você. Eu já testei.
W - E não foi o que disse?
M - Não.
W - Sabe, alguém já te falou que fica mais bela ainda de mau humor?
M - Já.
W - Aposto que foi o John, ele é um ótimo observador. Foi ele?
M - Escuta, qual a parte de "estou de mau humor" que você não entendeu? O que quer falar William? Foi John quem te mandou me perturbar, não foi?
W - Ei, calma. Sei que está de mau humor, mas não, John não tem nada a ver com isso. É só que notei que se incomodou hoje mais cedo com algo. É referente ao medalhão, não é? Sobre as viagens.
M - Não. Foi impressão sua. Agora trate de andar logo, o quanto antes terminarmos esse maldito trabalho que Challenger nos passou, mais tempo para descansar terei.

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O dia passou tranquilo, como de costume, nos últimos dias.
Marguerite não falava, não olhava para John e quanto mais longe dele melhor para ela.
Claro que tal fato estava magoando o caçador profundamente; ainda que ele falasse que não iria desistir dela, as vezes pensava se era mesmo isso que deveria fazer. Chegava a vacilar em cada tentativa em vão, a cada olhar não correspondido, a cada comentário ou pergunta sem resposta ou a cada tentativa de aproximar, nem que fosse apenas ficar ao seu lado e ela sair andando se afastando.
William sabia que isso estava magoando o irmão, mas que também magoava Marguerite, sabia que ela fazia contrariando seus sentimentos. Nas últimas medidas dos pontos, William, ainda que sabendo que não tinha o direito e que isso poderia até mesmo assusta-la ou afugenta-la, decidiu fazer uma pergunta que a colocaria "na parede", mas que era provavelmente a verdade.
W - Marguerite, você está com medo, não é mesmo? Está com medo do que lhe espera se voltarem. Por que?
A herdeira o olhou surpresa, assustada; como ele sabia? Quer dizer, ela tinha sido tão nítida assim referente aos seus medos?
M - Do que está falando, William? Não há nada que possa me assustar.
W - Nem a morte? Por ter que encará-la de frente?
M - Todos nós vamos morrer um dia.
William aproximou-se da herdeira, não havia a vontade ou mesmo a malícia que antes podia-se ver em seus olhos, mas sim ternura, compreensão e até parecia querer ajudar.
W - Isso não é resposta. É a morte que irá encarar, não é? Senão por qual outro motivo estaria tão preocupada em ganhar tempo aqui no platô?
Marguerite respira fundo, abaixa os olhos, olhando apenas para o chão; ele não estava errado e, pior, havia percebido seu medo, sua preocupação. Mas de certa forma ela confiava nele, e ainda em John, só não queria admitir, isso nunca, pelo menos não sobre John, isso seria algo que guardaria para si.
M - Existem coisas sobre mim, William, que você nem imagina e nem eu lhe contaria. Não sei bem se é a morte que irei encarar, mas minha volta me traria mais problemas do que pode imaginar. E sim, eu os temo, porque não sei qual será meu destino. E eu sempre traço meu destino.
W - E não vai poder fazer?
M - Não.
W - E não tem nada que possamos fazer para te ajudar?
M - William, eu sou crescida o suficiente, sei me cuidar sozinha. Agradeço, mas dispenso.
W - Marguerite, tem que ter algo que possamos fazer, você tem que permitir. Escuta, se for dinheiro, John pode lhe dar quanto precisar, não tenho dúvidas de que ele faria.
M - NÃO, WILLIAM, NUNCA É SÓ SOBRE DINHEIRO. CHEGA. Eu não quero, está bem. Agradeço, mas não quero.
A herdeira, antes que William pudesse continuar, estava tão irritada que apenas desapareceu diante de seus olhos usando o Oroboros, deixando-o tentando responder ou compreender sozinho o que havia acontecido. O homem loiro seguiu para onde John estava, que ficou surpreso e preocupado ao ver apenas o irmão, sem Marguerite.
J - Cadê Marguerite?
W - Sumiu.
J - Como assim sumiu?
W - Não é óbvio? Quando tentei descobrir o que a incomodava, ela perdeu a paciência e me deixou falando sozinho. Escuta, irmão, você não podia ter escolhido alguém mais fácil, menos geniosa e com menos segredos?
J - Mas é por isso que também me interesso por ela. nenhum troféu vale sem derrubar um pouco de sangue.
W - Sendo o seu e não o meu... E além do mais, nem todo o seu sangue bastaria. Que mulher cabeça dura!
