Silver escrita por Isabelle


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

"Substitua o bagaço do meu coração
Tão manso e sem descanso
No seu pulso, no balanço, no bater"
— A Banda Mais Bonita da Cidade.



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O batom nos meus lábios estava desbotado, e a tempestade caia forte a minha volta.

Estacionei o carro na frente do prédio cinzento, ao lado de uma árvore morta, e respirei fundo antes de pegar a bolsa e sair. A noite tinha sido um desperdício gigantesco, não queria passar mais nenhum minuto dentro daquele cubículo, onde há duas horas eu havia acabado de ser chutada pelo meu namorado que uma noite anterior havia dito que me amava enquanto eu estava nua em cima dele. Eu realmente estava me sentindo uma completa idiota. Sabia que ele teria terminado comigo na noite anterior se não fosse o fato de eu ser tão burra e não perceber que ele não estava ali para transar, mas sim para meter um pé em minha bunda, mas o que posso dizer? O amor havia enfiado dois pregos em meus olhos, e acrescentado um em meu coração, agora estava sendo doloroso tirá-los.

Meu cabelo voou tão rápido por conta do vento quanto os pingos de chuva que os inundaram. Eu estava me mantendo forte. Tentando manter as aparências? Não, não mesmo. Até aquela hora eu não senti a vontade de soltar uma única lágrima, ele não merecia nenhuma delas. Mas então, enviada no meio do vento, se misturando aos pingos de chuva, a raiva veio. A única coisa verdadeira que eu sentia naquele momento. Uma raiva gigante por ser tão estupida. Raiva por entrar na merda daquele prédio e esquecer a chave do apartamento dentro do carro. Aquilo sim me fez chorar. Aquilo fez com que eu desabasse no chão sujo e cheio de barro daquele prédio velho e começasse a chorar feito um bebê que acaba de acordar com fome. Eu já havia me sentido burra, mas não tão burra como naquela noite. Naquela noite eu me sentia totalmente perdida.

Eu havia me mudado para lá por conta dele. Havia sido ele desde o começo que havia me convencido de que seria um ótimo lugar para fazer faculdade, e que uma pessoa talentosa e estudiosa como eu merecia estar em uma faculdade como aquela. Então, como uma criança comprada por elogios, eu fui. Agora estava em uma cidade que eu mal conhecia pelo chamado amor. A única coisa que o amor tinha feito por mim naquele instante havia sido me quebrar em mil pedaços, e me deixar em uma cidade desconhecida com a merda de um coração partido e uma chave de apartamento dentro de um carro perdido no meio de uma tempestade. Então, sim, eu merecia aquelas lágrimas pesadas que escorriam do meu rosto. Merecia gritar, mas nunca tinha sido o tipo de garota que grita para os ventos como a vida era injusta. Porque ela não era injusta. Eu tinha um apartamento, uma faculdade ótima, comida, e uma família que me amava. A vida não tinha nada de injusta comigo.

Então, eu fiz o que qualquer ser humano estúpido e quebrado teria feito, deixei minha bolsa e meus saltos na porta do prédio; e sai correndo até meu carro. É claro que eu podia ter pego outra chave na recepção, mas a gente não pensa muito bem quando nosso coração está gelado, e aquele aperto no peito só te faz querer chorar, como eu disse, eu fiz o que qualquer ser humano estúpido e quebrado teria feito.

A chuva me molhou por completa, e aquilo por nenhum momento me aborreceu. Abri o carro e encontrei a chave original acompanhada por uma copia que eu mesma havia mandando fazer para o senhor “vamos dar um tempo”. Nem ao menos conseguia olhar para aquela chave sem sentir raiva. Eu realmente era ridícula, tão ridícula que eu comecei a rir de mim mesma naquele carro, ria e chorava, era realmente ridículo.

Eu tinha estado ali horas antes, passando um batom vermelho naquele pequeno espelho. Eu tinha sorrido para mim, e olhado pela janela vendo ele ir até o carro com aquele andar desleixado. Eu havia beijado os lábios dele, e percebido o quão duros eles estavam ao entrar em contato com os meus. Então ele se afastou. As costas duras, o olhar para o céu, e eu já sabia. A única coisa que se passou na minha cabeça naquele momento, enquanto o maxilar dele estava firme, é que na noite anterior eu havia ficado nua na frente dele, eu havia deixado ele entrar em mim, e ouvido ele sussurrar que me amava. Essa era a única coisa que se passava na minha cabeça. As palavras em alto e bom som do quão burra eu era ao acreditar naquele eu te amo, e ir dormir feliz. As ligações não atendidas também fizeram mais sentido naquele momento.

