Entre Irmãos escrita por Okaasan


Capítulo 3
Você tem um amigo...


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal.

Chorando horrores aqui. Sério. Escrevi chorando de soluçar.

Recomendo MUITO que você, leitor, antes de começar a ler, vá até o YouTube e procure a música "You've got a friend", na versão de James Taylor. Link nas notas finais.

Perdoem eventuais erros.

Boa leitura!



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*

Inuyasha virou o rosto para o lado e vomitou no chão. Sua franja estava praticamente colada à testa; suava em bicas e seu rosto estava pálido. O youkai branco, também em sua forma original, pegou um lenço do bolso e limpou o rosto do hanyou; logo em seguida, pegou uma touca de lã dentro de um baú velho e ia colocá-lo na cabeça de Inuyasha, quando este protestou, com voz fraca:

— O que... está fazendo, idiota?

— Vamos ao pronto-socorro, imbecil. Isso é pra esconder suas orelhas. Você não está conseguindo sequer manter a forma humana!

— Keh! V-você sabe que eu odeio... — tosse. — ... ambiente d-de hospital...

— Pouco me importo! — retrucou Sesshoumaru, irritado, enquanto passava um dos braços sob a axila do irmão e tentava erguê-lo. — Consegue se levantar?

— C-consigo — murmurou o outro, pálido.

O youkai decidiu colocar o irmão sentado sobre a cama, enquanto tirava as roupas de dormir apressadamente e vestia uma calça velha e uma camisa do Iron Maiden que pertencia ao próprio Inuyasha, que gemia ocasionalmente. O hanyou o observava curioso, mesmo cheio de dores, e fez um comentário que levou Sesshoumaru a revirar os olhos:

— Sabe, Sesshoumaru, v-você bem que poderia usar a minha c-camisa do Sheldon.

— E eu lá iria à rua com uma roupa vermelha berrante escrita “Bazinga”, seu retardado?

— E por que ... — tosse. — não? Eu g-gosto do Sheldon!

— Você tem cada ideia... — resmungou o youkai, enquanto corria até o quarto para pegar um casaco branco com gola felpuda e sua carteira. Voltando ao quarto do irmão, abriu a janela, enquanto Inuyasha tentava ficar de pé, levando mais uma vez a mão ao peito, exclamando de dor.

— Não fique se esforçando, inútil! — brigou o mais velho. — Anda, vamos. Quer ajuda para colocar a jaqueta?

E, sem esperar o outro responder, pegou a jaqueta vermelha e tentou vesti-la no irmão. Ao levantar os braços, o hanyou gritou. Era difícil até para movê-los. Sesshoumaru se sentiu muito culpado, mas Inuyasha sufocou o choro e tentou disfarçar o incômodo:

— Está t-tudo bem. Eu aguento...

— Me perdoe.

— N-não se preocupe, Sesshoumaru.

Após a difícil tarefa de colocar a jaqueta, o youkai ajeitou a touca na cabeça do caçula e o enlaçou com o braço que perdera e recuperara há séculos; ele mesmo vestia outra touca na própria cabeça, ajeitando-a de forma a disfarçar a meia-lua sob a farta franja. Aos olhos de Inuyasha, Sesshoumaru parecia um tanto pálido também.

— Preparado?

— N-não sei se vou c-conseguir descer as esc-cadas...

— E quem falou em descer escadas? Não há tempo pra isso.

E, tão ágil como quando era mais jovem, Sesshoumaru saltou do paradeiro da janela agarrado ao hanyou, que parecia ter ficado um pouco menor ao seu lado. Sobrevoaram o rio Meguro e suas sakuras, que, iluminados pelas luzes de Natal, eram uma visão esplêndida. Ambos, porém, mal puderam se dar conta de tal beleza, já que a tosse de Inuyasha recrudescera e Sesshoumaru já estava bem nervoso.

— Inuyasha, procure manter a calma e respirar fundo...

— Keh! Eu não consigo... p-parar de tossir... Maldição...

Shhhh... Falta pouco. Aguente!

De fato, as luzes do Hospital da Toho University já eram visíveis; o youkai branco conseguira vencer a distância de cinco quilômetros e meio em poucos minutos, o que não aconteceria se eles estivessem de metrô. Desceram em uma rua deserta ao lado do estabelecimento; bem a tempo, já que as pernas do hanyou perdiam as forças e ele finalmente tombava, sendo imediatamente agarrado pelo mais velho, que o deitou nos braços e correu a toda para o pronto-socorro.

