Silver escrita por Isabelle


Capítulo 2
Capitulo 1 - Wade


Notas iniciais do capítulo

"A calma dela mudando meu rumo
as curvas dela também
na estação do acaso
eu encontrei o meu bem"
— Cícero



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Eu não fazia a menor ideia de onde eu estava.

O ar era frio a minha volta, minha respiração estava densa, e uma dor imensa circulava meu peito, como uma queimação que vinha do estômago e parava em meu peito. Minha cabeça doía junto com meus músculos. Sentia vontade de vomitar, mas parecia não conseguir. Uma aflição grande começou a me apalpar.

Olhei envolta e não reconheci o lugar. Parecia ser meu apartamento, mas ao mesmo tempo não parecia nenhum pouco. A sala estava invertida, e eu não me lembrava de ter um tapete marrom felpudo. Talvez, eu poderia tê-lo comprado na noite passada já que tudo passava de apenas um borrão, um borrão que eu sabia que uma hora ou outra voltaria, e eu sinceramente iria me arrepender de meus atos, como eu iria. Contudo, mesmo assim, isso não explicaria como a sala havia simplesmente ficado invertida. Tentei pensar que fosse somente minha cabeça. Ela estava girando, e doendo como se eu tivesse a batido em uma parede mil vezes seguidas, se bem que eu me recordava de bater a cabeça, apenas não me lembrava aonde, e nem em qual parte da noite.

Uma garota em uma blusa do Star Wars estava me encarando. Olhos verdes vivos e mortais, prestes a me devorar em uma piscada. Ela me intimidava um pouco, principalmente por eu me sentir tão frágil. Tinha na mão direita uma xícara totalmente branca, sem nenhuma estampa, e na outra, uma cartela de remédio. Sim, aquele dia estava ficando cada vez mais assustador. Uma garota no meu apartamento, eu até poderia entender. Uma garota vestida com uma blusa do star wars me dando café e remédio em uma sala invertida, essa parte simplesmente não fazia o menor sentido.

— Bom dia, Bela adormecida. — Disse alto o suficiente.

Sabia que ela estava fazendo aquela tortura somente porque sabia que eu estava de ressaca. Ela não tinha nenhum pingo de piedade naqueles olhos verdes, quem diria no coração.

— Dormiu bem no meu tapete? — Voz dura e fria, ironia clara.

No meu tapete, ecoou em minha cabeça, e eu não pude deixar de soltar um suspiro em alívio. Eu não estava em casa, estava… Okay, mesmo que se eu não estivesse em casa, onde diabos eu estaria? Por que diabos uma desconhecida havia me colocado em seu apartamento, e agora estaria me oferecendo café e remédio?

— Acho que sim, você até babou nele. — Acidez, meu Deus, aquela menina deveria me odiar.

Havia um barulho no fundo da minha mente que não fazia sentido. Minha cabeça doía muito, e eu não conseguia diferenciar muito bem o que era. Tentei focar minha audição na sua fonte original, e acabei por concluir que estava chovendo. Ao menos parecia o som da chuva estilhaçando no chão.

— Oh, meu Deus, você me sequestrou. — Minha voz soou com mais medo do que eu realmente estava. — É uma das malucas que eu já transei, não é?

Olhos verdes famintos e sem piedade me fitaram como se eu fosse maluco.

— Você me trouxe para me torturar. Meu Deus, Alex falou que isso aconteceria.

— O que? — Soltou um suspiro exasperado. — Você tem algum problema? — Ajoelhou próximo a mim, colocando a xícara em uma das minhas mãos, e deu um comprimido branco na outra.

Olhei a textura do remédio e observei-o bem antes de colocar na boca. Ela era uma estranha me dando remédio, eu não podia simplesmente jogar aquela pilula na minha boca de uma vez, sem me certificar que aquilo me mataria ou me sedaria.

— Quem é você? — Troquei olhares entre ela e o comprimido.

