Choque de Tempo escrita por Miss Krux


Capítulo 15
Capítulo 15 - De homem para homem, irmão para irmão.




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Na casa da árvore já se passava da 23 horas, as conversas seguiam animadas, eram tantos assuntos, tantos ocorridos. Malone não sabia bem se contava o que viveu, se ouvia sobre o que os outros contavam ou se fazia perguntas. Challenger já estava desanimando, na verdade, o cansaço e o sono já estavam obrigando o cientista a bocejar várias vezes, embora gostaria muito de ouvir tudo o que o jovem jornalista tinha para dizer. Verônica observava o seu amado; estava tão feliz por tudo que tinha acontecido neste dia que só de ver o brilho em seus olhos podia-se ver que estava vivendo e tentando memorizar cada momento.
O casal John e Marguerite já estavam na varanda como de costume, não pareciam estar conversando sobre algo em especial, na verdade, pareciam até quietos demais, mas não adormecidos. Estavam apenas juntos observando o platô, observando a paisagem - assim como Verônica vivendo aquele momento - e estavam em um de seus lugares favoritos da casa. Como gostavam de ficar ali... Era tudo tão pacífico, tudo tão calmo visto dali.

C - Bem, acho que serei eu o estraga prazer hoje e vou me retirar primeiramente, estou exausto. Me perdoem. Uma boa noite para todos vocês.

Todos desejaram-lhe o mesmo. Logo, Verônica e Malone também rumavam cada um para seu quarto; embora não tivessem assumido ainda aos demais que estavam juntos, pois estes tinham alguns outros assuntos para conversarem, durante todo o jantar eles mal conseguiam tirar os olhos um do outro. Claro que não passou despercebido, principalmente por Marguerite, mas naquele momento, naquela noite, ela não iria inportuna-los com isso.
Logo estavam apenas Marguerite e John sozinhos na sala. A herdeira já tinha em mente o que o caçador pretendia fazer: como ele havia deixado claro, iria ter uma conversa com William, e ela sabia que seria necessário, uma vez que o novo hóspede ficaria mais do que o desejado e pretendido. John estava com um semblante sério, estava feliz por ele e pela a herdeira, mas sabia que o tão esperado momento havia chegado.

J - Marguerite, eu não gostaria de ter que te pedir isso, não depois da investida que meu irmão lhe deu, mas pode, por favor, avisá-lo apenas que o estou aguardando?

M - Claro.

Marguerite pensou em encerrar a conversa nesse ponto, mas não podia; logo ela voltou até onde John estava, lhe deu um beijo no rosto e, bem baixinho, lhe falou ao pé do ouvido quase como se fosse um segredo que ninguém poderia ouvir:

M - Estarei lhe aguardando acordada, no seu quarto. Ainda precisa de cuidados e alguém para garantir que não haverá mais nenhuma luta livre por aqui.

Antes que a herdeira pudesse dizer mais alguma coisa ou mesmo esquivar-se, John a beijava voraz, com uma das mãos em sua nuca, pressionando-a contra si, sua outra mão apertava suavemente o braço de Marguerite como garantia de que ela não tinha como escapar (algo que ela sempre fazia quando o caçador tentava algo mais sério, embora ele mesmo admitia que adorava suas fugas - as recompensas eram no mínimo gratificantes, além de calorosas, principalmente nos últimos tempos). Quando John finalmente a soltou, Marguerite chegava a estar ofegante, mas ambos sabiam agora não era hora.

A herdeira, então, tratou de ir chamar William.

M - William, posso entrar?

William estava apenas deitado olhando para o teto, vestindo somente a calça e a camisa que havia pego emprestada de John, descalço, um pouco despenteado - provavelmente teria dormido por alguns minutos.

W - Claro, Senhorita Krux, quer dizer, Senhorita Roxton, como meu irmão disse mais cedo em alto e bom som.

M - Bem, você mereceu. Ainda acho que John foi paciente com você, ou ele o ama muito ou de fato está muito machucado, pois se fossem outras condições duvido que ele não iria lhe revidar sobre o episódio de ontem. Você por ser irmão dele deveria saber e, a propósito, ele o está esperando. Sugiro que ande logo e seja breve, porque eu quero dormir e não posso passar a noite de vigia.

William estava diante da herdeira, fuzilando-a com o olhar; ela era linda, mas impetuosa demais e tinha uma língua que parecia ser mais afiada que a lâmina de uma espada; sabia que lhe devia respeito, mas nem por isso o faria.

