Eu, você e o garoto que já morreu. escrita por La Oliveira


Capítulo 4
Capítulo 04


Notas iniciais do capítulo

Cá estou eu, mais de dois meses depois, os comentários do ultimo capítulo não estão respondidos e eu to toda enrolada, espero que vocês possam me desculpar.
Os capítulos agora terão data de postagem, dia 15 de todo mês, nem antes nem depois. É isso, espero que não tenham me abandonado... vamos ao capítulo.



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Capítulo 04

Na hora do intervalo James me deixou ir sozinha para o meio dos abutres prontos para me atacar e me lembrar de sua morte, devo confessar que isso apenas comprovava minha teoria da esquizofrenia. Era questão de tempo até eu começar a ouvir vozes.

Havia descartado o tumor cerebral a uns 10 minutos, simplesmente porque não sentia vontade de morrer e me juntar a James no maravilhoso mundo dos mortos, sintam a ironia. Tumores matam pessoas, isso é triste. A morte é triste. A vida também é, mas relevem.

Me dirigi para a mesa mais isolada que encontrei, estava vazia e ficava bem no final do refeitório. Minha única chance de passar despercebida, quem sabe se eu sentasse lá sozinha as pessoas notassem que não queria falar com ninguém.

Ledo engano, esse meu. Eu mal havia dado um gole em minha Coca-Cola e já estava cercada de pessoas, revirei os olhos.

“Você está bem?” “Precisa de alguma coisa?” “Como se sente?” “Meu Deus, ele era seu amigo, que barra”

Reviro meus olhos enquanto escuto todas aquelas perguntas, todas aquelas pessoas tocando no nome de James, todas elas me lembrando que ele havia morrido. Meus olhos enchem-se de lágrimas e, antes que eu as solta-se, levantei-me abruptamente da cadeira e deixei todos eles para trás, correndo até o banheiro. Meu rosto já molhado com as lágrimas.

James estava morto, morto. E eu estava sozinha, alucinando e ficando louca.

De repente sinto que não estou mais sozinha no ultimo box do vestiário da escola, lá eu ficaria em paz, não teriam aulas de educação física hoje. Não olho na direção de James, pois sei que apenas vai piorar meu estado de espirito.

— Ei, não fique assim – ele me fala – eu estou aqui – pela minha visão periférica o vejo tentar passar o braço por meus ombros, mas ele desiste e isso me faz chorar ainda mais.

— Pensei que já tínhamos passado dessa fase – soluço.

— Que fase?

— Do toque... – e então, com um suspiro que beirava o cansaço, James – meu melhor amigo morto – passa os braços ao redor de meus ombros. Meu corpo fica automaticamente tenso, estremeço, meu queixo começa a bater mas, mesmo assim, me aconchego mais ao seu corpo.

— Sempre vai ser assim, você vai sentir frio e eu vou me sentir mal – ele fala, sua voz se quebrando em milhões de pequenos pedacinhos.

— Quando você me toca – sussurro com a voz levemente tremula por conta do choro e do frio – é como nos filmes? Você não me sente?

— Quer realmente saber? – ele me pergunta, levando meus olhos para o seu rosto, ele não olhava para mim, sussurro a palavra sim de uma forma leve e frágil – Eu sinto calor – James prossegue abaixando seu rosto para o meu. Levanto uma sobrancelha, sentindo minhas bochechas esquentarem – Deus, Lia – meu melhor amigo começa a gargalhar, o som de sua risada retumba por meus ouvidos, me acalmando – Não esse tipo de calor, sua mente poluída. É um calor gostoso sabe? Mas também incomoda, você sente frio e eu sinto calor. É como fogo.

— Você sente que está queimando? – pergunto alarmada, vendo-o assentir – Bom, eu fico feliz de sentir frio. Amo o frio. – essa minha frase o faz gargalhar e me apertar mais junto de si.

Respiro fundo e, finalmente, noto que James não tem um cheiro especifico, não é como se ele não cheirasse a nada, mas é estranho. Não consigo dizer do que é, é bom... de certa forma é muito bom.

— No que está pensando? – James me pergunta enquanto acaricia meus cabelos.

— Tentando decifrar o seu cheiro... é estranho – o repondo franzindo minhas sobrancelhas, o choro já havia cessado e os tremores do meu corpo iam parando a medida que me acostumava com o frio.

— É bom?

— Eu gosto.

Sinto James beijar minha cabeça e logo depois aspirar fortemente o cheiro de meus cabelos.

— Eu gostava do seus cheiro. Às vezes, quando você dormia na minha casa, eu passava a noite seguinte cheirando o travesseiro, até não restar mais nada do seu cheiro – ele me revela baixinho, sua voz levemente envergonhada. Sorrio com a revelação.

— Gostava? Por que? Não gosta mais? – o provoco rindo baixinho.

— Não o sinto mais – e de repente meu sorriso morre – Não sinto mais os cheiros ou os gostos, a única coisa que me resta é o calor escaldante do toque.

— Eu não sabia... – sussurro, abaixando minha cabeça.

— Tudo bem... tudo bem – ele sussurra enquanto aspira novamente o cheiro de meus cabelos, sem realmente senti-los.

