Guertena escrita por KyonLau


Capítulo 9
O Homem Dependurado


Notas iniciais do capítulo

"Antes tarde do que nunca" é o que eu sempre dizia quando entregava algum trabalho atrasado na escola. Pena que nunca dava certo........
Eeeeeenfim, mais um capítulo trabalhado no suor e feelings~
Boa leitura :3

Soundtrack: "Noise"
https://www.youtube.com/watch?v=8n8pVwdVAXw



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Ela sabia que seria inútil. Não era uma leve impressão apenas, mas um fato. Mesmo assim, isso não impediu a garota de sair correndo desesperada até a maldita porta e começar a forçar sua maçaneta dourada, girando-a inutilmente, batendo com força as mãos contra a madeira e gritando para que abrissem, praticamente cuspindo enquanto isso. Nada aconteceu, contudo, e Iza foi forçada a ficar encarando aquilo, sentindo-se inevitavelmente impotente.

Não queria ter que sair dali, não queria deixar Galli.

Ela ficou um bom tempo dando voltas no mesmo lugar. Tentava chamar o pequeno companheiro, mas ou ele não a ouvia, ou não queria lhe responder. Metade do tempo ficava imaginando o que poderia acontecer com ele lá dentro, se afinal conseguiria sair. Na outra metade do tempo, morria de medo do que lhe aconteceria se seguisse em frente, sozinha.

Verdade seja dita, a garota duvidava que teria conseguido manter a sanidade, não fosse Galli. Sem falar que provavelmente ainda estaria chorando na sala d’Os Mentirosos se ele não tivesse feito todas aquelas deduções e estabelecido um acordo com as silhuetas.

Talvez ela precisasse dele mais do que ele precisasse dela afinal.

Depois de ter passado um tempo que ela não saberia mensurar encolhida num dos cantos da parede vigiando a porta para ver se Galli iria acabar surgindo, Iza finalmente achou que seria melhor seguir em frente.

Levantou-se e deu uma última olhada nas duas rosas que segurava na mão esquerda. As pétalas brancas da flor de Gali pareciam abraçar as de cor preta da flor de Iza, que pareceu se sentir mais confiante quanto ao garoto. Enquanto protegesse aquela rosa, saberia que ele estava vivo e que poderia ser resgatado, onde quer que estivesse.

— Certo...

Virou-se então para o corredor vermelho interminável à sua frente. Ele se prolongava até ficar escuro e isso não era a melhor forma de encorajar alguém a seguir em frente, mas se fosse assim, Iza não teria saído do lugar nunca. Respirou fundo e recomeçou sua jornada.

Seus sapatos batiam no piso e faziam ecoar seus passos, que pareciam querer acentuar ainda mais sua solidão.

Em seu caminho foi passando por alguns quadros bem estranhos. Eram de cabeças enormes e brancas, totalmente carecas e cujas pupilas minúsculas e negras faziam questão de segui-la por onde ia. Afora isso, não faziam nada de mais e, depois daqueles olhos bizarros, era difícil para a garota ligar para esses três agora. Seguiu em frente.

Consigo mesma, achou sua falta de reação até curiosa. Estaria se acostumando àquele labirinto de loucuras? Não podia acreditar, afinal, há pouco tempo atrás aquilo a teria feito sair correndo totalmente incomodada, no mínimo. Iza ainda não sabia ao certo se isso era bom ou ruim. Por um lado, não se sensibilizar mais com aquilo ajudava e muito a manter-se calma e coerente o suficiente para não perder seus objetivos de vista. Por outro, o quão coerente ela deveria estar realmente, se já começava a achar aquele tipo de coisa normal?

Nunca pensara nisso antes. Estava tão concentrada em sair dali que jamais pensara no que seria dela quando saísse. Alguém acreditaria se ela contasse o que lhe acontecera? Provavelmente não. E talvez ela nem devesse tentar. Parecia algo maluco demais, agora que parava para pensar. Algo digno de um Lewis Caroll. Afinal, Alice vivenciara tudo aquilo, ou apenas sonhara? Iza jamais saberia a resposta e nunca antes aquilo a incomodara tanto.

— Aaaaah...

