Caçadora da Meia-Noite escrita por Ginger Bones


Capítulo 28
Capitulo 28


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capitulo da semana! As coisas estão começando a ficar tensas....
Boa leitura!



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Liev não aparece até a hora do jantar. O sol já havia se posto há muito tempo quando ela finalmente voltou, mamãe, no entanto, já estava se desesperando por sua demora. Ela não falara muito sobre a cena que presenciou durante a tarde quando voltou para casa, manteve o silêncio e não comentou nada e, de certa forma, eu a agradeço silenciosamente por isso.
Liev chega no mesmo momento em que mamãe está desligando o fogão. Ela ainda bate a porta ao entrar, mas está visivelmente mais calma. Suas bochechas tem um tom rosado e não sei se o motivo é a temperatura ou o fato de ter ficado tão furiosa algumas horas atrás. Se senta à mesa em completo silêncio e nem sequer tenta se explicar e contar para onde tinha ido. Suponho que ela não fale nada a menos que seja obrigada e não sei se isso é bom ou ruim. Às vezes preciso ter em mente que ela só tem 16 anos. Ela continua em silêncio enquanto serve com o jantar e começa a comer, então desisto de esperar por explicações. Sei que não as teria.
Adam se senta ao meu lado, constrangido pelo silêncio e sem ter certeza de que é uma boa ideia iniciar uma conversa. Eu também não quero manter o silêncio, mas o clima continua pesado. Sinto que o clima agora é como um balão de Hélio e se forçarmos começando uma conversa desagradável, ele irá estourar e nos atingir.
–Tudo bem, já chega!-exclamo decidida olhando para cada um naquela mesa.-Eu vou embora amanhã cedo e não quero sair daqui sem estarmos totalmente resolvidos. Não sei quando poderei voltar e não quero estar brigada com vocês quando for embora!
–Não estamos brigados, filha.-minha mãe tenta argumentar.-Sua presença aqui é um presente para nós depois de tanto tempo.
–Ah, é? Porque não é o que parece considerando as expressões desses dois.-digo apontando rapidamente para Liev e Maksim.-O que foi que eu fiz pra vocês, hein?
–Além de sair de casa e não aparecer para nos visitar por 10 anos?-pergunta Liev em tom irônico.
–Eu não...-começo.-Escute, não sei o que andaram te falando sobre mim. E na verdade, acho que não me importo. Você era só uma criança, não entenderia. Eu não pude escolher. Eu fui intimada a ir com eles. Você acha que eu queria ir, que eu não tentei lutar para ficar aqui? Eu passei nos testes, Liev, era só o que importava para os Caçadores da Meia-Noite. Eu não tinha a escolha de não ir, e se eu não estivesse em Londres com eles, mais caçadores seriam chamados para me buscarem aqui. Nenhum de nós teve escolha.
–Eu não acredito em você!-ela exclamou.
–Não interessa em que você acredita.-digo a ela.-Só o que aconteceu. Não posso mudar o passado, mas não quero deixa-los pensando assim de mim.
–Já chega, as duas.-grita a minha mamãe antes que Liev ou Maksim respondessem qualquer coisa. Acho que ela ainda se lembrava daquele dia, se lembrava de como eu tentara resistir. Meu pai, por outro lado, apenas observava intrigado.-Saphira está certa. O que aconteceu não pode ser alterado. Mas não quero meus filhos se tratando assim depois de tanto tempo sem se falar.
–É, pra mim também já chega.-Diz Maksim.-Não tenho problemas pessoais com você, Saphira, se é o que quer saber. Não quero mais comer.
Tenham uma boa noite. Faça boa viagem amanhã, irmã.
Arrastando a cadeira no chão, Maksim se afasta da mesa e ruma até seu quarto sem nenhuma palavra. Eu o observo até que feche a porta de seu quarto. Se estou certa, ele só volta a aparecer nessa sala depois que tiver certeza de que eu não estarei mais aqui. Pela primeira vez em muito tempo, me sinto impotente diante de alguma situação. Duvido que haja algo que eu possa fazer para fazê-lo falar comigo.
–Tudo bem.-Liev se manifesta depois de alguns minutos.-Também não quero ficar brigada com você. Só queria que você me ajudasse, pensei que poderia.
–Liev, eu não posso...-começo.
–Eu sei, agora eu sei.-ela me interrompe levantando uma de suas mãos pedindo paciência.-Pensei nisso depois que saí de casa durante a tarde. Sinto muito. Também devia ter entendido seu lado.
–Eu também sinto muito.-digo.-Pelos mesmos motivos. Eu não achei que você ficaria tão furiosa.
–Não estou mais.-ela afirma e sorrimos uma para a outra.
Depois que nos acertamos, o jantar decorre normalmente. Conversamos por muito tempo depois de terminarmos de jantar e só nos recolhemos nos quartos horas depois. Eu fiquei no quarto com Liev e Adam dividiu a cama extra com Maksim no quarto ao lado.