Rapidamente, enfermeiros cercaram os dois irmãos e tiravam Inuyasha dos braços de Sesshoumaru, que se sentiu estranhamente minúsculo ao ver o hanyou sendo levado para longe dele numa maca.

Respondia automaticamente às perguntas do recepcionista que preenchia uma ficha de atendimento. Dissera que, como constava nos documentos falsos, Inuyasha Kishimoto era natural de Shibuya, nascido aos 3 de fevereiro de 1977, viúvo, sem filhos, desempregado. Ele, Sesshoumaru Kishimoto, havia supostamente nascido em Setagaya, em 23 de agosto de 1969, também viúvo e sem filhos, técnico em contabilidade.

O mundo jamais aceitaria que eles dois viviam há praticamente oito e nove séculos, respectivamente.

Restava agora a Sesshoumaru esperar, sentado, na sala de espera. Um rádio tocava em volume agradável algumas canções alegres; ele, porém, se sentia cada vez menor a cada minuto que passava.

O youkai branco não estava preparado para ficar só. Se, no passado, Inuyasha lhe tirava a paz devido ao ódio e ao despeito que ambos nutriam entre si, a paz de Sesshoumaru agora era roubada devido ao enorme amor que cultivara, lenta e gradualmente, por aquele hanyou turrão e teimoso que foi seu melhor e único amigo durante tanto tempo.

Os olhos âmbares marejaram quando ele se lembrou de que já havia ressuscitado Inuyasha com a Tenseiga uma vez, durante a guerra da Manchúria.

Na época, eles acabaram sendo recrutados pelo exército de Guangdong, em 1931. Em solo chinês, a dupla de inuyoukais se destacou pela estranha rapidez e capacidade de defesa. Chegaram ao cúmulo de deixarem vir à tona a força youkai em Tsitsihar ao combater o general Ma Zhanshan, que muito resistira à ocupação japonesa. Os soldados de ambos os lados ficaram totalmente atônitos ante a visão incrível de um demônio com orelhas caninas e quimono vermelho atacando os resistentes com uma espada enorme de formato côncavo e, do outro lado, outro demônio de armadura antiga e quimono branco, cujas armas eram uma grande espada reta e um chicote feito de luz.

Apesar da óbvia vantagem dos dois irmãos sobre os soldados chineses, houve um descuido fatal — Inuyasha encontrara um pequeno menino chorando sob os escombros de uma tapera. O garoto chorava pela mãe e tremia de frio. Comovido, o hanyou não pensou duas vezes em tirar a parte superior do seu quimono de pele de rato-de-fogo e envolver a criança, sem notar que, sorrateiro, um recruta chinês se aproximava dele por trás.

O tiro de fuzil atravessou ambos, que caíram mortos ali mesmo, quase que imediatamente.

Sesshoumaru deu por falta do irmão quase meia hora depois, tão absorto estava durante a peleja. O destacamento japonês já se referia a ele como “o youkai nobre e patriota”. Após ter provocado inúmeras baixas no pelotão adversário, o youkai branco, apreensivo, flutuou sobre o campo de batalha, chamando por Inuyasha, sem obter resposta. Avistou, enfim, um borrão vermelho junto aos destroços e, sentindo o coração acelerar de temor, se atirou àquela direção, enquanto dois recrutas chineses dispararam contra ele; apenas rebateu as balas com Bakusaiga, que voltaram contra os soldados, matando-os. Antes, porém, que Sesshoumaru pudesse alcançar o hanyou caído, o homem que atirara em Inuyasha pelas costas tentou atingi-lo com uma baioneta. Seu fuzil Arisaka estava sem munição no momento e ele parecia muito disposto a ofender Sesshoumaru, insultando-o em um japonês enrolado.

— Você é um humano imprudente — disse o youkai, mais altivo e letal do que nunca, enquanto quebrava os braços do recruta com leves movimentos de suas mãos. — Poderia ter fugido antes que este Sesshoumaru se aproximasse.

