Amor de Estudante escrita por Joana Guerra


Capítulo 7
Proibida pra mim


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada à Daniela por ter favoritado! Vamos dar as mãos e vencer traumas antigos. A música-tema é Proibida pra mim, mesmo na versão do Zeca Baleiro ;)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/679282/chapter/7

“Eu me flagrei pensando em você

Em tudo que eu queria te dizer

Numa noite especialmente boa

Não há nada mais que a gente possa fazer

Eu vou fazer de tudo que eu puder

Eu vou roubar essa mulher pra mim

Eu posso te ligar a qualquer hora

Mas eu nem sei seu nome!

Se não eu, quem vai fazer você feliz?

Se não eu, quem vai fazer você feliz? Guerra!”

(Zeca Baleiro, Proibida pra mim)

Coimbra, 9 de Maio de 2016

— … e daí que eu pensei que a gente podia visitar a casa do Piódão antes de eles partirem para o Brasil. Que é que você acha?

Danilo bem podia estar usando os seus melhores argumentos para vencer o caso, mas o futuro advogado Fragoso tinha a cabeça longe, assentindo afirmativamente a tudo o que o Marra lhe dizia como se de um reflexo involuntário se tratasse.

O duo acabava de jantar em casa, cortesia de Elano já que Danilo só conseguia cozinhar argamassa. Remexendo o conteúdo do prato com o garfo num movimento contínuo, mas sem levar comida à boca, Elano estava surdo para o mundo exterior.

A impaciência corria no sangue dos Marra. Danilo não era exceção:

— É, Elano. E depois você vai sair voando montado num unicórnio e vai começar a chover um arco-íris de chocolate.

Irritado com os gemidos de confirmação de Elano, Danilo resolveu despertar o amigo com uma valente estalada no cachaço:

— Que é isso, cara? Cê é um jovem e está agindo como se fosse um velho gagá.

Elano suspirou, pousando os talheres na borda do prato:

— Às vezes me sinto como se tivesse quarenta e cinco anos.

— Porque você quer assim, seu burro.

Danilo estava plenamente ciente do principal motivo de envelhecimento precoce do estudante de direito:

— Porque é que você ainda não se declarou para a Cida?

A última réstia de apetite de Elano voou pela janela como um kamikaze apressado:

— Cê tá doido? Ela tem namorado e ela é louca por aquele playboy.

— Olha, eu podia chamar o Conrado de muitos nomes, mas não de namorado.

Esse raciocínio não interessava a Elano. Aliás, nada naquela conversa interessava ao bom moço. O melhor seria tentar reverter o diálogo ao ponto inicial:

— O que é que você estava tentando me dizer antes?

O Marra entendeu o pedido velado. Não se esfrega sal numa ferida não cicatrizada:

— A minha tia me ligou. Ela e o Ernesto vão ter que voltar para o Brasil em breve porque ela vai fazer uma pequena participação numa novela e como eles têm aquela casa alugada no Piódão, eles queriam saber se a gente queria ir lá passar o fim-de-semana.

— A Pamela vai viajar meio mundo só para fazer uma participação de poucos capítulos?

— É que a história é boa e a Pamela vai contracenar com aquele ator que a Cida gosta. Não é aquele barbudo feito um abominável homem das neves. O outro. O bonitinho que faz as garotas suspirarem.

Tudo andava em círculos até vir à superfície o nome de Maria Aparecida. Talvez não fosse mesmo uma má ideia passarem o fim-de-semana bem longe, numa casa tradicional numa encosta da Serra do Açor, respirando ar puro, sem Elano ter que ver Werneck agarrando Cida no sofá da sala ou ouvir aqueles beijos que lhe reviravam o estômago.

Talvez não fosse mesmo uma má ideia, desde que daquela vez não levassem consigo excrescências humanas que se multiplicavam como um vírus mutante.

Ainda na semana anterior, Danilo tinha aproveitado uns dias livres para levar Elano no Algarve, crente de que um pouco de sol, praia e garotas de biquíni poderiam animar o amigo.

Todavia, o patrocínio Marra acabou tendo que se estender ao casal maravilha e às lapas das irmãs Sarmento.

Os seis viajaram até um complexo turístico muito agradável aos olhos e ao estômago, mas menos agradável à carteira de Danilo, que acabou bancando a conta de todos.

De cada vez que, sentado no areal, Elano tinha que ver Werneck se divertindo na água com uma Cida que soltava risinhos de satisfação, o bom moço ficava com vontade de imitar uma avestruz e enfiar a cabeça na areia.

Ela se encontrava de novo com uma imagem de saúde com a solidez de uma rocha, enquadrada por mar azul de água morna, sol quente e um Conrado que não tirava as mãos de cima dela.

Pior ainda quando o par regressava à toalha, envoltos numa película de água salgada que os fazia reluzir ao sol como jovens deuses e Conrado continuava com aqueles carinhos públicos que faziam Elano entrar em ebulição interna.