— Nós precisamos conversar. — Olhou firme para meus rosto, mas eu não consegui olhar para ele.

Engoli seco.

— Acho que precisamos dar um tempo. — disse, e eu senti uma vontade súbita de rir. — Um mês. — As palavras ecoavam. — Preciso pensar sobre umas coisas, e eu acho que você também.

Tracei meu olhar até o fim da ruiva, e soltei a risada que tanto borbulhava dentro de mim, a risada que comprovava minha capacidade de ser tão ridícula.

Ele olhou assustado, mas começou a rir também, com um peso leve no peito. Na sua cabeça ele deveria ter achado que aquilo era um alívio para mim, tanto quanto era para ele.

— E eu faço o que em um mês enquanto você fode toda essa cidade? — Finalmente olhei nós olhos dele. — Eu devo sentar e chorar por você, e daqui um mês abrir minhas pernas para você como algumas meninas vão? Olha, admiro elas, mas não vai ser isso que vai acontecer. A gente vai terminar aqui e agora, André, então saia do meu carro.

— É assim que você quer que o nosso namoro de dois anos acabe? 

 Bufou em desagrado, como se eu estivesse errada.

— Pensava que iria saber lidar com isso, entender que é só um tempo...

— Eu quero que você saia da merda do meu carro. — Tinha dito firme.

Seus olhos dançaram por mim, antes que ele murmurasse algo como "maluca", e ele saísse do carro. Me deixando intacta no mesmo lugar, com um coração estilhaçado em tantos pedacinhos que eu duvidava conseguir recolher todos para colar depois. 

É claro que eu não conseguia ver seu rosto, mas tenho plena e total certeza que ele sorriu sentindo o poder da liberdade. Era isso que ele queria, um ponto final, e eu havia dado para ele sem a menor relutância, sem implorar para que ele ficasse, tinha facilitado a situação dele, e mal sabia eu, que eu havia facilitado para mim. 

Sai do carro com as duas chaves, e voltei lentamente para o prédio com os ombros derrotados. Eu queria aquela chuva me molhando, eu a queria caindo em mim como as grandes lágrimas que eu deveria estar chorando, eu queria que os trovões soassem como se fossem os soluços altos que eu soltaria aquela noite sobre o meu travesseiro. Eu estava tão cansada que a única coisa que eu poderia pensar naquele momento era em uma garrafa de vinho e uma boa noite de choro e sono.

O elevador fez um barulho estridente ao chegar no T, e eu entrei encharcada pela chuva que caia sem a menor piedade. Apertei o botão para meu andar, e ele começou a se movimentar lentamente. Tentei evitar ao máximo cruzar meu olhar com o espelho, porém, meus olhos foram atraídos para lá como se eu tivesse algum prazer por ser ridicularizada. Até mesmo por mim mesma.

Foquei nos dois olhos verdes que estavam vermelhos por conta das ´lágrimas, depois na boca seca e borrada. Eu não queria ver aquilo, eu não queria estar chorando. Eu não devia estar chorando. 

O corredor branco parecia três vezes mais largo ao longo dos meus passos, e a unica coisa que eu queria era poder cair na frente da minha porta e passar a noite ali com a cabeça prensada na porta meditando, contudo, parecia que alguém já havia feito aquele papel por mim.

Seu corpo estava jogado pelo corredor, e eu não tinha muita certeza se ele estava acordado. Suas costas estavam encostadas em minha porta enquanto suas pernas estavam esticadas pela corredor até a outra porta que era bem em frente a minha. Eu enxuguei meus olhos pensando que era, com certeza, algum tipo de brincadeira malvada da vida, me dando visões, mas realmente havia um homem jogado em frente a minha porta, e ele nem ao menos parecia consciente de seus atos. 

— Com licença? — Disse a ele.

Os olhos castanhos escuros se moveram para mim, e eu vi naquele rosto firme enquadrado por cabelos pretos o quanto ele deveria estar bêbado. Para começar ele fedia de longe cerveja, não só cerveja, mas esse era o cheiro que o predominava. Provavelmente, ele deveria ser o meu vizinho da porta da frente que havia excedido seu limite de bebidas, e agora estava achando divertido tampar a porta da menina tola que havia acreditado nas palavras eu te amo.

— Toda. — Disse abrindo os braços, dificultando ainda mais minha entrada.

