Jantar e sorvete

“Ainda que chova, ainda que doa. Ainda que a distância corroa as horas do dia e caia a noite sem estrelas, o mundo brilha um pouquinho mais a cada vez que você sorri.” Pablo Neruda

Durante o horário do almoço, estava eu revisando alguns documentos, enquanto comia um sanduiche, neste momento deixo minha atenção vagar pela UAC, quando percebo uma certa movimentação, levanto da minha cadeira e me aproximo da janela, para então ver uma senhora muito conhecida por mim, falando com algum estagiário. Desço ao encontro da senhora de cabelos escuros, ao me ver ela diz com um grande sorriso “Agente Hotchner” sério, esses sorrisos Prentiss são meio sinistros. “Embaixadora” a cumprimento com minha expressão de sempre. “Ward, está tudo bem. Embaixadora Prentiss é uma velha conhecida” Disse dispensando o jovem e aproveitando para colocar as palavras Prentiss e velha na mesma frase.

Ao entrar no meu escritório, ela observa cada mínimo detalhe atentamente “Ainda me surpreende que você não tenha nenhuma foto da Emily por aqui” ergo uma sobrancelha para ela “A que devo a honra Elizabeth?” Como uma boa politica, ela não demonstra expressão “Vim fazer pessoalmente um convite para jantar” “Não foi isso que você fez, quando Emily te ligou ontem?” Ela rolou os olhos “Se bem conheço minha filha Aaron, ela já bolou uma fuga” “Pensei que estivessem se dando bem” confesso a ela. “Estamos, no entanto nossa relação é complexa Aaron” “Não posso obriga-la a fazer algo que ela não quer” ela me olha com um olhar repreendedor “Não estou falando para obriga-la, apenas convence-la a ir e não acobertar qualquer fuga”. “Você sabe que ela não está fazendo isso apenas por causa de relações políticas não é mesmo?” ela diz, e embora não deixe transparecer, o assunto passa a me interessar “E por que mais?” Ela desviou o olhar para uma foto de Alex e Anne que fica atrás de mim, e relembrou “Houve um tempo, que Emily e Elijah eram tão inseparáveis quanto Anne e Alex, talvez até mais. Eles se entendiam, um sempre sabia o que o outro escondia e assim eles conviviam pacificamente, na maioria das vezes” “O que aconteceu?” “Ethan não era muito presente durante a infância deles, não por não querer, era só o trabalho dele ficar messes fora entende? Talvez por isso ou o fato de ser a caçula, Emily sempre foi a garotinha do papai. Quando ela estava perto de fazer quinze anos, Ethan se tornou coronel e voltou para os Estados Unidos, Elijah que se inclinava para assuntos militares voltou com ele para estudar o último ano em um colégio militar e ela ficou na Itália comigo.” “A época que ela se rebelou” eu conclui, Emily nunca me escondeu sua adolescência rebelde, embora o motivo não tenha ficado exatamente explicito, claro ouvi algumas histórias de Elijah retornando para os EUA e até mesmo o pai voltando para o país. “Por muito tempo acreditei que ela se tornou rebelde, por causa de Elijah e Ethan, afinal ela sempre foi mais próxima a eles do que a mim. Não vou negar que sentia um pouco de ciúmes da relação dela com o pai, porque para ela Ethan sempre foi um herói e eu acabei me tornando a bruxa má. No entanto as coisas mudaram, ela se afastou de Elijah, creio eu que foi porque aos seus olhos ele a abandonou, por muito tempo ele tentou refazer o vínculo, mas você conhece Emily tanto quanto eu e sabe muito bem suas habilidades em não deixar transparecer suas emoções, então Elijah cansou de tentar, se casou e ficou viúvo.” “Ele a evitou desde que Anne nasceu” lembrei a ela “A esposa dele foi morta no 11 de setembro, grávida de sete messes de uma menina, isso mexeu com ele” Eu me lembrava desse fato, Sharon Prentiss, esposa de Elijah, trabalhava no World Trade Cente, enquanto Elijah trabalhava em questões internacionais. “Esse jantar não é para aproximar vocês duas” Ela ri “É mais fácil um jantar desses nos afastar para sempre. Quero uma reaproximação dos meus filhos Aaron, um dia não muito distante eu e Ethan não estaremos aqui, não quero que eles se esqueçam que também são uma família.” Uau, ela realmente me convenceu. “Enquanto a ela e Ethan?” ela deu de ombros “Emily é mestre em fugir do assunto e Ethan sempre age como se estivesse tudo bem, mas não me preocuparia com os dois. Ele só está esperando ela dar o primeiro passo” “Até hoje ela não falou da morte com ele?” Não fiquei tão surpreso, ao descobrir que até hoje ela não conversou sobre a sua morte com o pai, sua terapeuta tinha falado para ela conversar sobre isso com as pessoas mais próximas a ela, mas como sempre Emily consegue dar um jeito. Quando ela se levantou e se despediu, a acompanhei até a porta e disse “Nós estaremos lá as oito”.

