Tomorrow Will Be Kinder escrita por RafaelaJ


Capítulo 5
Drag me Down


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, olha pra começar esse título não tem muito a ver com o capítulo, mas Drag me Down foi a musica que eu ouvi 350 vezes enquanto escrevia. Esse capítulo ficou bem grande então peço desculpas para quem não gosta, mas eu não consegui dividir, e para quem gosta eu só digo uma coisa: se esbaldem.
Quero agradecer as pessoas que estão acompanhando (obaaa leitores novos!, obrigada Tributo com Jujuba, Yêda, e também agradeço aos lindos comentários de Justalover, Andrômeda, e Yêda, quero que vocês saibam que o apoio de vocês significa muito para mim.
Espero que gostem do capitulo e nos vemos lá embaixo!



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Às nove horas em ponto eu estou em pé na estação de trem. O movimento é intenso. Hoje é dia 24 então não me surpreendo em ver tantas pessoas desembarcando no Distrito que um dia foi considerado o pior de Panem. Muitas pessoas passam por mim a todo o momento. Algumas estampam olhares admirados, outros curiosos. E ainda há aqueles que acenam para mim. Quanto a esses tudo o que faço é ceder-lhes um pequeno sorriso constrangido. Uma coisa que aprendi com Peeta em todos esses anos é tentar não ser tão ranzinza e mal humorada.

Ao longe posso ver uma mulher caminhando em minha direção. Seus cabelos louros continuam os mesmo, mas sua figura parece tão magra e frágil que temo que a única pequena mala que ela carrega possa derrubá-la. Ela sorri para mim e eu retribuo um pouco menos entusiasmada. Faz dois anos que eu não vejo minha mãe, e agora ao pousar o olhar sobre ela parece quem faz séculos.

— Katniss – ela me cumprimenta, uma feição de felicidade estampada em seu rosto. E me permito, por um momento, acreditar que ela também sentiu minha falta.

— Mãe – não há abraços, beijos, nem mesmo um aperto de mão. O que eu faço é, apenas, pegar sua mala e carregá-la enquanto seguimos nosso caminho.

Enquanto saímos da estação minha mãe põe-se a preencher o silencio.

— Então, como estão as coisas?

— Bem – e logo me ponho a continuar – Peeta está preparando praticamente um banquete para a noite de hoje.

Um pequeno sorriso involuntário surge ao lembra-me da mesa repleta de ingredientes quando sai de casa. Eu disse a Peeta que esse seria um natal como todos os outros, sem nada especial. No entanto, e aposto que esse comportamento se deve a chegada de minha mãe, ele não me deu ouvidos. E nesse momento deve estar na cozinha, completamente bagunçada, preparando diversos pratos diferentes. O que eu não me oponho de fato, se ele quer fazer muita comida então pelo menos eu me certificarei de que não sobre nada.

— Eu posso imaginar – minha mãe comenta – Ele é sempre tão dedicado.

— E você, como está no Distrito 4? – pergunto para manter a conversa.

— Oh Katniss! – ela exclama – O hospital ficou pronto há poucos meses então está tudo uma bagunça por lá. Não a sossego por um único segundo. Acho que mesmo quando eu morava aqui não trabalhava tanto quanto lá.

Forço-me a manter a feição neutra quando ela comenta sobre o tempo que morava aqui. Quando morávamos todos juntos. Prim, minha mãe, eu, e, durante um tempo, também meu pai. Um tempo antes de todas as desgraças acontecerem. Quando mesmo apesar da fome conseguíamos ser felizes...

— Katniss – minha mãe me chama quando percebe meus devaneios.

— Sim? – eu respondo enquanto me obrigo a retirar as imagens da minha cabeça.

— Você parecia distante. – ela me olha inquisitiva, tentado decifrar por onde meus pensamentos vagavam.

— Eu sou estava pensando em Peeta – digo a primeira coisa que passa pela minha mente, não é a melhor desculpa, mas parece convencê-la.

O resto do caminho nós seguimos entre o silencio confortável e conversas leves. E durante todo o tempo posso sentir o olhar de minha mãe sobre mim.

Quando chegamos à porta de casa eu a abro, e derrubo a cala descuidadamente no chão, surpresa ao avistar uma cabeleira ruiva jogada sobre o meu sofá completamente confortável. Meus olhos percorrem rapidamente a casa a procura de Peeta para tentar decifrar se foi ele quem abriu a porta ou se Johanna invadiu a minha casa.

