O despertador tocou cedo com a luz entrando por minha janela do pequeno apartamento em um bairro simples. Levantei de uma vez desligando o aparelho e fiquei sentando na cama encarando o nada, que acabou se tornando as fotos coladas na parede oposta do meu quarto.

            Levantei-me apenas usando uma calça moletom e fui até a parede encarar as fotos de perto. Eu e meus amigos em festas, nos jogos, no dia a dia na cantina e outros lugares da escola. Algumas garotas que davam em cima de nós. Agora eu conseguia ver o quão errado era o que eu fazia.

— Você é um babaca Dick. – Murmurei e saí do quarto indo ao banheiro.

            Depois de tomar banho e me arrumar eu fui até a geladeira procurar alguma coisa para comer. Vazio. Droga, eu teria que fazer compras hoje depois da escola para sobreviver mais um mês. Só espero que meu pai já tenha depositado o dinheiro na minha conta.         Saí de casa sem comer e tranquei a porta do apartamento.

            Assim que cheguei à escola eu vi Xavier e sua gangue me encarando, mas havia algo a mais. Xavier sorria de forma estranha como se tivesse alguma coisa ao seu dispor. Ignorei quando vi Kory se aproximar deles e Xavier puxá-la e dar um beijo.

— Kory?— Murmurei sem entender. Ela sorriu para Xavier enquanto ele sussurrava coisas ao seu ouvido. Ela me olhou e fingiu que não me conhecia.

***

            Estava acontecendo algo de muito errado com minha melhor amiga. Ela estava me ignorando e não falava com mais ninguém, estava sempre nos cantos em silêncio ou próxima de Xavier. Não demorou em toda a escola começar a falar que ambos haviam voltado e que eu havia sido apenas usado para fazer ciúmes no namorado de Kory.

            Xavier e seus amigos nem sequer tocavam em mim, normalmente passavam do meu lado e me cumprimentavam ironicamente com sorrisos idiotas. Ele se comportava como se tivesse ganhado um jogo e eu era o perdedor. Uns comentários idiotas sobre mim ali e, às vezes, ganhava uma “ombreada” dele e dos amigos.

            Apesar disso tudo eu não tirava Kory da cabeça, poderia estar acontecendo alguma coisa. Talvez ela precisasse de ajuda e não sabia como pedir, apesar de não ser típico dela.

            Durante a semana acabei encontrando ela sozinha na biblioteca. Kory estava extremamente estranha, estava apática. Seus olhos não tinham seus habituais brilhos, parecia ter se descuidado já que seu cabelo parecia sem vida e meio oleosos. Estávamos sozinhos, então era a minha chance.

— Kory? – Me aproximei e ela tomou um susto. Estremeceu por inteiro, parecia ter medo. Olhou ao redor para ver se tinha alguém por perto.

— O que você quer? – Ela estava sendo rude, o que não era comum dela.

— Eu quero entender o que está acontecendo com você. – Havia preocupação em minha voz, enquanto ela permanecia em silêncio. – Kory você se afastou, não fala com mais ninguém e está estranha. Realmente está com o canalha do Xavier?

— Não fala assim dele. – Ela voltou a olhar os livros da estante.

— Kory me diz o que está acontecendo. – Ela revirou os olhos, me assustando. Aquela não era a Kory que eu conhecia!— Nós somos melhores amigos, não é?

— Melhores amigos? – Ela ironizou. – Acorda Richard, eu nunca fui realmente sua amiga. Eu te usei para fazer ciúmes no Xavier. Eu nunca seria amiga de um idiota como você!

            As palavras da ruiva haviam sido duras demais para mim e eu não podia acreditar. Kory Anders, a garota mais dócil e gentil desse mundo era assim? Essa é a mesma garota que cuidou de meus ferimentos? Que sempre esteve ao meu lado?

***

— Você já sabe o que tem que fazer?

— Depende... – A voz feminina ecoava de maneira teatral no porão. – Como eu serei recompensada?

— Eu vou falar com Ela. Nunca mais vai ter que se preocupar.

— Não sei.

— Não banque a difícil. Você sabe muito bem que está tão feliz quanto eu.

— Era o que eu estava precisando. Parece que a sua cabeça de cima serve para alguma coisa.

— E o que você quer dizer com isso?