— F-fugir, eu?! NUNCA! — bradou o outro, em meio à extrema dor que estava sentindo. — Mat-tei... Matei o outro demônio! Um t-tiro do Arisaka f-foi o bastante... E m-mesmo que...

— Você O QUÊ?! — gritou Sesshoumaru, agarrando o pescoço do soldado com brutalidade.

— Matei... O d-demônio de vermelho... C-com um tiro cer-certeiro — afirmou o outro, começando a sufocar, mas ainda tendo um olhar desafiador.

O youkai branco, sentindo que o ódio lhe borbulhara nas veias, fez um sutil movimento com o dedo polegar e rasgou a jugular do chinês, jogando-o em seguida no solo. O homem caiu em estertores, já que Sesshoumaru aproveitara para instilar veneno no corte. Dolorosamente, o soldado morrera ali.

Então, Sesshoumaru finalmente se aproximou do irmão, rígido no chão com o evidente furo nas costas. Mesmo com a mão já no cabo da Tenseiga, foi impossível a ele não sentir dor ao ver a morte estampada nos olhos arregalados de Inuyasha, que parecia surpreso, agarrado ao menininho que tinha uma expressão de dor.

— Conviver com você me fez amolecer, Inuyasha — resmungou o outro, olhando para todos os lados, piscando, tentando afastar uma estranha necessidade de chorar pelo caçula. Os mensageiros do submundo estavam ali, desaparecendo no mesmo instante em que ele brandira a espada. O garotinho tossiu, recomeçando a chorar, e o hanyou deu um estremeção. Só então Sesshoumaru se deu conta de que estivera tenso a ponto de sentir dormência nos ombros. Deu as costas a Inuyasha, que se sentou confuso, ainda abraçado à criança chorosa.

— Hum? Sesshoumaru...? O que aconteceu? Ei, pirralho, não precisa chorar, eu estou aqui...

Ao ouvir aquele “eu estou aqui”, Sesshoumaru teve um aperto cruel no peito.

Seu irmão estava ali, depois de morto por breves instantes.

Mas... E se algo acontecesse a ele de novo?!

— Inuyasha, vamos sair daqui! — exclamou ele, de mau humor.

— Hã? Ah, sim, vamos... — respondeu o hanyou, estranhando o irmão, que se recusava a olhá-lo. — É até bom, assim eu posso deixar esse pivete em um local mais seguro.

— Segure-o então!

Antes que Inuyasha pudesse falar qualquer outra coisa, foi agarrado pela cintura, mal tendo tempo de segurar o pequeno no colo. Deduziu erroneamente que o cheiro de lágrimas que sentia vinha da criança. O youkai branco voava quase que na velocidade da luz; na face pálida, marcas úmidas provocadas pela extrema angústia de minutos atrás.

Ele nunca contou a Inuyasha sobre o tiro de fuzil, preferindo dizer a ele que a marca de tiro em seu quimono era, na verdade, um rasgão sofrido na queda durante seu “desmaio”.

 

*

 

Sendo medicado dentro da unidade coronariana, Inuyasha fechou os olhos e sentiu a dor se esvaindo lentamente; a enfermeira estava próxima à janela, anotando em um prontuário os sintomas que ele apresentava e preparava os eletrodos para lhe fazer um eletrocardiograma. O cardiologista ia entrando no quarto onde ele estava, mas foi interpelado por um técnico do hospital, parando de costas para a porta. O hanyou o encarava, curioso. O médico tinha uma familiar voz grave e cabelos pretos presos num pequeno rabo de cavalo, além de argolinhas de ouro nas orelhas e uma espécie de luva roxa na mão direita. Ao se virar para dentro do quarto, Inuyasha deu um grito ao ver os olhos azuis escuros e uma franja repicada, no rosto que ele acreditava nunca mais rever.

— MIROKU!

O rapaz olhou confuso para o hanyou nervoso:

— Está se referindo a mim, Kishimoto-san?

— Miroku! MIROKU! É você! — gritou Inuyasha, já pulando do leito e sendo impedido pela enfermeira de ir até o clínico. O hanyou deu outro grito ao olhar a franja reta e os olhos castanhos da enfermeira, que usava um rabo de cavalo alto nos cabelos muito lisos.

— SANGO! Céus! Eu NÃO ACREDITO!

— O senhor está confuso, meu amigo, que tal se sentar? — sugeriu o rapaz, sereno, enquanto levava o hanyou de volta para o leito.

