Assexual escrita por Lunally


Capítulo 10
9° Capítulo


Notas iniciais do capítulo

Mais um♥



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Acabo de descer no ônibus. Meu condomínio fica a dois quarteirões abaixo. A rua está vazia; a senhora que geralmente fica fora de sua casa observando a rua não está lá. Preocupo-me com isso: todo santo dia ela está lá. Deve ter acontecido algo. Espero que não seja nada grave. Eu sempre falo “boa tarde” para ela, já virou rotina.

Eu estou feliz; mesmo com alguns problemas, estou feliz. Ontem, depois do cinema, May me passou o numero de uma amiga dela. Disse que essa menina tinha um grupo de apoio à sexualidade. Eu entranhei o nome. Na verdade acho engraçado, ficou como se fosse o “AA” — (Alcoólicos Anônimos). Contudo, sei que deve ser interessante. Darei uma chance para conhecer o lugar antes de julgar por preceitos nem confirmados de minha mente.

Ultimamente, tenho me identificado com os ace (assexuais). Dentre os tipos de sexualidade que pesquisei antes, existem suas especificações por pessoa/ vontade/ orientação. Por exemplo: um ace pode casar com alguém, mas não ter relações, ou pode querer ficar sozinho sem  se casar, ou seja: pode ser romântico ou arromântico, no sentido mais geral da definição.  Tem muitas outras categorias, mas foco nesta, pois me identifico.

— Ei! — Em um carro branco para do meu lado. Não sei a marca, nunca tive noção de identificação de veículo. Até hoje não sei que carro meus pais dirigem.

Olho para ver se é um conhecido, mas não é. Penso em continuar andando para minha casa.

— Onde fica o centro? — pergunta o homem dentro do carro antes que eu siga meu caminho padrão de todos os dias.

Sinto um arrepio e me afasto um pouco. Chego mais para perto da parede das casas na calçada.

— Vai à praça, depois passa o viaduto, lá tem sinaliza... — O homem tira a calça dentro do carro, mostrando sua nudez.  Uma adrenalina absurda vem no meu corpo. Corro em desespero. Aperto a campainha de uma casa e começo a gritar. O carro branco sai em disparada ao ver minha reação.

Quando o carro já está longe, caio no chão, chorando. Abraço meu corpo e vejo que alguns vizinhos estão saindo de suas casas para ver o que aconteceu.

“Que nojo!”, eu grito em frustração em meu pensamento. “Eu poderia ter sido abusada, que nojo!”. Para mim, sexo já não é algo que me atraia, e forçado seria um pesadelo. Eu me encontrava chorando cada vez mais em desespero. Como podem seres tão imundos pensarem em abusar de alguém? A única coisa que não tem justificativa é isso: estupro.

*

Meus pais ligaram para a polícia e meus amigos estão na minha casa conversando comigo. Agora eu estou mais tranquila. Meu pai quase teve um surto. Eu não sei a marca nem a placa do carro, o que dificulta mais ainda a identificação do “agressor”, então provavelmente nunca saberemos quem foi.

— Minha filha que tal ir de vã? Eu achei uma que leva na sua faculdade. — Minha mãe me abraça, ela também não acredita no que aconteceu. Sinto dor em meu coração ao ver o quanto isso afeta aqueles que amo e graças a Deus nada de pior aconteceu.

— Eu a busco. — Katty oferece, esta também parece transtornada pelo ocorrido. Will e May estão assustados também e me dão todo apoio que podem.

— Não precisa, Katty. — Dou um beijo na bochecha dela e abraço minha amiga querida de forma carinhosa, que é retribuída. Eu estou emocionada com tanta gente que me ama junta aqui me dando forças para me recuperar de um episódio trágico.

Logo todos se foram para suas casas, pois estava ficando tarde.

 Minha mãe fez — cozinhou, de fato desta vez — minhas refeições favoritas. Estou sendo mimada ao máximo. Acho que eles — meus pais — sentiram que iriam me perder, ou que algo ruim aconteceria, então estão suprimindo a possibilidade de minha falta, e crendo que eu estou bem e que nada de ruim aconteceu e não acontecerá.

Não dormi bem, eu ainda penso e repenso sobre a fatalidade. Por mais que tento evitar, meus pensamentos tendem a relembrar o fato. Meu psicológico tende a visualizar/imaginar o pior. Eu realmente, em questões assim, tenho uma mente muito infantil, qualquer demonstração de sexo para mim parece agressão. Tem algo em mim que detesta isso. Não pelo fato que aconteceu, eu nasci assim e deste modo quero perecer.

