Barreiras Culturais. Volume 2 escrita por Richard Montalvão


Capítulo 21
Capítulo 21 - Erros.




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    Tão inocente, esta é a imagem que Sung-Joon passa enquanto dorme ao meu lado. A luz do dia entrava pela cortina de tecido me permitindo vê-lo dormindo. Olhava para aquele belo rosto coberto pela franja, que só aparecia quando ele estava pronto para dormir, na maior parte do tempo o cabelo está para cima, como um pequeno topete, isso deixa ele com cara de mais velho, e logo que o cabelo voltava para a posição natural, a impressão que ele passa é de um jovem indefeso. Algo que não é verdade, pois Sung-Joon é uma versão mais ordinária de um herói de filme de ação. Depois de ver ele lutando contra os capangas de Jun-Hyung, criei essa imagem dele. Não que eu tenha vontade de que ele seja meu herói, e nem penso nele como um príncipe encantado, na verdade eu queria ser um companheiro com as mesmas habilidades, e conseguir lutar ao lado dele caso algo venha a acontecer, é uma das coisas que mais tenho vontade, mas me falta habilidade para isso. Nunca imaginei que me arrependeria por não ter feito as aulas de taekwondo ou Jui-Jítsu que minha mãe tanto queria, e até me levou algumas vezes quando pequeno, mas eu simplesmente não quis participar. 

    No primeiro momento, Sung-Joon dá a impressão de ser uma pessoa rude, convencida e até mesmo um pouco "nojentinho", tipo filhinho de papai, mas é exatamente o contrário, ele é gentil, carinhoso e completamente independente. Na minha cabeça não existiam homens bonitos que fossem assim, mas o universo me deu o maior exemplo de que isso não é verdade. Sung-Joon era exatamente o tipo que eu achava não existir, com uma pequena adição de carência, sim, ele é carente, muito carente.
    Continuei deitado, acariciando seu cabelo preto e liso, uma das vantagens de ser asiático é o cabelo, que na maioria das vezes é bem liso, de cor preta e cresce numa velocidade espantosa. Não poderia ficar ali por mais tempo, precisava acordar Sung-Joon, temos que ir à clínica do Sr.Lee para retirar os pontos. Não apenas isso, eu precisava confirmar que Sung-Yong-hyung estava bem, se o enfermeiro conseguiria tratar dele. Já conhecendo Sung-Yong-hyung, poderia apostar que ele talvez nem abra a porta para o enfermeiro.

—Sung-Joon. Vamos, acorde.

    Eu já estava pronto para sair, mas Sung-Joon não tinha nem acordado. E quando finalmente acordou, disse que precisava treinar, tem que fazer a mesma rotina todos os dias, caso contrário ele perde o ritmo. Fui obrigado a ficar sentado na sala vendo TV até ele terminar a sessão de exercícios, algo que levou uma hora, mas logo que terminou ele correu para o quarto e ficou pronto para sair. Sempre muito bonito, muito bem vestido e perfumado.

—Sung-Joon você é pior que as minhas irmãs, demora mais que elas para ficar pronto.

—Sério? Não acho que demoro tanto.

    Não podia negar que estava ansioso para que aquele dia passasse logo. Eu estava planejando ir no apartamento de Sung-Yong-hyung a noite, quando o enfermeiro estaria lá, queria aproveitar essa desculpa para ter algum contato com ele.

    O Sr.Lee, como sempre trata de Sung-Joon como um filho, ele estava preocupado com a cicatriz que poderia ficar, por isso receitou um creme que deveria ser passado no local todos os dias, para depois fazer aplicações com um laser para restauração da pele. Sung-Joon achava tudo a maior bobagem, não queria fazer mais nada. Eu concordava com o Sr.Lee, não queria que Sung-Joon tivesse marcas no corpo, e para piorar era uma marca feita pelo maldito do Jun-Hyung. Decidi que eu mesmo seria responsável pelo tratamento, o Sr.Lee ficou satisfeito e parou o sermão que dava em Sung-Joon.

—Me desculpem, mas preciso perguntar do outro rapaz. Como ele está?