Werneck tinha apostado todas as fichas naquela máscara de namorado solícito, mas enquanto ele continuava com aquele mel, tomando conta da orelha de Cida, alternando entre beijos e sussurros de palavras doces, ela permanecia com os olhos atentos a Elano, parado diante deles.

Aqueles olhos enormes de Maria Aparecida o ensombravam, como se quisessem transmitir uma mensagem mesmo sem saberem qual. Era como se, mesmo sem contato físico, ela se ligasse a Elano através de uma união incorpórea que Werneck nunca conseguiria compreender.

Para o bom moço parecia que aquela garota estava fazendo um jogo com ele.

O ciúme não é um animal cordial. O ciúme é um bicho poderoso sem capacidade de ser afável.

Elano queria ser não um príncipe, mas um ogro. Se assim fosse, ele colocaria Cida no ombro naquele exato momento e a levaria para onde nunca a conseguissem encontrar. Um pouco de egoísmo é necessário de vez em quando.

A situação piorava quando o sol se punha e as irmãs Sarmento decidiam que era tempo de colocar o salto alto e ver no que iria dar, arrastando Danilo para um dos muitos bares à disposição.

Sozinho, Elano se dispunha a atos que teriam feito qualquer outro corar com a falta de amor-próprio.

O short encarnado, um favorito do bom moço, não condizia com a falta de vergonha na cara de Elano. Ele devia ter a cara a arder por quase ter montado guarda na porta do quarto de Maria Aparecida.

Quando ele percebia que Cida se retirava para o quarto de hotel, o estudante se instalava diante da porta, suspirando de alívio ao sabe-la só no cômodo, colocando as mãos contra a superfície fria de madeira, desejando secretamente ter a força de uma Fera para derrubar o obstáculo que o separava da sua Bela.

O que de fato acontecia era que Elano se deixava escorregar até ao chão, encostando as costas contra a porta, deixando passar as horas numa lentidão de fazer arrepiar, só para garantir que Conrado não tentava entrar no quarto de Cida.

Dá para esperar por um amor que não vem?

Os sentidos do bom moço eram continuamente invadidos por Maria Aparecida, como sintomas de uma doença sem cura.

Era o cheiro dela que ele sentia sempre que pousava a cabeça na almofada, sem conciliar o sono.

Em todo o lado ele ouvia a voz de Cida, murmurando palavras que não seriam para ele.

A cada sopro de vento que o envolvia, acariciando a sua pele, Elano desejava secretamente que fossem as mãos de Maria Aparecida o cingindo num abraço apertado de amantes.

A moeda tinha uma outra face. Estava muito longe de ser psicopatologia, mas o bom moço não conseguia evitar os pequenos sorrisos. Eles surgiam nas pequenas coisas, como pequenos nenúfares de esperança num lago poluído.

Ele parecia um bobo feliz, organizando automaticamente os objetos de decoração de uma forma simétrica, porque era assim que Cida fazia.

 

O bom moço não evitava o sorriso enquanto descascava com método gordas laranjas doces, usando o polegar em sentido ascendente, exatamente da mesma forma que a tinha visto fazer, como se Maria Aparecida tivesse descoberto a chave para apreciar melhor aquela fruta.

Até quando saía de casa, Elano era feliz ao fazer questão de verificar três vezes se o fogão ficava desligado, mais um dos hábitos de vício da garota que se tinham entranhado nele.

 

Quando se encontravam os dois no mesmo cômodo, os pequenos momentos vibravam com a magnitude de mil tsunamis.

Elano se sentia invadido por uma onda emocional quando as mãos dos dois se tocavam ao tentar tirar ao mesmo tempo o último biscoito do pacote, numa carícia leve de dedos que se envolviam.

Quando Maria Aparecida o via lendo sozinho, se aproximava em silêncio, gostando de se debruçar sobre as costas do bom moço para descobrir qual autor e qual obra tinham despertado o interesse dele. Bastava a leve presunção de um seio roçando a sua omoplata para os pelos dos braços do bom moço se eriçarem como uma seara ao vento.

Os momentos mais difíceis eram aqueles em que Cida tomava a iniciativa, alegando encontrar uma folha no cabelo de Elano para mexer nele, elogiando a camisa do estudante enquanto corria os dedos pela extensão do tecido, ou se abraçando a ele com a suspeita de ter visto uma aranha gigante pendendo do teto da cozinha.

Certo era que nenhum dos dois conseguia já distinguir o que era real ou ilusão no meio daquela história complicada ou qual a profundidade do relacionamento entre eles.

A verdade é que também nenhum dos dois se tinha realmente apercebido de que alguém poderia sair muito machucado daquele jogo.

Sem que Elano se apercebesse, fechado com os seus pensamentos, já Danilo tinha colocado quase toda a loiça na máquina, arrumado as sobras na geladeira e deitado fora o conteúdo intocado do prato de jantar do estudante de direito.

Ignorado pelo bom moço, Danilo tinha ainda tido tempo para discutir com a prima toda uma temporada de uma conhecida série-norte-americana.