*

Estou na igreja.  Erick me ajuda a pegar as coisas. Fantasias que vamos usar hoje. Lavi, minha amiga da igreja, também está conosco. Antes rezei um pouco. Agradeci por minha vida e por estar bem. Hoje amanheci feliz e disposta a fazer muitas coisas, até em ir ao grupo de “apoio aos ace” que a May tinha mencionado.

— Não quero ser um elefante! — Um dos meus alunos grita. Está brabo com os coleguinhas de sua classe que não o deixam escolher seu personagem. Eu o entendo, eu sempre era escolhida para os papéis, nunca escolhi um que gostasse.

As crianças correm, brigam e brincam pela sala. A peça será de tema livre, então nem sabemos o que pode ser, já que foi feita pelos pequenos.

Os despachamos para o palco. Fizeram uma peça tão linda que até emocionou os pais que a viam. Fizeram sobre o tema: bullying nas escolas, algo que acho muito bonito da parte de crianças tão novas abordarem. Isso mostra que eles têm consciência das coisas.

Estou indo embora da igreja mais calma e feliz comigo e com a minha vida.

— Lucy! — Erick chama-me. Ele está com vergonha, parece um pouco sem jeito. — Soube o que houve com você. Está bem?

Olho confusa para ele, não sei do que ser trata. Erick tenta falar algo, mas lembro-me na hora. — Oh... o tarado! — Acho que de tanto tentar me distrair e pensar em tudo menos o fato anterior, eu consegui esquecer tudo durante alguns segundos. — Sim, estou. Obrigada por perguntar. — Sorrio de forma contagiante. — Estou bem, nada aconteceu, pelo menos não algo perigoso, mas a gente supera.

A vida é um ciclo no qual as tristezas e alegrias rodam nesse sistema, sempre vêm e voltam.  Sempre, sem parar. Nunca vai haver um momento em que vamos parar de sentir alegria ou tristeza. Elas às vezes vêm mais intensas ou fracas; experiências ruins e boas. Às vezes nos destrói e achamos que acabou o mundo, que estamos perdidos, queremos morrer de verdade, até tentamos nos matar — alguns têm sucesso outros não. Mas quer saber? É passageiro e você é muito novo para achar que acabou ali naquela experiência ruim, que o mundo virou contra ti. Você sabe que vai passar, pois no passado houve tristezas horríveis que lhe fizeram sofrer muito, mas e hoje? Você nem está lembrando-se delas e esta tristeza que te ronda agora, também vai passar, e as outras que vierem também!

A alegria é da mesma forma. Aproveite ela, mas não é eterna. Deve se prevenir para que ela dure e às vezes a prevenção traz tristeza e dor, mas vamos lá, meu caro! Acha que a vida seria plena se vivêssemos de um só sentimento? Não teria graça não poder chorar por causa de “A Culpa é Das Estrelas”, ou não sentir raiva e repulsa com “O Caçador de Pipas” e não poder rir com qualquer filme do Jim Carrey.

Tem uma frase que se tornou viral na internet e que se aplica a esses casos. As coisas vão continuar acontecendo, mesmo se você estiver bem ou não. E sabe o que você faz? “Continue a nadar, continue a nadar...” Sim, como Dory nos disse!

Não importa o que o mundo faz com você, se tiver amor próprio e fazer suas coisas do jeito que ama, nada vai te derrubar por completo. Tu tens que ser um pouco egocentrista e ver que não és uma simples merda vítima da sociedade capitalista. Tem que se ver como alguém capaz. E a vossa capacidade é algo muito amplo para você achar que uma coisa ruim acabou com tudo.

Já ouviu falar que algo ruim traz algo de bom? Pois bem, traz. Aprenda com ela, siga a vida. Eu estou seguindo a minha vida e, meus caros, eu vou fazer o que quero. Vai ser difícil, mas vou fazer, porque eu vou pisar na cara de cada um que disse que eu não seria capaz. E não me entendam como alguém ruim quando digo que vou “pisar”. É que vou ser quem eu quero sem prestar atenção nas coisas ruins, nas pessoas ruins. A pior coisa que se pode fazer com alguém que quer te afetar é ignorar.

Mas no meu caso, não falo só da questão de um tarado que me atacou, falo de tudo! De todas as pessoas que tentam nos machucar, sendo física ou psicologicamente. Não vamos deixar isso estragar a nossa felicidade, pois passa. Sempre passa.

— Que bom que está bem — Erick fala mais alegre.

— Tchau, Erick, tenho que ir — despeço-me.


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