— Eu sou a sua vizinha. — O corpo dela se jogou em uma poltrona cor de vinho, uma peça que provavelmente vinha com o sofá em que eu estava apoiado. — A que mora em frente ao seu apartamento. — Dentes apareceram.

Dentes alinhados, com apenas um pequeno espaço entre os dois da frente.

Um espaço que mal dava para notar.

Dentes envoltos por lábios abertos.

Lábios abertos em um sorriso.

Um sorriso extremamente cínico.

Um sorriso de desgosto.

— E se eu disser que não acredito em você? — Soergui uma sobrancelha.

— Isso não é problema meu. — Soergueu uma sobrancelha.

— Você me magoa assim, amor. — Deixei um sorriso espalhar meus lábios enquanto ela revirava os olhos.

Joguei o comprimido para dentro dos meus lábios, eu não tinha a menor confiança nela, mesmo assim, minha cabeça doía muito e qualquer coisa era melhor que aquela dor. Dei um gole no café para espantar a amargura, com uma amargura mais familiarizada. O café estava frio, muito frio.

— Esse café está frio. — Fiz uma careta.

— Novamente, isso não é problema meu. — Bufou. — Podia ter te expulsado daqui sem te dar nada, mas pelo visto, sou muito legal para isso.

Por mais que sua voz soasse ácida toda vez que ela ousava redirecionar a palavra para mim, eu não me importava, e nem mesmo chegar a acreditar naquele teatrinho de menina grossa. Ela parecia mais magoada, do que realmente rude.

— Mas, vizinha? — Ainda não tinha fé. — Você não pode ser minha vizinha. Eu não tenho vizinha bonitas. A não ser a Dona Vera que mora duas portas a frente, mas ela já é idosa. Sempre um doce, ela me oferece bolacha e café. — Bebi mais um gole. — Quente.

— Que pena que você não desmaiou bêbado na porta do apartamento da Dona Vera. — Acidez Acidez Acidez. — Mas por algum motivo, na minha porta.

— Oh, espera, você é a menina que grita demais quando transa com o namorado? — Tentei quebrar a tensão.

Olhos petrificados em ódio, maxilar duro em uma careta.

Cale a boca, Wade

— Aquela é a Jéssica, ela mora no apartamento de cima. — Disse dura. — Não consigo dormir quando eles estão juntos. — Sorriso lateral.

Soltei um sorriso acompanhando-a. Ela não era tão dura quanto parecia ser.

— Por que me ajudou? — A voz soou rouca.

Aquela era a única peça em todo o quebra-cabeça que não se encaixava. Era como se eu tivesse comprado um quebra-cabeça naquela momento e ela fosse a peça que acabara caindo na caixa errada, e por mais que você tentasse, simplesmente não se encaixava de forma alguma.

— Ontem a noite eu cheguei em casa e você estava encostado na minha porta, bêbado que nem uma cabaça.

— Oh.. — Me lembrei vagamente de cenas que também não se encaixavam uma na outra.

— Passou a mão na minha bunda e disse coisas estranhas para mim, e a idiota aqui, te colocou para dentro para dormir no tapete quentinho, ao nives de te deixar no frio daquele corredor. — Maxilar duro, olhos tão bonitos focados nos meus. — Você vomitou a noite toda, e eu estava la para ajudar você a não morrer engasgando pelo próprio vomito.

— Isso é realmente bem doce. — Queria me levantar, mas todos os meus muculos recusavam aquela ideia, então preferi ficar jogado no chão mesmo.

— Acho que já pode ir para sua casa. — Ela abriu um sorriso tentando soar simpática e anestesiar a sinceridade em suas palavras.

Tombei a cabeça do lado como se tentasse lê-la, e um rubor invadiu seu rosto, se concentrando nas maçãs tão redondas e demarcadas. Abri um sorriso tendo questão de analisá-la da cabeça ao pés para que aquele rubor nunca deixasse seu rosto.

