Prelúdio das Sombras - O Inferno de Richard escrita por Damn Girl


Capítulo 17
Capítulo 11 (Parte 02)




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Ultrapassar limites é diferente de violá-los. (Hannibal) 

Parte 02

           Enquanto pensava em uma resposta que o satisfizesse e não comprometesse o Criador, Erian resolveu partir para o elo mais fraco. Erguendo brevemente sua mão livre, inquiriu seus dois comparsas a coagir Bethanny da forma mais baixa possível. Karu, o Vampiro moreno e mais agressivo se apoderou da adaga de seu aliado e a pressionou contra o peito esquerdo pálido e desnudo de minha súdita.

           A ponta afiada do instrumento afundou pela carne macia e sumiu, sendo substituída pela gota vermelha que aflorou em sua superfície. Bethanny rangeu os dentes enquanto Erian analisava a minha reação e gesticulava mais uma ordem. Ela fechou os olhos e apesar do cheiro de sua angústia que preenchia o ar me esforcei para manter-me indiferente, pois se eu demostrasse minha raiva eles a fariam ainda mais mal.

— Quem te transformou? Espero que o sofrimento da humana tenha lhe refrescado a memória.

— Eu não sei! - respondi num tom de voz mais firme e alto. - Alguém arrogante demais para se apresentar.

           Seus amigos gargalharam. Meu reflexo transtornado seguiu a deixa, mostrando-se mais confiante e encarando Erian com desprezo. Ele não se movia de acordo com meus movimentos, de forma que eu não sabia se tudo aquilo era ou não uma alucinação de minha mente perturbada. Talvez Bethanny nem estivesse realmente em perigo, e eu ainda me encontrava na beira do lago com o corpo da princesa moribunda em meus braços...

           Vamos acabe com eles! Meu suposto reflexo andou com passos lentos e elegantes e sumiu por um tempo, até aparecer espelhado no vidro de um outro conjunto de garrafas do balcão.Vamos, faça. Pegue a espada do chão.

           Seguindo o comando da voz animalesca, cravei o olhar em uma das espadas largadas debaixo de uma mesa. Ela reluzia de forma anormal para a localização ambiente, num claro convite para que eu a pegasse. Tornei a encarar meu "reflexo" que assentiu discretamente com o olhar flamejante e bestial.

— Está colocando sua amiga em perigo. - Erian meneou a cabeça ainda comigo em sua posse, estudando o ponto fixo em que eu olhava por um momento, até que desistiu de procurar o que me distraía e suspirou. - Tenho uma proposta alteza: Conte e eu a liberto.

            Suspirei. Os reis sabiam que eu não tinha realmente nada sobre o Criador, e isso definitivamente me mataria. A não ser que eu seguisse o plano do meu alter ego. Fitei a espada novamente. Poucos metros me separavam dela, e se eu fosse veloz o suficiente talvez obtivesse alguma chance.

            Erian me puxou abruptamente para ele, sua face retorcida num misto de raiva e descrença.

— Eu sei o que anda planejando, novato. - Ele indicou a espada com a cabeça. - Pode ter achado num primeiro momento que era invencível por ter ceifado a imortalidade de um de nós, e mesmo prejudicado severamente o outro. Espero que seja sensato o suficiente para saber que estamos pegando leve. - Um sorriso complacente surgiu em sua face dura. - Sabe que não irá sair daqui, e nem pegará aquela espada antes de se tornar poeira. Posso ver em seus olhos, Richard. - Os olhos dele acenderam com um brilho de egocentrismo quando anunciou, repleto de orgulho: - Sou cinco mil anos mais velho do que aparento, então não ouse fazer nenhuma estupidez.

— Não pretendo nada.

— Excelente!! - Erian sorriu, me soltando. - Então ao menos conte algo sobre seu Mestre, e liberte a moça a qual veio proteger. Ou não foi por isso que adentrou aquela porta?

— Foi. - Respondi sem conter meu tom seco pela irritação. Como príncipe e vice general da guarda, não estava acostumado com a falta de credibilidade em minhas palavras. - E como eu disse algumas vezes antes, não sei quem ele é. Contaria se soubesse, não o suporto... Aliás, boa sorte em descobrir.

           Dei de ombros e tentei ir em direção a Bethanny, contudo fui barrado ao desenrolar do primeiro passo.

— Ainda não estás livre Príncipe... Veja situação é complicada. Como eu disse antes, - ele imitou meu tom debochado, encostando o dedo em meu peito. - seu Mestre infringiu uma lei muito importante de nossa sociedade transformando você, e pretendo tomar vantagem sobre isso. Seja ele quem for, não é um qualquer. Eu estou no controle aqui, Richard. - Ele estreitou os olhos. - E me parece que não gosta muito disso. Um príncipe tem que ficar no controle, não? - Ele voltou o olhar para a moça indefesa a nossa frente. - O quanto antes confessar, melhor para essa humana deplorável. Então é melhor começar a falar logo, antes que eu envie sua língua em uma caixa para o Castelo. Tenho certeza que seu pai irá adorar a lembrança de seu único filho.