— O que mais, você não pode fazer? Sabe, que você fazia antes de... – fecho meus olhos, não sendo capaz de concluir essa frase, tão simples mas com um significado tão grande.

— Não sei – seus braços ficam mais frouxos ao meu redor – Não testei muitas coisas. Quando toco objetos não sinto suas texturas, mas sinto que estão ­lá, entende? É meio complicado de explicar, Lia.

— Eu entendo, acho que entendo... – digo me aconchegando um pouco mais junto de si, meu corpo estremece e o sinto ficar tenso, suspiro, gostando daquele silêncio que caiu sobre nós dois.

Meu coração encontrava-se disparado devido a minha proximidade junto a James, sempre foi assim, eu quase tenho um infarto toda vez que fico dessa forma, próxima a ele. Encosto minha cabeça em seu peito, tentando escutar seu coração, mas de nada adianta, o coração de James não bate mais. Esse pensamento me entristece novamente.

— Jay?

— Hum?

— Deus... ele existe? Você acredita que ele existe?

— Não, Lia. Nunca acreditei e não será agora que irei começar a acreditar – me responde em um suspiro. Uma coisa que não comentei com vocês antes: James Lincoln, meu melhor amigo morto, é ateu desde seus 13 anos de idade. A 5 anos atrás. Mas tudo isso começou bem antes, quando tínhamos uns 7 ou 8 anos.

— Mas você está aqui, isso significa que tem vida do... outro lado, isso significa que tem um deus em algum lugar por ai... – veja bem, não faço o tipo religiosa, mas acredito que tenha alguma coisa lá em cima. Ou lá embaixo. Acredito que tem algum deus lá, qualquer um, pronto para nos dar o tão sonhado perdão.

— Não, Lia... isso significa que estou aqui, apenas isso – e novamente o silêncio recai sobre nós dois, mas dessa vez não é algo confortável, mas sim ruim.

Tudo tem uma história, absolutamente tudo e o ateísmo de James não é uma exceção.

Me lembro bem do dia em que nossos pais nos levaram a uma nova igreja, em uma cidade diferente. Estávamos viajando, os 6, meus pais e eu, James e os pais dele.

Minha tia, mãe de James, tem asma. Crises fortes e que vem do nada. Estávamos na igreja, nada igual a qualquer lugar que eu ou meu melhor amigo havíamos pisado antes, era um belo castelo, suas paredes erguiam-se imponentes, era lindo e luxuoso. Eles começaram a orar e falar do homem ruim que fica lá em baixo (eu nunca mais disse seu nome dês daquele dia), estávamos sentados na primeira fila e então começaram a jogar água benta em cima de nós, de todos nós. Nesse momento minha tia teve um ataque de asma, as vezes ocorre assim, do nada, então ela começou a ficar sem ar e roxa e não conseguia mais respirar, meu tio Heitor começou a procurar pela bombinha de asma na bolsa da minha tia. Enquanto isso o padre descia de seu pódio e vinha até nos, ele murmurava palavras que, se eu não assistisse zilhões de filmes de terror, nunca teria reconhecido, mas eu reconheci. O padre a estava exorcizando.

Minha tia, a mãe do meu melhor amigo, quase morreu naquele dia.

— Lia? – ouço James me chamar.

— Sim?

— É que eu... esquece. Não é nada – ele fala, soltando um longo suspiro, parecia cansado.

— Jay... existem mais como você? – sussurro baixinho, porque eu sei que quando terminar essa frase não vai ter mais volta, uma coisa é pensar e outra bem diferente é falar – Mais fantasmas?

— Sim, Lia. Existem.

— Quantos mais?

— Milhares... milhões... bilhões... estão em todo lugar, por onde você pisar, 100 espectros mortos para cada 2 espectros vivos – ele me conta, sua voz suave mas, mesmo assim, tensa. O frio que sentia em meu corpo de repente aumente, piora, talvez agora eu estivesse muito consciente dos olhos sobre mim, olhos que não pertenciam somente a James.

— Eles então... aqui? – minha boca começa a bater, meu corpo a tremer, me aconchego mais perto de James. Eu tenho pavor de fantasmas, meu melhor amigo é um fantasma.

— Aqui dentro não, apenas você e... eu, estamos aqui – sua voz agora não disfarçava, estava fria e dura. Fiquei ainda mais assustada.

— Porque?

— Eu os mandei embora — e então olho para cima, para dentro dos olhos do meu melhor amigo fantasma, e os encontro vazios e sem sentimentos. Nesse momento eu senti medo, não por mim, mas sim por James.

Eu não sabia o que ele estava tendo que passar para continuar aqui do meu lado, mas eu tenho certeza que era muito ruim. E naquele momento eu soube que teria que manda-lo embora, para seguir cm sua vida, ou a falta dela, mas eu também soube que não conseguiria e por esse motivo eu mantive James ao meu lado, me protegendo dos fantasmas ruins. Eu sou egoísta e o amo, um amor egoísta e ruim, mas mesmo assim um amor, puro e sincero.

Eu nunca o mandaria embora. Essa não é uma opção. Eu o amo demais para fazer isso.


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Notas finais do capítulo

Se ainda tiver alguém ai... deixe seu comentário, vou adorar lê-lo ♥



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