—Ainda não sei Sr.Lee, ele está afastado de nós faz um tempo. Vou tentar vê-lo hoje.

—Ele deveria ter vindo para retirar os pontos. Caso queira, você pode usar o mesmo creme cicatrizante nele.

—Pode deixar.

    Nos despedimos do Sr.Lee, seguimos de volta para casa. Queria pedir para Sung-Joon me levar ao apartamento de Sung-Yong-hyung, mas estava com vergonha de pedir, ainda mais depois de tudo que ele me mostrou.

—Fábio, você está inquieto. Me diga, o que está acontecendo?

—Nada... não estou inquieto.

—É por causa de Sung-Yong, não é? Você quer vê-lo.

—Não vou mentir, realmente estou preocupado com ele, e até pensei em ir ao apartamento dele hoje à noite.

—Você tem certeza que quer passar por isso? Você sabe o que pode encontrar.

—Eu sei, mas preciso apenas ter certeza de que suas feridas melhoraram.

—Vamos passar lá agora.

—Sério?!

   Até tentei segurar a minha felicidade, porém era algo impossível. Sung-Joon parecia um pouco chateado, sentia que ele tinha ciúme de Sung-Yong-hyung, algo completamente compreensível.
    Finalmente chegamos, estava ansioso e preocupado com o que poderia acontecer. Minha mão tremia, queria apertar a campainha, mas paralisava alguns centímetros do botão.

—Aperte logo o botão. Vocês não são amigos?

—Somos, mas é difícil para mim, ele...

—Leve o tempo que precisar, estarei aqui no corredor te esperando.

   Apertei o botão e respirei fundo, a sensação era de que entraria em um oceano de sentimentos e precisava de forças para nadar até a praia onde estaria seguro.
    A porta destrancou, apenas isso, nem uma palavra ele falou pelo interfone. Abri a porta, e finalmente estava de volta ao lugar onde tudo começou. Já fiquei espantado assim que entrei na sala, o lugar que tinha sido destruído por membros de alguma gangue que ainda não sabíamos qual, agora estava perfeito, um grande sofá cinza, uma TV três vezes maior que a anterior, a cozinha estava impecável com todos os equipamentos, pratos e talheres, tudo novo e brilhante. Quando caí na real, comecei a me perguntar como Sung-Yong-hyung tinha conseguido dinheiro para tudo aquilo.

—Hyung... seu apartamento está... Como?

—Seu amigo...

—Sung-Joon fez isso?

   Naquela hora eu tive vontade de correr até Sung-Joon, que estava no corredor, e lhe dar um abraço, um beijo e tudo mais que ele quiser, mas deixei isso para outro momento.

—E os seus ferimentos, como estão?

—Uma pessoa veio aqui para retirar os pontos.

—Então, ele já veio. Deixe-me ver, quero saber se melhorou mesmo.

    Sung-Yong-hyung não parecia muito satisfeito, mas eu insisti e ele tirou a camisa para me mostrar. Olhava para a cicatriz das feridas, minha mão se aproximava para tocá-lo, eu hesitei antes de realmente tocar o abdômen de Sung-Yong-hyung, mas assim que toquei ele se contraiu, como uma reação natural do corpo. Eu estava hipnotizado com a imagem de Sung-Yong-hyung sem camisa, com a minha mão tocando o seu corpo magro e definido, era como uma corrente elétrica que passava por dentro de mim, estava sendo atraído por ele, mesmo depois de tanto tempo afastados, nem um pouco do que sentia por Sung-Yong-hyung tinha diminuído, bastava um novo contato para que todos os sentimentos voltassem com carga total. Me recompus do transe, precisava falar algo, caso contrário a situação ficaria muito desagradável.

—Parece estar tudo bem, você se recuperou rápido. Eu trouxe um creme cicatrizante que o Sr.Lee receitou. Tem que passar todos os dias, logo não terá mais nenhuma marca.

—Eu não me importo com as cicatrizes.

—Eu sei, mas foi o médico que recomendou.