Um suspiro desanimado e demasiadamente alto fez a garota se sobressaltar e o quadro de um homem dependurado por uma corda que se atava ao seu tornozelo logo ao lado tremer na parede. Arrancada de seus devaneios brutalmente, Iza ergueu os olhos a tempo de ver duas estátuas que se erguiam do chão e chegavam a raspar as cabeçorras no teto. Eram duas mulheres ajoelhadas na mesma posição, os braços embalando algum tipo de objeto redondo. Uma delas, a que soltara o suspiro deprimente, estava coberta de vermelho e tinha a boca escancarada, formando um perfeito “O”. A outra, inteiramente azul, mantinha a boca fechada num arco pronunciado e, no tempo que a garota fitara-a diretamente no rosto, soltou uma espécie de gemido igualmente triste e prolongado.

— Hmmmmm...

Pareciam estar se lamentando bastante e chegava até mesmo a ser um tanto quanto cômico.

Como não parecia que nenhuma das duas estátuas faria mais nada além daquilo, Iza decidiu contorna-las sem levantar o olhar, fingindo que não via ou ouvia nada de mais. De alguma forma, tinha a impressão que as estátuas ficariam ainda mais tristes se vissem-na rindo na cara delas. E talvez tenha sido por isso que ela acabou trombando em algo definitivamente estranho.

A menina levantou a cabeça bem a tempo de ver uma boneca em tamanho natural voar a toda velocidade em sua direção e acertá-la no nariz, obrigando Iza a se afastar para que aquilo não se repetisse.

Foi então que teve plena visão de várias bonecas parecidas com a que acabara de atacá-la, todas pendendo do teto, seguras por cordas vermelhas que se amarravam em seus pulsos, tornozelos ou mesmo pescoços. Todas de cabelos desgrenhados que apontava para todos os lados e sem rosto. Era como uma verdadeira floresta macabra.

Iza respirou fundo e começou a abrir caminho por entre elas. Eram tantas que fechavam seu campo de visão e a obrigavam a andar sempre com os braços esticados na frente do corpo para abrir caminho por entre aquela multidão apertada. Ocasionalmente tropeçava em algum braço ou perna caído ao chão e acabava tendo que se segurar na boneca que estivesse à sua frente.

A menina já não sabia por quanto tempo estava se esgueirando por ali. Parecia uma eternidade e o fato de não ver nada mudar à sua volta ajudava ainda mais sua impressão de que estava em cima de alguma esteira ou algo do tipo. Já começava a entrar numa espécie de estupor quando, ao esticar as mãos para a próxima boneca, sentir algo diferente dos membros gélidos e duros que a cercava. Muito pelo contrário, era de alguma forma mais macio. Isso a fez erguer os olhos e encarar aquilo que a fez sentir o chão se abrir num abismo profundo abaixo de seus pés, preparado para engoli-la.

Diante de seus olhos, dependurado pelo pescoço como várias outras daquelas bonecas, o frágil corpo de Galli balançava debilmente para lá e para cá. Seus olhos claros estavam esbugalhados e inteiramente vazios, encarando o nada. A boca entreaberta deixava escapar um fio de saliva queixo abaixo.

— G-Galli...? — sua voz trêmula cortou o silêncio.

Seu coração martelava contra as costelas e uma sensação de enjoo muito forte começou a subir de seu estômago para a garganta, queimando. Sentindo as pernas falharem, Iza desabou no chão e abriu a boca, deixando o que parecia ser basicamente apenas um líquido verde e ligeiramente espesso escapar e se espalhar pelo chão vermelho.

O que aconteceu? Como ele parou ali? Foi tudo culpa dela, certo? Por que ela o abandonou na sala dos Mentirosos... O rostinho infantil apavorado com aquele boneco palito perpassou a mente confusa da garota.

Num ímpeto mal calculado, Iza se pôs de pé rápido e, com as pernas tremendo, cambaleou até o garoto e tentou se esticar até a corda. Entretanto, era inútil. Por mais que quisesse tirá-lo lá de cima, ele estava amarrado muito ao alto, até mesmo para ela. Sua mão só conseguia chegar até a mão dele e por isso a envolveu com força. Queria chorar desesperadamente, mas lágrima alguma descia por seus olhos secos.

— GALLI!

Seu berro ecoou pelos corredores. Ela achara que compreendera. Pensara que sabia em que tipo de situação estava. Contudo, enganara-se. Fora completamente idiota e ingênua ao pensar que tudo correria bem. Em que estava pensando, afinal? E por qual motivo Galli precisava pagar por sua ignorância?!

— Você é mais escandalosa do que eu pensei.