Desligando o celular ao se despedir de Megan, o Marra considerou que bem podia anunciar a Elano ter descoberto a cura para o câncer ou que o comitê lhe queria atribuir o Prémio Nobel da Literatura, que a reação do amigo continuaria a ser de impassibilidade total.

Contudo, a reação de Elano foi o antónimo de indiferente quando a porta do apartamento se abriu para deixar passar Cida e Conrado. Como habitual, o bad boy preferia jantar num dos restaurantes da moda, levando Maria Aparecida como companhia e objeto de decoração.

Na volta, Cida já tinha passado por casa. A prova disso era a gaiola com o melro Camões, o passarinho adotado semanas antes, que a garota trazia nas mãos e pousou com cuidado em cima de uma das mesas.

Isadora não suportava a presença do animal no apartamento. Quando a Sarmento chegava ao ponto limite, bramindo como uma harpia, Cida ficava com receio de que ela se vingasse na pobre ave, lhe torcendo o pescoço,e pedia santuário para o passarinho no apartamento dos garotos.

Elano não se importava. Participar nos cuidados ao pequeno Camões era mais uma forma de partilhar da vida de Cida.

Não daquela vez. As desculpas de Conrado para ficar a sós com Cida estavam cada vez mais rebuscadas. Alegando que lhe queria mostrar uma edição antiga do clássico Conde de Monte Cristo, Werneck levou a garota para o quarto, deixando o melro entregue a Elano.

 A que ponto ele se tinha visto reduzido. Tomar conta do animal de estimação de Cida enquanto ela ia para o quarto com outro.

Como um sommelier renomado, Danilo abriu mais uma garrafa de vinho tinto, enchendo um copo até ao limite antes de o levar aos lábios, explicando para quem o quisesse ouvir:

— Eu não bebi o suficiente para conseguir assistir a esta cena.

De um estalo, Elano era uma bobina de Tesla, e a alta tensão instalada em todos os seus músculos ecoava em alta frequência no ar envolvente. Até Danilo e Camões se sentiam envoltos num campo elétrico capaz de ionizar Conrado à primeira vista, desfazendo-o em milhares de faíscas elétricas.

De pé, cerrando a mandíbula e os punhos com força, Fragoso era a personificação de um Hércules preparando a espada para cortar a última cabeça da Hidra:

— Como é que o Conrado também tem uma edição antiga do Conde de Monte Cristo?

Sentado diante do pássaro, com uma das mãos apoiando a face e a outra rodando o copo já quase vazio, Danilo não sabia se rir se chorar da falta de visão do seu amigo.

— Acorda, cara. É a sua. Ele “pegou emprestado”. – explicou o Marra, formando com os dedos aspas virtuais.

Por vezes a eletricidade se propaga sem que seja necessário um condutor. Com passadas de um general veterano, Elano marchou na direção do quarto de Conrado, resolvido a tirar satisfações com o garoto e arrancar Cida de dentro do cômodo.

O bom moço acabou ficando com o movimento do braço em suspenso, nunca chegando a atingir a porta de Werneck, porque naquele preciso momento ela se abriu depressa e Cida estava diante dele.

Algo de muito errado se tinha passado. Maria Aparecida podia estar retendo as lágrimas, mas a sua expressão não escondia a aflição.

Cida saiu correndo do apartamento, sem dar tempo de Elano ou Danilo a seguirem ou terem direito a uma explicação que os descansasse face ao desalinho da garota.

Como uma ninfa perseguida através dos bosques, ela só parou quando entrou no seu quarto, fechando a porta com um estrondo atrás de si. Não satisfeita, ela rodou a chave na fechadura e puxou uma mesinha para barricar a porta.

Ela sabia que a vida não é um cruzeiro da Disney, mas também não precisava ser tudo tão complicado.

Cida estava certa que a forma como Conrado a tinha tentado agarrar estava errada. Não era por ele ser seu namorado que podia avançar como ele tinha tentado forçar.

Não era uma questão de ser púdica. Era uma questão de ter respeito por si mesma, tal como a mãe a tinha ensinado. No momento em que ela tinha dito não, Conrado devia ter retrocedido na hora.

 Não tinha realmente acontecido nada de mais, mas poderia ela continuar confiando de olhos fechados no namorado?

Elano e Danilo nunca fariam aquilo com uma garota. Elano iria preferir que lhe partissem todos os ossos do corpo antes de tocar num fio de cabelo de uma garota contra a sua vontade.

O que tinha acontecido no quarto de Werneck não tinha sido uma atitude de um príncipe montado num cavalo branco. Teria ela estado errada no julgamento do caráter de Conrado?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O Algarve é a região mais a sul de Portugal continental e o seu principal setor de atividade é o turismo. O clima temperado mediterrânico e extensa linha costeira são os principais atrativos. Às vezes hesito em introduzir cenas mais sérias, mas se colocar, nem que seja uma leitora, a refletir no assunto, já valeu a pena. No próximo capítulo: é a vez da Cida e do Elano resolverem traumas antigos. Se a Cida vai ter que sofrer? Claro ou óbvio?