Por Um Dia escrita por Carpe Librum


Capítulo 9
Um Sonho


Notas iniciais do capítulo

Sofia tem um amigo que a visita em sonhos. Certa vez, esse amigo lhe dá uma missão: habitar o corpo de um jovem empresário e ajudar três pessoas até que o dia chegue ao fim.



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Vou te contar uma história em que talvez você não acredite, mas parte dela é real.

Estava em meu próprio sonho, você vai entender melhor a partir dele onde tudo começou. Era um colégio, estava chorando em um canto de uma sala de aula. Chega um homem alto, moreno, de cabelos castanhos um pouco longos e ondulados. Usava camisa branca, calça de tecido, estilo aquelas calças que sempre vemos nossos avós usarem, sapatos sociais, um casaco grande e marrom até os joelhos e suspensórios. Tinha o sorriso mais lindo que eu já vi na vida e, pode acreditar, isso significa muito! Tinha também aquela voz suave, macia e calma como se fosse um carinho. Mas tinha um problema, nunca consegui ver seus olhos, eles eram como uma luz branca muito forte, apenas luz e mais nada. E nunca soube seu nome.

Ele ficou me olhando, pegou minhas mãos, me olhou bem nos olhos e sorriu, então me puxou e foi me levando, passando dentro do pátio, onde vi meus amigos e varias pessoas conversando. Havia uma escada no caminho e começamos a subir, chegamos a um apartamento, entramos e fomos até a sacada. Ele foi conversando comigo, ficamos sentados no chão da sacada e ele me falando muitas coisas bonitas até que me fez uma proposta: pegar uma asa-delta que ele já tinha armada e pular com ela da sacada. Na hora, achei uma loucura, mas fui! Voei por toda a cidade, no início com muito medo, mas depois ele estava na sacada e foi sussurrando em meu ouvido — eu podia ouvi-lo como se estivesse ao meu lado — para ser forte, destemida, determinada; que eu tinha um grande coração e que não devia ter medo de nada; para ser feliz e me arriscar; para nunca desistir. Quando voltei estava eufórica e ele continuava com aquele lindo sorriso. Sentamos no chão da sacada de um prédio novo e marrom e começamos a conversar.

— Preciso falar com você sobre uma coisa muito importante.

— Pode falar...

— Vai acontecer uma coisa muito importante com você, mas preciso que você se lembre bem do que vou falar agora, ok?

— Mas o que vai acontecer comigo?

— Depois você vai entender tudo isso, deixe te contar. Você tem que ajudar muitas pessoas, digo, tem que se aventurar e viajar, ajudar e conhecer pessoas boas e ajudá-las de uma maneira que você só vai entender depois. Você tem que conhecer a história dessas pessoas, conhecê-las com compaixão. Na hora certa você vai saber o que fazer, mas tem uma coisa: tem que fazer isso em um dia. Começa ao nascer do sol e antes do próximo sol nascer você tem que ter terminado, vou poder te ajudar um pouco, mas não posso interfeir, você que tem que fazer.

— Mas o que você está falando? Como assim, tenho que ajudar algumas pessoas? Como vou fazer isso se não tenho dinheiro para nada?

— Você vai entender tudo isso depois, Sofia. Só lembre que sempre vou estar ao seu lado!

— Ok! Mas mesmo assim não estou entendendo!

— Vou ter que ir, você precisa acordar. Tchau!

—Mas...

E então acabou o sonho e agora vou te contar como começou toda essa loucura.

Acordei e vi que estava tudo diferente. Eu estava meio zonza e não reconhecia o lugar, acabei batendo o joelho em uma raque estranha e quando me olhei no espelho eu era um homem alto, moreno, com um pouco de barba e olhos verdes. Não era mais aquela garota ruiva, de olhos verdes, magricela e desajeitada; agora era um homem com seus 28 anos ou mais, talvez.

—Aaaaaahhhh!!! O que está acontecendo? Ai, meu Deus! Aaaahh!!!! O que é isso?

