A História de Fátima Rosa escrita por Ayla Peres


Capítulo 2
Capítulo 2 - A Chegada


Notas iniciais do capítulo

Bem-vinda(o), espero que goste de conhecer esta história, que é contada a partir do ponto de vista dos dois protagonistas. Para quem conheceu antes a história original, fica a homenagem para que possamos passar mais tempo com esses personagens inesquecíveis...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/678346/chapter/2

KERIM

Não havia vagas e eu estacionei o carro em um local proibido para esperar a chegada a Ildir do próximo voo que vinha de Istambul. E enquanto eu estava parado no carro que Mestre Gallip havia me emprestado, pensava em quanto tempo havia se passado desde a última vez em que eu havia encontrado a “gangue” de amigos de infância formada por Vural Namli, Erdogan Yasaran e seu primeiro Selim Yasara.

Erdogan foi o primeiro a chegar com o restante de sua família, mas ele me viu ao longe e nós nos cumprimentamos e conversamos um pouco antes que ele seguisse em um transporte privativo que os aguardava. Erdogan sempre havia tentado se impor entre nós como uma espécie de líder do grupo, embora fosse obrigado a viver à sombra do primo Selim, o mimado filho de Resat Yasaran, seu tio, que não escondia de ninguém que mal tolerava o sobrinho, por mais que este depois de adulto tentasse se esforçar para conquistar seu lugar nas empresas da família.

Para agravar os ciúmes de Erdogan, seu primo Selim pouco se importava em trabalhar, preferindo ser conhecido como um playboy colecionador de inúmeras companhias femininas. Mas, contrariamente ao que se podia esperar, Selim seria o primeiro a se comprometer. A festa de seu noivado com a filha de um eminente político do país seria celebrada pelos Yasaran em Ildir e por essa razão nós nos veríamos outra vez, o que normalmente só ocorria agora nas férias de verão em que eles vinham a Izmir.

Na verdade, eu esperava por Vural, que não tardou a chegar logo depois de Erdogan.  Ele sempre fora o mais extrovertido entre nós e também aquele a quem eu realmente considerava um amigo, diferentemente dos Yasaran, de quem eu era mais distante. Quando ele chegou, nos abraçamos calorosamente e conversamos pelo caminho, enquanto eu o levava a sua casa.

Meryem, minha mãe adotiva que era mais conhecida como Ebe Nine, nunca havia gostado da “gangue”, nem mesmo quando éramos mais jovens. E o fato dos Yasaran a terem pressionado a vender-lhes as terras de sua família, não havia melhorado o conceito deles para com ela.  Aparentemente os Yasaran não aceitavam receber um não como resposta, mas suas manobras não obtiveram nenhum resultado, exceto conseguir aumentar o desprezo de Ebe Nine pela família.

Assim, era mais do que esperado que Meryem reclamasse por eu me encontrar de novo  com a “gangue”, quando passei em casa para me arrumar. Mas embora a respeitasse, eu procurava não me preocupar muito com o que ela dizia porque sabia de sua prevenção contra os Yasaran. Assim, depois de mudar de roupa fui me encontrar com Erdogan e Vural na praia para recebermos Selim, juntamente com outros convidados que o esperavam na praia privativa do hotel, enquanto Erdogan fazia comentários sarcásticos sobre a apoteótica chegada do primo em um hidroavião.

Depois disso, o dia de sol e de um céu muito azul passou-se rapidamente e acabei bebendo mais do que devia e chegando um pouco tarde em casa.  Meryem chamou minha atenção e disse que ia avisar Mestre Gallip para que ele não deixasse mais eu usar seu carro. Depois ela começou a me perguntar se eu também havia usado alguma outra droga, alegando que os demais participantes da “gangue” seriam capazes de fazer qualquer coisa. 

Como eu havia apenas bebido, não precisei mentir, mas estava bem cansado e acabei dormindo no sofá do lado de fora. E durante aquele rápido cochilo, possivelmente por estar com os níveis de consciência alterados pela bebida, sonhei com minha mãe. Era o mesmo pesadelo que sempre me perseguia.  Eu entrava na minha casa, ainda bem pequeno, e tudo estava silencioso. Em meio à penumbra dos cômodos fechados, mesmo em pleno dia, eu enxergava os pés de minha mãe dependurados. Ela havia se enforcado. 

Era um misto de lembrança com sonho mau, porque minha mãe realmente havia se suicidado dessa forma devido ao desgosto por meu pai tê-la abandonado. E ele depois disso nunca mais havia me procurado também, o que me levara a odiá-lo com todas as minhas forças desde então.  Ainda criança, eu havia recortado o rosto dele de todas as fotografias que possuía para não mais me lembrar de seu rosto. Ebe Nine fora a mãe mais carinhosa que alguém poderia desejar se pudesse escolher, mas a mágoa de me tornar órfão de mãe daquela forma e de nunca mais ter um pai sempre estaria gravada em minha alma, bastando que as feridas dessas lembranças fossem lembradas, como naquele sonho, para que doessem intensamente outra vez. 