    Quando ele disse que não se preocupava com as cicatrizes, me lembrei de Sung-Joon, apenas nesse momento eu tive a prova da semelhança entre eles. Perguntei se poderia passar o creme cicatrizante, Sung-Yong-hyung não respondeu, aproveitei a oportunidade e decidi agir por conta própria, abri a embalagem do produto, coloquei um pouco nos dedos, logo depois passei delicadamente nos locais onde estavam as marcas. Até no braço ele tinha levado ponto, nem tinha visto aquela ferida, me senti mal por não ter prestado tanta atenção nele, afinal de contas era difícil dividir a minha atenção para os dois. Sempre que estou com um deles, minha mente não para de pensar no que o outro está sentindo, se está chateado, se está com ciúme. É uma situação que apenas eu criava na minha cabeça, pois um ajudava o outro como podia. Sung-Joon ajudou muito Sung-Yong-hyung, não apenas por minha causa, e sim pelo fato de se sentir culpado por grande parte do que ele nos fez passar. Tanto é que Sung-Joon pagou uma pessoa para vigiar Sung-Yong-hyung, com medo de que algo acontecesse, não apenas isso, mas até comprou tudo novo para o apartamento de Sung-Yong-hyung. Se for parar para pensar, Sung-Joon fez mais por Sung-Yong-hyung que eu. Talvez eles possam se tornar grandes amigos, e eu consiga conciliar o relacionamento com um e a amizade com o outro. Mas como vou escolher com qual deles ficarei, seria algo impossível, não conseguiria fazer isso.
    Sung-Yong-hyung já tinha vestido a camisa, estávamos sentados no sofá, ele não falava muito e naquela hora não tinha muito o que falar.  Na verdade, eu queria apenas ficar ao seu lado, sentados ali pela eternidade, a presença dele é uma necessidade que eu tenho, e que a cada dia se tornava mais difícil de acontecer.

—Hyung, eu tenho que ir. Sung-Joon está me esperando. Mas antes disso, me responda. Por que você foi embora sem se despedir de mim?

—Eu... não queria me despedir, seria mais fácil assim.

—Mais fácil você partir sem dizer nada?! Como você consegue dizer que preferiu não se despedir de mim, depois de tudo que você disse naquele dia, quando estávamos deitados na grama, de frente para o rio. Você se lembra do que disse? Disse que não conseguiria viver longe de mim, que eu logo estaria partindo e isso te deixava triste. Você não se lembra?

—Eu... não deveria ter dito aquilo. Foi um erro.

—Um erro?! Você me diz agora que tudo aquilo não é o que realmente sente?! 
Sung-Yong, você é realmente um enigma, ninguém nunca conseguirá decifrar o que você realmente é. Mas, quem sabe essa garota com quem você está saindo e se divertindo tanto, consiga decifrar você. Pois eu não consegui, nem Yoon-Sang conseguiu. Se ela conseguir, pode ter certeza que esse é o caminho correto, você realmente precisa de uma mulher na sua vida.

—Não é isso. Você sabe que estou com ela apenas...

—Apenas porque quer mascarar o que você realmente sente. Nunca vou concordar com isso. Na verdade, não deveria ter pessoas assim na minha vida. Por isso vou deixar você seguir com esse teatro, não vou interferir mais na sua vida.