J - Ah pelo menos você concorda comigo nisso. Mas, me diga, conseguiu algo?
W - Consegui. Ela disse que a volta dela traria problemas e desconfio que até morte. Por isso quer ganhar tempo. São dívidas altas, não são, John?
J - Eu bem que imaginei isso. Sim, são dívidas altas, mais do que pode imaginar. E creio que para algumas o preço seria sua vida.
W - E vai permitir isso?
J - Não, nunca. Mas ela está irreversível, não faço idéia de como poderia ajudar.
W - É, isso é um problema. Bem, temos essa semana, vamos pensar em algo.
J - Espero.

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A semana passou mais rápido do que imaginavam.
Os homens ajudaram a mover os móveis dos quartos, estavam tornando o quarto de Verônica em um quarto de casal; também empenhavam-se em caçar algo melhor que dinossauros, queriam um banquete. Assai e Jarl acompanharam o casal na volta da aldeia para ficar alguns dias com eles. Challenger passou a dormir no laboratório em uma cama improvisada e John se acomodou no sofá, cedendo suas camas para os hóspedes, principalmente porque Assai estava grávida, notícia que, claro, havia alegrado a todos. As mulheres trabalhavam na decoração da casa; embora a cerimônia seria feita ao ar livre dentro dos parâmetros da cerca elétrica, as comemorações seriam dentro de casa, pois era mais seguro.
Marguerite também, nos momentos de folga, coletava as pedras do mapa que Verônica havia feito e também seguia instruções de Assai de outras cavernas com pedras preciosas. Porém, nem por isso deixava de sentir medo e receio, pois sabia que por maior fosse sua quantidade, muitos ainda queriam sua vida; principalmente Xan, ele logo estaria em seu encalço e sabe-se lá o que poderia fazer.
Então, o grande dia chegou.
O Xamã, acompanhado da feiticeira Luna, chegaram logo cedo na casa da árvore; foram recebidos por quase todos, exceto claro por Marguerite, que ainda estava dormindo, até que ouviu os barulhos, as risadas e conversas vindos do andar de cima e viu-se obrigada a levantar-se. Ainda com o cabelo solto, mas já devidamente vestida, entrou na cozinha e viu a razão de tanto barulho: visitas. Ah. sim! Era o grande dia! Agora ela havia se lembrado.
Verônica e Malone estavam estonteantes. Estava estampado em seus rostos, assim como no de todos os outros, o quanto estavam alegres, felizes. Por um breve instante, então, uma lembrança ocorreu a Marguerite e que lhe fez rumar para varanda ao invés de para a cozinha: lembrou-se do dia em que ela e John haviam assumido o relacionamento deles, como estavam felizes, como tinha sido ver todos os apoiando e como amava John. Droga, porque tinha que pensar nessas coisas? Ainda bem que logo tudo terminaria.
Luna, sorrateiramente, sem que os outros percebessem, nota a herdeira e a segue até a varanda. Marguerite estava olhando para o nada, com lágrimas no rosto, lágrimas que nem ela mesma havia percebido.
L - Queria estar no lugar deles, não é mesmo?
M - Mas como? É... Da Verônica e do Malone? Não, besteira, fico feliz por eles.
L - É mesmo? Se está tão feliz por eles, então por que chora?
M - Não estou chorando.
L - Então, por que seu rosto tem lágrimas e seus olhos também? Lágrimas escondidas.
Marguerite não respondeu, não tinha o que falar. Era inútil discordar daquela mulher, ela parecia sempre saber tudo, ou quase tudo.
L - Como suspeitei, descobriu a quem seu coração pertence, mas não quer lhe entregar de novo, não quer se machucar. Mas sabe, minha querida, aprendemos com nossos erros. Pense nisso, é errando que se aprende.
M - E o que garante que ele não vai errar de novo?
L - Ora, nada. Mas nada é certo também, principalmente o futuro de vocês. E sabe como se faz o futuro acontecer? Criando-o no presente, começando por esquecer o passado.
M - Não é tão fácil assim.
L - Ah é sim. É só você querer, você tem o futuro em suas mãos. Agora, por que não enxuga essas lágrimas e se junta a nós?
M - É, pode ser. É melhor.
As duas entraram na cozinha juntas e Luna acabou por ceder seu lugar, de modo que Marguerite e John estivessem um ao lado do outro. Eles não se falaram, mas em momentos que um ou outro estavam não percebiam, olharam-se, o mais discretamente que podiam.