Acordei ensopado de suor. Meryem estava por perto, ainda acordada, e preocupou-se comigo, como sempre fazia, oferecendo-me água e sugerindo que eu subisse para dormir em minha cama. Obedeci mecanicamente e fui para meu quarto, demorando bastante para conciliar o sono, mas por fim acabei dormindo profundamente, pois a despeito das antigas lembranças que circulavam inquietas em minha mente, meu corpo cedera ao cansaço.  Amanhã seria outro dia e eu precisaria acordar cedo para trabalhar.

—x-x-x-x-x-x-x-x-

Mestre Gallip normalmente confiava muito em mim, mas também não via Vural e os filhos dos Yasaran com bons olhos, o que explicava seu olhar especulativo em direção a seu carro na manhã seguinte, embora eu o houvesse devolvido limpo, com tanque cheio e sem nenhum arranhão. Gallip dizia que meus amigos da “gangue” não se importavam comigo, apenas me faziam de motorista. Sim, eu sabia que eles não me viam como iguais, mesmo que nos conhecêssemos desde crianças. Ao menos não do jeito como enxergavam Vural, que pertencia ao mesmo nível social que eles.   Todavia, eu preferia não me incomodar com isso: afinal, eles não eram meus parentes ou meus melhores amigos, haviam sido apenas colegas de escola e agora eram parceiros de férias de verão com quem eu podia me divertir. E a despeito do que Meryem e Gallip pensassem ou dissessem, eu me considerava com o mesmo direito a fazer bobagens que teria qualquer outro jovem de minha idade quando não estivesse trabalhando. Afinal, eu dava duro para isso a maior parte do tempo.

Naquela manhã, os Yasaran e seus convidados estariam ocupados passeando de barco pelas praias. Porém, Erdogan, Selim e Vural não foram a esse passeio e logo chegaram na oficina onde trabalhávamos convidando-me a acompanhá-los, quase como se pudessem ter ouvido os conselhos que Gallip me dera pouco antes de eles chegarem e resolvessem me testar. Eu havia começado bem cedo e adiantado tudo que era mais importante para aquele dia, mas não queria desrespeitar Mestre Gallip e por isso preferi responder que precisava trabalhar e não poderia ir.

Erdogan rapidamente se dirigiu a Gallip dizendo que pagaria meu salário daquele dia para que eu fosse liberado, ao que o mestre respondeu que nenhum dinheiro seria suficiente para pagar meu esforço. Vural então, com suas maneiras agradáveis, desculpou-se com Gallip pela atitude arrogante de Erdogan, pedindo que minha saída fosse autorizada não por conta de seu pedido mas porque era provável que não nos víssemos outra vez durante muito tempo: depois daquele verão Selim ia se casar, Erdogan iria para o exército e Vural iria estudar no exterior.

Gallip, ainda que sem disfarçar sua contrariedade, disse que não haveria problema se eu fosse com eles. Aquele dia de verão estava muito quente e a perspectiva de ir à praia e mergulhar ao invés de ficar trabalhando na oficina abafada não era nada desagradável.  Agradeci então a Mestre Gallip e assumi o volante do jeep de Selim. Eles já haviam começado a beber desde cedo e no caminho, Selim e Erdogan riam de mim porque agora eu era sócio e não mais apenas funcionário de uma oficina, perguntando-me como eu administrava aquela grande empresa. A praia estava ótima e tudo soava como antigamente, até mesmo as brincadeiras idiotas de Erdogan, que tentou me dar um “caldo” demorado quando estávamos na água.

Quando regressávamos, nos deparamos com uma jovem que tentava retirar uma das ovelhas que pastoreava da água e paramos para olhar. Alguém comentou que eu deveria ajudar a garota por também ser um nativo do povoado, mas eu, um tanto constrangido, disse que eu aquilo não era da minha conta. Apesar de o povoado ser pequeno e de eu não ter conseguido distinguir os traços da moça à distância, eu tinha certeza de que não a conhecia. Selim, Erdogan e Vural riam, achando engraçado os esforços da moça e aplaudindo quando ela obteve êxito, mas seus olhares desrespeitosos para seu corpo delineado pelo vestido molhado me perturbaram, então decidir acelerar para partirmos com um movimento brusco, sob os protestos do resto da “gangue” que insistiu em continuar a falar da garota, mesmo quando ela já estava longe de nossa vista.

“Ela era muito bonita.”

“Vou concordar com você. Mais gostosa do que as garotas de biquíni na praia.”

“E estava toda molhada, uma delícia!”

“Com uma produção, hein... maquiagem, cabeleireiro, roupas... Ficaria uma deusa!”

“Mas o cheiro de ovelha não sairia de jeito nenhum.”

“Que nada, depois de um bom banho ela estaria perfumada como uma flor.”

Aqueles comentários grosseiros também me incomodaram, embora eu reconhecesse que não eram muito diferentes dos que a maior parte dos homens costumava fazer quando não havia mulheres presentes. Assim, minimizei o acontecido levando em conta o  quanto eles haviam bebido e procurei me esquecer da moça.  Logo depois, eles se esqueceram dela também, pois a noiva de Selim ligou para ele, que hipocritamente pediu silêncio e fingiu estar ocupado tomando providências para o noivado. Pelo visto, ele havia se comprometido, mas não perdera seus velhos hábitos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostou? Quer fazer sugestões? Comente aqui ou na página da fanfiction no Facebook:
https://www.facebook.com/fatmagulfanfiction

Até o próximo capítulo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A História de Fátima Rosa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.