    Dei as costas para Sung-Yong-hyung, queria distância dele, me direcionei até a porta, e antes mesmo que pudesse tocar na maçaneta Sung-Yong-hyung me pegou pelo braço, uma força que nunca tinha sentido antes me puxou em direção a ele. Ele me beijou, eu tentei desviar, mas ele parecia contente em beijar qualquer parte do meu rosto, até que conseguiu me prender no canto da parede e beijar a minha boca que ele tanto queria. A sensação era de tristeza, pois eu sabia que aquilo era apenas uma demonstração repentina de afeto, ele não queria me deixar partir, porque sabia que nunca mais conseguiria reverter o que tinha dito. Era uma forma de me acalmar, como um tranquilizante injetado em uma fera raivosa.
Eu tentava falar, perguntar porque ele estava fazendo isso, mas ele apenas me beijava, me emburrando contra a parede, um pouco grotesco, talvez estivesse com saudades de estar tão perto de outro homem. Finalmente desisti de lutar contra ele, era como se o tranquilizante estivesse fazendo efeito.
    Continuamos nos beijando perto da porta, apenas uma coisa nos impediu de seguir para o sofá, a porta abriu, uma mulher um pouco mais baixa que nós dois surgiu, com os olhos arregalados, ela estava realmente assustada com o que via. Nunca imaginária encontrar Sung-Yong-hyung beijando outro homem, e pior um homem ocidental. A situação não foi ruim apenas para Sung-Yong-hyung, pois ao fundo eu via Sung-Joon encostado na parede, ele conseguiu ver toda a situação. Mesmo que ele soubesse que meu relacionamento com Sung-Yong-hyung era algo mais que amizade, não queria que Sung-Joon tivesse visto. Seria melhor que tivesse ficado apenas na mente dele.
   A mulher saiu correndo, Sung-Yong-hyung decidiu seguir atrás dela. Eu fiquei lá olhando Sung-Joon, esperando uma reação por parte dele, algo que não vinha. Minhas pernas perderam as forças, se ele virasse as costas para mim naquele momento, só me restava a morte. Mas antes que algo assim pudesse passar pela cabeça de Sung-Joon, a mulher voltou, escandalosa, gritava coisas em coreano que eu não conseguia entender, eram palavras que não tinha ouvido ainda, talvez xingamentos. Não apenas palavras vinham na minha direção, ela se aproximou de mim, só vi um tapa romper meu rosto, não satisfeita ela continuou, e tentou outro tapa, mas não permiti, fui pego de surpresa na primeira vez, mas não levaria outro. Agarrei a mão dela, apertei com força, era um aviso de que ela não estava arrumando briga com outra mulher, e sim com um homem que poderia derrubá-la em instantes. Ela percebeu que não poderia comigo e se afastou, pensei que pararia por ali, mas ela retirou um spray de pimenta de dentro da bolsa, a primeira vítima foi Sung-Yong-hyung que tentou tirar o objeto da mão dela, uma disparada e ele caiu no chão em agonia. Eu era o próximo alvo, mas ela não contava com uma coisa, Sung-Joon, com apenas um golpe fez o objeto voar escada abaixo. A mulher tentou desferir um tapa nele, mas era impossível que isso fosse acontecer, Sung-Joon apenas defendeu com o braço. O problema é que ela não parava e agora batia nele, eram golpes sem sentido, apenas para extravasar a raiva que sentia. Até que finalmente ela se cansou, parou de bater e sentou no chão.

—Hyung, você está bem?

   Me aproximei, o rosto estava vermelho, os olhos nem abriam, apena lágrimas corriam sem parar. Quando eu já estava sem saber o que fazer, Sung-Joon se aproximou, pegou Sung-Yong-hyung pelo braço e levantou ele do chão, caminharam para dentro do apartamento. Eu estava seguindo eles, mas não pude apenas ignorar a coitada no chão aos prantos, desolada com tudo aquilo. Não poderia culpá-la, foi um choque terrível, encontrar o namorado beijando outra mulher já é um choque terrível, imagina encontrá-lo beijando outro homem. 
Sentei perto dela, e perguntei qual era seu nome.

—Seo-Hee... Kim Seo-Hee.

—Seo-Hee-sshi, me desculpe por isso... Sung-Yong-hyung não é exatamente o que demonstra ser... ele... ele está passando pela pior fase da vida. Você não deveria julgá-lo, deveria tentar entender o que ele sente.

—Entender que ele gosta de homem? Agora eu já sei, e descobri da pior forma.

—Posso pedir um favor? Se for possível, você guardaria este segredo?

—Por que faria isso? Ele mentiu para mim, me fez pensar que teríamos um futuro juntos. Logo todos saberão o que ele é.

    Ela se levantou, arrumou a roupa e começou a caminhar em direção a escada, não sabia o que fazer, e apenas deixei que ela seguir. Sung-Yong-hyung logo teria que enfrentar a pior das coisas, o julgamento dos amigos e familiares. Passei por isso e não foi fácil, algumas pessoas vão se distanciar, algumas vão tentar dizer que apoiam e outras vão apenas evitá-lo. Essa é uma preocupação para o futuro, agora precisava ver se ele estava bem.


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