Outro dia insignificante... ah, nem tanto.

Levantei-me da cama e chamei as servas pra me ajudarem com minhas roupas e o cabelo, depois fui tomar o café da manhã, normal. Somente eu, sozinha à mesa tão cheia e tão vazia ao mesmo tempo.

— Will, seu idiota, vai me deixar aqui sozinha?! – reclamei para o garoto magoado no canto ao lado.

— A Rainha só come com gente da realeza – falou friamente, me ignorando.

— Então como seu querido reizinho tinha toda aquela gente nojenta dos vermes da cidade com ele?! – retruquei, irritada, já não bastava meu aniversário arruinado?

— Não tenho fome – disse sem se importar.

— Você é um verme igual a eles mesmo – xinguei super irritada. Com quem ele pensava que estava falando?! Eu sou a Rainha! Ninguém pode me desafiar desse jeito!

— E você é um monstro pior que o antigo rei – rebateu – Tem certeza que ele não é seu verdadeiro pai?

Minha expressão mudou para tristeza. Por que ele me odeia tanto? Eu só... queria ajudá-lo. Eu só queria... o que eu queria? O que foi que eu já consegui fazer de bom pra ele?!

— Então tá – suspirei levantando-me da mesa, frustrada quase chorando – Vou ver a tal pessoa que você disse ontem.

Ele arregalou os olhos.

— Então okay...

— O que foi? – perguntei estranhando esse espanto dele.

— Nada, vai logo.

— Eu não devia receber ordens de meus servos – sorri desafiando – Mas receberia de meu marido.

— Só não digo palavras baixas porque você é a Rainha – mordeu os lábios com os dentes, quase sorrindo.

O que eu diria? Realmente não estava irritada, mas queria provocar.

— Você fica tão fofo me provocando – falei rindo de deboche.

Will me olhou com uma expressão esquisita, talvez tenha ficado envergonhado, mas parecia mais é triste e com um jeito receoso. Baixou a cabeça depois de me fitar por uns segundos.

— Eu te odeio – disse choroso.

— Desculpe – me arrependi por umas milhões de coisas nessa hora.

— Você disse desculpa? – se surpreendeu – Mas agora está tudo arruinado, não é?

Lágrimas caíram de seus olhos, e eu era a causa delas. Por causa de minha ignorância o fiz me odiar. Tirei sua família, tirei sua vida, tirei sua liberdade. Nada que eu dissesse ou fizesse consertaria a situação, ele tinha razão. Eu corri novamente, fugindo de mim mesma, fugindo da dor em meu peito. E cheguei ao jardim. Maldição! Chorei de novo! O que está havendo? Por que estou tão chorona ultimamente?!

— Você está triste, Lett? – apavorei-me tanto com a voz, que acabei caindo sentada no chão – Há, igualzinha como na primeira vez que te vi... você tem medo de mim?

Ches...

Ches me olhava com um sorriso, um sorriso verdadeiro. Estaria debochando? Estaria feliz por ter me tornado essa coisa que sou?

A memória daquele passado distante me acertou em cheio. Aqueles dias tão bem que foram destruídos num segundo. O que ele estava fazendo lá? Estava querendo me fazer chorar mais? Querendo me deixar pior? Querendo rir de mim e me abandonar novamente? Por quê? Por quê?

— Você conseguiu matar o rei, não é, gatinha? – ele me olhou com tanta admiração que me deu vontade de socar seu rosto perto demais do meu – Por que você é tão má com os outros agora? A menina que eu conheci anos antes não era assim. Onde ela está?

Tsc. Com quem ele pensava que estava falando? Eu não sou essa menina que ele conheceu. Jamais serei de novo!

— Você me enganou – murmurei com lágrimas nos olhos – E quer que eu volte a ser como antigamente? Como posso voltar àquela Scarlett de antes? Como se ela era tão fraca e amava tanto que foi enganada?! Tão ingênua!

— Desculpa, eu... – seu olhar se encheu de confusão e tristeza.

— Cale-se! – ordenei sem poder conter minha ira – Você matou aquela antiga Scarlett! Você me matou!

— Lett...

— Pare! Olha no que você me transformou? Eu quero te matar... está feliz agora?

— Eu nunca...

— Você nunca me amor de verdade – o cortei – Pare de me olhar com essa expressão! Pare de suplicar por perdão com esse olhar de gato assustado! Eu nunca mais vou ser como era antes! Eu quero te matar!

Fui bater nele, sei lá, minha raiva parecia explodir. Eu queria gritar “Cortem-lhe a cabeça” antes que o nó minha garganta apertasse ainda mais. Mas parei antes de lhe dar o mínimo tapa. Eu não conseguia bater naquelas lágrimas caindo. Por que ele não estava sorrindo como sempre fazia? Estava tentando me deixar confusa? Com pena?

— Nós só... ficamos com medo – o sorriso voltou, mas com muita dificuldade. Ele chorava de verdade, pela primeira vez.

Meu olhar paralisado sobre ele não teve tempo nem de sequer piscar e o gato desapareceu. Deixando apenas uma garota confusa chorando no jardim de um castelo que nem era dela. Uma rainha tão insana que chegava a ser idiota e infantil. Que tipo de monstro é assim? Que tipo de humano pode ser assim? Eu... não sou nada mesmo.

A verdade?

Ches sempre me amou? Ele foi ameaçado por isso me enganou? Ele está só escapando da morte agora? Está mentindo com suas lágrimas?

Como eu poderia saber a verdade agora? O ameacei por isso teve de ir embora. Como sou idiota e impulsiva.

Erros não foram feitos pra voltar atrás, assim pra ele como pra mim. Ninguém poderia voltar atrás.

— O que está... – Will chegou ao jardim, provavelmente porque ouviu meu choro – Vossa Alteza... você está chorando?

Isso era pra ter me deixado zangada já que foi uma zombaria, mas eu estava tão abalada emocionalmente que só o olhei com lágrimas nos olhos e por impulso o abracei.

— Desculpa – chorei alto, arrependida de todos meus atos que destruíram a vida dele – Me perdoa!

Will ficou paralisado enquanto eu, a rainha, a temida Rainha Scarlett estava chorando como se o mundo tivesse acabado. Todo aquele divertimento com o sangue me fez matar toda a família de Will, destruí sua vida, destruí tanta coisa, só porque alguém destruiu o que eu tinha. Agora não tenho mais nada.

Will retribuiu o abraço e depois de muito tempo parado comigo no meio do jardim, parei de chorar.

— Você me perdoa? – perguntei pra ele tão cansada e arrasada que logo depois desmaiei.

Mas pude ouvir sua resposta ainda que inconsciente:

— O tempo é curto demais pra ficar odiando, Scarlett. Eu já te perdoei há muito tempo.

Desde esse momento, decidi parar de matar as pessoas só por diversão. Eu não quero mais ser vazia, não quero mais cometer os mesmos erros e perder tudo por culpa minha.

O que eu tenho agora? Um reino amedrontado, meu coração vazio e um coelho tão estranho.

Eu jamais irei entendê-lo.

Mas não quero perder esse coelho.