W - Sabe, senhorita, nunca vi mulher com tal impetuosidade. Porém, algo me diz que isto seja tudo superficial, que por trás dessas barreiras que coloca tenha uma mulher no mínimo inesquecível. Aprecio seu amor por meu querido irmão, só tenho dúvidas de que seja verdadeiro, mas não serei eu que irei determinar isso. E quanto ao seu sono de beleza, fique tranquila, o terá devidamente.

Marguerite estava furiosa com o homem loiro, ele gostava mesmo de brincar com perigo, aliás, havia perdido a noção do perigo. Não sabia quem ela era, não a conhecia e, pior, era como se desafiasse o irmão, parecia ter prazer em faze-lo ou talvez apenas o estivesse testando. Ela não o suportava, disso tinha certeza; porém, a herdeira preferiu não responde-lo e apenas indicou o caminho com um gesto irônico e seguiu para o quarto de John.

O caçador estava sentado próximo à uma mesinha onde estava seu copo com uma dose de whisky e seu cigarette acesso, embora Challenger houvesse avisado mais cedo que devido as medicações não era aconselhável ele consumir alguma bebida que contivesse álcool, o caçador estava nervoso demais para não fazer. William estava em pé. Agora ambos se entreolhavam, medindo um ao outro dos pés a cabeça, analisando cada expressão, cada linha do rosto, fuzilavam-se - certamente se John estivesse em melhores condições eles já não estariam se encarando, estariam se esmurrando. Depois de um grande esforço, John conseguiu ser o primeiro a quebrar o clima pesado que se formava.

J - Bem, acho que não estamos aqui apenas para ficar nos encarando, William. Sente se.

William encarou o irmão com tanto ódio, o fitou como se pudesse terminar o que havia iniciado na noite passada, mas sabia que se tentasse algo teria todos os moradores em instantes por cima dele, além do próprio irmão. E, apesar de tudo, ele precisava dessas pessoas.

W - Dispenso. Prefiro ficar onde estou, até porque não pretendo demorar muito e você também deveria ter isso em mente já que, se não for breve, sua amada esposa logo não terá o sono de beleza, o qual não acho mais que justo visto que ela é realmente uma mulher encantadora. Como papai sempre diz, forjada a aço e fogo.

John em um gole tomou o whisky que estava ao seu lado, sentiu sua garganta queimar e teve que se segurar o máximo que podia; o fato de ser seu irmão diante de seus olhos já o deixava nervoso o suficiente, mas agora tocando no assunto, se referindo ao seu pai, lembrou-se de que William ainda não sabia que este também havia falecido. Mas nesse assunto não pretendia tocar, não agora. Além disso, o desejo do irmão por Marguerite também o tirava do sério.

J - Como você disse: "minha amada esposa"; minha, William. Que isso lhe fique bem claro. Sim, forjada de aço e fogo como nosso pai sempre diz, mas que nunca escapará das minhas mãos para ir parar nas suas, aliás, nas de ninguém. Eu imagino o quanto ela deve ter lhe alertado sobre o seu sono, mas não é falar dela que estamos aqui.

William estava por dentro se corroendo de ciúmes e de paixão. O irmão não a merecia. Não, ele a queria como sua, como sua Lady e não como cunhada, além de duvidar do amor dela por John. Mas agora não iria se preocupar com isso, ele teria bastante tempo para cuidar desse assunto, queria logo se livrar dessa conversa impetulante e tediosa com o irmão.

W - Certo, John, deixamos a bela Senhorita Krux, futura Senhora Roxton, de lado. Você não me chamou aqui para falarmos sobre isso e este também não foi o motivo pelo qual o Professor Challenger me trouxe do passado.

J - Não, não foi este. O motivo pelo qual o professor lhe trouxe é porque amanhã completaria 14 anos de sua morte. Sim, todo esse tempo e eu ainda me lembro de como tudo ocorreu. Na verdade, este acontecimento matou nós dois. Eu só soube o que era ter gosto de viver, ter por que lutar novamente com a expedição Challenger, quando conheci Marguerite; daria meu último ar por ela, ela me trouxe de volta a vida. O que aconteceu com você, o que eu causei a você, foi um acidente. A bala atravessou o gorila atingindo-o direto no coração e matando-o quase que instantaneamente. Eu não queria, William, não foi minha intenção. Sempre carreguei isso comigo, como o meu próprio carrasco me condenando. Mas Marguerite me fez ver que eu não era isso que imaginava ser, que tudo foi um acidente, que eu não era tão culpado assim. Por isso, William, este é o último aviso que lhe dou a respeito dela: nem sequer pense em fazer algo contra ela, em tentar algo, porque se ela não o matar (o que eu não duvidaria), não me importaria em voltar a ser o culpado de sua morte, porque desta vez o faria de propósito. Então, esteja ciente de que quando se trata de Marguerite eu não me responsabilizo por meus atos.

