Caderno de ideias escrita por Benihime


Capítulo 13
Seus olhos




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Esperei um tempo depois que a música começou, sabendo que Ares estaria parado em um canto. Ele prometera me esperar e que a primeira dança seria minha. Era hora de testar a força de sua palavra.

Ajeitei meus cabelos, ruivos por causa do feitiço que eu lançara, e ergui a máscara dourada para que cobrisse meu rosto. Respirando fundo, entrei no salão de baile. Pude sentir os olhos se fixarem em mim, mas os ignorei, traçando uma linha mais direta até o objeto de minha atenção. Ares fingiu não perceber, mas pude ver o momento exato em que ele me notou parada ao seu lado.

— Boa noite, Deus da Guerra.

Minha voz estava mais rouca, profunda. Eu sabia que ele não me reconheceria de jeito nenhum.

— Boa noite, madame.

Nada mais foi dito, e forcei uma risada descontraída.

— Devo admitir, estou decepcionada por não ser reconhecida.

— Talvez se me disser o seu nome ...

— Não posso ainda. — Respondi — Mas lhe asseguro que já nos conhecemos há muito tempo, e muito bem.

— Façamos assim: conceda-me uma dança e conversaremos. Ao final, ambos tiramos nossas máscaras. O que acha?

— É justo.

Me irritei um pouco por ele quebrar a promessa de não dançar até eu chegar, mas acabei me deixando levar. Queria ver até onde ele iria com aquele joguinho.

Dançamos mais do que apenas uma música. Entretidos na conversa, não nos demos conta da passagem do tempo até Apolo anunciar o começo de outra seleção.

— Estou ficando cansada. — Falei. — Podemos parar?

— É claro. — Ele subitamente parecia distraído, quase preocupado. —  Preciso mesmo de uma pausa para ... Procurar uma pessoa.

A mim, é claro, embora ele não o dissesse. O fato de ter omitido meu nome me deixou zangada.

— Namorada ou esposa? — Joguei, tentando ao máximo manter o tom leve.

— Lidya. — O jeito como ele disse meu nome fez toda a raiva desaparecer. — Minha esposa.

— Ah. Sorte a dela.

— Nem tanto. Sempre acho que fui eu quem tirou a sorte grande.

— Nada melhor do que uma pessoa que valoriza o que tem.

Ele riu de meu comentário.

— Nos vemos em alguns minutos, certo? Só vou averiguar por que aquela peste ainda não chegou.

Se ele não estivesse tão acostumado a me chamar daquele jeito, mesmo na minha frente, eu teria me revelado ali mesmo, de pura fúria. Ao invés disso, me retirei discretamente para uma sacada.

Respirando o ar fresco da noite, finalmente pude pensar com clareza. Analisei a última meia hora de dança com Ares. Ele fora amistoso, mas não havia nada ali que indicasse perigo. Era exatamente o que eu precisava saber, mas, antes de terminar, eu teria que esquentar as coisas.

Um barulho na porta me sobressaltou e me virei para ver um homem alto, loiro, com olhos quase translúcidos de tão azuis e muitas sardas espalhadas pelo rosto.

— O que uma mulher tão bela faz aqui fora sozinha numa noite como essa?

— Como disse: a noite está maravilhosa, e um pouco de silêncio às vezes faz bem à alma.

O loiro deu um meio sorriso, como se tivesse gostado de minha reprimenda disfarçada, e chegou mais perto. Ficamos lado a lado na balaustrada e, de repente, senti seu braço roçar no meu. Me afastei discretamente.

— É melhor eu voltar para dentro. Já demorei demais por aqui.

— Espere! Não poderia pelo menos me conceder a honra de uma dança?

— Apenas uma dança. Estou cansada.

— Apenas uma dança. — Ele repetiu num tom firme, como que selando um acordo.

Não pude deixar de sorrir ao colocar minha mão na dele e me deixar ser conduzida de volta ao salão. Havia algo naquele homem que me agradava.

Logo descobri que ele era excelente dançarino, o que me animou ainda mais. Acabamos dançando por mais do que uma música, e ele me fazia rir com suas histórias engraçadas sobre si mesmo.

Quando paramos para descansar, ele me entregou uma taça de vinho. Sorri e tomei um pequeno gole.

— Obrigada.

Ele meneou a cabeça em retribuição.

— Você tinha razão, aqui dentro está sufocante. — Ele comentou. — Gostaria de vir comigo e admirar a lua?

— Boa ideia.

Acabamos nos jardins do palácio de meu pai, perto da enorme fonte de alabastro, cercada pelas rosas vermelhas favoritas de minha mãe. As águas brilhavam ao luar, parecendo prata líquida. Eu lembrava muito bem daquele lugar. Fora onde Ares se declarara para mim pela primeira vez.