Eu mesmo fui buscar Emily Prentiss no trabalho, as cinco horas em ponto, entrei em seu escritório, ela me olhou curiosa, “Algum caso?” “Sim. Jantar as oito, cinco pessoas, assunto provavelmente banal, presença indispensável” Ela ergueu a sobrancelha “Sério?” “Não sou um cara que brinca com esse tipo de coisa Prentiss” ela rolou os olhos, “Okay, deixe-me apenas juntar esses papeis”.   

Sentado no sofá observando os meninos jogam um jogo de tabuleiro, enquanto a senhora Parker tricota algo, olho meu relógio e suspiro, Emily com a ajuda de Anne, está escolhendo uma roupa a mais de meia hora, mulheres. “Não se deve apressar uma mulher, senhor Hotchner” Senhora Parker diz, e eu aqui achando que ela só estava bordando, agora sei porque Emily adora a mulher. Finalmente ouço o barulho de saltos, descendo as escadas.

“Não iremos chegar atrasados Aaron” ouço a voz dela primeiro, para instantes depois, ela entrar no meu campo de visão. Ela está usando um vestido azul, um pouco acima do joelho, com mangas de renda compridas, seus saltos são pretos de alguma marca cara, sua maquiagem é elegante e o cabelo está com as pontas encaracoladas. Enquanto eu a observava de cima a baixo, Anne saiu de seu lado para se juntar aos garotos, enquanto Tony se manifestava “Mãe, você está linda” recebendo o apoio dos demais. Ela então me olhava com a sobrancelha erguida, na espera de algum comentário, limpei a garganta “Perfeita” ela desvia o olhar e sorri, espera um minuto ela está corando?

Chegamos a um restaurante refinado, como já era de se esperar. Chegamos a mesa dos Prentiss, e ali já estavam todos, cumprimentamos uns aos outros, conversamos e comemos, no início pude perceber Emily um tanto insegura, mas a insegurança logo foi embora e ali parecia apenas uma família reunida.

O jantar ocorreu às mil maravilhas, chegamos em casa por volta das dez, senhora Parker ainda estava tricotando, assim que chegamos ela foi para casa. Chamei Emily para a cozinha, ela encostou na bancada enquanto eu tirava uma surpresa do freezer, seus olhos brilharam quando ela viu o pote de sorvete trufado em minhas mãos. “Você planejava me subornar Aaron Hotchner?” fiz cara de ofendido “De forma alguma, apenas perguntei a senhora Parker se ela iria ao mercado hoje e fiz uma encomenda, pensei que você gostaria de um agrado quando chegasse do jantar” “Me subornar, para ir a um jantar da minha própria família. Não esperava isso de você Aaron Hotchner” ela disse séria. “Bem se você não quer” disse me virando, voltando para o freezer “Eiii, eu fui ao jantar, mereço um agrado” Voltei com o sorvete e ela já estava com uma colher em mãos. Logo ela já estava devorando o sorvete “Anda experimenta” ela disse com a colher em frente à minha boca “Aviãozinho?” ela riu “Você está meio grande para isso Aaron” provei o sorvete “Então?” “Prefiro de baunilha” eu disse “Sem graça” ela disse. Olhando ela guardar o restante no freezer eu digo “Não acredito que você está fazendo isso” ela se vira inocentemente “Fazendo o que?” “Escondendo sorvete” “Aaron não estou escondendo, estou apenas guardando para amanhã” “Você é pior que criança” e então a vejo sorrir, não o sorriso fake, não o sorriso malicioso, não o sorriso Prentiss (usado em relações de diplomacia), é um sorriso juvenil, leve e descontraído, é o sorriso da Emily que conheci há anos atrás, o sorriso que faz meu coração bater mais rápido.