Divided escrita por Pat Black


Capítulo 16
Price


Notas iniciais do capítulo

Música - Birdy e Rhodes - Let It All Go
.
Achei que o capítulo ficou um pouco meloso, mas é o tom neste momento.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/677698/chapter/16


Rick se aproximou da cela, afastou o lençol que fazia vezes de cortina e entrou apressado.

“Ela acordou.” Hershel explicou levantando-se da cadeira próxima a cama de Lori.

Fez um gesto para Beth e ambos saíram levando o bebê ainda sem nome.

Rick sentou e hesitou um instante antes de tomar a mão que Lori erguia em sua direção. Tinha pedido a Hershel que lhe chamasse caso ela acordasse ou piorasse. Então, quando o ancião lhe chamara, tinha imaginado o pior, sofrendo uma espécie de choque ao perceber que ainda se importava tanto com a mulher.

“Ela parece com você.” Foi a primeira coisa que Lori disse e era uma mentira.

Rick baixou a cabeça e a agitou de leve em negativa, depois olhou novamente para a esposa por baixo das sobrancelhas, percorrendo todo o seu rosto e notando que ela estava mais pálida que o normal e, talvez, ainda mais bonita por isso.

“Com o tempo você vai perceber que estou certa.” Ela sussurrou. “Ela tem seu queixo e muito dos seus olhos.”

“Como se sente?” Rick perguntou um pouco mais brusco do que queria.

“Como se alguém tivesse cortado minha barriga e remexido em minhas entranhas.” Tentou sorrir, mas a piada não alcançou seu objetivo. “Hershel está muito mais preocupado do que realmente o necessário.”

“Cuidamos de você a noite toda e Hershel disse que você não está fora de perigo. Leve isso a sério.” Rick apertou a mão dela levemente. “Ainda está sangrando mais que o normal.”

Loiro piscou anuindo.

“Não está sendo igual ao parto de Carl.” Lori sussurrou.

Rick tinha que parabenizá-la por pelo menos tentar evocar a lembrança de tempos melhores entre os dois. O nascimento de Carl fora complicado, mas, dentre todas, era a lembrança mais feliz que ambos poderiam possuir.

Conteve as palavras duras que queria dizer em deferência ao seu estado e também ao medo de agitá-la e causar sua piora.

“Rick.” Ela apertou seus dedos levemente. “Precisamos resolver isso entre nós.” Engoliu em seco quando sentiu que a mão do marido se mantinha inerte contra a sua. “Não podemos continuar assim. Temos uma nova criança agora e Carl... Não pode seguir me punindo para sempre.”

“Acha que é isso que tenho feito?” Ele perguntou muito baixo, a voz rouca e cheia de mágoa.

“Sim.” Lori gemeu de leve. “Precisamos estar juntos... Preciso que me perdoe... Eu te amo, preciso de você e não quero te perder."

Rick viu as lágrimas, viu o desespero e, o principal, viu o medo. Lori temia morrer sem terem resolvido as pendências entre eles, ou continuar viva e seguirem tão ou mais separados do que antes. Por que Lori não podia lidar com nada sem que alguém estivesse ao seu lado para lhe apoiar e proteger.

Entretanto, ela não precisava temer que a deixasse. Nunca seria um homem que abandonaria a esposa e os filhos. Ainda a amava o bastante para tentar, o sentimento como uma sombra do que já tinham partilhado. Sim, havia uma chama em seu coração, mas ela não queimava pela esposa. Podia saber suas obrigações, estar atado a elas, contudo, nunca ignoraria seus sentimentos.

A Lori que amou, tinha sido a mulher que não o repreendia na frente do filho, aquela que nunca dormiria com seu melhor amigo apenas para assegurar a sua proteção, ou o recriminaria por ter feito a única escolha possível quando sua vida corria perigo. Ainda assim não poderia abandoná-la.

Apertou seus dedos e levou sua mão aos lábios quando percebeu os seus olhos cheios de lágrimas, a face pálida e contrita pela dor.

Talvez fosse possível perdoá-la, não sabia bem. Contudo, o mais importante agora seguia mantê-la confortável para que se recuperasse, ficasse viva para o bebê e Carl.

