Estava frio e barulhento. Senti o cheiro de sangue e remédios, e isso me deixou nauseada. A dor no corpo havia sumido, mas a no coração não. Se o Inferno era isso, eu preferia ficar vagando feito fantasma na terra. Lembrei dos rostos de Babi e Dante. Tão apavorados. Lembrei do corpo da mamãe estirado no chão, sem vida. Respirei fundo e tossi no processo. Que cheiro horrível! Suor, lixo tóxico, e mais sangue e remédio. Que esquisito o Inferno cheirar assim, não é? Meus sentidos vieram de uma vez, e de repente eu via, sentia e ouvia muito bem. As vozes eram muitas e diziam coisas incompreensíveis. Eu sentia muitas coisas vindo de várias direções. Apreensão, medo, incerteza, dor, preocupação. Na minha frente, muitas luzes acendiam e apagavam. Mãos se moviam e me tocavam. Rostos apareciam e desapareciam. Eu estava anestesiada. As pontadas de agulhas, a linha passando pela pele, a checação de pulso. Nada disso eu sentia. Fazia cócegas até. Eu senti como se estivesse acordando. Como se estivesse me movendo- como se estivesse sendo movida. De repente tudo parou e eu pisquei algumas vezes. Quando abri os olhos de novo, tudo estava no seu devido lugar. Eu queria muito levantar. Obriguei meus cotovelos a sustentarem metade do meu peso. Sentei-me devagar. Eu estava numa maca, num corredor e tomando soro. Tudo ali era branco. Outras pessoas estavam no corredor. Algumas deitadas, algumas sentadas, algumas sendo cuidadas por enfermeiras. Espere aí, enfermeiras? Arranquei o tubo do meu braço e obriguei minhas pernas a se moverem. Pisquei de novo. Eu me senti forte, de repente. Me examinei. Uma camisa grande demais, calça jeans, ombro esquerdo enfaixado. Mas o que...? Rasguei com facilidade a bandagem e vi meu ombro com marcas de dentes. Mas estava cicatrizado. Passei os dedos ali. Quem me mordeu? O que aconteceu? Eu não me lembrava.
Meus pés tocaram o chão frio mas eu não estremeci. Comecei a andar pelos corredores, seguindo o foco das vozes, aonde elas pareciam se localizar. Arfei quando vi a multidão de pessoas a minha frente. Uma voz fez meu coração bater mais rápido. Babi.
—Como assim você não sabe? Você levou ela pra lá e deixou ela?
—Ela estava incosciente. Deixei-a no soro e quando voltei...
—Você não tinha que ter deixado ela! Você...ai meu Deus.
Babi gritou quando me viu. Corri até ela e a peguei nos meus braços. A enfermeira se afastou e foi embora.
—Corrie...-Ela soluçou.-Eu pensei que...pensei que...
—Shhh, já passou. Eu estou aqui.
Me afastei para olhar em seus olhos. Babi levantou os olhos e arregalou-os. Me olhou assustada e temerosa. Franzi a testa.
—O que foi?
—Seus...seus...seus olhos...-ela gaguejou. Senti alguém se aproximar por trás de mim. Virei-me bruscamente e vi Dante.
Ele pareceu feliz e aliviado, então olhou nos meus olhos e deu um passo para trás. Atrás dele uma senhora passava. Foi tão rápido que eu nem acreditei. A senhora parou, ele esbarrou nela e eu rapidamente fui até ela e a segurei antes que caísse. Não acreditei no que tinha feito. Eu estava morta ou viva? Ninguém normal faz isso! Olhei para Dante.
—Como...?-Perguntei.
—Acho que isso tem a ver com o fato que os seus olhos estão verdes.
— O que? Verdes?
Ele apontou para a janela de vidro preta perto de nós. Ela refletia pouco, mas era diferente comigo. Eu não só via perfeitamente como via que os meus olhos estavam verdes. Verdes!
—Como paramos aqui?
—Você desmaiou e não se transformou num zumbi. Dirigi por meia hora quando vimos uma bandeira nesse hospital que dizia "Sobreviventes". Entramos e inventamos que você se machucou. Cuidaram de você, trocaram sua roupa...e aí você aparece desse jeito estranho.
—Eu não morri?
—Não.
Deus do céu que confusão. Senti seus olhos em mim antes de vê-la. Uma morena meio alta me encarava de longe. Sua pele era brozeada e ela tinha os cabelos castanhos presos em uma trança. Ela tinha os mesmos olhos que eu. Ela olhou pros lados e veio na minha direção.