Atendimento #183: Creme

Muita gente vive dizendo que não têm as oportunidades que merecem, mas o que nunca se perguntam é: Estariam elas preparadas para abraçar a oportunidade quando ela surgir? Será que aquela maleta cheia de dinheiro que foi esquecida por um poderoso gângster, deve mesmo ficar sobre sua posse? Você estaria preparado para se fantasiar de uma idosa obesa para investigar os donos tipo a vovozona?

Os atendentes, em geral, não sonharam em ser realmente, atendentes. Tá, pode parecer meio obvio, mas o que acontece é que muitas pessoas estão ali apenas para pagar as contas, quitar a faculdade ou mesmo são fugitivos que deixaram suas famílias para tentar a vida vendendo DVD pirata na rua, mas acabaram tendo que trabalhar com  atendimentos por que o netflix matou seu negócio. Sim, todos sabem disso, podem não admitir, mas tá todo mundo sabendo como é complicado colocar um headphone na cabeça e ouvir um negócio desses...

— A senhora realmente achou que apagar um número da sua conta de luz faria com que fosse cobrado um valor menor? Senhora, não estamos no século retrasado, por favor.

Ezequiel repreendia a cliente que tinha ligado indignada e havia chamado Ancelmo de todos os nomes dos vilões de Jaspion à Power Rangers.

— Mas o valor não é justo! Ninguém nessa casa fica usando luz de mais! Todas as luzes daqui ficam apagadas, microondas só em caso de necessidade. —  A cliente foi passando justificativa atrás de justificativa. —  Eu e meu marido fazemos amor a luz de velas, só pra economizar.

— Tá, essa é uma imagem mental que eu realmente não precisava. — Interferiu o atendente tentando limpar sua mente. — Vamos deixar uma coisa clara senhora, eu não estou interessado na privacidade do seu lar.

— Por acaso acha que é crime usar velas para iluminar sua…

— Senhora...contenha-se.— O atendente teria esbofeteado a mulher se esta tivesse aparecido na sua frente.— Só por quer a senhora não gosta de fazer as coisas as claras não quer dizer que sua conta esteja incorreta.

— Então me prova que essa porcaria de conta não está errada.

— Vou provar sua infeliz pode deixar. — Ezequiel estralou os dedos enquanto preparava-se para atirar suas explicações.— Primeiro de tudo quantas pessoas têm nessa casa?

— Eu meu marido e meus dois filhos

— Ah então ninguém fica né? — Ezequiel conferiu a idade da cliente e fez um rápido cálculo mental. — Posso estar errado, mas a senhora deve ter um filho com a idade entre uns doze e vinte três anos mais ou menos né não?

— Como você sabe disso?
— Senhora, sinto dizer mas o valor que lhe foi cobrado está corretíssimo. Esse tipo de aumento é natural quando se têm filhos nessa idade. Meus pais passaram por isso e eu já estou preparado para quando meus filhos chegarem nessa idade.

Ao longe, sem nosso heroi perceber, Kauã observava com cara de asco a figura de Ezequiel.

— Está se insinuando ao dizer que meus filhos são irresponsáveis e deixam as coisas ligadas?

— Não senhora de maneira nenhuma, não tô aqui pra insinuar nada. Se minha esposa sonhar que eu estou me insinuando pra alguma cliente ela corta meu fazedor de bebes e me transforma em uma garotinha. Por isso que eu tô afirmando, seus filhos são os culpados pela sua conta.

— Tá me chamando de burra por acaso?

— Não, mas se as orelhas serviram… — Murmurou ele baixinho.

— Como é?

Nosso herói se lembrou da lição que o antigo supervisor lhe deixou antes de partir e começou a registrar as informações da cliente.

— Da próxima vez, ao invés de tentar apagar a sua conta tente desligar os roteadores de casa, tenho certeza que seus filhos vão sair do banheiro bem mais rápido e por consequência sua energia vai cair de preço…

— Espera...Tá dizendo que os banhos de vinte e cinco minutos não são para uma higiene completa? — A cliente tinha estampada na face uma expressão de completo horror, a imagem toda santa de seus filhos desaparecera como se fosse espuma de sabonete. — Se eles ficam no banho...isso quer dizer que aquilo no ralo nunca foi excesso de creme corporal?

Ezequiel não resistiu e caiu na gargalhada em linha enquanto a cliente ficara horrorizada.

— Bom senhora...— Ele não conseguia respirar. Abanou-se.— De certa forma ainda é um creme corporal! — Completou nosso herói tentando se manter estável.