Mais tarde me arrastei até a sala de reuniões para conhecer a ilustríssima pessoa que fazia questão de chamar as mulheres de vadias em todas as suas músicas.Eu finalmente conheceria o maravilhoso artista incompreendido que atendia pelo nome de “T.K. - The Boss”.

Depois de algo que chamaram de ‘’contratempo’’, a reunião teve que ser adiada para as seis da tarde e, ao ver aquele estranho garoto adentrar a minha impecável sala de reuniões com óculos de sol gigantes e espelhados no rosto, eu entendi o que significava o tal contratempo.

—Tom, esta é Alisson Dumoncel.A presidente da gravadora.-O empresário dele nos apresentou, tentando parecer gentil e acalmar as coisas.

—Prazer.-Disse forçadamente, estendendo minha mão pra ele e me preparando para encostar apenas em seus dedos.

—Todo meu, gata.-Após tirar os óculos, ele pegou minha mão e beijou meu anel de formatura.

Tirei logo a mão da dele e limpei a garganta.Ele se recostou contra a cadeira de novo, sem tirar aqueles olhos consumidores de mim e jogou os pés por cima da mesa.Eu odiava esse tipo de olhar dominador, como se eu fizesse parte do café que beberíamos depois da reunião.

—Tom...Por favor!-Carl, o empresário, bateu em suas canelas e o fez ter um pouco de educação.

—Bom, podemos começar.-Abri minha pasta e tirei de lá alguns papéis.Os coloquei à sua frente e comecei a ler alguns termos para ele.-Senhor Kaulitz, o senhor terá apenas quarenta e três por cento dos lucros inicialmente.Aqui também está explícito que o senhor terá no máximo seis meses para gravar um CD e...

—Se incomoda se eu acender um charuto?-Disse, exibindo todos os seus dentes incrivelmente brancos com exceção de uma das presas que era de ouro.

Ele não era feio.Tinha um corpo esguio, porém bem forte.Os traços de seu rosto eram bem demarcados: lábios bonitos, olhos mel, sobrancelhas bem cuidadas e maxilar quadrado.Usava roupas de marca e tranças bem coladas ao coro cabeludo, o que não o deixava tão ruim.O problema não era de forma alguma seu estilo e até suas músicas não pareciam de todo ruins.Eram bobas e sem um pingo de arte, mas eu reconhecia que ele tinha boa voz.O único problema era sua arrogância e prepotência, como se a minha gravadora estivesse lhe fazendo um enorme favor.

—Sim.Eu me incomodo.-Respondi, irritada.-Continuando, senhor Kaulitz, o senhor terá apenas seis meses para gravar um CD.A nossa gravadora tem um padrão rígido e pelo menos o primeiro single tem que estar pronto em menos de dois meses pra que possamos ajeitar o tema, as fotos e pensar em um bom marketing para promover o senhor.

Nesse momento ele se levantou e foi para o canto da sala para observar todos os quadros de discos famosos que já tínhamos lançado.Claro que todos com ótima qualidade musical, o que seria uma contradição de hoje em diante.

—Senhor Kaulitz, o senhor pode por favor se concentrar?-Pedi com certa impaciência, quase amassando os papéis nas minhas mãos.

—Quem são esses?-Disse, soprando a fumaça do charuto que acendeu sem minha autorização.

—São nossos maiores sucessos.Pode se sentar, por favor?

—Nunca ouvi falar em nenhum deles.-Ele riu e voltou para o seu lugar.-Carl, acho que essa não é uma boa ideia. Talvez devêssemos procurar a Soni ou a Universal.

—Tom, por favor.Já conversamos sobre isso.-Carl cochichou.

—Não entendo porque tenho que aceitar uma gravadora tão ruinzinha.

—Você acabou de começar, Tom.Tem que manter...

—Eu sou um sucesso no youtube!

—Sim.Eu sei.

—Me desculpe a franqueza, senhor Kaulitz, mas esses artistas aí são os melhores do mundo.-Me levantei de uma vez.-Estão aí Frank Sinatra, Bellie Holliday, The Mills Brothers, entre outros cantores renomados.Essa empresa foi fundada pelo meu bisavô em 1920, e é a melhor do ramo.Se nunca ouviu falar dela ou de todos esses sucessos, é porque não tem cultura o suficiente para fazer parte deles.E se assim for, eu é que ficarei feliz se desistir do contrato.Não vou gastar a reputação dos meus ídolos com alguém que conseguiu um sucesso medíocre na internet.-Me levantei, empurrando a cadeira para trás e começando a guardar meus papéis.

Aguardei por alguns momentos, contemplando os olhares do presentes.Sara e meus outros dois sócios congelaram em suas cadeiras e já faziam expressões de desespero.Os produtores de T.K. continuaram me encarando, totalmente desconcertados.

Carl começou a rir antes de ser imitado por T.K. e os outros dois empresários.Sara e eu nos entreolhamos até Kaulitz começar a cantarolar New York, New York de Frank Sinatra, o que não queria dizer nada. Quem não conhece New York, New York?

—Essa empresa é perfeita pra mim.-Ele se sentou, pegou a caneta e assinou o contrato sem lê-lo.

—Ele estava brincando, Allison.-Sara avisou, finalmente rindo e tentando tremer menos.

—Eu só estava testando a qualidade do seu trabalho, senhorita Dumoncel.-Ele piscou e me entregou a caneta, sendo sedutor e pegando minha mão pra beijar novamente.-Sempre fico entediado com essa parte burocrática.

Respirei fundo e não me sentei novamente.Não fiz questão de ser cordial, pois tinha simplesmente odiado a cena que haviam feito para testar a qualidade dos nossos serviços.Meus sócios riram, conversaram sobre esportes com Tom, que revelou ser mais educado e cordial.Eu e Sara continuamos ofendidas, sem aceitar de bom grado as desculpas.Mas ela não fechou a cara como eu fiz questão de fazer.

Não fiquei para o café.Rumei à minha sala depois de me despedir de todos e por lá fiquei o resto da tarde.Não queria encarar minha casa vazia e bagunçada, nem ouvir o miado dos meus gatos ou a televisão alta do vizinho.

A melhor coisa para o ruído dos problemas, das pessoas e da cidade eu tinha apenas no meu escritório: o silêncio.