Ela tinha cabelos eram prateados em uma cor viva, como se tivessem sido pintados recentemente, mas eles estavam presos em um coque mal feito. A camiseta do star wars, pensando bem, agora aparentava ser um pijama, que era acompanhado por uma calça cinza que encaixava bem em sua cintura, mas ficava largo o suficiente para que ela não se sentisse sufocada com elas. Os olhos verdes estavam vermelhos, como se ela tivesse chorado a noite toda ou usado uma quantidade absurda de drogas, contudo, como ela tinha me arrastado da porta do apartamento até ali, e me ajudado ao longo da noite presumi que ela não havia usado drogas.

— Vai me mandar embora nesse estado? — Ousei finalmente falar.

Os olhos se reviraram em um gesto automático, um sorriso estampou seus lábios e ela colocou a mão na clavícula como se estivesse ofendida.

— Mil desculpas, que coisa horrível da minha parte. Como eu posso pensar em te mandar pro outro lado do corredor ao meio dia, deve ser realmente muito difícil ir até lá nessa tempestade.

— Você é muito malvada sabia disso? — Disse insultado, mas soltei um sorriso de canto de lábio para provocá-la.

— Eu estou sendo legal. — Ela disse sorrindo de leve, e trocando um olhar para o chão como se suplicasse para que eu fosse embora.

E lá estava o único olhar que eu precisava para saber que seu coração estava partido em milhões de pedacinho. Tive que conviver com aquele olhar no meu rosto por meses, de vez em quando ele voltava só para me lembrar que eu ainda não tinha superado. Senti uma súbita vontade de envolvê-la nos meus braços em um instinto protetor e avisar que eu a ajudaria a passar por aquilo.

Passei a mão nos cabelos e percebi que eu estava realmente sendo um empecilho para ela ali. Na noite anterior quando eu havia me arrumado para sair meu único pensamento era convencer Alex a me deixar em paz de suas provocações sem fim. Eu realmente não estava a fim de beber, nem ficar bêbado e louco. Meu pai tinha um passado negro com bebida, um passado que nem minha mãe, nem ele gostavam de falar sobre, então se chegava aquele ponto de ninguém querer falar sobre, eu havia feito uma promessa para mim mesmo que nunca chegaria naquele ponto.

Então, tinha acontecido. Havia bebido demais e nem ao menos me lembrava em qual ponto eu havia perdido todos os meus sentidos. Lembrava vagamente de duas pessoas me carregando e após isso, acordar em um apartamento desconhecido, com uma menina magoada que me olhava com raiva toda vez que me respondia.

Realmente era hora de ir, mas eu não queria ficar sozinho

— Bem, agradeço por tudo. — Me segurei no sofá e me forcei ficar em pé.

Tudo girou por um tempo, mas com a ajuda dela, consegui me mover até a porta. Meus braços envolveram seu pescoço, e ela sorriu fracamente para mim. Meu Deus, como ela cheirava bem. Um cheiro doce e cítrico. Leve, calmo e atraente. Um cheiro que te convida a deitar a cabeça em seu ombro para que você consiga respirar aquela fragrância.

Seus olhos ficaram me observando até eu encontrar a minha chave e entrar no meu apartamento. Meu Deus, como ela cheirava bem.

— Ei. — Eu me virei, antes que ela pudesse fechar a porta. — Qual o seu nome?

— Não importa. —Ela fechou a porta.

O sorriso apareceu tão fácil que eu quis ficar bravo comigo mesmo.

Entrei no apartamento e observei a sala idêntica a dela, com um detalhe ótimo de diferença. Era totalmente invertido, e meus sofás claramente não eram vermelhos, mas sim, de um marrom escuro. Contudo, confortáveis da mesma forma, por isso, deixei meu corpo cair ali, e simplesmente esperei até alcançar a escuridão plena.

Acordei horas depois com uma batida incessante na porta. Eu nem conseguia processar o porquê estavam batendo na minha porta. Ninguém nunca realmente batia na minha porta. Eles tinham o costume de abri-la, e deixar o estrondo que ela fazia me avisar que alguém havia chegado.

