Moonlight Lover escrita por Benihime


Capítulo 14
Ashlee Anderson




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Selene

Olho ao redor, acompanhando com os olhos o cabelo castanho-claro, quase cor de mel, que cascateia pelas costas de uma garota, em seguida solto um bufo de impaciência. Já tem mais de seis meses que Katerina foi embora, mas minha mente ainda insiste em procurá-la, tendo esperanças de um retorno que não vai acontecer.

Mesmo assim, aquela cabeleira é bonita. Após olhar com mais atenção, noto que as mechas são mais claras do que pensei a princípio, num tom amanteigado que parece ainda mais claro na luz baça do dia nublado.

A menina se vira ligeiramente, permitindo que eu veja seu rosto de perfil. Perco completamente o fôlego com aquele mero vislumbre pois aquele é o rosto mais bonito que já vi, fino e delicado como o de uma daquelas antigas bonecas de porcelana.

Como se sentisse meu escrutínio, a garota se vira completamente em minha direção. Seus olhos são de um azul profundo, como lápis-lazúli, e seus lábios cheios como os de uma antiga estátua de querubim. Aqueles lábios se abrem em um sorriso e seus olhos reluzem de prazer ao encontrar os meus. Por um segundo, tenho a sensação de que essa garota, essa completa estranha ... Me conhece. Não de forma superficial, mas como se ela pudesse ver dentro de mim.

— Ei, cuidado!

Ouço o grito, mas não consigo sair de meu estupor rápido o bastante, e algo colide com força contra mim. Perco o equilíbrio, sentindo uma dor aguda na parte de trás da cabeça, e então tudo fica escuro.

Não sei dizer quanto tempo se passa até eu abrir os olhos de novo. Pode ter sido só um minuto, podem ter sido horas. Tudo o que sei é que estou estendida no que parece ser um banco, com minha cabeça deitada no colo de alguém. Algo pressiona minha têmpora esquerda, causando uma onda de dor e náusea.

— Oi. — Uma voz masculina diz ao ver que estou consciente de novo. — Caramba, que bom que você acordou! Nos deu um baita susto!

Olho na direção da voz e vejo um garoto mais ou menos da minha idade. Ele está ajoelhado ao meu lado, pressionando algo contra minha têmpora esquerda, e é daí que vem a dor.

— Oi. — Respondo, minha voz tão rouca que nem parece minha enquanto minhas mãos se erguem fracamente para substituir as do garoto. Com o alívio da pressão, a dor alivia um pouco. — O que aconteceu?

— Emmett bateu em você com a bicicleta. — Uma voz feminina, aguda o bastante para parecer um tanto infantil, responde. — Você caiu e bateu a cabeça. Tem certeza de que está bem?

Meus olhos se erguem para a dona da voz, vendo a garota de olhos azuis que sorrira para mim pouco antes de tudo acontecer. Sinto uma onda irracional de medo, que me dá forças para sentar e encará-la.

— Sim, estou bem. — Respondo. — De verdade. Foi só um tombo.

— Um tombo bem feio. — O garoto, Emmett, declara. — Pode ter uma concussão, moça. Olha ... Minha mãe é médica. Pelos menos me deixe levar você ao hospital. É só a uma quadra daqui.

Logo vejo que a consciência do rapaz não vai permitir que ele desista da ideia, então resolvo ceder. Uma vez que ainda estou zonza pela queda, ele me pega nos braços, dando instruções para que eu continue fazendo pressão em minha têmpora.

 — É uma compressa. — Ele explica. — Só uma garrafa de água gelada, mas ... Bom, foi o melhor que consegui fazer.

— Isso ajuda muito. — Respondi honestamente. — Obrigada.

 Emmett me carrega o caminho todo até o hospital, onde me coloca delicadamente numa cadeira na antessala antes de sair em busca da mãe. 

— O plantão dela já está acabando. — Ele explica apressadamente enquanto se afasta. — Vou chamá-la e pedir que dê uma olhada rápida em você.

Com isso, fico sozinha. A sala não está cheia, apenas mais uma meia dúzia de pessoas e uma enfermeira atrás do balcão de informações. A garota de olhos azuis, que nos acompanhara sem dizer muito esse tempo todo, sentou-se ao meu lado. Quase por reflexo, meu corpo praticamente pulou para longe dela.