Enquanto olhava minha irmã dormir, pensava no quanto as coisas realmente haviam mudado desde que eu fora embora. Em uma coisa ela estava certa: eu não conhecia mais a minha própria família.
Notando que iria conseguir dormir essa noite, jogo os cobertores para o lado e visto as roupas que estava usando quando cheguei aqui. Por sorte, mamãe as havia lavado e agora estavam secas e limpas como novas. Tomando por consciência de que ninguém iria sentir minha falta nos quartos, saio de casa e escalo a lateral da propriedade me agarrando nas reentrâncias de tijolo como fazia quando era uma criança. Não demoro para subir no telhado e vou tomando cuidado ao escorregar até a ponta das telhas para poder esticar minhas pernas o máximo possível. Não sei quanto tempo fico ali, olhando o horizonte perdida em pensamentos, mas talvez horas depois, ainda estou no telhado quando o inicio de uma luz começa a surgir e assisto ao nascer do sol como a anos não fazia.
Eu só desço do telhado quando escuto sons de passos que indicam que os cinco lá embaixo haviam acabado de se levantar, então me junto a eles para tomar o último café da manhã de verdade com a família por tempo indeterminado. De qualquer forma, não sei se um dia vou voltar a vê-los.
Eu e Adam não nos demoramos muito para não prolongar a despedida, eu nunca soube o que fazer nessas situações, então apenas abraço meus pais e peço a Liev que tome cuidado no futuro. Ela ainda parece irritada comigo, mas me abraça com força e chora em silêncio no meu ombro enquanto Adam arruma as celas nos cavalos. No fim das contas, também irei sentir falta da minha irmã mais nova.
Me junto ao meu amigo assim que ele termina de prender a bagagem que minha mãe nos preparou ao seu cavalo. Uma pequena mochila com roupas limpas, comida e cantis de água. Eu não esperaria outra coisa vindo da minha mãe. Aceno com a cabeça ao olhar para Adam e subo no meu cavalo roubado, já o virando em direção à estrada. Adam me segue, e, antes que eu deixe a propriedade que passei toda a minha infância, viro-me olhando para o que sobrou da minha antiga vida e finalmente tenho a chance de dizer adeus da forma como não pude dizer tanto tempo atrás.
Chamo o cavalo e o faço trotar até o lado de Adam, seguindo o caminho da floresta de volta ao Acampamento BlackWolf, como combinamos antes de sairmos. Eu preciso conversar com Ekatherine Monterrey.
Seguimos pelo mesmo caminho que usamos para chegar até a casa da minha família por muito tempo, paramos por cerca de meia-hora para o almoço e descansar por um tempo antes de voltarmos a cavalgar pela mata durante a tarde. No começo da nossa viagem, me senti normal o tempo inteiro, no entanto, perto das 14:00h da tarde passo a me sentir observada. Não como quando eu e Adam nos olhamos para termos certeza do caminho, nos comunicando em silêncio como só uma amizade longa como a nossa poderia indicar. Não. Era algo mais, algo pior. Era como se estivéssemos sendo seguidos. Eu me sentia observada de uma forma humana, era minha parte animal quem me dizia aquilo. Um tempo depois me canso daquilo. Em uma pequena interseção no meio da mata, seguiam caminhos naturais à esquerda e à direita, e exatamente no ponto em que os caminhos se encontravam, paro meu cavalo, fazendo Adam parar instantaneamente.
–O que aconteceu?-ele me pergunta.
–Shhh.-eu peço.-Silêncio. Acho que estamos sendo seguidos.
–Seguidos?-ele pergunta em tom surpreso, talvez até incrédulo.-Estamos no meio do nada. Quem nos seguiria?
–É o que eu estou tentando descobrir.-respondo. Com um leve puxão nas rédeas do meu corcel, faço-o virar-se em um círculo, o que me permite observar tido ao nosso redor.-Quem está aí? Sei que não estamos sozinhos. Apareça logo.
–Saphira...-Adam começa a dizer, mas eu o corto levantando minha mão direita. Ele se cala no mesmo instante.
Por alguns minutos, tudo é silêncio. Não ouço um único som além da nossa própria respiração e os passos apreensivos dos cavalos parados no mesmo lugar.
Até que o silêncio é interrompido.
Por entre as arvores, ouço o som de madeira se quebrando. Alguém pisou em algum graveto. Puxo uma das nossas espadas presas à bainha da cela do cavalo de Adam. Ele me observa em silêncio, mas não diz nada. Acho que agora ele acredita em mim.
Levanto a espada em frente ao meu corpo, em posição de defesa, como eu havia aprendido há muito tempo.
–Saia!-ordeno alto o suficiente para que quem quer que seja me ouça claramente.
À minha esquerda os arbustos baixos se mexem e eu viro o cavalo naquela direção. Empunho a arma na mesma hora em que um vulto se levanta. Tenho dificuldades em vê-la por trás do arco e flecha, até que vejo os cabelos brancos se soltarem das tranças e os olhos cinzas me observando e a reconheço imediatamente.