— Garota em chamas! – ela me cumprimenta. E ao ver o sorriso em seu rosto deixo passar o uso do meu antigo apelido.

— Johanna, o que você está fazendo aqui?

— Katniss! – ela exclama em uma falsa ofensa – Achei que você fosse ser mais carinhosa ou reencontrar uma antiga amiga. Peeta pelo menos foi...

É incrível como Johanna consegue dar uma conotação sexual a tudo. E se eu não a conhecesse talvez acreditasse no segundo sentido de sua frase.

— Katniss – Peeta aparece na porta da sala – Pelo visto você já viu a nossa nova visitante.

Seria impossível não vê-la pelo modo como ela está espalhada no sofá, penso.

Peeta vê minha mãe e limpando as mãos no avental ele vai até ela cumprimentá-la. O sorriso dele é tão grade que me pergunto quem está mais feliz pela sua visita.

— Sra. Everdeen!

— Peeta – e diferente da minha reação logo ambos estão se abraçando. Às vezes eu invejo a facilidade que Peeta tem com as pessoas. Ele sempre sabe o que dizer, o que fazer, enquanto eu, quase sempre, permaneço na defensiva. – Não é preciso tanta formalidade, pode me chamar de Sarah.

E me ocorre o pensamento de que minha mãe nunca pediu que Gale a chamasse pelo primeiro nome. Fico me perguntando se ela concede isso a Peeta por ele ser meu marido, ou simplesmente por gostar mais dele.

Nesse meio tempo Johanna diz algo sobre estar com fome e logo posso vê-la desaparecendo pela porta da cozinha, e fico imaginando a fúria de Peeta uma de suas receitas.

— Mãe, você deve estar cansada. – eu digo enquanto ela e Peeta trocam algumas palavras – Eu vou levar as suas coisas lá para cima.

E no segundo em que suspendo a mala de minha mãe do chão o olhar de repreensivo de Peeta se volta para mim.

— Pode deixar que eu levo – durante os últimos dias Peeta tem estado, irritantemente, muito protetor. Depois da tentativa de aborto que eu sofri ele não quer me deixar nem mesmo subir as escadas sem supervisão. E ele tenta ser discreto, mas eu sei que certamente é ele que manda Haymitch todos os dias para me vigiar. E para que eu retornasse a caçar tivemos uma briga enorme. Eu não sua tão insensível a ponto de não compreender sua preocupação, mas Peeta a eleva a níveis tão altos que me deixa irritada.

— Não, eu faço – respondo, segurando a mala com força, como uma criança mimada.

Ele solta um suspiro resignado e reparo no olhar atento de minha mãe a nossa pequena discussão. E quando vejo Peeta se virar me lembro que, infelizmente, tem algo que eu ainda devo dizer a ele.

— Me espera um pouco – eu digo tocando seu braço – Preciso conversar algo com você.

Peeta acena curioso, mas antes que ele possa perguntar do que se trata começo a subir as escadas com minha mãe no encalço. Nós seguimos pelo até seu antigo quarto. E enquanto andamos posso perceber o seu olhar nostálgico ao passar pelos corredores.

— Espero que não se importe de ficar no seu antigo quarto – eu digo ao abrir a porta – Mas aparentemente vamos ter que ceder o quarto de hospedes a Johanna.

— Não, está ótimo para mim.

Eu deixo sua mala no chão para que ela possa arrumar suas coisas, e quando me viro para sair sinto seu toque em meu ombro.

— Katniss – ela começa hesitante – Eu só quero que saiba que eu estou muito feliz por você ter concordado com a minha visita.

— Eu não sou tão incessível assim – eu respondo um pouco amarga. É fato que eu não sou uma pessoa boa, mas do modo como minha mãe fala parece que ela me imagina bem pior.

— Não foi o que eu quis dizer. – ela parece sentida pelo meu comentário – Eu só queria dizer que estou feliz em estar aqui.

Eu também, pensei. Mas tudo o que saiu de mim foi um aceno antes de eu sair do quarto. Eu não estou pronta para admitir que gosto da minha mãe aqui só para saber que essas palavras não mudarão nada para ela. Porque, no fim, ela irá embora novamente.