“Conversaremos quando você estiver melhor.” Falou tentando dar alguma emoção de esperança a voz.

Ela sorriu ligeiramente, os olhos brilhando e Rick quase pode ver a antiga Lori surgir, diante dessa pequena chance de reacender as brasas entre as cinzas de seu casamento fracassado.

“Preciso amamentar a pequena.” Ela disse e ele não levou o pedido a sério. Ela não poderia cuidar em alimentar a criança em seu estado.

Suavemente seus olhos pestanejaram, com a esposa adormecendo logo depois.

Rick ainda ficou segurando sua mão por um bom tempo, sentindo a aliança no dedo dela tão fria quanto a que levava no seu próprio. Uma lembrança de que suas vidas estavam entrelaçadas e seguiriam juntas, um preço que teria que pagar ainda por muito tempo.

“Na alegria e na tristeza...” Sussurrou para si mesmo colocando a mão dela sobre a cama.

Com delicadeza afastou o cabelo que caía sobre seu rosto adormecido, os dedos tocando sua pele e notando que tinha febre, afastando a mão tão logo a lembrança da garota febril que beijara duas noites atrás aflorou em sua mente.

Respirou fundo ao se dar conta de que também traíra Lori e ela seguia bem viva, o que não lhe dava nenhuma desculpa para o que tinha feito, mesmo que suas motivações não tenham sido calculistas, a não ser guiadas por tudo o que Sam pareceu trazer à tona de seus desejos adormecidos.

Saiu, para encontrar Hershel sentado nas escadas.

“Ela vai conseguir.” Soprou para o mais velho de forma confiante.

“Esperemos que sim.” Hershel respondeu como se recitasse uma prece.

Rick deu uma olhada no rosto contrito do velho, mas nada disse. Virando, estendeu as mãos para pegar o bebê dos braços de Beth.

“Ela estava com fome e acabou adormecendo.” Beth meio que se recusou a lhe entregar a menina. “Não quero que ela acorde.” A loirinha tentou explicar ao notar a surpresa do xerife diante do seu gesto possessivo com a criança.

“Entendo.” Compreendia realmente.

Uma criança berrando de fome era um chamariz para qualquer errante, e as galerias ainda estavam cheias deles.

“Vou checar lá fora.” Partiu dando uma última olhada em Lori e lembrando a Carl para manter o portão sempre trancado.

Subiu para verificar Sam na passarela. Pelo tempo que Chase a deixara ali, ela já deveria estar cansada e ainda precisava lhe agradecer por ter ajudado sua esposa e filha. Pelo menos, foi essa a desculpa que deu a si mesmo.

Deu a volta, entrou por uma porta se deparando com o local na penumbra, subiu as escadas e parou ao escutar a voz da garota.

“... Tenho tentado não pensar nele dessa forma.” Ouviu Sam declarar, a voz abafada pela porta corrediça fechada, ainda assim o som forte o bastante para escutá-la com clareza.

Em um primeiro momento, não sabendo qual a razão da discussão, resolveu dar meia volta e sair dali, notando que o tom que as duas usavam, apesar de não gritarem, remetia muito mais a uma briga que uma conversa.

E nunca as tinha vista brigar, assim, que a coisa ali era séria.

“Nos beijamos.” Sam disse e Rick estancou.

Devagar virou até ficar de frente para a porta novamente, os olhos fixos em sua superfície metálica e levemente enferrujada pela falta de manutenção. As palavras seguintes da discussão se perdendo pelo tom baixo que usaram.

Poderia ter se aproximado da porta e escutar com mais clareza. Porém, certo respeito pelas duas mulheres o fez recuar um passo, descer dois degraus e parar. Entendeu que discutiam sobre ele e Sam. Na loucura que fizera ao lhe beijar, quando a garota estava tão debilitada que bem poderia não dar-se conta do que faziam.

“Ela o traiu.” Linn disse alto o bastante para que Rick fechasse os olhos e se irritasse por devassarem sua vida com tanta intimidade.

Fechando a mão sobre o corrimão desistiu de partir, subiu novamente, disposto a se revelar, acabar e inibir que falassem dele e sua esposa, bem como inibir que Sam devassasse a intimidade que tiveram, como se aquilo fosse algo banal e corriqueiro.