Fiquei apavorada, não sabia o que estava acontecendo e por que simplesmente estava dentro do corpo de um homem que não conhecia. Sentei no chão e comecei a chorar, estava apavorada. Não sabia se ligava para alguém e se acreditariam em mim, não sabia mesmo o que fazer. Então aquele lindo moço do meu sonho apareceu para mim, mas de uma maneira diferente. Eu saí de dentro do meu corpo como se ele ficasse e meu espírito se afastasse. Olhei para meu corpo em minha frente parado enquanto o moço me olhava triste. Quando me viu, deu aquele lindo sorriso e disse:

— Sofia! Lembra-se do que eu te falei? Então vou explicar melhor agora. Você está dentro do corpo de Thomas Lancaster. Ele é um milionário, dono de uma empresa multinacional, passou por muitas dificuldades e tem se arrependido de seus erros. Está sempre pedindo que algo extraordinário aconteça com ele. Enfim, agora ele acredita no amor de Deus e por isso ele escolhido, assim como você, para fazer coisas extraordinárias e conhecer o que realmente significa viver, amar e ter fé. Apenas não me pergunte por que as coisas têm que ser feitas dessa maneira, não me é permitido revelar, posso apenas dizer que sempre vou estar aqui para te ajudar. E agora você vai sair deste prédio e seguir sua nova jornada. Tem que se preparar, pois temos um dia longo até o nascer do sol de amanhã e já estamos muito atrasados.

— Mas o que eu tenho que fazer?

—Você tem que conhecer três pessoas e ajudá-las no que for preciso. Receberá no corpo uma marca de uma árvore com flores e elas vão se desfazendo a cada bondade que fizer para essas pessoas. A árvore tem que estar vazia antes do nascer do sol, sem nenhuma flor. Nela, também haverá o desenho de uma maçã, para você curar uma dessas pessoas, vai saber qual delas dentro de seu coração. E, por fim, você tem que pegar uma estrada aqui perto e chegar a uma fazenda. Eu conheço a dona, ela é muito gentil. Chama-se Gina e é uma senhora muito simpática, não vai se importar que nos encontremos lá. Vou te entregar o endereço de cada uma das pessoas e não se esqueça de nada, Sofia, o tempo está correndo, vai!

—Tchau! Qual seu nome?

—Tchau, Sofia!

Acabei voltando para o meu corpo e vi a tatuagem em meu braço de uma árvore preta com flores rosa. Elas pareciam vivas em minha pele. Olhei o papel em minha mão e vi que tinha os endereços todos escritos nele, até o da Gina. Saí do prédio e peguei um táxi para encontrar a primeira pessoa. Parece que ele se chamava Leo e vi que o endereço dava no Hospital. Fiquei logo assustada com o que viria pela frente e não acreditava no que estava acontecendo. Quando cheguei fui procurar o quarto 71 e vi que era a ala de pessoas com câncer. Fiquei ainda mais nervosa. Havia uma enfermeira na sala com um garotinho, ela perguntou se eu era tio de Leo e eu assenti, me lembrando de que estava no corpo de um homem que eu só sabia que se chamava Thomas.

Entrei no quarto e fiquei olhando o menino. Ele devia ter uns 12 anos, era careca, pálido e cheio de equipamentos em volta. Vi que aquele garotinho estava muito doente mesmo e me lembrei do que aquele moço disse para dar a maçã para alguém. Porém na hora não soube o que fazer nem como daria essa maçã, afinal, estava em meu braço. Como faria para ele comer? Então apareceu o moço do sorriso, ele ficou do meu lado, pegou meu ombro e me virou:

— Você tem que sentir o quanto a família desse garotinho também está sofrendo tanto quanto ele, apenas dessa forma a maçã irá florescer nele, você vai ver.

Saí do quarto e vi uma mãe e um pai chorando enquanto um médico dizia algo a eles. E o moço me disse:

— O Leo agora está em coma. Ele está respirando com ajuda dos aparelhos. Os médicos já estão desistindo dele, o câncer já se alastrou por todo o corpo, até no cérebro.

—Ai, meu Deus, que dó desse garotinho! Eu preciso ajuda-lo, não posso deixá-lo assim!

Entrei no quarto e comecei a conversar com ele, e toda aquela compaixão e tristeza me fizeram chorar enquanto estava ao lado do menino. Então, vi minha maçã desabrochar. Ela brilhou em uma luz dourada intensa e vi o peito do menino brilhar com a mesma luz. Era tão lindo! Na hora fiquei paralisada, mas assim que a luz foi desaparecendo vi o menino ficando mais corado, então ele acordou. Fiquei tão feliz naquele momento e não acreditava que eu tinha feito aquilo. O moço veio mais uma vez e me falou:

— Venha, você tem que ir antes que alguém te veja.