Eu desço a escada e no percurso posso ouvir risos vindos da cozinha. E quando chego lá vejo Johanna sentada na mesa gargalhando sobre algo que Peeta deve ter dito.

— Vocês dois parecem estar se divertindo – eu digo me fazendo presente.

Johanna se vira para mim ainda tentando parar o riso.

— Peeta estava apenas me contando alguns casos que aconteceram.

— Espero que não seja nada sobre mim – eu digo

E logo os dois trocam um olhar cúmplice.

— Peeta – eu o repreendo.

— Me desculpe – ele levanta as mãos em sinal de rendição. – Mas foi a Johanna quem começou.

E assim os dois começam uma pequena, e infantil, discussão sobre quem era realmente culpado. E observando Peeta nessa situação percebo o quanto ele parece jovem. É quase o mesmo garoto de cinco anos atrás.

Quando eles finalmente terminam sua discussão boba Peeta põe frente à Johanna um prato repleto de pequenos quitutes.

— Johanna está servindo como minha provadora – ele explica.

Engolindo o ciúme por essa função geralmente ser minha eu me viro para ela.

— É sério Peeta, isso está maravilhosa – Diz Johanna ainda com a boca cheia, e após engolir tudo ela continua – A viagem que eu fiz já valeu a pena por essas gostosuras.

— E por falar nisso Johanna, eu não quero ser rude, mas porque mesmo que você veio para cá?

Não que eu não tenha gostado da vinda dela, mas Johanna não me parece o tipo de pessoa que dá ponto sem nó.

— Nossa, Peeta, eu pensei que com todos esses anos você tivesse conseguido deixar a garota aqui menos grosseira – Johanna tenta desconversar, mas ao ver que Peeta não daria essa oportunidade a ela, aliais ele parecia suspeitar disso assim como eu, ela continuou – O que foi? Uma garota não pode sentir saudades dos amigos?

Eu estava prestes a dizer a Johanna que ela não se parecia em nada com uma garota quando me lembrei dos comentários de Peeta sobre tentar ser mais gentil.

— Sério, é só isso? – perguntou Peeta engolindo sua resposta tanto quanto eu.

— Bem, era isso ou ficar sozinha.

Johanna abaixou os olhos para a mesa enquanto falava, e se ela estivesse realmente mentido, com certeza, ela era uma ótima atriz, pois até Peeta resolveu considerar sua resposta.

— Você sabe que é bem vinda quando quiser Johanna. – disse Peeta. E eu pensei que se dependesse de mim para que aquele silencio fosse rompido ele permearia para sempre. Eu sempre agradeço pela facilidade que Peeta tem em preencher as cenas desconfortáveis.

— Ótimos, então eu vou subir e tomar um belo banho na sua banheira.

Eu resmunguei algumas repreensões que só serviram para que Johanna desse um sorriso ao sair da cozinha.

— Ela é impossível – eu digo.

Peeta dá um sorriso em concordância e volta à atenção a suas panelas.

— O que você queria falar comigo? – ele pergunta ainda sem me olhar.

— Bem – eu começo hesitante e isso é o suficiente para Peeta me olhar inquisitivo. Eu não sei bem como começar desse jeito. Então, opto pelo modo usual. Ser direta. – Eu convidei Hazelle e passar a noite aqui e...

Eu não preciso continuar para que Peeta tome suas próprias conclusões.

— Gale vem junto. – não é uma pergunta.

Eu estava hesitando contar isso a Peeta devido ao medo de sua reação. Eu pensei até mesmo em desfazer o convite, mas não tive coragem de fazer isso também. E apesar de ter evitado contar isso a Peeta antes, eu acho melhor que ele tenha um tempo para se preparar ao invés de deixá-lo abrir a porta e dar de cara com Gale.

Peeta se vira para mim. Ele solta um suspiro e vejo suas mãos, suavemente, apertarem a borda da pia. E antes que eu possa dar um passo para trás ele fala.

— Você não tem medo que eu tenha uma nova crise? – Ele me encara e posso ver em seus olhos insegurança.

— Não – eu respondo convicta – Eu confio em você. E, além disso, se algo acontecesse eu estaria aqui para te ajudar. – eu vou até ele e aperto sua mão passando-lhe a confiança que eu sinto – Você não tem com o que se preocupar.

— Você tem certeza?