— Calma, Selene. — Ela diz suavemente, estendendo uma das mãos e descansando-a com delicadeza em meu braço, mal me tocando. — Não vou machucar você. 

— Como você sabe o meu nome? — Pergunto, me esforçando para parecer severa. Não consigo enganar nem a mim mesma. — O que você quer de mim?

— Nada, minha querida. — Seu tom ainda é o mesmo, gentil como alguém tentando tranquilizar uma criança. — Só quero conversar.

Não consigo evitar deixar meus olhos correrem, analisando sua aparência mais uma vez. Não há como negar que ela é bonita. Linda, até. Mas a expressão em seus olhos desmente a fragilidade de suas feições.

— Mas ... — Protesto, tentando forçar meu cérebro embotado a pensar em uma boa forma de ganhar tempo. — Mas eu nem sei o seu nome.

Aqueles lábios cheios se distendem em um sorriso cheio de simpatia. Por um segundo, quase me vejo sorrindo de volta.

— É Ashlee. — Ela responde enfim. — Ashlee Anderson.

Ashlee se inclina para mais perto de mim, a ponto de as pontas de seus longos cabelos loiros roçarem meu braço. As mechas tem um cheiro peculiar, de flor de cerejeira e algo mais amadeirado, um perfume misterioso com o  poder de me paralisar.

Protegida pela cortina de seus cabelos, ela se aproxima um pouco mais e seus lábios roçam minha pele, no ponto exato em minha têmpora onde a dor é mais latejante. 

Desde que começamos a namorar, não me permiti me aproximar de mais ninguém que não fosse Katerina. Não quis mais ninguém, para ser exata, e a sensação de outra pessoa me tocando de forma tão íntima é tão errada que finalmente me deu forças para me afastar.

— Eu ... — Percebo que estou gaguejando, e me odeio por isso. — Eu tenho namorada.

— É, eu sei. — Vejo em seus olhos uma expressão que não sei identificar, algo bem próximo de reprovação e desgosto. — E ela foi embora, não é? Foi embora e deixou você aqui, para trás.

Felizmente, Emmett volta com sua mãe antes que eu possa responder. A simpática senhora, na casa dos quarenta anos, está obviamente no fim de um plantão, porém se aproxima de nós com um sorriso no rosto.

— Então, minha jovem. — Ela diz amigavelmente. — Ouvi dizer que meu filho lhe fez levar um tombo bem feio.

— Foi mesmo, doutora. — Retribuo seu sorriso. — Ele é um perigo em cima de uma bicicleta.

A doutora ri com gosto e estende uma das mãos para me ajudar a levantar, conduzindo-me até uma pequena sala com cadeiras estofadas alinhadas junto à parede. Em poucos minutos ela checa meus sinais vitais, declarando que estou relativamente bem, aplica uma espécie de gel que alivia a dor em minha têmpora e me recomenda um remédio para caso tenha dor de cabeça mais tarde.

Tudo acontece tão rápido que, antes que eu perceba, estou me despedindo dela e de Emmett no estacionamento do hospital. Depois que eles partem, Ashlee e eu nos vemos novamente sozinhas.

— Ela não me deixou para trás. — Eu digo finalmente, em resposta a seu comentário anterior. — E isso não importa. É Katerina quem eu quero.

Ela balança a cabeça com tristeza, me olhando como se eu a tivesse desapontado. 

— Ah, Selene. — A loira suspira. — Você logo vai ver as coisas ao meu modo, eu garanto.

— Me ameaçar não vai levar a nada. — Declaro. — Só preciso gritar por ajuda, você sabe disso.

Uma de suas sobrancelhas, tão clara que mal se destaca contra sua pele de marfim, se ergue, e posso ver uma sugestão de sorriso nos cantos de seus lábios. Ashlee sabe que não estou falando sério.

— Posso calá-la antes disso.

— Mas não vai arriscar. — Eu rebato. — Tem alguma coisa que você quer de mim. O que é?

— Você, Selene. — A loira responde depois de alguns segundos. — E logo a terei, pode acreditar. Vou lhe dar três semanas, depois ... Bem, voltarei para termos uma ... Conversinha.

Eu a encaro, afrontada por aquele ultimato. No momento em que pisco, porém, ela desaparece, e me vejo sozinha no estacionamento vazio. Não a vi ou ouvi qualquer palavra dela pelas três semanas seguintes, exatamente como prometido.