Durante o dia os homens cuidaram do banquete e também de prepararem o ambiente de acordo com as coordenadas dadas por Marguerite, que estava responsável por toda a decoração. Assai e Luna cuidavam da noiva, assim como o Xamã cuidava do noivo.
Após tudo terminado, cada um seguiu para seu quarto para arrumarem-se. Os homens não haviam muitas opções senão suas roupas de exploradores mesmo que haviam trazido. Porém, para melhorarem na aparência naquela semana, haviam deixado algumas peças de molho, o que as havia deixado limpas, como se fossem novas. Quanto as botas o caçador fez questão de engraxar todas, deixando-as brilhando. Todos os três (William, John e Malone) estavam com a barba feita, cabelo penteado, impecáveis. George também havia aparado a barba e o cabelo, estando muito bem arrumado. Jarl e o Xamã seguiam a tradição da aldeia Zanga: Jarl com o cabelo arrumado, usava como uma saia masculina feita de couro e um colar de presas; o Xamã usava o mesmo tipo de saia masculina, mas que lhe cobria os pés, e uma espécie de túnica feita do mesmo material, que representava a sua autoridade para realizar tal cerimônia.
Assai usava um vestido em tom lilás; na verdade, tratava-se de dois tecidos que haviam sido trabalhados e enrolados de forma que ficassem como um vestido, não tão justo ao corpo por conta da gravidez, mas que havia lhe caído como uma luva; o cabelo estava solto e uma flor branca na lateral esquerda dava um toque de suavidade. Luna vestia o mesmo tipo de vestido que Assai, porém, por sua idade mais avançada, o seus era longo e branco. Marguerite, ainda que contrariada, acabou aceitando vestir um tipo de vestido quase igual ao das outras duas com tecidos verdes que a feiticeira havia trazido (os mesmo usados no ritual), porém, o da herdeira era lateral, longo e preso por vários vestilhos dourados; no cabelo foi feita uma trança lateral.
Já a noiva, Verônica, usava o vestido azul de sua mãe, o cabelo estava preso com uma franja caída na lateral, carregava um bouquet de lírios brancos do campo e um sorriso no rosto que demonstrava toda a sua felicidade. Seu vestido, por ser azul, acabava por ressaltar seus olhos da mesma cor - assim também acontecia com Marguerite usando verde.
Todas desceram juntas no elevador, os homens já as esperavam. Havia sido feito um arco com várias flores do campo; o Xamã estava abaixo do arco, ao seu lado direito estava Malone e John e do lado esquerdo Challenger, Jarl e William. O caminho até o Xamã fora forrado de pétalas da mesmas flores usadas no arco.
Assai foi a primeira, seguida por Marguerite e logo depois Luna. No momento em que Marguerite apareceu, não passou despercebida pelos outros, principalmente por John; ela estava ainda mais linda do que já era.
N - John, feche a boca porque aí vem ela e ficará do seu lado. Parece que de leve a feiticeira a guiou para cá.
J - Ela vai o que? Ned, ela está vindo pra cá.
N - Está sim. Foi o que acabei de lhe falar.
J - Você falou? Desculpe, meu amigo, mas estava distraído.
N - Percebe-se.
De fato, Luna levemente tinha tocado na cintura de Marguerite guiando-a na direção de John e a herdeira, para não ficar constrangida, agiu de modo natural e realmente foi para o lado do caçador.
Então, era a vez da noiva. Ela estava linda, Malone não podia acreditar, sentia como se tudo que tivesse vivido antes do platô, antes de Verônica, não fizesse sentido, ela era tudo e muito mais que um dia sonhou; era mais do que sua mulher, era sua amiga, sua companheira, sua confidente. E seria sua esposa.
Marguerite manteve-se ao lado do caçador, porém sem desviar o olhar do casal, do Xamã, da feiticeira, olhava para tudo, menos para o homem ao seu lado. John, por sua vez, olhava para uma direção só: para a herdeira ao seu lado e esquecia-se do resto. Claro, ele sabia que estava sendo ignorado, mas ela estava tão bela que não podia deixar de admirar.
O Xamã, diante do altar, era quem realizava a cerimônia. Como mulher e até mesmo pelo papel que desempenhava, Luna o acompanhava.
X - Rapaz, Edward Malone, é de seu coração ter esta mulher como sua esposa para todos os dias de sua vida? Não só no amor, mas nas tristezas, na doença, nas lutas, no dia a dia; tê-la como companheira para dividir o resto de sua vida?