— Você pode, por favor, dar licença? — Pedi novamente. — Tipo tirar essa sua bunda e movê-la para sua porta?

— Se está tão inconformada devia se sentar no meu colo. — Sua voz estava coberta pela embriaguez. 

— Qual o sentido que isso faz? — Percebi que ia tentar discutir com alguém bêbado. — Quer saber, eu vou empurrar você, então, apenas não ligue.

Agachei ao seu lado e o empurrei, ou quase isso. Minhas mãos entraram em contato com sua pele que estava extremamente quente, mas ele não se movia de modo algum. Abaixei a cabeça e tentei empurrar com mais força, mas mesmo assim, não havia resultado, ele era muito mais forte que eu.

Levantei meu olhar levemente por ele, e percebi que em sua camiseta havia manchas de sangue que devia ser o resultado de algum soco que ele levara no nariz que continha sangue seco. Então além de bêbado, ele havia se metido em uma briga aquela noite. Isso melhorava bastante as coisas.

— Você está queimando, sabia disso? — Disse, ainda tentando, sem sucesso, empurra-lo.

— Você também é bem quente, gata. 

Suas mãos passaram pela minha cintura, tentando alcançar o que eu acreditava ser minha bunda, e sem nem ao menos pensar, minha mão encontrou seu rosto de uma só vez. 

— Oh meu Deus, me desculpe... — Disse rapidamente, recolhendo as mãos. — O que? Me desculpe uma ova, foi bem-merecido, não tente abusar de mim de novo, seu...

— Meu nome é Wade. — Um riso saiu de seus lábios. — Wade é um nome engraçado você, não concorda? — Ele se enrolava em suas próprias palavras. — Qual o seu nome?

— Não te importa. 

— Muito prazer, não te importa. — Riu noavmente. — Você tem um belo traseiro.

— Eu vou bater na sua cara novamente. — Disse, brava. — E vou dar um chute se você não se mover.

— Acho que vou dormir aqui mesmo.

— O que? — Passei a mão pelo cabelo. — Não pode fazer isso, tenho que entrar, e você está tampando a minha porta. 

— Ou então, posso dormir na sua casa. — O mundo parecia totalmente desanexo para ele.

— O que? Eu não faço a menor ideia de quem você é. Pode ser um estuprador, seu idiota, e está fedendo.

— Por que está sendo tão malvada, não me importa? — Sorriu.

Seus olhos se fixaram em algum ponto, e eu tentei seguir sua linha do seu olhar, contudo não havia nada além de uma parede encardida por conta do tempo,e também pela falta de cuidado. Voltei meu olhar para Wade, e sua cabeça estava pendida para baixo, enquanto seus olhos haviam se fechado. 

— Não pode ser verdade. — Quis gritar, mas soltei um longo suspiro de desgosto.

Peguei a chave a abri a porta do apartamento sem nem me importar com o que aconteceria com ele. O corpo de Wade caiu para trás com tudo, e ele bateu a cabeça no chão com toda a força. Aquilo realmente doeria na manhã seguinte, junto com a ressaca que o acompanharia, nada que uma aspirina não pudesse resolver, mas eu não me importava, ou talvez sim, eu ainda não havia se decidido.

Olhei para ele, e vi o corpo forte de um homem desconhecido que poderia me estuprar a qualquer momento, e mesmo assim arrastei seus braços com muito custo, junto com todo o corpo para dentro do apartamento até um tapete onde o deixei largado.

Wade se moveu rapidamente para cima como se acabasse de acordar de um pesadelo e olhou para mim, como se tivesse algo extremamente importante a dizer. 

— Qual o seu nome? — Os lábios deles disseram, antes dele desmaiar novamente.

Eu olhei para ele lentamente, os músculos definidos, o ar de superioridade, o cabelo cortado perfeitamente. Ele não parecia ser o mesmo tipo de garoto que André. André quando eu o havia conhecido era doce e gentil, Wade não parecia doce e gentil. 

— Boa noite, Wade. — Disse, revirando os olhos.

Aquela fora a última vez que eu havia sido tola naquele dia, ainda havia muitas e muitas vezes para ser ao longo do ano, mas o pacote de tolices havia realmente sido aberto no momento em que deixei Wade entrar no meu apartamento. No momento em que arrastei seu corpo embriagado para dentro da minha casa, fora o mesmo momento que eu o tinha dado liberdade para entrar na minha vida sem nem ao menos reparar que tudo já estava bagunçado, e que eu não aguentaria mais nenhuma bagunça ali. 




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