— Absoluta – e depois disso eu não consigo controlar a minha boca antes que ela solte meus pensamentos – Eu não sei por que você deixa se abalar por isso. É só Gale.

Coisa errada para se dizer, eu sei. Peeta olha para mim e me dá um sorriso de escárnio. E logo eu sei que deveria ter deixado minha boca fechada.

— Sabe, às vezes eu fico pensando, que se galé não tivesse partido talvez fosse ele aqui, no meu lugar.

Eu fico surpresa diante da sua declaração. Eu nunca pensei que pudesse ser tão inseguro. É um fato que no passado eu fui indecisa e cheguei a cogitar ficar com Gale diversas vezes. Entretanto, Peeta deveria me conhecer o suficiente para saber que mesmo não demonstrando tanto eu estou com ele porque quero. Ele não é a minha segunda opção, ele é a única opção que eu consigo imaginar. E depois de tantos anos ele já deveria ter entendido.

Eu passo a mão por seu rosto forçando seu olhar para mim.

— Você não deve pensar coisas assim.

Ele sorri, agora genuinamente. Geralmente a cena é inversa. Peeta é quem sempre me consola. Mas fico feliz de pelo menos uma vez ser eu que tenho esse papel.

— Então, você me ama?

— Você já sabe a resposta.

— Sim, mas é sempre bom ouvir mais uma vez.

Eu me aproximo de seu ouvido e sussurro as três palavras que ele faz tanta questão de ouvir. Peeta me encara encantado e posso contar menos de um segundo antes de nossos lábios estarem grudados.

— Bem – diz Peeta quando nos separamos – Parece que eu vou ter que colocar mais alguns pratos na mesa.

. . .

Durante todo o dia Peeta fica ansioso. Ele corre de um lado para o outro na cozinha tentando deixar tudo perfeito. Johanna, com exceção de quando aparece na cozinha para comer algo, eu não vi o dia todo. Já minha mãe faz de tudo para ser eficiente. Eu acho que o ócio nela, assim como em mim, tende a trazer lembranças ruins. E o dia em si passa tão rápido que me surpreendo quando começa a escurecer.

Quando são oito horas eu subo para tomar o meu banho. Permito-me ficar vários minutos na banheira, o que me ajuda um pouco a afastar os sentimentos conflitantes que pairam sobre mim no que diz respeito a essa noite.

Eu saio da banheira quando a água já está fria e meus dedos completamente enrugados. Parada em frete ao espelho eu começo a me vestir. Nesta noite eu decidi usar um vestido simples verde, um dos favoritos de Peeta. Meus cabelos, como comecei a usar habitualmente, estão soltos. E eu me recuso a usar qualquer tipo de maquiagem que seja. Os únicos potes dessa coisa que existe na minha casa são uns poucos que Effie me mandou e implorou para que eu não jogasse fora. Eu não joguei, mas também nunca usei. E sem a minha equipe de preparação para coordenar as coisas, com certeza estou mais segura longe daquilo.

Assim que abro a porta do banheiro sinto o perfume de Peeta. Ele está parado no quarto terminando de abotoar uma camisa de botões azul. Eu sigo até ele e termino o seu serviço.

— Você está linda – ele elogia me olhando de cima a baixo. Eu sinto o desejo em seu olhar, e não posso garantir que o meu não esteja igual.

Com o tempo aprendi a conviver com os elogios constantes de Peeta, por isso a cor que assume meu rosto é quase imperceptível.

— Você também – eu passo a mão em sua camisa ajeitando-a.

Nossos lábios se tocam, e o que era para ser um beijo rápido acaba tomando grandes proporções.

— Peeta – eu o repreendo, completamente sem ar. Com o tempo Peeta aprendeu a me deixar sem fôlego apenas com um simples toque. Mas, por mais que tenhamos esse contato constante em nossa relação, não deixo de pensar que minha mãe e Johanna estão lá em baixo.

— Se eu tenho que dividir você com os outros a noite toda, eu acho que mereço no mínimo isso. – um sorriso divertido está em seus lábios assim como aposto que está nos meus.

— Vamos – eu o chamo antes que Peeta torne a saída desse quarto uma tarefa difícil de se realizar – Johanna e minha mãe já devem ter decido.

Com uma feição contrariada Peeta me segue escada abaixo. E quando chegamos ao térreo uma figura elegante e, o mais importante, completamente sóbria nos espera. Ao olhar agora para Haymitch, que não está nem perto da sua situação deplorável de todos os dias, ouso até dizer que ele está bonito.