— Ele parecia são quando lhe dei o nitrato, Kinnosuke — sussurrou a moça.

— Ei! Eu ESTOU são, Sango! — esbravejou ele, apontando o dedo para ela, que parecia muito confusa também. — Bom, o importante é que vocês estão bem. Miroku, maldito, vê se pensa bem antes de ir atrás de youkais. Não quero que morra envenenado de novo. Sabe o quanto essa mulher sofreu depois que você se foi? E suas crianças? E... nós? — concluiu ele, sem querer pronunciar o nome da esposa.

O cardiologista e a enfermeira se entreolharam.

— Miroku, que luva estranha é essa?

— Hã... Ah, isso? — sorriu o médico, olhando para a mão direita. — É uma órtese de punho, Kishimoto-san.

— Não seja palhaço, você nunca me chamou assim antes! — retrucou o hanyou.

— Não? Como eu lhe chamava, então? — indagou o rapaz, tentando entrar na imaginação daquele paciente exótico.

— Ué! Você me chamava pelo nome, imbecil! Você sempre me chamou de Inuyasha! E você, também, Sango! — disse ele.

— Não seria bom chamar Aihara, Kinnosuke? — perguntou a enfermeira, meio assustada, e sendo interrompida por Inuyasha.

— Espera aí, Sango. Me conte primeiro por onde anda o Kohaku, ele sumiu. Tem notícias dele? E suas meninas? — e o hanyou olhou para a inscrição no bolso do jaleco da jovem que ele julgava ser a melhor amiga de Kagome. — Que nome é esse... Christine Robbins?

— É que não coube o nome dela completo aí, meu amigo Inuyasha — respondeu o cardiologista, calmo, procurando acalmar os ânimos. — Como não coube o meu. Aqui tem apenas uma parte do meu nome, Kinnosuke Ikezawa. Mas vamos chamar outra pessoa aqui para conversar com o senh... Com você.

A enfermeira correu para fora, atrás da psiquiatra.

— Olha, Miroku, estou surpreso ao ver que você está vivo de novo e virou um médico. Mas quero ir embora daqui, Sesshoumaru deve estar me esperando. Você sabe o que me fez passar mal? Fiz um ecocardiograma alguns meses atrás e o médico disse que eu estava com insuficiência cardíaca...

A lucidez deve estar voltando, pensou o médico, enquanto explicava pacientemente que ohanyou tivera um infarto agudo do miocárdio que, possivelmente, havia começado no fim da tarde do dia 24. Ele também estava com a glicemia bem alta, assim como a pressão arterial sistólica não normalizava. Possivelmente, parte do músculo cardíaco já estava morto.

O estado de Inuyasha era grave, apesar de ele ter boa resistência; se fosse outra pessoa, já teria ido a óbito.

— Você é um guerreiro, sabia? — afirmou o jovem Kinnosuke, dando um tapinha no ombro do triste Inuyasha, que não esperava estar tão debilitado.

Enquanto isso, os ouvidos apurados de Sesshoumaru, escondidos sob a touca, escutaram parte do diálogo travado no segundo andar do hospital. Levantou-se e saiu pela porta principal, voando orientado pelo som da voz do irmão. Esperou o casal sair do quarto e o invadiu pela janela. Inuyasha pulou sentado sobre o leito.

— Sesshoumaru! — exclamou ele, agitado. — Seu doido, o que veio fazer aqui?

— Que pergunta imbecil, retardado. Como você está agora? — perguntou o youkai, preocupado com o caçula.

— Me deram um tal de nitrato e a dor melhorou, mas acho que...

Nesse momento, três pessoas entraram na unidade: o cardiologista, a enfermeira e a psiquiatra que estava de plantão naquela noite.

— Ei, senhor, é proibida a entrada aqui — ia dizendo esta última a Sesshoumaru, quando Inuyasha começou a berrar, desesperado, enquanto sentia as dores voltarem.

A mulher que entrara no quarto com um jaleco escrito Kotoko Aihara no bolso tinha o rosto e os olhos de alguém que estivera presente no coração e nas lembranças do hanyou nos últimos 600 anos.

— Kagome, você voltou também... MINHA KAGOME! KAGOME!