“Eu o amo.” A ruiva declarou o assustando pela dor com que revelara aquilo.

As palavras seguintes pintando com novas cores o interesse que Linn não escondia dele, acrescentando camadas em algo que apenas encarava como o desejo normal de uma mulher por um homem que lhe dedicava algum respeito e consideração.

Parando novamente, procurou repensar suas atitudes com Linn, avaliar se lhe dera algum tipo de incentivo, chegando à conclusão de que sim, tinha feito. Estava tão zangado com Lori que, de certa maneira, usara Linn para lhe magoar, mesmo que a desejasse em certo nível.

Caminhou para a porta e a abriu, surpreendido que esta fizesse tão pouco barulho. Parado observou uma nesga do cabelo vermelho de Linn sumindo na escuridão da saída contrária, enquanto Sam se sentava, os olhos tomados pelas lágrimas, ainda que não tivesse derramado nenhuma.

Ficou quieto observando sua juventude e tranquilidade, que muitos confundiam com frieza. Dando-se conta de que, toda vez que olhava ou estava próximo a Sam, esta lhe remetia a uma sensação de calmaria, algo sólido, fixo, em torno do qual você poderia orbitar sem receios. Já Linn seguia sendo seu oposto, como uma tempestade, sempre em movimento. E isso, essa diferença, completava uma e outra de tal forma, que parecia a Rick quase uma blasfêmia que pudessem brigar.

Segundos depois Sam lhe percebeu, surpresa por vê-lo parado a lhe encarar, ciente de que ele escutara a conversa entre as duas, ainda que não soubesse o quanto ele ouviu de tudo o que disseram e revelaram.

“Está aí há muito tempo, não?” Disse zangada.

Rick não a censurou por isso, também não ficaria feliz se alguém invadisse sua privacidade, como elas mesmas fizeram ao comentar sobre os motivos de sua briga com a esposa.

“Sim.” Confirmou sem se importar, caminhando para perto dela e parando a uma distância segura.

“Quanto ouviu?”

“O bastante para me preocupar com vocês duas.” Resolveu ser sincero.

Sam sorriu sem humor, algo que fazia com frequência.

“Agora você se preocupa?” Disse levantando-se.

Estar sentada na presença dele lhe dava uma sensação de desvantagem, com ele em pé sério, como a lhe encobrir com sua presença forte e pujante.

Rick não entendeu a que ela se referia e demonstrou isso em sua expressão.

“Sabia como Linn se sentia ao seu respeito e, mesmo assim, nada fez para impedir que ela tivesse esperanças.”  Sam acusou dura e certeira. “Vai negar?”

“Não.”

Sam ofegou e virou o rosto olhando para além das cercas. Zangada com ele, com Linn e consigo mesma.

“Tampouco a incentivei.” Explicou tão duro quanto ela.

Rick se aproximou um pouco mais, o bastante para ainda estarem a uma distância segura um do outro. Se apoiando na perna esquerda ficou de lado para Sam, uma mão na grade a altura de seu rosto, a outra na cintura.

Baixou a cabeça e suspirou sem saber como explicar a garota suas motivações. Não desejando que o conceito que Sam possuía dele fosse manchado, por que não soubera como lidar com Linn.

“Não havia percebido até agora o quanto foi errado fazer isso.” Ele explicou. “Além do mais, fiquei lisonjeado, nunca realmente fui alvo de muita atenção feminina.”

Sam virou para ele, os grandes olhos não demonstrando muito mais que recriminações, mas uma leve surpresa pode ser detectada em seu rosto.

“Não era popular na escola ou fora dela.” Confidenciou a guia de explicação. “Casei, constitui uma família, fui responsável minha vida toda. Nunca fui o tipo de homem que as mulheres preferem.”

Seus olhos estavam vidrados, recordando.

“Shane dizia que...” Parou e abanou a cabeça, doído ao se recordar do amigo. “Não importa o que ele dizia.” Voltou a olhar Sam. “Senti-me tentado por Linn, por sua vivacidade.” Virou-se um pouco para a garota. “Lori percebeu e aproveitei para magoá-la também.”

“Não achei que fosse cruel.” Ela lhe olhou fundo. “Por isso me beijou? Para magoar sua esposa um pouco mais?”