— Eu sei, eu estou ridículo – ele diz apontando para a camisa de botões cinza e a calça social – É tudo culpa da Hazelle.

Eu imagino como Hazelle – que há algum tempo voltou a trabalhar para Haymitch – deve ter sido bem persuasiva. Olhando para Peeta eu posso ver que ele está fazendo tanto esforço quanto eu para não rir, mas é claro que ele está sendo bem mais sucedido do que eu, pois logo nosso mentor fala.

— Chega – Ele tenta passar a mão pelo cabelo penteado, mas eu o impeço.

— Não – eu digo como se ele fosse uma criança levando bronca da mãe – Está ótimo assim e você não vai estragar.

Ele assente contrariado.

— Pelo menos posso ter direito há um pouco de bebida essa noite?

Para controlar Haymitch, Peeta e eu cortamos relativamente a sua cota de bebidas semanais. Nos primeiros dias isso nos rendeu uma bela dor de cabeça. Haymitch ficava andado por toda a nossa casa resmungando sem que nós tivéssemos um único segundo de paz. Se dependesse de mim eu teria desistido nos primeiro minutos e entregado uma bela garrafa a ele, mas como sempre Peeta foi quem persistiu e me forçou a acompanhá-lo. Felizmente depois de algumas semanas nosso mentor entendeu que esse seria a sua vida dali para frente e, aparentemente, resignou-se.

— Eu acho que essa noite não tem problema – e como se esse fosse seu próprio presente de natal ele sorriu largamente.

— Você já viu quem está aqui Haymitch? – pergunta Peeta pronunciando-se pela primeira vez

— Se você está falando daquela garota infernal eu já vi sim. Johanna fez questão de me fazer uma visita nem um pouco agradável hoje.

Eu sorrio singelamente da desgraça de Haymitch. Se Johanna quiser realmente irritar uma pessoa ela com certeza tem esse poder. Lembro-me de quando eu queria praticamente matá-la no Massacre Quaternário, e posteriormente no Distrito 13 devido a nossa longa convivência. Mas Johanna é o tipo de pessoa que se torna agradável somente com pessoas queridas. O que me lembra levemente a mim mesma.

Vamos os três para a sala onde encontro minha mãe e Johanna conversando. Na verdade, Johanna conversa falando intensamente, enquanto minha mãe acena esporadicamente. Nós nos sentamos e uma conversa leve e, às vezes, alguns risos embalam o ambiente.

Vários minutos se passam até que possa ser ouvido o som da campainha. Sinto Peeta ao meu lado enrijecer. Eu aperto sua mão e ele se acalma um pouco, mas ainda posso sentir seu desconforto. Eu atendo a porta e logo que a abro vejo Hazelle, seus três filhos mais novos a sua frente e logo atrás Gale, em uma postura que me lembra quando ele estava prestes a encurralar uma presa na caçada. Eu estremeço diante desse olhar, mas não deixo que ele perceba.

Hazelle me cumprimenta calorosamente me embalando em um abraço.

— Posy – ouso o chamado de Peeta atrás de mim. E é necessário apenas um segundo antes que a garotinha irrompa atrás dele.

— Tio Peeta! – Peeta apesar de Posy já estar bem grandinha a suspende no colo e logo os braços dela estão em volta de seu pescoço. Fico encarando como uma boba o modo como Peeta é carinhoso com essa criança, e me pego imaginando se com nosso filho será igual.

— Katniss – eu estava tão absorta com a cena de Peeta que nem reparo quando Gale para e me cumprimenta. Eu me forço a desviar os olhos de meu marido e focá-los em Gale.

— Gale – o sorriso de antes permanece em meu rosto e isso faz com que Gale relaxe, ao menos um pouco, a sua postura.

Ouço Peeta se aproximando de mim e temo pela cena seguinte. E por mais confiança que eu tenha nele, a preocupação fala mais alto. Ele para ao meu lado e coloca Posy no chão que sai correndo casa adentro. E em um gesto maior do que eu poderia imaginar Peeta estende a mão a Gale, no que eu imagino uma oferta de paz.

Gale demora alguns segundos antes aceitar a mão de Peeta e apertá-la com força. Eu não duvidaria nada se Gale tivesse se preparado para uma guerra quando planejou vir aqui.