— Inuyasha, se controle, droga! — exclamou Sesshoumaru, segurando-o pelos braços com firmeza. — Aquela ali não é Kagome. Ela é uma médica que EM NADA lembra Kagome, estúpido!

— Senhor, a entrada é proibida para acompanhantes — arriscou a mulher, que tinha brilhantes olhos azuis, cabelos presos num coque displicente e voz aguda e melodiosa. Inuyasha começou a chorar, ao passo que Sesshoumaru olhou irritado para ela.

— O que vocês fizeram para deixá-lo assim? — rosnou ele, com postura intimidadora.

— Senhor, nós não fizemos nada... Apenas entramos aqui e ele parece estar nos confundindo com outras pessoas — objetou o doutor Kinnosuke.

— NÃO ESTOU CONFUNDINDO NINGUÉM, MIROKU! — bradou o hanyou, visivelmente descontrolado. — ACHAM QUE EU NÃO SERIA CAPAZ DE RECONHECER MEUS MELHORES AMIGOS E MINHA ESPOSA?!

— Inuyasha, ela NÃO é a Kagome — repetiu Sesshoumaru, já preocupado ao ouvir os batimentos irregulares do hanyou e irritado com os três apalermados que pareciam ter perdido momentaneamente a capacidade de resolver impasses como aquele. Contudo, o youkai branco foi afastado do caminho com um empurrão, enquanto Inuyasha se atirava à psiquiatra, soluçando e acariciando seus cabelos com ternura.

— M-meu amor... Quanta... Quanta saudade... A minha vida acabou depois que você se foi... Oh, meu peito... Doendo de novo! Não me deixe nunca mais... Por favor! — gemeu ele, apertando Kotoko nos braços. Ela, bastante nervosa, gaguejou:

— C-calma, calma... Inuyasha. Eu preciso q-que você se acalme — e afastou-se com cautela dele, que a olhava com veneração. — Vamos nos sentar juntos ali na maca e eu vou te dar um remédio para a dor, certo? Mas eu preciso da sua colaboração.

A mão dele agarrou a dela, enquanto era conduzido de volta ao leito.

— Mas, amor... Pra que você quer que eu faça um Meidō...?

— Hã? — piscou a médica, confusa, enquanto Sesshoumaru ia novamente até ele, nervoso.

— Inuyasha! Você está delirando!

— Você deve estar surdo, idiota! Ela acabou de dizer que eu devo usar Meidō Zangetsuha! E... Aaaah, de novo... — gemeu Inuyasha, com a mão sobre o peito, enquanto Christine, a enfermeira, lhe aplicava amiodarona na veia.

— Senhor, não é permitida a permanência de acompanhantes... — insistiu a psiquiatra com o inuyoukai mais velho.

— Eu não sou surdo, doutora! E não vou sair daqui! Você e esses incompetentes estão deixando Inuyasha pior — vociferou Sesshoumaru.

— Não fale assim com Kagome! — zangou o hanyou.

— Kinnosuke, preciso de mais uma agulha — afirmou a enfermeira.

— Byakuya? Onde? Cadê ele, Sango? — agitou-se o hanyou mais uma vez.

Para a consternação de Sesshoumaru, além do fato de Inuyasha estar confundindo os médicos com Miroku, Sango e Kagome, ele parecia ouvi-los dizer coisas como “Meidō”, “Tessaiga” e “Byakuya”.

Quando viram que Inuyasha, a despeito de sua confusão mental, se acalmava perto de Sesshoumaru, resolveram deixá-los juntos por alguns minutos antes de realizarem o eletro e a possível angioplastia para desobstruir a artéria do hanyou. Saíram, deixando os irmãos a sós, depois de um milhão de recomendações.

Os olhos âmbares se encontraram. Ambos continuavam incógnitos como youkais, por causa das touquinhas de lã.

— Sesshoumaru, eu não quero fazer cirurgia.

— Mas é importante, seu cabeçudo. Seu coração precisa disso.

— Mas... Eu fico muito mais nervoso aqui com esses médicos... — murmurou ele, encolhido. — Eu juro que vi o Miroku, a Sango e a minha Kagome aqui, Sesshoumaru. São idênticos...

— A medicação deve ter feito você tê-los visto, é isso — afirmou o youkai branco, sendo surpreendido pela mão de Inuyasha, que pegou-lhe o braço.