William pôde ver a verdade estampada nos olhos verdes do irmão - tanto sobre o acidente como sobre Marguerite, ele estava sendo sincero e, se tinha algo que sempre foi ensinado a William, assim como a John, fora a preservação da verdade; sempre, desde criança, seus pais os ensinaram honras e princípios como a verdade e a honestidade.

W - Muito bem, Johnezinho, você fica com tudo e eu fico com nada. Acredito que tenha sido um acidente, mas nem por isso o perdoo por ter me tirado a vida ou por ter feito nosso pai nos levar naquele maldito safari, por nunca ter me perguntado o que eu queria, por sempre estar me encarando na mesa do café da manhã. Acredito que após minha morte ficou com a herança, com as poses e propriedades, além de, claro, você agora ser o Lord da família. Papai sempre quis que fosse você e não eu, aposto que nem deve ter sentido minha falta e que obviamente deve ter ficado muito satisfeito quando você assumiu tudo. Pobre da mamãe ter que suportar a ausência de vocês dois, pai e filho, sempre viajando, se aventurando, suas noites de jogos, bebidas e mulheres. Nossa mãe passava noites lhe esperando, John, enquanto nosso pai, claro, depois de bebidas e jogos já estava dormindo. Ele protegia você que deveria estar nas noites com alguma prostituta barata de Londres, sempre foi assim. "Ele está apenas sendo homem", papai falava para mamãe. Não, dessas coisas nunca irei perdoá-lo e espero que não seja assim que pretenda tratar a senhorita Krux; porque se fizer, será eu que irei lhe matar dessa vez. Nem ela, nem muito menos nossa mãe merecem esse tipo de coisa.

John abaixou a cabeça, sentia-se como se tivesse sido atropelado por um trem a vapor. William não estava errado; na verdade, estava certo, tudo o que havia lhe dito, do que havia lhe acusado, era verdade. John sempre passou noites e noites sem vir para casa enquanto sua mãe o esperava; menosprezava a nobreza; nunca se importou com dinheiro; sempre quis apenas viver a vida, viver aventuras, e muitas vezes isso gerou boatos que viriam cair nos ouvidos de Lady Elizabeth fazendo com que se entristecesse muito, com que carregasse muitas mágoas. Mas mesmo antes de sua vinda ao platô ele já estava mudando, já não dava os mesmos trabalhos que deu na sua juventude. Ainda assim, sua saída do exército foi um desgosto enorme para a mãe, ele nunca pôde explicar os motivos também. E agora, no presente, talvez ela ainda estivesse em casa, na mansão da família, o esperando voltar ou até mesmo achando que ele estava morto, sozinha.

J - Sabe, William, aconteceram muitas coisas. Eu não sou mais aquele John que você estava acostumado a ver, aquele garoto, hoje eu sou um homem. Sei que errei muito e estou consertando, todos nós merecemos uma segunda chance e isso é algo que esse lugar acabou me ensinando muito, me mostrou mais de uma vez. Quanto a Marguerite, já lhe falei, eu cuido. Então, agora será que podemos nos acertar de uma vez por todas? Porque, como lhe disse, pelo menos a civilidade temos que manter. Embora estejamos no lugar onde estamos, somos dois homens adultos, maduros, criados com a melhor condição que se pode ter na Inglaterra, não iremos nos tratar como dois selvagens.

John estendia a mão para William como sinal de "paz", se é que isso era possível entre eles, mas ambos estavam cansados. A conversa não tinha sido algo fácil, a experiência em si estava sendo horrível e uma das piores para os dois irmãos e eles estavam dispostos a conviverem civilizadamente - principalmente pelo fato de um estar dependendo do outro ali. Além disso, os demais moradores da casa da árvore não tinham nada a ver com suas brigas pessoais.

W - Feito, meu irmão; uma trégua. Ou melhor, como me falou, uma segunda chance de conseguir meu perdão.

Ambos apertaram as mãos e, para surpresa de John, William o estava ajudando a se levantar.

J - O que está fazendo?

W - Tentando fazer um ato de boa fé. Acho que desde minha chegada não devo ter sido um dos melhores hóspedes. Estou levando-o para o seu quarto, o qual ainda não sei onde é; poderia me fazer o favor de apontar a direção certa?

John não esperava, mas ainda bem que William o estava ajudando, pelo menos dessa vez. O caçador apontou a direção e o irmão ofereceu apoiou, auxiliando-o a chegar no quarto.

