Perturba-me escrita por Laila Gouveia


Capítulo 20
Desencontroencontro.com


Notas iniciais do capítulo

Este capitulo é totalmente dedicado a minha amada DESPERCEBIDA.
Flor do meu jardim, eu queria agradecer imensamente por esta linda recomendação.
Obrigada, Obrigada, Obrigada.
A felicidade que eu esbanjo quando sou reconhecida, ou quando uma de vocês me elogia é daqui até a lua. Mas... saber que você, sim VOCÊ, admira minha escrita e toda essa história que venho desenvolvendo, é demais para meu coração. Não tenho outras palavras para expressar minha gratidão.
Minha vontade de continuar escrevendo recebeu um gás proporcional a uma volta ao mundo kk Obrigada, de novo, queria poder estar ai do seu lado só pra te sufocar num abraço apertado.
^-^



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Estava de noite, enquanto caminhava voltando para casa. As luzes dos postes permaneciam apagadas, e a rua estava sendo iluminada apenas pela lua. De repente, no fim da estrada, uma figura nas sombras apareceu. Fiquei imóvel. Parecia ser um homem, ele começou a andar em minha direção, pensei em correr mas meus pés foram contra meu desejo e não se moveram. A figura do homem começou a se aproximar, forcei minha visão para enxergar quem era, e então pude vê-lo. Seu sorriso acolhedor logo invadiu meu coração, seu rosto estava igual como da ultima vez que o vi, ele usava a mesma roupa de quando saiu para trabalhar naquela manhã, o mesmo terno e a mesma gravata. Seus olhos azuis foram de encontro aos meus, minha vontade foi de abraça-lo, de beija-lo, e dizer o quanto sentia sua falta, e o quanto o amava, mas meu corpo permanecia imóvel, incluindo minha boca. Antes que ele pudesse dar mais um passo até mim, aquele mesmo vulto surgiu. Ele caiu no chão e começou a sangrar. Atrás dele, o homem da mascara de esquiador segurava uma faca ensanguentada. Forcei meus pés tentando andar, mas acabei lutando com o ar. O mascarado começou a arrastar o corpo para a escuridão, não contive a vontade de chorar, até enfim conseguir gritar:

—Pai!!!!

 

☼ ☼ ☼ ☼ ☼ ☼

Acordei ofegante, do mesmo pesadelo que assombrava meu sono desde minha alucinação no carro do Jasper. Gotas de suor escorriam por meu rosto, ao mesmo tempo em que eu pressionei meus olhos, tentando cessar as lágrimas.

Assim que minha visão ficou nítida tive que conter o grito seguinte, quando me deparei com a figura preocupada na frente da minha cama.

—Ah, meu Deus! —Por um breve momento, acreditei que meu coração fosse sair pela boca. —Você está querendo me matar de susto?

—Desculpe. —Octavia levou a mão ao peito parecendo estar assustada assim como eu.

—Como foi que você entrou?

—A janela estava aberta.

—Como você subiu até a janela? —Perguntei perplexa. Ainda tentando me recompor.

—Bem, hm... Foi fácil. —Ela mordeu os lábios achando uma maneira de responder, e eu logo percebi sua hesitação nas palavras.

—Esquece que eu te perguntei isso. Não precisa explicar. —Peguei o cobertor que estava jogado no chão, possivelmente por culpa da minha inquietação noturna. —Você não pode ficar entrando nos quartos das pessoas assim. —Repreendi.

—Eu estava escondida no seu jardim, esperando sua mãe sair. Assim que ela foi embora eu escutei seu grito. Pensei que estivesse em apuros.

—Por que você estava escondida no meu jardim esperando minha mãe sair?

—Porque eu precisava falar com você. —Ela abriu um sorriso maroto e então se jogou na minha cama, ficando por cima de mim.

—O quê? —Tentei sair, mas fui impedida por um ataque repentino de cócegas.

Ela tinha apelado para o meu ponto fraco!!!

—Sua danadinha. —A morena prendeu-me com seu corpo, e se divertia vendo minha aversão. Não consegui controlar o riso. Parecíamos duas crianças em guerra, e eu estava perdendo, obviamente. —Você e meu irmão marcaram um encontro hoje... E nem pra me avisar! —Ela enfim parou com a brincadeira. Simplesmente caindo ao meu lado, acompanhando minha gargalhada.

—Não é nada do que você está pensando. —Falei depois que recuperei o ar.

—Ah, eu estou tão feliz. —Ela apertou minhas bochechas. —Fiquei tanto tempo esperando isso acontecer.