— Me tire daqui, Sesshou-kun...

— Eu bem que poderia deixá-lo aqui sozinho só por causa desse apelido gay que você me deu — retrucou ele, estreitando os olhos.

— Por favor, por favor! A gente sai desse hospital um pouco e depois você me traz de novo.

— Mas para onde você quer ir?

— Quero ver a Goshinboku no antigo Templo Higurashi. Tenho saudades dela.

— A essas alturas já devem ter cortado a Goshinboku... — aparteou Sesshoumaru, cético.

— Não sei se cortaram, mas... Eu preciso ir até aquele lugar!

— Por que isso agora?

— Eu não sei! — exclamou Inuyasha, cujos olhos se enchiam de lágrimas de novo. — Só sei que preciso... Por favor!

A coisa estava séria; Inuyasha não era dado a prantos. Sesshoumaru acabou cedendo, a contragosto, e segurou na mão do caçula. Súbito, os corpos de ambos reluziram: o quimono vermelho de pele de rato-de-fogo voltava a vestir seu dono, ao passo que a veste nobre branca, a armadura e a estola voltavam a cobrir Sesshoumaru.

Tessaiga e Bakusaiga também estavam de volta.

— O que foi isso?! — perguntou o youkai, surpreso.

— É que eu desfiz aquele encantamento que nos permitia ficarmos como humanos — disse o hanyou, coçando a cabeça. Sua pele tinha um aspecto mais sadio no momento. — Ele também me consumia.

— Então você está melhor?!

— Na verdade, não, o coração continuava enorme e inchado aqui dentro... Só que agora estou mais resistente às dores. Você pode me levar lá agora?

O youkai branco deu um tapa na cabeça do irmão antes de passar o braço por suas costelas.

— Você é uma péssima influência para este Sesshoumaru, seu otário. Acho que nunca fiz tantas idiotices como nos últimos anos por sua causa.

— Você é idiota porque quer! — rebateu o hanyou, dando um sorriso sarcástico.

— Sou um idiota por amar um inútil como você, que só serve pra me dar trabalho e preocupações.

A resposta de Sesshoumaru deixou o caçula sem palavras. O youki de ambos se manifestava, provocando um breve torvelinho no quarto da unidade coronariana; os três funcionários que estiveram ali anteriormente, atraídos pelo barulho, se precipitaram para dentro do quarto, ainda vislumbrando os dois irmãos se jogarem da janela e planarem pelo céu. A balbúrdia foi geral.

Uma última olhada para trás e Inuyasha ouviu claramente a voz de Kagome, que na verdade era a doutora Kotoko Aihara, dizendo “Meidō”.

A medicação deve estar embaraçando meus sentidos, pensou ele. Primeiro Sesshoumaru diz que me ama, depois aquela médica que parece Kagome me diz Meidō... Eu, hein?

 

*

 

Sentados no alto de uma colina, os dois irmãos agora observavam o nascer do sol. Inuyasha sentia as dores cada vez mais fortes, mas as ignorava, mentindo para o mais velho.

— Promete que vai se esforçar pra concluir o curso? Medicina é difícil.

— Você duvida da minha inteligência? — rebateu Sesshoumaru, meio ofendido.

— Keh! Não é nada disso — tosse. — Só que é tempo demais estudando. Haja dedicação!

— Humpf! Pois você vai ver. Eu, Sesshoumaru, terminarei o curso com as melhores notas da Okayama Daigaku e você, do jeito que é escandaloso, vai ficar gritando meu nome durante a cerimônia de colação de grau...

O hanyou deu um pequeno e misterioso sorriso. Aproximou-se do mais velho, recostando-se ao seu ombro, sendo olhado com estranheza por este.

— Sai fora.

— Eu tô cansado...

— Meu ombro não é travesseiro.

— Deixa de ser chato, Sesshoumaru! É só um pouco!

O youkai, sem imaginar que Inuyasha estava piorando, revirou os olhos.

— Tá, tá! Encoste! Mas sem gracinhas!

A cabeça com orelhas de cachorro se recostou no ombro esquerdo de Sesshoumaru. Ambos fizeram um breve silêncio. As dores se alastravam pelos braços e até o queixo do hanyou, que disse, baixinho:

— Você se lembra da primeira música que eu aprendi a tocar?