Malone pegou a mão de Verônica delicamente edepositou um beijo. Olhando diretamente em seus olhos azuis, pôde vê-la corar, pôde ver o amor dela e sentir o seu próprio. Não podia mais esconder, embora nunca tenha mesmo escondido.
N - Sim, é meu maior e único desejo. Não só estar ao seu lado em momentos bons, mas nas tristezas, nas lutas, no dia a dia e construir com você mais do uma família, mas pilares, e estar muito além da morte ao seu lado.
X - Verônica Layton, você se disponhe ao mesmo compromisso que este homem?
Verônica estava com lágrimas nos olhos, não de tristeza, mas de felicidades, não se cabia dentro de si. Com o mesmo ato de Malone, ela confirmou o que já era de sua vontade desde os primeiros meses.
V - Sim, é minha vontade permanecer ao seu lado por todos os dias de minha vida e se for possível além desta. No amor, nas tristezas, no dia a dia e a cada dia manter essa nossa união mais forte, como pilares.
Malone e Verônica trocam as alianças, ainda ambos emocionados demais, as mãos tremiam e não conseguiam evitar.
X - Eu, pelo poder que me foi investido, pelo consentimento e vontade dos dois, pelas forças que os uniu, e que nunca lhes separem, declaro que daqui em diante sejam marido e mulher.
O casal trocou um beijo apaixonado na frente dos demais, confirmando sua união. Logo todos estavam cumprimentando-os, abraçando-os.
Os exploradores estavam felizes. Sabiam que logo teriam que deixá-los, mas ao menos estavam juntos e com certeza iriam construir uma bela família.
As festividades prosseguiram na casa da árvore durante a tarde e a noite afora; o banquete, os brindes e comemorações.
J - E viva os noivos!!!
Todos em uníssono - Viva! Felicidades!!!
Também de certa forma se despediam de William, que, apesar de estar ciente do que lhe encontraria, estava feliz, pois sabia que era seu destino e estava indo em paz.
V - E viva o William!!!
Todos - Viva!!!
J - É, irmãozinho, para alguns mais do que para outros o que você fez em poucas semanas demorou a vida inteira.
W - Ora, então um viva para as mudanças e por um futuro melhor que está por vir!
Todos - Viva!!!

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A música tocava no gramofone; os noivos, ainda que um tanto desastrados dançavam, não estavam acostumados e ainda mais com alguém vendo.
Assai e Jarl estavam apenas observando os dois, além de estarem também conversando sobre a criança que esperavam.
Challenger, William e o Xamã estavam ocupados demais falando sobre as próximas viagens que logo mais fariam.
Marguerite estava na varanda, isolada dos demais durante quase dia todo e pouco falava. O caçador estava em uma cadeira próxima, apreciando sua bebida e cigarro, olhando vagamente entre o casal e a morena na varanda.
Luna estava de longe observando e tentando auxiliar o casal na dança, já que estes estavam com dificuldades, mas também estava atenta aos demais; principalmente em John e Marguerite. Ela podia ver o quanto um amava o outro, mas por que esse orgulho? Sabia que a herdeira estava ferida, assim como sabia que a chance de tentar aproximá-los estava ali diante dela.
L - Verônica e Malone, por que não pedem ajuda? Por que não pedem para alguém os ensinar de forma correta como se dança essas músicas.
V - É uma boa idéia. O que acha, Ned?
N - Eu gostei. É mais fácil do ficarmos aqui tentando em vão, embora eu esteja me divertindo.
V - Não custa tentar. Quem, Luna?
Luna seguiu até John, pediu-lhe consentimento e o trouxe para próximo do casal. Antes mesmo que alguém pudesse protestar, a herdeira, que estava curiosa diante da cena, observando agora mais de perto, apenas notou quando a feiticeira puxou-a pelo braço e em instantes se viu nos braços do caçador, frente a frente com ele.
L - Pronto. Eis quem pode ajudar vocês dois?
V e N - Eles?
J e M - Nós?
L - Sim, com certeza. Vocês que vieram de outro mundo devem saber dançar essas músicas, podem ajudar Verônica e Malone.
Malone, em tom baixo ao pé do ouvido de Verônica, cochichou:
N - Isso se eles não se matarem antes.
V - Shhhh...
L - Bem, vamos, o que estão esperando? Eu também gostaria de ver como se dança essas músicas.