Eu me afasto um pouco da cena enquanto ambos se cumprimentam corretamente.

— Essa será uma noite e tanto, docinho – Haymitch sussurra em meu ouvido quando passa por mim. E posso sentir seu sorriso sarcástico enquanto ele fala.

Novamente vamos todos para a sala. Sentada lá o tempo parece passar para mim lentamente. Algumas pessoas com o destaque de minha mãe, Peeta e Hazelle, tentam tornar o ambiente o mais confortável possível. Enquanto outro como Haymitch e, principalmente, eu ficamos observando todo o desenrolar da cena a procura de alguma falha. Depois da conversa que tive hoje cedo com Peeta, e pela crise há dois dias eu me mantenho alerta a qualquer movimento seu, e também de Gale a fim de evitar um desastre. E ao cruzar com os olhos de Haymitch sei que ele está na mesma missão que eu.

Para minha sorte tudo segue de maneira ótima. As conversas são simples e neutras, não há provocações, e no fim Gale e Peeta praticamente não trocam nenhuma palavra além do essencial. Não que Peeta estivesse sendo grosseiro, mas ele sabia manter distancia quando queria. E minha alegria não poderia ser maior quando Peeta convoca todos para o jantar.

Nós nos sentamos na enorme mesa, nunca antes usada, na sala de jantar. Peeta com a ajuda de minha mãe começa a trazer a comida, e quando o aroma delicioso me atinge sinto minha boca salivar. A entrada passou para mim voando, já que em poucos minutos eu já havia terminado meu prato e estava repetindo.

— Peeta, isso está maravilhoso – Hazelle elogio o prato principal que é, nada menos, do que meu prato favorito; cozido de cordeiro.

— Eu disse isso para ele mais cedo – disse ela que, assim como eu, estava repetindo. – Você tem que provar os doces depois, é de dar água da boca.

— Doces – se espanta minha mãe – Eu não sei se vou dar conta nem desse prato.

— Obrigado – Peeta elogia encabulado – E você tem que provar os doces sim Sarah, eu fiz os favoritos da Katniss.

Gale levanta a cabeça instantaneamente quando ouve Peeta chamar minha mãe pelo nome. Vejo seus olhos brilhando com um sentimento que não consigo identificar.

— Eu não sei é se a Katniss vai dar conta, do jeito que ela está comendo imagino que não conseguirá nem beber água depois – zomba Haymitch.

No mesmo momento eu pouso os talheres no prato e o observo aflita por alguém ter percebido, ou sequer imaginado, a razão por traz do meu voraz apetite. E fico mais tranquila quando percebo que ninguém suspeitou.

— Na verdade Haymitch, eu ainda dou conta de comer um dos seus gansos.

— Não ouse tocar nos meus bebês! – ele exclama furioso provavelmente lembrando-se da vez em que eu matei um deles e servi como nosso jantar. Dou-lhe um sorriso zombeiro e ele fecha a cara para mim.

E no que parece ser uma hora depois Johanna comenta.

— Já é quase meia noite e acho que alguém deveria fazer um brinde e coisa e tal.

Eu observo a cena a minha frente extasiada. Apesar de alguns possíveis desentendimentos é visível a alegria no olhar de todos na sala. E percebo que há tempos não vejo tantos sorrisos. Por isso quando Peeta levanta, eu o impeço.

— Há muito tempo que eu não vejo tantas pessoas queridas para mim reunidas. E faz o mesmo tempo que eu não vejo a minha... a nossa – corrijo-me – casa tão cheia. Por isso hoje eu gostaria, mesmo não sendo tão boa quando o Peeta, de fazer o brinde. – os olhos de todos agora estão em mim e respiro fundo antes de continuar.

— Todos nós sabemos o que é a dor. Todos nós a conhecemos de maneiras diferentes. Alguns passaram pelos Jogos. Outros pela Guerra. E ainda há aqueles que tiveram que conviver toda uma vida com o sofrimento. Todos perdemos alguém – nesse momento foco meus olhos lacrimejantes em minha mãe que já sucumbiu as lágrimas – e é por isso que eu considero tão importante ter muitas pessoas queridas a minha próximas. Há dias que eu ainda acordo com a tristeza se apossando de mim. E é quando eu penso que a vida não tem nada mais para me oferecer que eu me lembro desses momentos. Os momentos em que a felicidade é maior do que qualquer outro sentimento, e que os sorrisos substituem facilmente as lágrimas. E é isso que me dá esperança para continuar.