— Lembro, claro. “When you're down and troubled and you need a helping hand, and nothing, nothing is going right…” (Quando você estiver deprimido e confuso e precisar de uma mão, e nada, nada estiver dando certo) — cantarolou o youkai branco, olhando as nuvens coloridas da aurora. — Eu adorava ouvi-la no rádio, quando estava me preparando para sair.

— Foi por causa dela que você se animou a me dar o Folk Takamine — sorriu Inuyasha.

Dar, uma ova. Eu emprestei o dinheiro pra você.

— E eu te paguei, ué.

— Me pagou quando o vendeu, três anos depois, seu trambiqueiro... — afirmou Sesshoumaru, olhando de soslaio para o caçula, que ria. Acabou rindo também. Inuyasha, entretanto, continuou a cantar a canção a partir da frase em que Sesshoumaru interrompera. Logo os dois cantavam You’ve Got a Friend.

Close your eyes and think of me and soon I will be there to brighten up even your darkest night (Feche seus olhos e pense em mim, e logo eu estarei lá para iluminar até mesmo suas noites mais sombrias).

Uma dor surda se instalou no lado esquerdo do tórax de Inuyasha que, teimosamente, continuou a cantar. Sesshoumaru ouviu certa desordem em seus batimentos, mas, como a arritmia era costumeira, não atinou para o que estava acontecendo.

You just call out my name and you know wherever I am, I'll come running to see you again. Winter, spring, summer or fall, all you've got to do is call, and I'll be there... (Apenas chame meu nome e você sabe, onde quer que eu esteja eu virei correndo para te ver de novo. Inverno, primavera, verão ou outono, tudo o que você tem de fazer é chamar e eu estarei lá).

— S-Sesshoumaru, vou descansar. Pode continuar cantando...? — pediu Inuyasha, cansado.

— Ah, claro. You’ve got a friend (você tem um amigo)...

 

Ain't it good to know that you've got a friend? (Ei, não é bom saber que você tem um amigo?)

When people can be so cold (As pessoas podem ser tão frias)

They'll hurt you, and desert you (Elas te magoarão e te abandonarão)

And take your soul if you let them (E então elas tomarão sua alma, se você permitir)

Oh yeah, but don't you let them (Oh, sim, mas não permita)

 

— Ei, S-Sesshoumaru, espera. Eu m-me lembrei de uma coisa...

— Você está bem mesmo, Inuyasha? Você está tremendo.

— Keh! Claro... Só estou c-cansado. Tenho duas coisas a dizer...

— O quê?

— Eu também te amo, Sesshou-kun... — riu.

— Idiota...

— É sério... — respondeu ele, sendo surpreendido pelo abraço apertado que recebia do mais velho. — Aaaargh... Essa armadura incomoda — gemeu ele, disfarçando a imensa dor que estava sentindo.

Naquela forma original de hanyou, era possível a Inuyasha ocultar melhor sua verdadeira situação. Contudo, o coração dele batia descompassado, sôfrego, enquanto as artérias se rompiam por dentro do órgão.

Era o segundo infarto.

— Pois você é um retardado, sabe? Mas nem sei o que seria de mim se não fosse você nesses últimos séculos — comentou Sesshoumaru, sendo tomado de uma estranha comoção. Ainda dentro do abraço, Inuyasha murmurou:

M-M-Meidō Z-Zangets... — a cabeça pendeu.

— O que, Inuy-INUYASHA! — gritou o youkai, ao sentir o corpo do caçula caindo sobre o seu.

Inuyasha acabara de morrer.

 

If the sky above you (Se o céu acima de você)

Should grow dark and full of clouds (Tornar-se escuro e cheio de nuvens)

And that old north wind should begin to blow (E aquele antigo vento norte começar a soprar)

Keep your head together (Mantenha sua cabeça em ordem)

And call my name out loud, yeah (e chame meu nome em voz alta)

Soon I'll be knocking upon your door (E logo eu estarei batendo na sua porta)

 

— Como você pôde fazer isso comigo, seu... Seu desgraçado?!

Enfurecido e louco de dor, Sesshoumaru acertou um tapa no rosto do irmão antes de abraçá-lo, chorando alto, machucado por dentro. O hanyou ainda estava com os olhos abertos; o youkai, porém, sabia que seu irmão caçula jamais o poderia ver novamente.