 A voz monótona quebrou os soluços de Iza, que ergueu a cabeça assustada, ao reconhecê-la.

Para além do corpo sem vida da criança, uma figura alta e magra, bastante conhecida, caminhava. Os cabelos compridos que lembravam mogno escurecido se agitavam em suas costas devido aos passos rápidos e os olhos castanho-avermelhados, tão inexpressivos, a encaravam de tal forma que ela chegou a se perguntar se já não estaria alucinando.

Entretanto Ib era bem real ao tocar o ombro da adolescente com uma mão firme de alguém decidido. Olhou o cadáver do garoto dependurado à sua frente como se não fosse absolutamente nada de mais, ajeitando a saia rasgada.

— Você ainda não aprendeu a separar a realidade do resto da Galeria, não é?

— C-como assim?

— Você está se desesperando por uma boneca qualquer.

No momento em que disse isso, Iza olhou novamente para Galli e, para sua surpresa, de fato havia apenas mais uma boneca em seu lugar, como qualquer outra. Dependurada pelo pescoço e sem rosto.

— Mas... Mas ele estava aqui, bem na minha frente! — exclamou, sem entender.

— Essa é a rosa do seu amigo? — perguntou Ib de supetão, apontando para as flores que Iza segurava molemente.

Iza anuiu, erguendo a de pétalas brancas. A de Galli.

— Se está intacta, então não há o que temer — ela disse, erguendo a própria rosa para mostrar para a mais jovem.

Era uma bela rosa de pétalas vermelhas, mais ainda que as paredes dos corredores onde estavam. No entanto, havia algo ali. Uma das pétalas estava rasgada ao meio. Percebendo o olhar de Iza, Ib girou a rosa nas mãos.

— Fui descuidada. Não consegui proteger a rosa quando cheguei e o resultado foi esse — contou — A dor é horrível... Então eu aprendi como ela funcionava.

Iza não conseguia reagir. Era muita informação nova de uma vez para conseguir lidar direito. Havia mais uma pessoa naquele inferno, além dela e de Galli. Três pessoas ao todo. Ou haveria mais? E se havia, como chegaram ali? Estavam todos bem? Ou já conseguiram sair? As perguntas se amontoavam numa tal velocidade que era difícil registrá-las antes que outras tomassem seu lugar, mas antes que pudesse verbalizar qualquer uma, Ib já lhe dava as costas e começava a andar.

— Espere! — pediu e saiu correndo atrás.

Não queria mais ser deixada sozinha. Era horrível demais e ela não ia conseguir passar por mais provações como aquela. Não sabia como faria para encontrar Galli, mas simplesmente precisava continuar com Ib.

A área cinza era extremamente monótona. Era como se quem estivesse lá tivesse perdido a habilidade de enxergar em cores. Os passos do garoto eram pequenos, mas rápidos, enquanto segurava o bastão azul em riste, preparado para qualquer ataque.

Lá era diferente das outras áreas em que esteve. Haviam várias portas que levavam a salas diferentes com objetos diversos. Ele abria cada uma delas para checar e assim que via que não era o que procurava, fechava rapidamente e seguia para a próxima.

Durante o caminho várias bonequinhas azuis foram aparecendo, sentadas ao chão com seus sorrisos costurados e olhos vermelhos. A princípio eram poucas e ficavam distantes umas das outras, mas a medida que ia avançando, elas pareciam se acumular mais e mais e davam ao menino uma péssima sensação. Estava se encaminhando para a próxima porta, ligeiramente aborrecido, quando parou de supetão, pois a maçaneta girava sozinha e um rangido categórico anunciou que alguém do outro lado a abria.

— Ora, o que temos aqui? — uma voz masculina se fez ouvir e obrigou
Galli a olhar para o estranho.

Era bem alto e magrelo. O rosto pálido se escondia sob o cabelo retorcido e bagunçado um tanto quanto azul-arroxeado. O longo casaco rasgado parecia ter escorregado pelos seus braços, deixando os ombros do sujeito à mostra. Havia um sorriso rasgado em seus lábios que iam de orelha à orelha e lhe conferia uma aparência de maluco. Quando viu a criança parada à sua frente, soltou uma risadinha seca e um tanto quanto rouca.

— Parece que eu tirei a sorte grande, finalmente.


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Notas finais do capítulo

Me falem o que acharam, certo? O de sempre u3u
Beijos da tia e até o próximo capítulo ♥