E em uma decisão súbita eu percebo que esperança não ser mantida de modo egoísta, e sim para ser compartilhada.

— E é por isso que eu gostaria de compartilhar com vocês o meu novo raio de esperança. – respiro fundo antes de dizer algumas das palavras mais difíceis da minha vida – Eu estou grávida.

A reação coletiva é paralisar, como se jogassem um jogo de estátuas ninguém ousa nem mesmo piscar. Peeta ao meu lado me olha surpreso por eu ter partilhado algo que eu mesma pedi segredo.

Hazelle é a primeira a quebrar o silencio vindo até mim me abraçar. Ela sussurra vários parabéns para mim e Peeta. Em seguida minha intensifica seu choro, e eu não tenho como saber se foi por alegria ou algum outro motivo. Haymitch murmura algumas reclamações sobre como ele não merecia isso e Johanna quebrado seu espanto ri dele. E por fim, eu encontro os olhos de Gale. Ele me encara com uma expressão fria e sai da sala o mais discreto possível. E quando penso que fui a única a reparar na reação de Gale, Peeta me encara com, o que eu julgo ser, apoio para ir atrás dele.

Então, livrando-me dos parabéns eu saio discretamente. Quando chego à entrada a porta esta aberta e consigo ver a figura de Gale andando sob a neve caindo. Eu grito por ele e saio em disparada para alcançá-lo. E depois de gritar seu nome mais de três vezes ele finalmente para.

— Gale – eu o chamo a poucos metros dele, e quando ele se vira para mim eu continuo – O que você está fazendo?

— Jura, Katniss? – o tom de Gale é frio.

— Eu pensei que nós tivéssemos nos entendido. – eu realmente pensei.

— Você não entende, não é? – ele passa a mão pelos cabelos curtos – Para você umas poucas palavras resolvem anos de desentendimento.

Meu ímpeto é recuar perante seu tom furioso, mas na verdade o que acontece é que eu me aproximo ainda mais.

— Você deveria ter dito a verdade então – agora ambos estamos gritando. E me surpreendo ao ver que ninguém ainda apareceu na porta para ver o que está acontecendo.

Ele solta um ruído raivoso. E quando eu acho que ele está indo embora Gale se vira para um comentário final.

— Você sabe qual é a pior parte? – ele diz com os dentes cerrados, provavelmente controlando-se para não gritar – É ver você com ele, e pensar que se os jogos não tivessem acontecido seria eu em seu lugar. Seria a nossa casa, o nosso filho.

A semelhança com a declaração de Peeta me espanta. Peeta eu até compreendo, mas Gale não deveria ficar remoendo-se por coisas impossíveis.

— Os Jogos me fizeram quem eu sou hoje – uma pessoa que Peeta ama, e que eu não imagino que você seja capaz. – Eu posso não gostar plenamente dela, mas ainda sim é quem eu sou.

Gale se aproxima até estar sentimentos de meu rosto e, eu não sei se com mais fúria ou tristeza, sussurra.

— E essa é uma Katniss que eu não consigo reconhecer.

E com essas palavras ele vai embora. E enquanto eu fico parada sob a neve vejo a sua figura desaparecer no horizonte imaginando se essa distancia será para sempre.

Depois de alguns minutos em que eu praticamente congelo sob a neve, mas incapaz de me mexer, Peeta aparece. Ele passa seus braços em torno de mim e de forma solidária não pergunta sobre o que aconteceu. Chegando em casa observo que o clima festivo desapareceu. E em pouco tempo Haymitch vai embora. E depois Hazelle. E acho que Johanna só não vai também porque está hospedada na nossa casa.

— Me desculpe – sussurra Hazelle antes de partir.

— Não foi culpa sua.
Minha mãe o Johanna não demoram muito para subir e logo restamos apenas eu e Peeta.

— Você está bem? – ele pergunta me embalando em seus braços.

Eu confirmo com um aceno, e algum tempo depois pergunto.

— Peeta, você me acha uma pessoa horrível?

Eu sei que Peeta é a pessoa errada para fazer essa pergunta, mas eu preciso ouvir isso de alguém que realmente me ama.

