Nós entramos numa sala vazia e ela abriu a janela. Arregalei os olhos ao ver a multidão de zumbis ali parados, rosnando e batendo no portão do hospital. Eu não tinha certeza do que tinha acontecido, ou porque meus olhos ficaram verdes de repente, mas desconfiava que tinha a ver com aquela cicatriz no meu ombro esquerdo. Eu estava ouvindo, sentindo e vendo bem demais. A garota me olhou e depois para o meu ombro. Então, rápida como um raio, puxou a manga da minha blusa, revelando a cicatriz. Olhei para ela com as sobrancelhas erguidas.
—Meu nome é Felicity.-Ela disse.-Vai parecer coisa de outro mundo, mas você é como eu.-Ela ergueu a mão e me mostrou seu pulso. A cicatriz era igual a minha.-Vicente viu quando acertei aquele zumbi com o cotovelo e a cabeça dele se partindo no meio. Nós fomos mordidas também e nos transformamos nisso.
—Nós?
—Scarlett e Valerie. Aconteceu a mesma coisa com elas.-Ela se aproximou de mim.-O que quero saber é o que você tem de especial.
—Eu não tenho nada.
Eu realmente queria não ter nada.
—Você só tem algumas horas de transformação. Eu e Scarlett temos dois dias e a Valerie tem um.
—O que você tem de especial?-Perguntei.
Aquilo estava muito confuso.
—Eu leio mentes.
Quê?
—Scarlett tem uma visão muito apurada. Ela consegue ver quem ou que está a quilometros de distancia. Valerie consegue fazer um zumbi fazer o que ela quer. Por isso esse pessoal ai não invadiu.
—Você disse um zumbi.
—Isso.-Ela apontou para a janela.-Olha ali.
Olhei pela janela e vi uma morena com a pele cor de chocolate e cabelos pretos, longos e lisos. Ela estava com as mãos estendidas para uma coisa gigante e empolada.
—Encontramos alguns desses antes de chegar aqui.-Felicity disse.-Eles são versões distorcidas de zumbis. Não foram transformados como a maioria.
—O que quer dizer?
—Quero dizer que eles foram criados como os zumbis, sendo que o efeito neles foi diferente. Os zumbis tem pele roxa, veias inchadas, olhos negros e dentes afiados. Esses tem o triplo do nosso tamanho, uma força fora do comum e a pele é de acordo com cada cobaia mais as bolhas.
Examinei a...coisa. Eu não conseguia ver seus olhos.
—É, nem eu.
—O que?
—Também não vejo os olhos deles. Ah, nós os chamamos de cobaia, não de coisa.
Eu não podia acreditar.
—Pare de ler meus pensamentos.
—Desculpe. Força do hábito.-Ela tirou os olhos da coi...cobaia.-Só pra você saber, eu leio mentes da gente, falou? Não consigo ler a mente das outras pessoas. Escuta, a Valerie tem um zumbi com ela.
—Um zumbi?
—É. Era o marido dela. Ela pôs uma coleira nele e usa sua persuasão nele. Vai que lá tem alguma cura, né?
—Cura? Lá?
—Depois te conto o nosso...ei você tá bem?
Eu não estava. Meus olhos perderam o foco por um momento e eu enxerguei um corredor. Não ouvia mais a voz de Felicity. Os passos ritmados andavam pelo corredor. A respiração estava acelerada. Não era as minhas roupas que eu via, nem o cabelo. Os olhos viram uma porta e a mão empurrou-a revelando Felicity com a mão em meu ombro e a outra balançando na frente do meu rosto. Eu estava de costas. Uma voz reverbou pelos meus olhos.
—Tudo bem? Ela é uma de nós?
—É sim. Acho que encontramos o especial dela.
A mesma mão que abriu a porta tocou meu ombro e me virou para ela. Meus olhos estavam numa mistura engraçada de preto e dourado. Assim que fizemos contato visual, eu pisquei e não me vi e sim Felicity e uma menina branquinha com os olhos puxados.
—Me fale o que houve.-Felicity pediu.
—Foi como se eu tivesse...tivesse...-tentei explicar o que aconteceu. Eu tinha visto pelos olhos dela.-Eu vi o que ela viu. Eu enxerguei pelos olhos dela. Como se tivesse entrado na cabeça dela...
Felicity sorriu satisfeita.
—Pelo menos estamos tendo sorte. Vamos, vou te dar de comer e te explicar o que está mesmo acontecendo e o que vamos fazer.
—Tá. Mas eu vou chamar a minha irmã e o meu...amigo.
Felicity deu de ombros.
—Vamos lá.