Caçadora da Meia-Noite escrita por Ginger Bones


Capítulo 20
Capitulo 20


Notas iniciais do capítulo

Capitulo da semana ♥



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Conseguimos sair da área delimitada aos trabalhadores aos primeiros raios de sol, depois de algumas horas de caminhada lenta e sem pressa. Já estamos afastados demais de qualquer cidade para voltarmos atrás, então tentamos manter o passo. Cerca de duas horas depois de amanhecer, começamos a nos sentir fracos e chegamos a conclusão que precisávamos de comida o quanto antes. Paramos diante de uma pequena clareira na floresta e decidimos fazer uma pausa. Aproveitamos nossa distância de qualquer outro ser humano e a segurança da luz solar e conseguimos encontrar alguns galhos de madeira seca o bastante para fazermos uma fogueira. Enquanto Adam arruma a madeira sobre o buraco raso que cavamos na terra e acende o fogo, corro para dentro da floresta e transformo-me para encontrar alguma presa. Atualmente já sou capaz de me transformar quando tiver vontade e felizmente consigo manter minha consciência humana, apesar de ainda ser difícil, já que tive que aprender sozinha. Se eu tivesse outro lobisomem experiente para me ensinar, talvez até um alfa, não precisaria de mais do que alguns meses para aprender tudo que eu precisava saber sobre ser lobisomem. Animal e humana ao mesmo tempo, mas não tive e algumas coisas ainda são novidade para mim. Não demoro muito para sentir a presença dos animais na selva sob a forma imensa da minha versão animal, então vou em direção às presas que me parecem melhores. Quando volto à clareira, novamente em minha forma humana, carrego em minhas mãos dois coelhos gordos, e como tive o prazer de sentir, cheios de carne saudável para transformarmos em nosso café da manhã. Tomei o cuidado de não estraçalhar seus pequenos corpos quando os ataquei, mas ainda sim preciso limpar parte do sangue que escorria de minha boca quando os abati mirando diretamente nos seus pescoços. Adam parece assustado quando largo os coelhos ao seu lado e passo o pulso sobre a boca para limpa-la, mas não diz nada e desvia o olhar rapidamente. Eu ignoro seu olhar e passo a limpar os coelhos ainda em silencio. Eu não tenho nada a dizer. Adam, ao contrario de mim, parece inquieto e nervoso. Não vai conseguir ficar em silêncio por muito mais tempo.
Alguns minutos depois, ele se levanta e finge limpar a sujeira inexistente de suas calças de combate. Eu o olho esperando uma explicação.
–Vou procurar algumas frutas silvestres e água para viagem.-avisa antes de me dar as costas e desaparecer entre as árvores.
Ele volta justamente no momento em que arrumo um dos coelhos, já limpos e presos em um espeto improvisado de madeira, sobre as chamas quentes da fogueira. Ele carrega um cantil de água quase transbordando que havia trazido em suas coisas e de alguma forma montou uma espécie de cesta improvisada com folhas para que se parecesse quase como uma bandeja cheia de frutas silvestres. Eu confio o bastante na inteligência de Adam para ter a certeza de que as frutas são todas comestíveis. Afinal, ele adorava as aulas de botânica no Instituto onde aprendíamos justamente sobre esse tipo de situação. Eu nunca gostei de plantes, não tanto quanto gosto de animais e lutas, por sorte, Adam está aqui para me ajudar.
–Encontrei uma nascente à cerca de dois quilômetros daqui.-ele explica ao largar as frutas e o cantil ao nosso lado.-A água é rasa e foi difícil pegar a água de lá, mas pelo menos parece ser limpa o bastante.
Aceno em compreensão.
–As frutas são selvagens, então tenho que avisar que não são as mesmas as quais está acostumadas.-ele completa.-Mas acho que é melhor do que nada.