“Beijei você por que não consegui me controlar.” Respondeu com sinceridade, as palavras escapando contra sua vontade.

Observou que Sam apertava os dedos nos elos de metal até que as juntas ficaram lívidas. Abanou a cabeça uma vez e voltou a olhar para além da grade, o maxilar comprimido.

“A culpa foi minha.” Ela disse se recriminando. “Também não consegui me controlar.”

As sobrancelhas de Rick se uniram formando algumas linhas em sua testa ao lhe ouvir declarar seu interesse com tanta tranquilidade, como se os dois não estivessem falando de sentimentos e ações que poderiam magoar a eles e as pessoas com que se importavam.

O clima mudou totalmente após essa revelação. Ambos sentiram e tentaram não sucumbir ao que tão poucas palavras podiam encerrar de tentação e perdição.

Rick esqueceu de Linn e tentou não pensar em Lori. Cansado de sempre estar fazendo as coisas certas, de nunca deixar de ser o mais correto dos homens.

Mesmo sabendo que estava errado, desejou tocá-la de alguma maneira, apagar as recriminações de seus olhos e esquecer que não podiam iniciar nada e ela não podia ser sua. Mas a lembrança do beijo ainda seguia bem vívida, o gosto de sua boca muito presente.

Sem conseguir se conter deu um passo na direção dela, com a garota recuando e voltando a lhe olhar, parecendo muito mais velha. Seus olhos quentes, sempre muito expressivos, lhe diziam que recuasse também, que a história entre os dois não tinha futuro e não podiam se deixar levar e piorar uma situação já por demais difícil.

“Volte para sua esposa xerife.” Sussurrou quando pareceu se recompor.

“E fingir que nada aconteceu.” Rick soprou perto o bastante para que Sam se sentisse vacilar.

“Se fosse outra história, se estivéssemos livres...” Tentou explicar. “Cuide de Lori... Resolva isso tudo com Linn e talvez essa bobagem que fizemos simplesmente suma com o tempo.”

“Não há nada a resolver com Linn.” Rick falou se afastando dela, as duas mãos agora na grade, os dedos firmes nos elos para evitar a tentação de tocar a garota. A voz cheia de raiva, se não dela, de si mesmo. “Precisamos resolver isso... Entre nós.” Concluiu.

“Não há nada a resolver entre nós, xerife.”

Lembrou de como ela se entregou ao seu carinho há duas noites, da forma como ela gemeu quando aprofundou o beijo, a língua contra a sua, a maciez de sua pele contra sua palma. 

“Nunca toquei em outra mulher desde que conheci Lori.” Ele revelou o que Sam não podia deixar de imaginar. “Até você chegar.” Concluiu passeando os olhos azuis em toda a sua figura.

Sam pensou que aquilo não era algo para se orgulhar, mas sentiu-se lisonjeada mesmo assim. Era mulher, humana, recusar se deixar levar pelos anseios do coração era o máximo que poderia exigir de si mesma agora, com Rick tão perto, que quase podia esquecer que a mulher dele lutava pela vida, em uma cela escura, após lhe dar um filho.

“Merda, Rick.” Sam ofegou dizendo seu nome, e sentou, perdendo a calma. As pernas tremendo e o coração aos saltos. “Por que disse isso, quando tudo o que quero é esquecer aquele maldito beijo?”

Ele avançou os dois passos que os separavam e se baixou junto a ela, apoiado em um dos joelhos para que estivessem frente a frente e Sam pudesse olhar em seus olhos e soubesse que não estava mentindo.

 “Lori vai melhorar.” Sam proferiu como uma certeza.

“Eu sei.” Rick concordou.

“Você vai ficar com ela... É o certo.” Sam continuou e ele concordou. “Nada vai acontecer novamente entre nós. Não sou feita desse material... Então, por quê?”

Rick ergueu a mão e tocou em seu rosto, apenas para matar aquele desejo que o consumia, afastando-se logo em seguida.

“Só queria você soubesse que não fui leviano. Que não costumo fazer esse tipo de coisa.” Explicou lhe olhando sério. “Que poderíamos ter tentado se eu pudesse escolher.”

Ficaram alguns segundos se olhando e imaginando, até que ele vagarosamente se levantou e partiu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!