— Uma pessoa sabia me disse uma vez; você não deve pensar coisas assim. – ele toca a ponta do meu nariz arrancando um sorriso triste de mim – É óbvio que você tem defeitos. Todos nós temos. Mas eu tenho orgulho de dizer que você é a pessoa mais perseverante, protetora, dedicada e forte que eu conheço. Você é perfeita dentro das suas imperfeições.

— Obrigada.

Eu não sei quanto tempo se passa até que nosso abraço se rompa, por mim isso não acontecia nunca, mas Peeta nos separa.

— Você deveria subir. Eu ainda preciso arrumar a cozinha.

Em ocasiões normais eu até poderia me oferecer para ajudá-lo, mas agora tudo o que eu mais quero é a minha cama.

— Não demore.

Eu dou lhe um selinho e subo as escadas buscando o conforto que somente uma coberta e um travesseiro bem fofinho poderiam me proporcionar. Eu entro no quarto e quando estou prestes a me trocar ouço uma batida fraca. Eu murmuro um entre e minha mãe o faz. Ela para próxima a mim um pouco hesitante.

— Katniss – ela diz – Eu acho que não posso descrever o tamanho da minha surpresa com a noticia que você me deu.

Eu me sento na cama e a convido para repetir o gesto.

— E isso é uma coisa ruim? – minha voz sai insegura, do mesmo modo como me sinto conversando sobre isso com minha mãe.

— Oh, claro que não – ela exclama ofendida. – Como você pode pensar uma coisa dessas? E só que, eu nunca pensei que você fosse ter filhos. E a notícia de que eu vou ser avó não poderia me deixar mais feliz.

Uma lágrima solitária escapa de seus olhos e eu a limpo carinhosamente, feliz por ter ao menos o apoio da minha mãe.

— Você será uma mãe tão melhor do que eu. – a sua voz está repleta de tristeza e arrependimento pelo passado.

Eu deveria confortá-la quanto ao seu desempenho como mãe, é o que uma pessoa gentil faria, mas eu não o faço, pois caso contrário ela saberia que é uma mentira. Ao menos ela admite seus erros.

— Eu não tenho tanto certeza disso. – eu sussurro frágil como uma criança. Desde o dia que eu descobri a existência desse bebê a única coisa que passa pela minha mente é a possibilidade de fracassar. Eu não consegui proteger nenhuma das pessoas que eu amava, e não há garantia de que eu consiga sucesso com meu filho.

— Nunca pense isso Katniss – ela fala passando a mão por meus cabelos – Ser mãe é difícil, mas eu sei que você sempre dará o máximo de si nessa tarefa.

— E se isso não for o suficiente?

— Será – ela diz com uma convicção absoluta derivada de todos os seus anos já vividos.

E pela primeira vez em muitos anos eu me permito ser confortada pela minha mãe. Essa mulher que um dia me abandonou agora me embala em seu colo, e eu não poderia imaginar nada melhor. Em algum momento eu permito pensar que a amo. Porém quando tento dizer essas palavras em voz alta elas ficam presas em bolo na minha garganta.

— Eu sei – ela diz me compreendendo – Eu também te amo. Mais do que você consegue imaginar.

E com um último beijo na testa ela sai. Eu continuo deitada na cama até ouvir uma nova batida na porta, penso que pode ser minha mãe retornando e me surpreendo ao ver Johanna.

— Oi Katniss – ela está um pouco receosa, coisa que nunca vi em Johanna.

— O que você quer – pergunto do modo mais simpático que consigo.

— Bem, primeiro meus parabéns pelo... bebê – ela hesita antes de dizer a palavra apontando para minha barriga.

— Obrigada.

Em seguida ela tira um envelope de suas costas e o estende a mim.

— Você estava certa, eu não vim só pela sua companhia.

— De quem é?- eu pergunto apontando para a carta.

— É da Annie.


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Notas finais do capítulo

Primeiro me desculpe se o capítulo não ficou tão bom, mas vocês já perceberam que geralmente eu faço as cenas com poucas pessoas, duas ou três no máximo, então colocar todo mundo em uma sala falando ao mesmo tempo foi meio difícil haha. E para quem pensou que o Gale e a Katniss estavam na paz levou uma bomba em haha.
Fantasminhas deem um oi!
Beijos e até mais!
Ps: o próximo vem essa semana, promessa!