Comemos um dos coelhos quase completamente, dividindo a carne entre nós dois. Não exageramos com as frutinhas, preferindo guarda-las para mais tarde. Enquanto deixamos a carne do outro coelho para assar e secar parte dela para fazê-la durar mais, ensino Adam a cortar a folha em que havia trazido as frutas e transforma-la em pequenas bolsas e podermos enchê-las de comida. Quando eu era uma simples camponesa, nem sempre tínhamos dinheiro para comprar comida fresca para comermos no inverno, então eu e minha família precisávamos arrumar uma forma de estocar todo tipo de comida para que durasse durante o inverno improdutivo que tínhamos que enfrentar. Não sei como era a vida de Adam antes dos caçadores, mas ele parece impressionado com as coisas que posso improvisar com poucas coisas. De certa forma, nunca nos preocupamos em pensar sobre nosso passado tenha sido ele ruim ou bom, antes de fazermos amizades e aliados na Caçada. Acho que o que menos queríamos pensar era no que perdemos e quem deixamos para trás ao nos juntarmos ao exército de Romckpay. No entanto, se tivermos sorte, não vamos precisar nos esconder por muito mais tempo.
Quando terminamos, guardamos nossas coisas e apagamos a fogueira. Já nos demoramos demais aqui e precisamos seguir caminho.
Conseguimos caminhar por varias horas até pararmos para tomarmos alguns goles de água e um tempo mais tarde para almoçarmos a carne assada do coelho, comemos algumas frutas e guardamos a carne seca para a janta. Acampamos próximos a um descampado, meu cheiro de lobisomem e a fogueira acesa com certeza seria o bastante para manter possíveis animais longe de nós enquanto dormíamos. Não tivemos qualquer ataque ou problema enquanto seguíamos em direção ao noroeste. Notei que Adam andava agindo de forma estranha em nossa caminhada, ele parecia desconfortável com alguma coisa. Eu só não sabia o quê. Parece que ele também vinha se cansando de esperar que eu perguntasse, porque no terceiro dia ele finalmente decidiu se manifestar. Nós tínhamos acabado de jantar e segundo minha vistoria pela região, estávamos quase na metade do caminho. Talvez já tivéssemos andado cerca de 40km desde que saímos de Londres e nesse ritmo talvez chegássemos ao Porto em uma semana, mais ou menos. Se Adam parasse de agir assim.
–Saphira, eu estava pensando...-ele começa a dizer e levanto meu olhar em sua direção.-Você já pensou em talvez tentar ficar e ao menos fazer alguma coisa em relação a essa história do Romckpay além de fugir?
–Adam, pensei que já tivéssemos tido essa conversa.-o interrompo e paro de trançar as palhas que tinha juntado do chão para me manter ocupada.-Ouça, eu sei que eu talvez devesse fazer alguma coisa, mas eu não quero arriscar. Não vou impedir ninguém de tentar parar Ronckpay, mas eu não quero ser essa pessoa, entende? Além do mais, se quiser ir embora, pode. Você não é meu prisioneiro.
–Eu sei. Eu te entendo.-ele tenta se explicar.-Também não gosto da idéia de matar centenas de inocentes por causa de alguns. É errado, mas você poderia tentar avisar alguém, não?
–Quem eu poderia avisar, Adam?-pergunto.
–Eu não sei.-ele diz.-Você não conhece ninguém que possa chamar de aliado?
–Certo. Me convenceu.-digo por fim. Ele levanta a cabeça e passa a me olhar nos olhos.-Há uma aldeia que pertence a uma Casa nobre à cerca de um dia e meio de caminhada daqui. Os nobres não são muito importantes, mas são liberais quanto à sua população. Conheço um fae que represente a Corte Seelie regional no Conselho do Submundo, só não me pergunte como. Vamos até lá e eu vou falar com ele. Vou dar a ele as opções que tem como representante: fuja e viva, fique e morra ou arrisque e tente parar Romckpay. Sei que faes não podem ser muito confiáveis, mas é a única pessoa que conheço que pode me ajudar.
–Por mim parece ótimo.-ele fala.
–Ir até lá vai atrasar nossos planos e nos desviar da rota, mas acho que podemos compensar indo mais rápido e talvez pegando um atalho.-concluo usando um graveto para desenhar o trajeto no chão.
–Tudo bem.-Adam sorri.-Isso é melhor do que nada. Sabe que está fazendo a coisa certa, não é?
–Ainda não tenho certeza disso.-respondo.