Assim que saí do quarto e estava andando pelo corredor, um homem se aproximou.

— Oi, Thomas! O que você está fazendo aqui?

— Ah! Oi! Eu vim visitar um sobrinho meu!

Estava em pânico, nunca tinha visto aquele homem e não sabia nem o que falar.

—Nossa, cara, que pena! Meu filho está aqui também. O médico acabou de falar que não tem mais jeito, a quimioterapia não funciona mais. Ele já está em coma e o jeito é desligar os aparelhos. Não sei mais o que fazer.

— Nossa! Mas acredite, ele vai melhorar. É só acreditar e ter fé.

— Obrigado! Mas quem diria, você está diferente. Não sei o que é, mas está estranho.

— Estou meio gripado, deve ser isso. Esse tempo! Tenho que ir!

— Melhoras para o seu sobrinho.

Saí correndo do hospital apavorada, não sabia mais o que fazer e falar. E se ele me perguntasse alguma coisa iria ficar muda. Será que eu ia ficar para sempre no corpo deste homem? Entrei em um taxi e fui para o outro endereço, mas esperava que não encontrasse mais ninguém conhecido. Olhei para o meu braço e as flores estavam sumindo uma a uma, com um pequeno brilho prata. Eu estava ansiosa, o que viria pela frente? Cheguei ao outro endereço, era uma casa muito simples e caindo aos pedaços. Tinha uma velhinha em uma cadeira de balanço na frente. O moço do sorriso apareceu e me disse:

— Você tem que ajudar essa família, estão precisando de muitos cuidados e não são felizes. Aquela senhora é muito doente, tenho certeza de que você vai poder ajudá-los.

Fui andando e comecei a falar com a senhorinha na cadeira de balanço. Ela era muito simpática e senti que podia logo perguntar sem receios o que queria saber.

— Oi, senhora, me chamo Sof... Thomas! E queria conversar com a senhora... O que em sua vida gostaria que mudasse para que as coisas ficassem melhores?

— Eu me chamo Maria e, meu querido, talvez em um sonho tudo isso aconteça! Mas o que eu realmente queria é que meu neto voltasse para casa. Ele foi estudar muito longe, em Londres, e nunca voltou. Só sei que ele está passando muitas necessidades e quer voltar para casa, mas nós também não temos dinheiro e, apesar de trabalhar muito, ele não está conseguindo juntar.

— A senhora não me conhece, mas vou ajudá-la com tudo. Vou construir a sua casa e ajudar a renovar sua família. Vou te dar muito dinheiro e pagar a passagem do seu neto e tudo o mais que for preciso. Sou dono de uma empresa e pode ficar muito feliz agora que vou te ajudar!

— Aaaah, querido, você caiu do céu! Eu não acredito que você vai mesmo fazer isso por mim com tantas pessoas também na mesma situação que eu, mas que bom para nós! — disse alegremente. — O Joe vai voltar!

— Vou comprar uma casa para a senhora e ajudá-la em muitas coisas sim! Preciso do número do seu neto, ligue para ele e avise que vou mandar dinheiro para que ele venha para cá morar com a senhora na nova casa e fazer, assim como toda a sua família.

Estava incrivelmente feliz com aquela senhorinha, mandei o dinheiro para o moço e ele ia chegar naquele mesmo dia, no fim da noite. Passei o dia todo passeando com Maria e comprando muitas coisas para ela. Depois fomos atrás de uma nova casa e juro que ela chegou a dar uns pulinhos!

Já estava ficando tarde e liguei para o neto dela, Joe, e falei o novo endereço da avó. Quando o vi chegar à casa, ele ficou parado na calçada com uma malinha, parecendo muito magro e pálido. A senhorinha abriu a porta, lhe deu um grande abraço e começou a chorar. Ela o olhava nos olhos, o beijava e apertava suas bochechas.

— Vó, esta é sua casa? Ou a senhora está trabalhando para alguma família com essa idade? E essa roupa? A senhora está tão linda e feliz que nunca a vi desse jeito!