Ao longo da tarde, eu havia me levantado várias vezes para arrastar meu corpo até o banheiro e vomitar. Minha cabeça ainda doía e a tensão em meu corpo ainda era clara, contudo, de uma forma bem mais fraca de quando eu havia acordado no apartamento da desconhecida.

Esfreguei meu rosto várias vezes, e me levantei com tudo, sem pensar na dor, sem me lembrar da náusea. Apenas segui direto para a porta com os ossos todos travados para encontrar o idiota que havia me levado para aquela roubada que tinha me deixado daquela forma.

— Você é um bastardo, sabia disso? — Ele disse entrando, tinha uma caixa de cerveja em uma mão e o que eu acreditava ser pipoca de micro-ondas na outra.

— Alex, a porta, a aquela infeliz porta fazer um barulho gigante quando você a abre, tenho plena e total certeza que você sabe disso, então por que você bateu na porra da porta? — Queria poder gritar, mas minha cabeça não aguentaria.

— Porque eu sabia que você estaria deitado nesse sofá se lamentando por causa de uma ressacazinha de nada. — Colocou a cerveja e a pipoca no balcão. — E eu queria te castigar pelo que você fez ontem.

— Eu não fiz nada ontem. — Esperei que minhas palavras estivessem corretas.

— O que? — Ele gritou, fazendo com que eu quase desse um soco em seu rosto. — Você diz, “vou no banheiro, cara, já volto” e depois de meia hora você não sai de la.

— Me desculpe? — Sarcasmo.

— Não, não, não quero saber das suas desculpas de merda. — Ele apontou o dedo indicador para mim, como se aquilo fosse me impedir de rebater. — A galera inteira fica preocupado com você, mas ninguém realmente se importa porque claramente estávamos com garotas lindas, e a gente conhece você faz o que? — Ele deu de ombros. — Seis meses? Enfim, mas então o merda do seu melhor amigo tenta te ligar mil vezes naquela droga que você chama de celular, mas o bastardo não atende, então o melhor amigo estúpido sai pra procurar o imbecil, e deixa uma loira maravilhosa ir para casa sozinha. Sabe que você me deve uma, certo?

— Depois de todo este discurso ficou mais claro o motivo das garotas irem juntas ao banheiro. — Sorri para ele, mas ele não estava sorrindo.

Revirei os olhos e me joguei de volta no sofá.

— Não, não, não mesmo. — Puxou minhas pernas, eu quase soltei uma gargalhada. — Meu Deus, Wade, você está fedendo conhaque, vai tomar um banho que a gente vai sair.

— O único lugar que eu vou sair vai ser desse sofá para o banheiro, e do banheiro pra minha cama. — Meus olhos estavam fechados, e minha cara pressionada contra o travesseiro. — Talvez eu saia do banheiro e vá até a cozinha fazer uma sopa, mas isso tudo depende da minha condição física e psicológica ao sair do banheiro, garanto que não será nada boa.

— Ah, pelo amor de Deus. — Um tapa me acertou em cheio na cabeça.

Respirei fundo e jurei que ele tinha bondade no coração. Eu não iria matá-lo. Não precisava apelar para violência.

— Eu odeio isso, odeio esse Wade, o Wade chorão. Esse é o pior Wade que existe, se recomponha, nós vamos assistir futebol na casa do Gustavo, e nós vamos agora, vai tomar um banho.

— Eu não vou. Eu não vou. Eu absolutamente não vou.

— Você me deve uma, Wade.

— Eu te pago em dinheiro, pode levar minhas canecas personalizadas, tem uns sabonetes canadenses que minha mãe me deu, você pode levá-los, mas realmente, eu não vou nisso quando eu tenho uma televisão bem aqui ao meu alcance.

— Sabe, eu odeio… — Ele respirou fundo antes de falar o que ele ia falar. — Você é ótimo, e eu adoro você, sabe disso, mas aquela garota estragou você.