— Acontece que eu não sei de nada além disso. - Reafirmei com um suspiro frustado. - Ele me transformou e só. Conversamos algumas vezes, e ele não me disse nada de muito interessante... Não sei nada sobre Vampiros e minha convivência com sua espécie não está sendo exatamente agradável.

— Pois posso fazê-la bem pior, alteza. Mal começamos...

           Erian gesticulou novamente e não demorou muito para que o outro Vampiro entrasse na brincadeira, executando um corte da lateral da face de Bethanny. A pele se desprendeu levemente em dois lados iguais revelando uma carne fresca, num vermelho vívido que pendia desde a têmpora esquerda até a beira do maxilar. O grito que ela deu foi tão alto e angustiante que achei que ela fosse cair desfalecida, no entanto ela permaneceu firme.

           Seus olhos azuis moveram-se até o reflexo da lâmina prateada em sua pele e seu corpo tremeu em resultado da dor e da visão da face desfigurada que agora ela possuía. Ele ainda lhe lambeu o rosto, complementando seu ato e me causando ânsia. Senti minha garganta fechar e o grito que Bethanny deixou escapar foi tão alto e angustiante que até mesmo um habitante dos céus deveria ter escutado. Ainda insatisfeito, seu algoz puxou a pele para fora examinando o conteúdo e moveu a faca para o outro lado do rosto, ameaçando executar um novo corte.

           Pela primeira vez desde que se escondera embaixo da mesa, Bethanny abriu a boca. Sua voz geralmente doce e fina, soou vazia e amedrontada, trêmula em meio o soluço e três tons abaixo do normal.

— Por favor, acabe logo com isso. Mate de uma vez...

           Seus olhos me encararam, finalmente lúcidos porém enuviados pela camada de desespero e lágrimas que borravam sua íris. Ela enfim me reconheceu e virei o rosto, incapaz de compactuar com o modo como a tratavam.

            Nos dois anos em que venho atuando como vice general da guarda, não participei de uma guerra propriamente dita além daquela na qual fui traído, no entanto vi muita coisa que não desejaria ver. WindHeart não era uma central de conflitos externos, contudo não era também de todo pacífica. Haviam infratores, ladrões, estupradores... Como em qualquer província, existiam os bons e ruins. Por vezes fui obrigado a comandar sessões de interrogatório, que incluíam tortura das mais variadas, e missões de busca e execução, parte desagradável porém necessária ao se comandar o Exército Real.

           Bem pouco a execução se davam a mulheres, e mesmo assim aquilo me afetava de tal maneira, que quando haviam execuções a alguém do sexo feminino ordenava que os fizessem da forma mais rápida possível. Mas nunca fui atrás de alguém com olhos tão inocentes quantos os dela. Mesmo se não a conhecesse saberia que Bethanny era inocente apenas pelo olhar e que não merecia passar por isso.

           Encarei Erian e embora minha garganta estivesse fechada, consegui soltar as palavras acima da repulsa por meus novos semelhantes.

— Eu não sei de nada, e ela não tem nada a ver comigo. Mate a mim.

           Ouvi um novo grito e o barulho da lâmina, um pouco mais abaixo, e desejei genuinamente não por mim, mas sim por ela, saber o nome do meu maldito Criador. Outro grito chegou aos meus ouvidos, acompanhado dos indícios de um terceiro corte. Dessa vez o som foi mais demorado, no que supus ser um ferimento maior. Minhas mãos tremulavam de raiva e ao ouvir o silencio abrupto, virei novamente o rosto e vi que Bethanny tentava se agarrar aos últimos fragmentos de consciência nos braços de seus agressores. Seus olhos piscavam rápido conforme eles continuavam investindo de forma violenta contra ela, cortando-lhe desde os braços até a cintura. Erian fitava a cena de forma impassiva; não participava, porém comandava com um semblante satisfeito em sua face, o que era terrivelmente pior.

— Teve muitas chances de ser honesto comigo. Se não fosse educado pelo seu Mestre estarias a vagar a esmo pelas ruas, sedento pelo sangue de qualquer coisa que passasse a sua frente e acabaria queimado ao primeiro alvorecer. Mas veja só, Vossa Alteza alega a mim três semanas de existência e vive cercado por humanos. É um Vampiro consciente, e mesmo agora não está afetado pelo sangue da prostituta. Claro que vem sendo bem instruído! Não me faça de tolo! 

— Não sei! Ele me mordeu... - Cortei a frase e fechei os olhos antes que eu proferisse um palavrão. - Ele me mordeu, e foi só o que fez! - Gritei exasperado, explodindo toda confusão e raiva que mantive guardado durante a pequena e terrível eternidade que essas três semanas representaram para mim. - Quero morder a ela, a você e a todos nessa sala! Por todos os Antigos Reis e o primeiro de minha linhagem, não sei como estou me controlando.. Se soubesse não teria matado minha própria noiva esquartejada, nem os amontoados de cadáveres que escondi! Se eu soubesse... - Minha voz reverberou por toda sala, perdendo a força e por fim transformando-se aos poucos no som de uma risada que beirava a histeria. - O que mais quer saber?! O que mais posso dizer?! O Criador deveria estar aqui agora... Você o vê em algum lugar? Ele não liga para mim ou para o que faço, quanto mais a se dar o trabalho de me instruir a qualquer coisa. Ou você a mata logo ou não chegaremos a lugar algum e morreremos ambos queimados neste local ao primeiro sinal do alvorecer..