— Eu não posso te trazer de volta! — gritou ele.

O som da voz de Inuyasha cantando aquela canção ainda parecia reverberar no ar. A sensação de agonia dentro da alma de Sesshoumaru era tão desagradável como se fosse seu próprio coração a arrebentar.

Era tão aterrorizante se deparar com a morte do indivíduo que ele tanto amou, depois de passar a metade da vida odiando.

Sangue do seu sangue — seu irmão.

Tão criança e tão adulto ao mesmo tempo. Passional, impulsivo e nada ponderado.

O youkai abraçou Inuyasha após fechar-lhe devagar os olhos. Suas escleras avermelhadas de lágrimas, sua boca seca.

Terrivelmente atordoado de dor.

— Maldito Inuyasha! Diga que isso tudo não passa de uma brincadeira! — soluçou ele, puxando uma das orelhas de cachorro do irmão, que eram bastante sensíveis.

Em vão.

 

You just call out my name (Apenas chame meu nome)

And you know wherever I am (E você sabe, onde quer que eu esteja)

I'll come running to see you again (Eu irei correndo para te ver novamente)

Winter, spring, summer, or fall (Inverno, primavera, verão ou outono)

All you got to do is call (Tudo o que você tem que fazer é chamar)

And I'll be there (E eu estarei lá)

You've got a friend (Você tem um amigo)

 

— C-certo... Eu já entendi — disse Sesshoumaru, tentando engolir o choro. — Meidō, não é? Você quer que eu vá com você para o mundo dos mortos, não é verdade? Mas a Tessaiga é apenas sua... Não posso tocá-la...

Passou a mão pela franja, fungando. Ergueu-se de onde estava sentado, levantando o irmão com um braço. Sesshoumaru agora olhava para o sol, que nascia majestoso, abraçado fortemente a Inuyasha, que ainda estava quente.

Então, percebeu que, mesmo morto, o hanyou estava com a mão sobre o cabo da espada. A mão grande de Sesshoumaru cobriu a dele, puxando devagar a Tessaiga, que vibrou uma vez, da bainha.

— Não vale a pena viver nesse mundo sem você, hanyou estúpido... Otōto! — bradou ele, enquanto os cabelos prateados e a estola voavam pela força de um youki fortíssimo que rodeou seu corpo. Seus olhos ficaram cor de sangue, sem que ele se desse conta disso.

Sesshoumaru não reparou que os caninos do caçula cresceram e que as marcas youkais púrpura surgiram em seu rosto.

— Vamos, Inuyasha. Este Sesshoumaru também quer descansar.

As mãos se ergueram com a Tessaiga. Um espetáculo de luzes místicas rodeou os dois irmãos, e, trêmulo, com a voz já não tão humana, o youkai exclamou:

Meidō Zangetsuha!

Uma esfera gigantesca que refletia galáxias inteiras se fez surgir na frente deles. Sem hesitar, e com a força youkai ativa em cada célula do corpo, Sesshoumaru se atirou com Inuyasha lá dentro, se permitindo ser engolido pelas ondas lunares das trevas.

Flutuaram por longos minutos naquele espaço silencioso e, então, o youkai branco ouviu, surpreso, um rosnado. Inuyasha abriu os olhos, igualmente vermelhos com íris azuladas, agarrando o braço do mais velho, que lhe respondeu com outro rosnado.

— Vamos, Sesshoumaru.

— Para onde? — perguntou o outro, cujos dentes já estavam enormes e a pele já se encontrava quase alva.

— Você sabe — sorriu Inuyasha, observando satisfeito a transformação total do irmão, que baixou a cabeça para que o hanyou pudesse escalá-la e montar em seu pescoço.

O enorme cão branco correu pela imensidão do submundo, com o caçula agarrado a seus pelos macios, gritando com ódio:

— Byakuya! Seu desgraçado! Você vai nos pagar por isso! MALDITO BYAKUYA!

 

*


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Notas finais do capítulo

You've Got a Friend - McFly --> https://www.youtube.com/watch?v=LrIboqSqBAc

Inuyasha e Sesshoumaru estão vivos ou mortos? A resposta ééé...
LEIA O PRÓXIMO E ÚLTIMO CAPÍTULO!

Beijos!

~Okaasan



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