Uma noite, exatamente no dia em que expirava o prazo fixado por Ashlee, eu estava subindo a já familiar colina que levava até em casa, quando uma sombra entre as árvores chamou minha atenção.

— Quem está aí?!

Minha voz baixa parece alta demais no silêncio daquele começo de noite. A figura dá um passo à frente e reconheço Ashlee imediatamente, seu cabelo parecendo prata líquida na luz do luar nascente.

— Selene. — Seu tom é amigável, quase carinhoso. Gentil, até. — Olá.

Sob os cílios grossos, seus olhos azuis parecem ainda mais fantásticos naquela luz, me fitando com tanta suavidade que meu medo inicial desaparece.

— Oi, Ashlee.

— Ora, ora, isso é bom. — Ela sorri discretamente ao se aproximar de mim. — Eu esperava ameaças e gritos.

— Bem ... Isso depende de você.

Minha provocação a faz dar uma risadinha. É a primeira vez que a ouço rir, e me surpreendo ao perceber que gosto do som. Isso é, até ela dar mais um passo em minha direção e eu ver a cor escura em seus lábios. Sangue, escuro e inconfundível.

Dou um passo para trás, meu medo retornando e sendo multiplicado por dez. 

— O que você fez? — Exijo. — Ashlee, o que diabos você fez?!

— Selene, não! — Há súplica em sua voz, enquanto ela estende uma das mãos em minha direção. — Por favor, espere.

Eu a ignoro e disparo numa corrida colina acima, sem fôlego ao finalmente chegar em casa. Mas, apesar do cansaço, não me permito parar. Continuo caminhando pela casa escura, acendendo as luzes ao passar, chamando minha família sem obter resposta.

Ao chegar à cozinha, o vidro estilhaçado de uma das janelas é o primeiro sinal de que há algo errado. Logo noto manchas escuras de sangue em uma das bancadas e sigo para examinar, encontrando meu pai caído no chão de linóleo antiquado. Há mais sangue em seu pescoço, e uma ferida terrivelmente visível.

— Pai! — Não consigo mais sustentar meu corpo e caio de joelhos ao lado dele. — Anda, papai, por favor. Acorde!

A ambulância quase não demora após eu chamá-la, sendo questão de poucos minutos até eu estar ao lado de meu pai dentro do veículo, segurando sua mão e sem conseguir parar de chorar.

— Papai. — Minha voz mal é audível, quanto mais compreensível através das lágrimas. — Papai, por favor, fica comigo. Eu preciso do senhor.

A mão de meu pai se estende devagar até tocar minha cabeça, e seu polegar descreve um pequeno círculo. Uma vez. Duas. Reconheço aquele gesto imediatamente, embora não usemos nossa linguagem de sinais especial desde que eu era mais nova do que Margareth. 

Não, é isso que seu gesto significa. Ele quer dizer que estou errada.

— Preciso sim. — Insisto, agora segurando sua mão com força. — Por favor, pai, só mais um pouquinho. Já estamos chegando.

Ele assente muito devagar, ainda de olhos fechados, e me inclino para deitar a cabeça ao seu lado, na curva onde seu ombro e pescoço se encontram. Fico aninhada com meu pai dessa forma até chegarmos ao hospital.

Quando dou por mim, estou na sala de espera do hospital, segurando a mão de Margareth. Mamãe está logo ao nosso lado, tremendo. Percebo, ao notar o grande relógio em uma das paredes, que já se passou uma hora.

Papai foi levado para a UTI assim que chegamos ao hospital, e só depois disso tive coragem de ligar para minha mãe. Ela veio com Maggie o mais rápido possível, e agora nós três estamos sentadas, tensas, à espera de notícias.

Um médico finalmente vem em nossa direção, e pulo de pé para ir ao seu encontro.

— Eu ... Eu sinto muito. — Seu tom é solene, porém gentil. — Fizemos todo o possível, senhorita.

Meus joelhos amolecem e parecem prestes a ceder, mas minha mãe me apoia. Ela e Margareth me abraçam e nós três choramos juntas. Eu, porém, não estou apenas chorando de tristeza. Minhas lágrimas são de ódio, uma promessa silenciosa de vingança.


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