— Meu filho, esse homem veio e me perguntou do que estava precisando e comprou esta casa para mim. Nós saímos e compramos tudo o que precisava para a casa e para mim. Tudo hoje! Ainda faltam chegar alguns móveis e ajeitar as coisas, mas estou tão feliz! Aaah, ele se chama Thomas e é muito lindo, não acha?

—Oi! Prazer, Thomas!

— Você não está passando algum trote e querendo se aproveitar da minha avozinha? Sei lá, como esses psicopatas fazem.

—Ah, não, só quero realmente ajudá-la! E quero também te ajudar! Eu paguei sua passagem e vou te dar um trabalho também, você vai trabalhar na minha empresa.

—Viu como ele é maravilhoso, Joe? Ele está te dando trabalho! Pare de reclamar, ele veio nos ajudar. Pense bem, só pode ser Deus nos ajudando. Foi Ele que enviou esse lindo moço aqui! Minhas orações até que enfim foram mais que ouvidas!

—Ok, aceito o trabalho, mas quero que você me conte mais sobre você.

—Não vai dar, já está tarde. Tenho que voltar para casa e já são 2 da manhã! Ai, meu Deus! Vou ficar atrasada!

— Atrasada? Como assim?

— Atrasado! É... Minha mulher vai ficar muito brava comigo, tenho que ir!

Despedi-me de Maria e de Joe e peguei um táxi até a fazenda, assim como o moço tinha me falado. Quando cheguei já eram mais de 3 horas. Fiquei em frente a estufa, era linda, toda de vidro e grande como uma casa. Abri a porta e entrei, o lugar era cheio de rosas, uma mais linda que a outra, e o moço apareceu.

— Olá, Sofia! Você ajudou muitas pessoas mesmo, cumpriu com o prometido.

Olhei a árvore da qual até então tinha me esquecido, ela já estava sem nenhuma flor e se desfez com uma luz branca que começou pequena e se expandiu. Nas paredes de vidro, formas brancas de animais e flores se moviam na luz, tentei tocar uma flor e ela se desfez em um pó com brilhos como se fossem pequenos pedacinhos de vidro. De repente, tudo ficou branco e azul bem claro e todos aqueles animais e flores começaram a desaparecer, a luz ficou cada vez mais forte até que eu não aguentasse mais olhar, e tudo aquilo se apagou.

Eu estava na estufa escura de novo, de madrugada, e o moço estava lá sorrindo. Ele chegou bem perto de mim e me abraçou. Senti algo estranho acontecendo comigo até que percebi que estava voltando para meu corpo. Olhei dentro de seus olhos com uma luz forte neles e pude me ver como em um espelho. Quando apertei bem os olhos já não era mais o Thomas, mas sim eu de novo: ruiva e magricela como sempre, mas de alguma forma diferente, não mais tão desajeitada. Voltei a abraçar o moço.

— Obrigada por tudo, foi tudo maravilhoso. Nunca vou me esquecer. E o Thomas, o que vai acontecer com ele?

— Ele está dormindo e vai acordar amanhã achando que foi um sonho. Quando vir que não foi, vai mudar radicalmente sua vida. É isso que vai acontecer. Quanto a você, tem que ir para casa. Já esta amanhecendo. Mas nunca se esqueça de que sempre vou estar com você em todos os momentos, te ajudando no que for. Adeus, Sofia, preciso ir!

— Adeus, moço do sorriso!

Ele deu aquele lindo sorriso e vi tudo ficar branco e desaparecer. Quando percebi, estava voltando para o meu corpo. Amanheceu e eu acordei assustada, mas vi que estava tudo normal. Eu tinha certeza de que aquilo não tinha sido um sonho. Olhei pela janela, o sol estava começando a sair, mas pude voltar a dormir.


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Notas finais do capítulo

De outra finalista. Parabéns pelo bom trabalho, moça. Certa vez eu estava passando e ouvi você comentar com alguém o quanto de seu tempo você tinha dedicado ao conto e, deixe-me dizer, seu esforço se pagou. Ficou ótimo. Continue entrando de cabeça e boa vontade nas coisas, assim todos nós só temos a ganhar com o resultado do que você produz.



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