–Liev!-grito quando ela abaixa o arco apressada.-Que merda você está fazendo aqui?
–Desculpa, minha irmã.-ela diz guardando a flecha de volta na aljava.-Eu disse que eu decidiria meu destino.
–Me seguindo até aqui?-questiono-a incrédula.-O pai e a mãe sabem que você está aqui?
–Você sabe a resposta, Saphira.-ela diz se aproximando.
–Muito bem, agora tenho que me preocupar com mais uma.-reclamo estressada.-Agora está tarde demais para voltar. Vamos ter que te levar junto.
Eu olho para Adam, esperando a confirmação. Como eu esperava, ele assente. Liev ter vindo até aqui simplesmente não nos deu opção. Não podemos deixa-la aqui e não podemos perder tempo a levando de volta para casa. Nossa conversa ainda não acabou, não temos tempo para brigas agora, mas depois preciso deixar claro a Liev quem está no comando.
–Suba, Liev.-digo apontando para o cavalo.-Você não vai a pé.
–Legal.-ela comemora.
Eu dou espaço para que ela suba atrás de mim e espero ela se ajeitar no canto da cela, com as pernas esticadas ao lado do cavalo e a fazendo ficar de lado, as pernas balançando. Normalmente não a deixaria ficar dessa maneira, mas suponho que se ela está aqui é porque tem consciência do que faz, então que fique na posição que quiser.
–Ótimo, vamos logo com isso.-digo me dirigindo aos dois.-Quero chegar ao acampamento antes de anoitecer.
–Acampamento?-Liev pergunta enquanto os cavalos começam a caminhar.
–Sim, o Acampamento do qual te falei. Com os lobos refugiados.-eu a explico enquanto seguimos.-Há uma pessoa que pretendo conversar vivendo lá.
–Quem?-ela pergunta.
–Você vai descobrir quando chegarmos.-respondo.
Ela não fala mais nada durante muito tempo, e seguimos a viagem até o Acampamento BlackWolf como estávamos fazendo antes que Liev chegasse.
Pouco depois do sol se por, finalmente nos aproximamos dos portões do Acampamento. Mas não era como eu esperava. O lugar estava totalmente escuro, as cercas estavam parcialmente destruídas e os portões de ferro retorcidos como se tivessem sido arrancadas pelas mãos de um gigante, ou de algum ser extremamente forte. Não era possível ver alem da cerca, mas com toda a certeza não devia estar muito melhor do que a cerca. Não dessa forma.
–Tem alguma coisa errada.-diz Adam ecoando meus próprios pensamentos.
Eu o olho com uma expressão que traduz exatamente o que nós concordamos agora.
Assentimos um para o outro e apressamos os cavalos em direção aos portões destruídos enquanto Liev observa tudo embasbacada.
Temos certa dificuldade em enxergar no escuro, mas conseguimos desviar dos destroços ao redor com certa previsão apesar do lugar destruído. O lugar, antes tão bonito e movimentado, agora não passa de um cenário de destruição que me faz pensar em uma carnificina. Não foi acidental, sei que não. O que aconteceu aqui foi um ataque. Alguns focos de incêndio ainda eram visíveis, pequenos focos de fogo queimando onde antes haviam casas e grama bem cuidada. Essa pouca luz do fogo nos deu a chance de ver melhor o estrago, mesmo que não fosse algo que eu quisesse ver. Tudo estava destruído e alguns corpos parcialmente queimados podiam ser vistos jogados no chão em posições estranhas. Quem quer que tenha feito isso, realmente fez para destruir. Às minhas costas, Liev ofega ao olhar a destruição e tapa seus olhos com as mãos completamente horrorizada. Ela não tem experiência alguma em morte, não como Adam e eu nos acostumamos. Mesmo assim, em todos os meus anos com a Caçada jamais vi um massacre como esse. Pessoas inocentes que não tinham com o que se defender. Todo um acampamento pacífico destruído. Não me restam duvidas quanto a quem fez isso, não depois de eu ter passado alguns dias naquelas masmorras. Stewart Romckpay é responsável por isso. Sei que ele e Cinclair não vieram até aqui, mas com certeza mandaram seus soldados mais obedientes até aqui para queimar tudo.
Eu já fui um deles, mas não mais.
Olhando a destruição ao meu redor, me desligo do mundo por alguns poucos momentos. Esqueço dos olhares preocupados de Adam, esqueço do choro silencioso da minha irmã, esqueço do motivo pelo qual vim aqui, esqueço de Ekatherine, de Kirck e de todos que viviam nesse refúgio secreto, esqueço do real motivo que me trouxe até esse momento, esqueço o exercito e esqueço que ainda preciso fugir. Só consigo pensar que Cinclair precisa pagar por isso. Passei muito tempo lutando e matando acusados de serem criaturas do submundo, alguns até inocentes, me arrependo disso, mas eu seguia ordens. Sei como as coisas funcionam para aquela gente. Para a maioria das pessoas, na verdade. Egoístas e ignorantes. Em suma.
De todos os monstros, os humanos são os piores.


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