John e Marguerite estavam próximos, próximos demais. Ele apoiava de leve seus braços abaixo dos de Marguerite, ambos se olhavam, mas não conseguiam falar nada; porém, a pedido dos noivos e até mesmo de Luna, que seria a responsável por aquilo tudo, eles puderam seguir às coordenadas da música, ainda que em silêncio. John segurou na cintura de Marguerite e ela no ombro dele, ambos seguravam tão delicadamente que pareciam até serem de vidros.
Estavam evitando se falar, principalmente se tocar, embora em seus íntimos eles quisessem mais do que aquele toque, queriam mais do que dançar, mas o passado e as cicatrizes pareciam não deixar.
John, ao pegar a mão esquerda de Marguerite, pôde sentir o corte; a pele ainda parecia estar um pouco áspera, permitindo que fosse perceptível no toque. Ele, então, desviou seus olhos dos de Marguerite, direcionou-os na direção da palma da mão dela e viu ainda o corte fundo que atravessava a mão delicada; não era o corte que lhe doía, mas sim o motivo, ele era o motivo. Certamente aquela seria uma cicatriz que não iria curar da noite para o dia, assim como o coração da herdeira,
John se sentia terrivelmente culpado, uma culpa que não cabia dentro de si, imaginava a dor e o sofrimento que a herdeira havia sentido, além de poder ter em sua mente, pela descrição de Verônica, como Marguerite ficou, cada lágrima, cada gota de sangue e cada folha de seu diário sendo rasgado; e tudo, tudo, tinha sido culpa dele, ele quem causara tudo isso. Pobre Marguerite, não merecia isso, ele havia quebrado sua promessa, faltado com sua palavra.
A herdeira percebeu o olhar de John, assim como sua falta concentração, ele parecia disperso do ambiente, da dança, estava olhando para o corte em sua mão, para a sua cicatriz. E para Marguerite o que John havia lhe causado ainda estava longe de ser curado. Tirou sua mão da dele e esquivou-se rapidamente.
M - Desculpem-me Ned, Verônica e Luna; quem sabe em um outro dia eu lhes mostro como se dançam as músicas "de meu mundo", como chamam... Mas hoje não, já é tarde, preciso me retirar.
A herdeira simplesmente deixa a todos ainda sem saber bem como reagir e segue para seu quarto. John estava se sentido incapaz de pronunciar qualquer palavra, apenas os pensamentos de Marguerite se cortando lhe vinham a mente. Ele a seguiu; não podia permitir que a situação toda ficasse assim, ele tinha que tentar falar com ela, tinha que consertar o que havia causado, ou pelo menos ter a chance de se desculpar.

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No quarto, Marguerite estava sentada na cama, de cabeça baixa, se lembrando de quando havia feito aquele corte, das palavras que John havia lhe falado naquele dia ao sair e que deixaram-na desolada.
A herdeira olhava para a sua mão, vendo a cicatriz que havia se formado, mais uma; durante a guerra havia ganho algumas cicatrizes, até mesmo no platô isso tinha acontecido, mas nenhuma tão dolorosa quanto esta.
O caçador entrou no quarto, apenas na porta e parou. Observava a mulher que ele jurou proteger chorar, provavelmente estava chorando por causa dele. Durante um tempo ele ficou quieto, aquilo lhe doía tanto... a culpa de que se ao menos naquele dia tivesse ouvido ela, ter esperado e não ter agido como agiu, tudo seria diferente.
M - O que está fazendo aqui? Se me lembro bem, já falei que no meu quarto você não entra mais.
J - Marguerite, eu preciso me explicar, por favor, precisamos conversar.
M - Não há nada que eu queira conversar com você. Vá embora, por favor.
O caçador se atreveu a entrar, mesmo contra o que a herdeira havia lhe ordenado. Ele precisava daquilo, conversar ou ao menos se desculpar.
J - Marguerite, tem que me ouvir. Eu sei que está magoada, que a culpa disso tudo é minha. Eu nunca quis...
M - Chega! Por favor, chega. Eu não quero ouvir nada que venha de você. Não quero. Vá embora, saia da minha frente. Da minha vida.
O caçador viu que Marguerite parecia chorar ainda mais com sua aproximação, ela parecia ferir-se mais; mas sabia também que era mentira, que ela não o queria fora de sua vida e o que o caçador nunca havia feito até então, nem mesmo por sua mãe, ele fez por Marguerite. Lord John Roxton ajoelhou-se diante da herdeira, que permanecia sentada na cama aos prantos e com a cabeça baixa, havia lágrimas nos olhos do caçador.
