Desde o princípio escrita por Ckyll


Capítulo 6
Capítulo 6




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Dizem que a paixão chega de mansinho, como o sono, e quando se vê, não há como evitar.

 Nos dias seguintes os encontros entre Atena e Poseidon continuaram, noite após noite, sempre após o jantar, por ela já não ter desculpas para fugir das refeições sem levantar suspeitas do pai. Sentia como uma adolescente travessa que fugia para encontrar o amado, as únicas diferenças eram que ela não era uma adolescente, e Poseidon não era seu amor.

Um bom amigo, era dessa forma que ela o enxergava. Alguém cuja a mente imprevisível por vezes parecia entrar em sintonia com a dela, fazendo com que a deusa da sabedoria não se sentisse tão perdida em meio ao resto. Como é reconfortante a sensação de ser compreendida, o quão bom era contar ao deus dos mares todas suas teorias e ao invés de risos e comentários sobre como aquilo era loucura, receber sugestões e real interesse.

 O bosque se tornou refúgio deles, embora algumas vezes tivessem permanecido na biblioteca, enquanto Atena se ocupava com a encadernação dos pergaminhos, e Poseidon a auxiliava em tal tarefa. Era fantástica a percepção que ele, com mãos tão grandes, fosse tão ágil e cuidadoso, executando com perfeição qualquer coisa que fazia.  Ela passara a entender mais o deus, e a admirar mais, seguindo firme com sua ideia de fazer seu próprio julgamento sobre ele e não se deixar levar pelas histórias.

Pouco a pouco as versões que ouvira foram contadas por ele, aparentemente o senhor dos mares mais se metia em confusão do que criava, mas isso não o livrava da fama de desordeiro. Pelo Olimpo a aproximação de duas deidades tão diferentes geraram cochichos, que não tardaram a chegar aos ouvidos de Zeus.

Naquela noite, antes que Atena pudesse se esgueirar do palácio, o senhor dos céus a esperava na saída. De braços cruzados e semblante fechado, trazia o mesmo ar cansado das últimas semanas, desde que ela nascera e Hera se recusava a falar com ele. Aparentemente a deusa via Atena como fruto de mais uma traição do pai, e não de seu primeiro casamento, o que era culpa do próprio Zeus.

― Posso saber para onde a mocinha vai tão sorrateira? ― ali estava, apesar da pose emburrada, o tom carinhoso que ele lhe dirigia desde o primeiro momento.

― Apenas me refugiar na biblioteca, Apolo escreveu belas poesias, quero desfrutar dessa leitura antes de descansar. ― não era de todo mentira, o deus-sol tinha lhe entregado várias poesias naquela tarde, Atena o incentivava a escrever, ao invés de apenas declamar para todos a seu redor.

― Tem certeza? Nenhum passeio pelos bosques? ― Zeus arqueou a sobrancelha escura, os olhos azuis analisando minunciosamente a expressão dela, não era nenhum tolo.

― Bosques? Refere-se ao bosque de Perséfone? Hoje não. Gosto das flores que crescem lá, e do perfume. ― aquele dar de ombros não revelava nada do que se passava em sua mente. Sabia que tudo o que ele tinha eram suspeitas, coisas que ouvira ali e aqui, se uma das ninfas daquele bosque contassem a Zeus sobre seus encontros com o deus dos mares, ela teria bastante coisa para explicar. ― Não se preocupe, prometo não me demorar.

Antes que ele pudesse falar algo, Atena saiu, e correndo pelas ruas do Olimpo, adentrou no prédio onde haviam instalado a biblioteca. Por alguns momentos ela apenas permaneceu ali, sentada em uma das grandes mesas, até sentir-se segura para tentar o teleporte que os deuses costumavam usar para se locomover. Há dias Ares vinha tentando convencê-la de que aquela era, sem dúvidas, a forma mais rápida e segura de uma deidade viajar longas ou curtas distâncias.

Por fim desistiu da ideia, o que os outros faziam com tamanha facilidade a apavorava, Atena detestava dar um passo em direção ao desconhecido. Minutos depois uma ave saiu pela janela da biblioteca, e uma coruja de penas acinzentadas voou sobre a cidade dos deuses. Encontrou o senhor dos mares andando em círculos pela pequena campina no centro do bosque, e enquanto voltava a sua forma, sorriu travessa antes de se aproximar.

― Esperando por mim?

Ele parou, virando-se em direção a deusa da sabedoria, e caminhou em sua direção. O abraço a pegou de surpresa por alguns instantes, então ela se deixou envolver, aninhando-se ao corpo grande que ela aprendera a conhecer. Aquele tipo de intimidade não era novidade entre eles, Atena aprendera que Poseidon era uma pessoa tátil, ele precisava tocar, e ela gostava daquilo.

― Você está terrivelmente atrasada.

― Eu sei, Zeus decidiu me interceptar para uma conversa. ― contou, e detestou quando o deus se afastou para encara-la, tinha aquele olhar desconfiado que era predominante quando o assunto era Zeus.

― E sobre o que ele queria conversar? ― Poseidon a puxou para o canto da campina, para a árvore onde eles costumavam ficar. Ele sentou primeiro, e Atena se aninhou a seu lado.

― Sobre minhas fugas para a campina, deve suspeitar que estou em um romance secreto.

Rir foi inevitável, pois a ideia era absurda, mas seria mais fácil para Zeus aceitar aquilo do que a amizade entre ela e o senhor dos mares. Poseidon, por sua vez, permaneceu em silêncio, coisa atípica dele, o que fez a deusa encara-lo com preocupação.

― O que há, Poseidon? Ainda problemas com o reino?