— Cale a sua boca.

Ele se calou tão rapidamente quanto eu sabia que ele faria, mas o silencio se prolongou, e isso não era comum. Alex em silencio pleno nunca era bom.

Bufei.

Abri os olhos lentamente, e Alex estava com os olhos focados no celular. Ele era um cara não muito forte, com um corte de cabelo meio sacana, parecia um corte normal, mas se você olhasse bem tinha algumas falhas nas laterais, não muito aparentes, e na frente um topete. Aquilo o bastante para que eu o criticasse sempre que pudesse, mas a maioria das vezes era só para irritá-lo. Os olhos dele eram verdes, quase tão claros como os da menina que me ajudara, mas não tão claros, os dela eram bem mais.

— Alex, o que você está fazendo? — Me sentei no sofá, e fechei meus olhos colocando o dedo polegar em um, e no outro o indicador enquanto esfregava-os.

— Estou pesquisando no google o código dos Bros.

— Você pode por favor, agir como alguém da sua idade? — Disse, mas ele continuou persistente em seu celular.

— Qual é a regra mais importante do código, Wade? — Os olhos dele se levantaram até os meus. Frios, como se realmente achasse aquilo relevante.

— Não, Alex, por favor…

— Qual é a regra? — Sua voz parecia bem determinada.

— Bros antes de garotas. — Disse e revirei os olhos.

— E agora nesse exato momento, você está deitado nesse sofá, depois de uma noite de bebidas exageradas, por causa de uma infeliz que deixou seu coração amargurado, então isso é colocar uma garota na minha frente.

Olhei para ele com um olhar duro. Ele não quis dizer aquelas palavras. Eu sabia bem, mas, mesmo assim, elas me atingiram de uma forma bem dolorosa. Ele não sabia o que ele estava falando, ele não tinha a menor ideia do que ele estava falando. Eu precisava me concentrar naquilo.

— Não, isso não é colocar uma “menina” na sua frente, isso é ressaca, Alex. Ressaca, sabe o que é isso?

— Oito meses, Wade. — Ele disse um tanto alto. — Já faz oito fucking meses.

— Ressaca. — Usei o mesmo argumento.

— O que se cura melhor ressaca do que mais bebedeira? — Perguntou, me olhando risonho.

— Acho que música alta estourando meus tímpanos em uma casa com um monte de cara gritando quando o time deles fizer gol, não é a minha primeira opção de cura. — Me levantei. — Olha, chame o Gabriel, ou o Leandro, qualquer um, mas eu imploro que me deixe fora dessa. Te recompenso no fim de semana que vem, consigo entrada naquela festa da república.

— Isso é uma promessa? — Cerrou os olhos, como se não acreditasse em mim.

— Sim, isso é uma promessa. — Fui andando até o banheiro. — Agora se me der licença, acho que vou vomitar.

— Eu vou cobrar.

— Vá embora. — Eu gritei.

Deixei a água bater em mim por muito tempo antes de finalmente decidir sair do banho. Olhei para mim no espelho e vi que meus cabelos precisavam muito de um corte. Eu gostava deles daquela forma, mas teria uma entrevista de emprego logo e achava que cortar o cabelo seria uma alternativa melhor. Talvez eu mesmo pudesse cortar, ou pedir o número do cabeleireiro de Alex. Talvez cortar eu mesmo seria uma melhor ideia.

Enrolei a toalha na cintura, e sai do banheiro. Cruzei o corredor, e escutei a porta arranhar levemente. Olhei para o lado e encontrei a garota que havia me ajudado encarando meu apartamento com os olhos curiosos. Ela estava usando um pijama diferente, este era composto por uma calça moletom vermelha e uma blusa de frio de tricô branco.

Seus olhos saíram da minha cozinha e encontraram os meus, após isso deslizaram pelo meu corpo, enquanto eu somente apreciava o rubor ir tomando conta dela lentamente.