Para surpresa de ambos, quando adentraram o quarto a bela herdeira dormia tranquilamente sobre a cama de John; só não era mais tranquila por estar segurando uma arma sobre sua barriga, provavelmente esperando que houvesse uma briga pior entre eles e ela tivesse que intervir.

Para John, que já a conhecia, não era surpresa alguma. Ele se lembrou do dia que acharam um baú pirata e ela estava dormindo na mesma posição, no sofá, vigiando o tal baú, as jóias que havia dentro. E agora ela deveria ter ficado assim de prontidão por ele, aquilo aquecia o coração do caçador.

Para William era uma surpresa. Agora sim ele acreditava que ela o mataria por John. Mas dormindo... Sua expressão branca, os cabelos espalhados e negros como a noite, o que lhe causava um grande contraste com a pele delicada, o perfume, a beleza, o corpo esquio, chegavam a lembrar até uma deusa, uma divindade daquelas que havia lido em um de seus livros antigamente.

W - Ela é sempre assim?

J - É que você não a viu de mau humor na mesa do café da manhã ou, pior, sem café.

W - Não, John, isso eu mesmo já percebi. A falta de compaixão dela por mim ficou bem nítida. A beleza, ela até parece que saiu de algum livro que líamos quando criança, sobre deusas e divindades.

J - Acredite, William, ela é diferente de qualquer mulher que já conhecemos em nossas vidas. Essas deusas e divindades não chegam aos pés. Ela é minha esposa! Mas que droga, você não aprende não é mesmo? Vou ter que ficar falando isso em todos os dias que você permanecer aqui?

William percebeu os olhares que o irmão lhe dirigia também, além do tom de reprovação e, bem, causar uma briga agora era tudo o que estavam tentando evitar.

W - Já entendi que ela é sua. É melhor pararmos por aqui. Não vai acontecer de novo. Aliás, onde pretende dormir? Ela pegou sua cama toda. Te coloco para dormir no chão?

John suspirou; era verdade, Marguerite havia pego toda a sua cama e agora não tinha lugar para dormir e não iria acordá-la, até porque não era seguro.

J - Vou dormir no quarto dela, creio que ela não se importará. Pode me levar até lá? Aliás, antes que ela acorde.

W - Levo sim. Mas olha, meu irmão, pelo que me falou acho que você estará encrencado amanhã. Ainda bem que ela é problema seu.

J - Hahaha! Aí que se engana, maninho, se acha que só por não ter feito nada ela lhe dará o perdão facilmente. Marguerite irá brigar, no mínimo, com nós dois. Mas eu com ela me acerto, afinal, somos marido e mulher e, como diz um ditado antigo, ninguém mete a colher - principalmente você.

Os dois estavam no quarto de Marguerite, que era bem diferente do de John: era mais espaçoso (isso se não fosse o maior da casa, ou melhor, o segundo maior, uma vez que o maior mesmo era o de Verônica), sentia-se o perfume inebriante de Marguerite por toda parte, a cama muito bem arrumada, havia alguns tecidos finos por cima, esticados. O mosquiteiro estava fechado em volta da cama, dando um ar de nobreza e delicadeza ainda maior ao quarto; ao lado, uma mesa com um diário e caneta - ela deveria estar escrevendo algo mais cedo. William logo ajudou o irmão a sentar-se na cama, abrindo o mosquiteiro por inteiro para que, se tentasse levantar, John evitasse de se enroscar e cair.

W - Bem, já fiz minha parte. Boa noite, Johnezinho.

J - William, antes que saia, obrigado por me conceder uma segunda chance, por aceitar ter feito as pazes.
W - Eu não disse que aceito, meu irmão, apenas que é uma trégua. Portanto, esteja certo que será essa sua segunda chance que me fará saber se quero estar em paz com você ou não, se não me fará diferença. Boa noite.

William se retira do quarto rumo ao seu próprio, deixando John um tanto ainda desolado, mas mais aliviado, ao menos agora os demais estariam livres de seus conflitos. Ao se deitar, o caçador não pôde deixar de perceber que por baixo do travesseiro havia uma pistola. "Acho que nem sempre ela está distraída quando lhe dou sermões". John logo estava relaxado, sentindo o perfume dos cabelos de Marguerite no travesseiro, lembrando-se dela em seus braços, aceitando seu pedido de casamento, aceitando estar junto com ele, dividir seus segredos e medos. Seu coração parecia que aquecia com as lembranças, as imagens da herdeira formando-se em seus pensamentos... Até que logo se perdeu no mundo dos sonhos; claro, sonhando com sua esposa. Ouvir o som dessa frase, "sua esposa", ainda lhe causava arrepios; uma sensação como se perdesse a voz, mas a melhor das sensações, com certeza.


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