           Ouvi o arfar de Bethanny conforme corpo se contorcia em espasmos internos reverberados por pelo frio intenso emanado de meu puro ódio. O semblante de Erian fechou conforme ele finalmente percebia que o que eu dizia era a verdade. Sua face se contorceu contrariada e ele se recompôs rapidamente, dando de ombros como se não tivesse insistido tanto, ou não fosse nada demais.

— De uma maneira ou outra Vossa Alteza precisa pagar pela interrupção infringida esta noite. Que não seja com o nome de seu Mestre então, mas sim com sua própria vida e a dela...

           Seguindo a deixa dada por seu líder, os vampiros terminaram de se apoderar de Bethanny. Eles a lambiam e murmuravam palavras sem sentido, enquanto profanavam seu corpo com as mãos, arranhando a pele da coitada com unhas pontiagudas que mais pareciam garras.

           Eu não só assumira em alto e bom tom que havia assassinado Anastácia, como instigara o abuso da mulher inocente que me encarava com seus olhos tomados pelo assombro. Pensamentos desconexos chegavam até mim, emaranhados profundamente em alguma lembrança terrível. Palavras intermináveis e repetidas num tom agudo e infantilizado que indicava que ela estava bem distante, delirando. Bethanny passou a se auto-mutilar junto com eles enquanto clamava em minha cabeça por seus pais. Trêmula, arranhava a própria pele dos antebraços, piscando freneticamente, e aumentando o prazer de seus algozes em fazê-la mal. Os pensamentos dela fluíam tão abundantes e negativos que tive vontade de bater minha cabeça na parede até sua voz cessar.

            Pelos reis, como o Criador aguenta isso permanentemente!? Não me admira mais ele não ser normal.

            Compartilhar de seu tormento insano foi o estopim definitivo para que escutasse a sugestão de meu alter ego e corresse até a espada, deixando a cólera que sentia fluir para fora do meu corpo e tomando-a de maneira decidida entre as mãos.

            Mal segurei a empunhadura e Erian apareceu no meu campo direito, portando sua própria espada. Ele tentou efetuar um golpe em minhas costas e eu desviei, saltando para cima de uma das mesas. Em um rompante, retirei minha adaga reserva da bota e lancei na direção de meu adversário. O objeto perfurou-lhe o ombro de raspão e passou direto, destruindo a manga de sua blusa e deixando-o um fino corte como lembrança. Sua expressão tornou-se fria e obscura, conforme ele me analisava.

— Você é rápido! E irritante. - Ele estreitou os olhos, destilando ódio em seu tom de voz. - Mas será que é veloz o bastante para lidar contra nós três?!

            Antes que ele terminasse a frase, ouvi um leve ressonar de outra lâmina de meu lado direito acompanhado de passos. Inclinei o corpo para a esquerda, evitando o golpe graças a minha audição apurada. O segundo Vampiro planou até o final da cômodo, aterrissando com maestria e voltando o olhar para mim com desgosto.

            A movimentação atípica do ar fez com que eu percebesse meu terceiro algoz bem a tempo de formular um contra-ataque. Ele me acertou no antebraço esquerdo, e recebeu teve seu membro direito decepado pela minha lâmina. O mesmo braço que cortara Bethanny repetidas vezes, agora era arrancado de si.

           Sorri para ele, ignorando a dor que emergia em meu próprio corpo lacerado.

— Maldito!

Fui para cima do vampiro, saltando da mesa e mirando-o no pescoço. Cinzas eram pouco para o que ele merecia, então decidi incapacitá-lo e deixar que a própria Bethanny decidisse seu destino. Dentre todo o barulho de movimentação na sala, ainda era possível ouvir o bater de seu coração, retumbando num ritmo cada vez mais espaçado. Ela continuava viva, mas eu comecei a duvidar que ficasse ainda por muito tempo.

            Com imparcialidade e experiencia de anos de treinamento efetuei um corte na lateral direita de seu abdômen. Os dez quilos de ferro forjado em minhas mãos adentraram a carne com maestria, no entanto antes que eu forçasse o corte e o dividisse em dois, senti a moldura de um punho fechado atingir minha face. A força exercida foi tão incrível e bruta, que virou meu pescoço e lançou-me no ar por alguns metros, até que eu encontrasse a parede do outro lado da sala.

           Quase instantaneamente Erian me agarrou pelo colarinho e lançou-me novamente em direção ao teto. O impacto foi forte o bastante para fazer com que parte da construção desmoronasse ao meu redor. E ele, notei não era como os outros dois; era rápido o suficiente para antecipar minhas ações e premeditar um contra ataque. Ciente disso, segurei a borda da cratera antes que eu caísse, e terminei de subir ao segundo andar do prédio, correndo em direção ao quarto dos fundos da construção que eu conhecia de algumas outras visitas.


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Notas finais do capítulo

Continuaaa



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