— Oh meu Deus, me desculpe. — Ela disse e se virou bruscamente.

Soltei uma risada ao vê-la daquele jeito, uma risada genuína.

— Não precisa ficar com tanta vergonha, como é seu nome mesmo? Não importa? — Eu disse, e foi a vez dela rir.

— Charlote, meu nome é Charlote. — Queria que ela estivesse com o rosto virado para mim para que eu pudesse ver seu sorriso.

— Charlote? — Disse com um tom assustado. — Eu nunca imaginaria que seu nome seria Charlote.

— Mas todos me chamam de Charlie. — Disse, e se virou olhando para mim, mas desviando o olhar para o teto rapidamente.

— Charlie é um nome de garoto. — Atravessei a sala e fui até a cozinha ainda sentindo que os olhos dela não ousavam cruzar meu corpo.

— Charlie não é um nome de garoto, seu machista. — Seu olhar era firme sobre o teto. — Eu vivi a vida inteira escutando que Charlie era um nome de garoto, apenas não repita isso para mim.

— Uhn, me desculpe. — Encarei-a ainda vendo que seu olhar repousava sobre qualquer coisa, menos sobre mim. — Charlie, está me dando aflição ao fazer isso.

— Ao fazer isso o que? — Perguntou, parecendo não saber mesmo o que estava fazendo.

— Encarar ao teto ao invés de me olhar.

— Ponha roupas. — O sorriso que ela abriu foi o sorriso mais irônico que eu já havia visto.

— É o meu apartamento, tem sorte por eu não ter saído do banheiro nu. — Abri a geladeira, vendo que havia alguns legumes para fazer uma sopa. — Afinal, o que está fazendo aqui?

Ela cruzou o olhar com o meu, seus olhos desceram lentamente sobre o meu corpo e depois voltaram a repousar nos meus olhos, as mãos estavam meio trêmulas, e a respiração ficou um pouco mais pesada.

— Ahn… — Colocou a mão no bolso. — A porta estava aberta, e eu achei que quereria isso aqui de volta. — Me arremessou o meu celular.

— Já pensou se você fizesse isso, e quando eu pegasse o celular minha toalha caísse, qual seria sua reação?

— Eu tentaria fingir que ficaria impressionada com o que visse. — Ela cruzou aqueles olhos verdes com os meus e sorriu. Eles estavam vermelhos, e o nariz também.

Aquele momento ficaria congelado para sempre em minha memória. As bochechas rosadas por conta da vergonha, e o jeito que ela simplesmente não tinha o menor problema em me desafiar com suas palavras.

— Você acha que teria de fingir? — Coloquei a mão na toalha. — Posso provar que não teria.

— Pare de ser estúpido. — Ela riu, meu Deus, como o som da risada dela era maravilhoso.

— Mas, já entreguei o que eu vim entregar, vou voltar para meu apartamento.

— Quer conversar sobre o idiota que te deixou com a cara toda vermelha? — Perguntei pegando a panela de pressão, e colocando as batatas ainda sem descascar nas panelas. — Eu vou fazer uma sopa maravilhosa, e acho que você não vai querer perder.

— Está colocando as batatas na panela sem descascá-las. — A sua boca tremia com vontade de rir.

— Oh, me desculpe, Ana Maria Braga. — Bufei, enquanto colocava a panela no fogo.

— Por que você não vai colocar uma roupa, e eu te ensino como fazer uma sopa? — O olhar firme novamente.

— Vai me contar o que o idiota fez pra te deixar assim? — Sabia que estava cruzando uma linha que ainda não tinha permissão para cruzar.

— Vai me contar quem conseguiu te magoar a ponto de te deixar bêbado.

— Não. — Disse com a garganta seca e ela olhou para mim da mesma forma.

Eu não tinha ideia de que aquela noite poderia se tornar uma das melhores noites de toda a minha vida, e ao mesmo tempo, a pior de todas.


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