Ainda naquela noite, envio uma mensagem à Corte Seelie pedindo-o para me encontrar na noite seguinte no restaurante mais movimentado da aldeia. Se esconder entre a multidão é a melhor maneira de não levantar suspeitas.
Solto os restos queimados da folha com a minha mensagem e os assisto tocarem o chão e chiarem devido ao choque térmico.
Conseguimos acelerar o passo o bastante para não perdermos muito tempo, mas algumas horas de caminhada rápida e sem descanso, começam a exaurir Adam mais do que o necessário. Assim que noto isso, paro-o segurando pelo ombro.
–Eu vou te dar carona.-digo.
–Como?-Adam pergunta confuso.
–Você está muito cansado.-aponto.-Eu vou me transformar e você sobe nas minhas costas. Assim nós vamos mais rápido e você descansa.
–Eu não quero que...-ele começa, mas eu o corto.
–Não vamos debater isso.-explico.-Já tomei minha decisão e você precisa descansar.
Ele apenas assente com a cabeça.
Me afasto o bastante dele e me transformo completamente, então me abaixo e espero que ele suba. Me irrito com sua hesitação e o olho, minha visão fazendo tudo parecer bem mais nítido do que realmente é. Tentando não me machucar ou fazer muita força, ele sobe e se acomoda agarrando-se ao meu pelo grosso e arrepiado. Levanto-me novamente e começo a caminhar sobre as quatro patas enormes de lobo. Acho que a altura o assusta e talvez isso piore já que o pelo espesso de lobisomem serve como uma armadura, e não algo a que você pode se agarrar.
Nessa velocidade, conseguimos chegar até a aldeia mais cedo que esperávamos.
Eu paro a uma distância segura da aldeia e o deixo descer das minhas costas antes de voltar à minha forma humana.
–Obrigada.-Adam agradece tímido.
–Só fiz o que era melhor para os dois.-explico.-Se sente mais descansado agora?
–Sim.-assinto.
–Tenho que ir.-digo olhando em direção ao céu que já estava escuto há um bom tempo. Talvez fossem quase 21:00h da noite.-Fique aqui e se eu não voltar até o amanhecer, tenha a certeza de que ou um estou morta ou fui presa pelos homens da Coroa ou pior, de Romckpay.
–Eu entendo.-ele murmura.-Vou procurar por você se isso acontecer.
–Eu iria pedir para você não fazer isso e seguir sua vida ao invés de se arriscar por mim, mas tenho certeza de que vai ser perda de tempo. Ou estou errada?
–Você já sabe a resposta para essa pergunta, Saphira.-ele diz com um sorriso orgulhoso.-Sei que sabe.
–Ótimo, mas tome cuidado mesmo assim.-insisto. Ele concorda e eu arrumo mais as armas sob as minhas roupas antes de caminhar calmamente até a cidade.
A caminhada é longa, mas não me canso para caminhar até lá. A cidade estava movimentada e o barulho de conversas e gritos circulava por todas as ruas. Comerciantes, charlatões, mercenários e mais todo o tipo de gente povoava a parte mais afastada da região. Ao longe conseguia ver o belo palácio iluminado com as bandeiras do nobres balançando ao vento gelado do inverno.
Sigo meu caminho sem olhar para os lados até o restaurante com arquitetura de pedras em estilo rústico que parece ser o mais movimentado da cidadela.
–O senhor sabe se aquele restaurante é bom?-pergunto a um senhor na faixa dos 70 anos guardando suas mercadorias do dia e se arrumando para ir para casa, provavelmente. Ele segue com o olhar a direção em que aponto com os dedos.-Eu sou nova na cidade.
–Ah, sim. Não há com que se preocupar, gosto de ajudar as pessoas.-ele diz.-Aquele é um dos melhores restaurantes que já vi em minha vida, infelizmente é muito cara. Jamais terei dinheiro para comer algo de lá.
Ele suspira.
–A informação já foi de grande ajuda.-respondo.-Agradeço.
Ótimo, se o fae leu minha mensagem, é aqui que ele estará.
Retiro uma moeda de prata de um dos meus bolsos e a ponho em uma das mãos do senhor, fechando seus dedos calejados e magros sobre ela.
–Obrigada.-Repito.
Entro no restaurante e procuro com os olhos o homem que procurava, felizmente ele tinha vindo.
O fae imortal de cabelos azuis escuros levanta sua taça dourada e me convida a sentar com ele com um aceno em sua direção.


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