— Ah Xavier, a cabeça de baixo não faz um trabalho tão bom assim. – O garoto puxou o antebraço da garota de cabelo preto e mechas vermelhas.

— Você não parecia ter achado ruim na semana passada, Toni. – A garota sorriu.

— Eu sou uma boa atriz querido.

— Some daqui Monetti. – A garota pegou sua bolsa e sorriu de forma provocante quando percebeu o olhar canalha do garoto para sua bunda.

— Até mais querido.

— Vadia. – Xavier murmurou assim que Argenta passou pela porta e a fechou.

***

            Eu não podia ainda acreditar que isso estava acontecendo. Durante o intervalo após as aulas, eu estava atrás da primeira pessoa que poderia me ajudar neste exato momento: John. Ele era o único que realmente parecia se preocupar com Kory ultimamente.

— Richard? — Uma voz feminina me parou no meio do corredor. Meu cérebro fez parecer que era Kory. Eu me virei e vi Argenta próximo a mim. – Está tudo bem?

— Sim, está. – Eu me virei para ir embora mais ela me alcançou a me puxou para dentro da primeira sala que encontrou vazia. – O que quer?

— Eu só quero conversar, Rich. – Ela havia usado meu apelido. Eu não entendia e Argenta me fez sentar-se à mesa do professor, logo sentando na primeira carteira em frente a mim. – Ninguém nem sequer perguntou como você deve estar se sentindo, não é? Estou aqui para te ouvir, ainda sou sua amiga. – Ela sorriu para mim, era um sorriso forçado, parecia ser preocupação.

— A Kory tá estranha Toni. Ela me ignora, voltou com o Xavier, me bloqueou de todas as redes sociais e... Hoje ela disse que nunca seria amigo de alguém como eu.

— Ela te usou não foi? – Argenta parecia sensibilizada com tudo e suspirou profundamente. – Desculpa Rich, mas eu te avisei.

(...) - Kory. (...) Deixa de ser burro Richard. Ela é sua amiguinha agora, mas depois vai tudo mudar. Você pode até conseguir o coração da Anders, mas acha que Xavier vai deixar barato? Ela vai MATAR você. Além do mais, o que ela vai pensar depois que descobrir quem é o “namoradinho” dela? Ou ela vai chispar fora, ou então ela vai levar esse namoro para frente só para ter privilégios. Dinheiro. Joias. Fama. Ela. Vai. Te. Arruinar. (...)

(...) - Por favor, Richard. Me poupe! Eu conheço uma interesseira quando vejo uma! E escreva o que eu digo: Assim que ela te dar um pé na bunda por ter tido todo seu dinheiro e popularidade, você vai voltar correndo para mim.

(...) - Aprendeu tanto que não sabe reconhecer uma vadia interesseira. Parece que você esqueceu tudo então. Ou será que não quer ver o que está na sua frente? (...)

***

            As palavras ditas por Argenta ecoavam em sua mente como um disco arranhado. Ela estava certa esse tempo todo?

— Não foi da maneira que eu pensei, ela foi mais baixa e suja. Usar você para fazer ciúmes no namorado. Isso é cruel Dick, até pra Raquel e Xavier.

— É... Parece que eu não passo de um idiota. – Argenta foi até o garoto e o abraçou delicadamente.

— Não diga isso, ainda sou sua amiga. Você tem a mim. – Ele retribuiu e ficou naquele ato reconfortante.

— Eu havia pensando em ir atrás de John para pedir ajuda, ele saberia o que fazer...— Murmurou.

— Para quê? Ela fez a escolha dela. Ela poderia muito bem machucar John também.

— Tem razão. – O moreno afundou seu rosto nos ombros da amiga, enquanto ela sorria cinicamente para a ruiva que assistia tudo do lado de fora pelo vidro da porta. Argenta havia vencido!

***

            Depois das aulas eu e Argenta marcamos dela ir ao meu apartamento para me fazer companhia. Eu me sentia mal e sozinho e ela insistiu dizendo que eu poderia fazer uma besteira. Quem ela pensa que eu sou?

            Quando ela chegou já havia tomado banho e se trocado assim como eu. Então apenas ficamos na sala comigo deitado em seu colo, quieto e pensativo. Eu adorava quando Kory fazia carinho em meus cabelos.

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