J - Marguerite, eu lhe imploro, me perdoe? Eu agi por impulso, não me contive e sei que errei com você. Eu nunca implorei por nada, nem por ninguém. Por favor, me perdoe.
Marguerite, em seu íntimo, queria se deixar cair nos braços do caçador, perdoá-lo, abraçá-lo, mas não podia, não confiava mais nele, no amor dele. Que ama não trai e ele a traiu, traiu sua confiança. Quantas vezes ela negou se entregar para ele por pensar que ele seria como qualquer outro homem que já teve em sua vida... Mas não, ele foi persistente, quase quatro anos para nada, para traí-la, machuca-la como qualquer outro. Aliás, ele fez pior, ele sabia de tudo, dos seus medos, segredos e sentimentos e nem sequer os considerou quando agiu.
Marguerite levanta-se, fica em pé diante do caçador ajoelhado, ergue o queixo dele para que a olhasse nos olhos.
M - Desnecessário isso, Lord Roxton. Implorar?! Acha mesmo que isso vai consertar o que fez? Que vai me fazer mudar de ideia? NÃO, NÃO E NÃO. Você não foi igual aos homens da minha vida, foi pior; você caçou a presa, preparou o território, a armadilha, devorou e jogou os restos fora - isso quando não queria mais. Pouco me importa se agiu por impulso, você fez na primeira oportunidade que teve, escandalizou meu passado para todos saberem, me julgou achando, é claro, que só você tinha razão. Como posso confiar meus segredos a alguém que na primeira oportunidade que tem me joga aos lobos para ser devorada? Alguém a quem entreguei meu amor, meus sentimentos... Tem ideia do quanto foi difícil pra mim me sentir pronta para me entregar? Não, você não tem. Porque você NUNCA amou ninguém, NUNCA foi traído por alguma mulher, nunca amou de fato uma mulher. Você sempre esteve do outro lado da história e com certeza eu não serei a última a ser machucada. Não sei o que passou pela minha cabeça em achar que comigo seria diferente.
J - Marguerite... É...
M - Shhh! Eu não terminei. Você ainda tem algumas coisas mais para ouvir. Começando pelo fato de que não quero que fique mandando seu irmão me bisbilhotar; o que penso e o que sinto cabem a mim e a mais ninguém. Você teve a chance; eu um dia pensei que poderia compartilhar tudo isso com você, mas percebi - e agora vejo claramente - que não posso confiar. Já pensou se isso fosse em Londres? Eu estaria morta por sua culpa. Olha o que você me faria; mas ainda bem que não estamos lá. Eu não me orgulho do meu passado, mas certamente o seu não é melhor que o meu. Porque tudo o que eu fiz foi para me manter viva, enquanto você, suas enrascadas, puro luxo, você nunca precisou vender a alma para viver, você não tem idéia do que é isso, do que é passar necessidade. Imagina... Você? Passando necessidade?! Não, você foi criado na nobreza, teve toda a fama que poderia desejar. Assim como já me causou mais sofrimento e dor do que qualquer outra pessoa. Isso é amar, é proteger, é confiar para você? É isso? Porque se for, e eu sei que é, dispenso. Nunca precisei de ninguém e agora muito menos. Então SAIA do meu quarto se é que ainda lhe resta alguma consideração por mim e não me procure mais, nunca mais! Nem aqui nesse maldito platô, nem quando retornarmos a sociedade.

O caçador já não detinha mais as lágrimas, elas agora rolavam em seu rosto. Olhava para a herdeira, que estava com a expressão dura, amargurada e o rosto também molhado pelas lágrimas, lágrimas que a própria tentava em vão deter. Não havia mais nada a ser dito, ele havia causado isso, ela estava certa; ele perdeu o amor da herdeira. Como ele pôde fazer isso? Como pôde magoa-la desse jeito? Nem ele mesmo sabia. Não conseguia responder as perguntas que se formavam em sua cabeça, apenas sabia que ele era o culpado, que iria obedecer o seu pedido e iria se manter longe, iria respeitá-la. O caçador se levantou e, mudo, olhando para o chão, as lágrimas caindo, se retirou do quarto de Marguerite, seguindo para o seu próprio. Ela, por sua vez, se jogou na cama, afundando-se entre as cobertas e o travesseiro e se permitiu chorar até que o sono chegasse.


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