Não falei nada, sentando na beira da fonte e erguendo o rosto para admirar a lua cheia. O loiro sentou ao meu lado, nossos ombros apoiados um no outro. Era estranho estar ali com qualquer pessoa que não fosse meu marido, mas algo naquele homem me deixava à vontade.

— Ainda não me disse seu nome, bela dama.

— Acho que não disse. — Acabei rindo. — Que descuido o meu! Me chamo Selene.

— E eu me chamo Demeos.

Ele abriu um sorriso torto que fez meu coração disparar. Eu reconheceria aquele sorriso mesmo depois de um milhão de anos, em qualquer lugar do mundo, sob qualquer disfarce.

Num segundo ele estava de pé, curvado sobre mim. Uma de suas mãos estava em minha nuca, seus dedos entrelaçados firmemente em meus cabelos.  Mesmo com a surpresa, eu poderia ter me afastado, mas a verdade é que eu não queria. Espalmei minhas mãos nos ombros largos de Demeos, empurrando de leve. Foi o que bastou para ele me libertar, e me vi encarando um par de olhos cor de esmeralda que eu conhecia tão bem quanto os meus próprios.

— Ares. — Eu disse, fingindo surpresa. — É claro. Eu já devia saber.

— Quer dizer então que teria permitido que um completo estranho te beijasse, Lidya? É bom saber disso.

— Nem vem. Pra começar, eu sabia que era você. Te reconheci quando sorriu para mim. E depois, foi o senhor quem tirou uma completa estranha para dançar, quebrando a promessa que me fez, e depois ficou flertando com ela. Vamos, admita!

— Não precisa ter ciúmes, morena. —  Ele riu —  Era tudo um jogo. Eu já sabia que era você.

— Como? Quem te contou?

— Ninguém me disse nada. Eu sabia e pronto.

Eu sabia que ele estava mentindo. Provavelmente Afrodite dera com a língua nos dentes sobre meu plano. Da última vez, eu fora delatada por uma marca de nascença no pescoço. Daquela vez eu tinha certeza de não ter deixado pistas.

— Mentiroso. — Acusei. — Então diga o que foi que me delatou dessa vez.

— Seus olhos.

Ele nem hesitou, o que provava que estava mentindo. Ares só tinha respostas prontas quando elas não eram verdadeiras. Suas verdadeiras opiniões levavam mais tempo para serem externadas.

— Meus olhos são azul-esverdeados, Ares. E tenho certeza de que modifiquei a cor.

— Modificou. — Ele admitiu. — Estão azuis como o céu, um disfarce perfeito. Mas o jeito de olhar era o mesmo. Isso você jamais conseguiria disfarçar.

— Está dizendo isso para me agradar. — Provoquei. — O que realmente me entregou foi o beijo.

— Eu não a beijaria se não tivesse certeza de que era você. Lembra o que aconteceu com aquela ninfa que deu em cima de mim na última festa?

Eu lembrava. A memória da ninfa saindo do baile às lágrimas depois de um passa-fora de Ares ainda me fazia rir.

— Ok. Ponto para você. Claramente é diferente de mim.

— Quer dizer que ficou com outro, Lidya? Quando? Quem foi? Quero o nome do desgraçado!

— Nunca!

Me pus de pé e saí correndo o mais rápido que podia, erguendo a saia pesada do vestido para ter mais mobilidade. Ares saiu em meu encalço. Eu apenas ria, escapando por centímetros de suas mãos sempre que ele estava prestes a me pegar pela cintura.

Continuamos nesse jogo por algum tempo até ele conseguir me derrubar e caímos juntos sobre um monte de folhas secas. Num ato reflexo, espalmei as mãos em seu peito largo.

—  Te enganei, seu bobo. — Declarei, rindo. — Eu só quero você. Entenda isso de uma vez.

— Você é uma mulher má, Lidya. Muito má mesmo. Sabia disso?

PDV Ares

Inalei profundamente, apreciando o cheiro do perfume de minha esposa. Minha Lidya. Só minha. Sempre. Eu ainda nem podia acreditar que tinha tanta sorte.

Por um momento, quando ela insinuou que havia me traído, fiquei tão louco de ciúmes que assustei até a mim mesmo, e poderia ter feito alguma bobagem.

Os cachos sedosos de minha esposa, soltos do coque em que ela os prendera, roçaram meu rosto, arrancando-me daqueles pensamentos. Na verdade, me arrancando qualquer pensamento.

— É, eu sei. — Ela disse, me encarando com um sorriso malicioso que a fazia parecer uma garotinha travessa. — Mas posso ser bem pior ... Isto é, se você quiser.

—  Não me tente, Lidya. Sabe o que pode acontecer.

 — E estou contando com isso.

Depois disso ela tomou a situação nas próprias mãos. Ou melhor, lábios. Nada nunca, jamais, poderia se comparar a beijar Lidya. Aquela mulher era como pimenta na língua, fogo nas veias, droga no sangue.

Ela era viciante e eu não conseguia ter o suficiente. Receava que jamais conseguiria.


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