― Se apenas meu reino estivesse bagunçado, minha vida seria bem mais simples. ― ele murmurou, e Atena sabia que não explicaria, ainda não se acostumara com as mudanças de humor do deus.

Por um longo tempo permaneceram em silêncio, aninhada contra o corpo do deus, sentia que algo o perturbava, mas não sabia como fazê-lo falar. Eles tinham passado cada noite desde aquele baile juntos, Atena acreditava conhece-lo como a palma da própria mão, então ele se fechava, e ela sentia que ficava para trás.

― Já imaginou se estivéssemos em um romance secreto? ― a pergunta dele a fez virar para encara-lo, nunca antes tinha cogitado a possibilidade, depois de tantas histórias que ouvira do próprio deus, decidira que ela nunca faria o tipo dele ― Acho que não.

― Não, eu nunca imaginei. Quero dizer... ― franziu o cenho, sem saber como completar aquelas palavras. ― Você já?

Poseidon apenas sorriu, daquele jeito que dizia que estava guardando um segredo e pretendia deixa-la acordada a noite toda pensando naquilo.

― Algumas vezes, talvez. ― deu de ombros, e aquilo fez, por algum motivo, a deusa corar. Indecisa sobre os próprios pensamentos, mordiscou o lábio inferior. ― Você é linda, ainda mais quando não sabe o que dizer.

Atena rolou os olhos, e considerou que tudo aquilo fosse uma brincadeira do deus dos mares, até ele se inclinar mais em sua direção. Com a respiração presa na garganta, era perto demais, mesmo com toda a intimidade que eles tinham conquistado até ali. Sentiu-se ligeiramente intimidade pelo tamanho dele, e subitamente consciente de cada parte onde seus corpos se tocavam.

Sem qualquer aviso Poseidon tomou os lábios dela com os seus, e ao invés de afastar o deus, Atena o puxou para mais perto enquanto o beijava. Aquele momento, tão novo e cheio de incertezas, foi estranhamente natural. Não se sentiu pressionada, descobriu ali seu próprio desejo, e quando se afastava, lentamente, queria parar o tempo naquele momento.

Abriu os olhos, encontrando nas íris verdes que a fitavam um pouco de insegurança, o que ele esperava? Que ela gritasse? Que fugisse? Não havia nada que pudesse dizer, ou que quisesse. Apenas sorriu, voltando a se aninhar ao corpo do deus dos mares, num longo momento de silêncio.

 ― Acho que estamos num romance. ― murmurou, e aquilo era como constatar o óbvio, algo que ela talvez se negara a ver. Estivera tão ocupada ouvindo as histórias e buscando fazer seu próprio julgamento, que não percebera o que se formava entre os dois. Poseidon sorriu, nenhum pouco como o deus conquistador, e mais como o deus que ela conhecia.

― Zeus vai enlouquecer quando souber. ― ele comentou, e havia certa diversão em sua voz, com certeza já prevendo o irmão furioso. Atena, por sua vez, sentiu uma crescente ansiedade, depois de todos os avisos que seu pai havia lhe dado, se soubesse que ela vinha mentindo para ele... ― Não precisa ser agora.

Era como se ele lesse sua mente, e a deusa apenas assentiu, pensando numa boa forma de preparar o terreno para contar ao pai que estava em um... romance? O que significava um romance para Poseidon? Mais um de seus casos. Atena se afastou para encara-lo.

― Se vamos fazer isso. ― indicou os dois, e o deus arqueou a sobrancelha em resposta. Decidiu que era melhor escolher bem as palavras para a frase seguinte. ― Será apenas entre nós, certo? Sem mais nenhuma outra pessoa.

― Quer dizer, sem uma amante? ― Poseidon riu, e balançou a cabeça enquanto a deusa corava. Levou a mão dela a seus lábios, tão pequena e delicada, como a própria Atena, mas era só provocar para que aquela aparente fragilidade se transformasse em força. ― Será apenas nós, Atena. Somente eu e você, sempre.

Ela acreditou naquilo, como acreditaria em qualquer coisa que ele viesse a dizer, porque confiava nele. Voltou a se encostar ao corpo do deus dos mares, acomodando-se de forma mais próxima e intima do que antes, e ouvindo junto aos sussurros da ninfa que vagavam não tão longe dali, as batidas do coração dele, que pareciam sincronizadas com as suas.

A noite passou, na calmaria dos beijos de Poseidon, Atena achou que o amanhecer veio rápido demais. Com um sorriso bobo voltou ao palácio de Zeus, e nas horas seguintes rolou pela cama, incapaz de dormir. Sempre que fechava os olhos pensava sentir o calor dos lábios de Poseidon contra sua pele, concentrando-se um pouquinho quase podia ouvi-lo sussurrar seu nome, naquela entonação que somente ele fazia. Parecia cedo demais quando ela teve que se juntar ao pai e a madrasta para o café da manhã, o senhor dos céus tinha uma expressão mais tranquila e sorriu quando Hera se colocou a seu lado, parecendo menos agressiva e ameaçadora, e cumprimentou a enteada pela primeira vez com o mínimo de simpatia.

Atena suspirou silenciosamente, trégua afinal.

Passou o dia a percorrer os templos dos deuses, ao tempo em que o seu estava em construção, desenhado por ela mesma, outro talento que viera a descobrir. Estava distraída, mal ouvia o que os outros deuses lhe diziam, e por isso foi com certo esforço que uma moça lhe conquistou atenção.

― Meu nome é Medusa. ― ela contou, era bela e tinha um sorriso que era pura malícia, embora tentasse disfarçar. ― Gostaria de saber se precisa de uma sacerdotisa.


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