Diferente dela, eu não estava completamente feliz. Havia passado a noite inteira pensando sobre o convite repentino, e da minha concordância automática. Enquanto observava a cortina balançar com o vento, tive uma recaída de consciência. Um arrependimento igual à vez que bebi e acordei com ressaca, - só que agora tinha sido uma ação sóbria-.

Por mais que eu ficasse dizendo pra mim mesma que não era para ter acontecido, eu tinha que admitir: não parava de pensar nisso.

—Bellamy te contou? —Perguntei.

—Eu estava trancada naquele apartamento chato quando o Bell chegou. Senti de longe o seu perfume impregnado nele.

—Não é um encontro de verdade. —Retruquei.

—Pode fingir pra si mesma. Enquanto isso eu vou lhe ajudar a se preparar pra grande noite.

—Não vai ter grande noite. —Levantei da cama, e caminhei até o banheiro. Ela correu logo atrás, e encostou-se ao batente da porta, enquanto eu analisava meu reflexo no espelho. —Seu irmão caiu na real. Ambos notamos que uma conversa civilizada é muito melhor.

—Conversa civilizada, sei... —A morena segurou o riso bobo. —Tenho certeza que se beijaram ontem.

—Você disse que eu deveria exigir respostas, e foi o que fiz.

—Não importa. —Octavia intrometeu-se no banheiro. —Só pra constar, eu fugi. De novo. E não foi pra ver você com essa cara.

Olhei para ela por alguns segundos, o suficiente para notar que ainda estava de manhã. O sol deveria ter surgido há pouco.

“Está se esquecendo de algo, sua lerda!”

—Lexa!! —Gritei.

—Pelo livro sagrado! Que susto! —Ela colocou a mão no peito novamente.

—Ruim, não é? —Lavei meu rosto de forma urgente. —Muito ruim quando as pessoas ficam dando sustos. —Continuei provocativa, misturando as palavras com a escova em minha boca.

—O que é, Lexa?

—Uma... Ah ãn... U-uma... Uma amiga. —Gaguejei.

—E por que você gritou o nome dessa A-M-I-G-A? —Ela sinalizou com os dedos as aspas na ultima palavra.

—Porque acabei de lembrar que marcamos um café hoje cedo. —Enxaguei a boca, e sai disparada vestindo a roupa do dia anterior.

—O que é café?

—Liquido escuro, gosto forte, melhor aroma da manhã. —Respondi naturalmente. Já que bastara um dia para acostumar-me com suas incompreensões humanas.

—Parece bom. —Os olhos dela seguiam meus movimentos. —Posso ir nesse café também?

—Não.

—Por quê?

—Porque... —Terminei de amarrar meu tênis, e fiquei buscando alguma desculpa capaz de impedi-la.

—Sua amiga tem medo de outras pessoas?

—Não.

—Então não vejo problemas. —A morena começou a caminhar em direção da janela, totalmente despreocupada com o fato de eu explicitamente mostrar que não queria.

—O que você está fazendo?

—Você disse que é sempre melhor eu pegar carona no seu carro. Os outros não compreenderiam minha peculiar forma de locomoção.

—Estou perguntando o que você está fazendo aí na janela?

—Descendo.

Não tive tempo de piscar. Quando vi, Octavia já havia pulado. Corri até a janela e desesperadamente pendi-me para achar seu corpo caído.

—Vem logo! Eu quero ver esse café. —Ela gritava no jardim.

Aparentemente sem consequências da queda.

◘◘◘◘

▬▬▬▬▬▬▬

Quando chegamos na praça que eu marcara, Lexa não estava. Assim como não estava na lanchonete que eu tinha em mente quando lhe convidei. Olhei para o relógio pendurado na parede do estabelecimento e os ponteiros indicavam: seis e dez.

—Com licença senhor. —Chamei atenção do homem grisalho atrás do caixa registrador.

—Posso ajudar? —Ele sorriu simpaticamente.

—Por acaso, o senhor viu uma moça por aqui? Ela é praticamente da minha altura, tem o cabelo castanho, olhos verdes.

—hmm... —Ele coçou o bigode por alguns segundos. —Sim! Ela saiu há pouco.

—Sério? Ela estava aqui por muito tempo?

—Não muito. Chegou uns minutos atrás... Quando eu perguntei se desejava algo, ela disse que estava esperando alguém. E de repente, saiu correndo.

—O senhor sabe por quê?

—Não. Ela apenas saiu apressada.

—Estranho... Mas, obrigada. —Sorri.

Fiquei sentindo-me mal por ter vacilado com Lexa outra vez. Ao mesmo tempo em que não compreendia sua ausência.

 E então, olhei para Octavia. Ela não parecia ter notado minhas perguntas ao homem. Sem perceber, o incomodo sentimento passou e eu rapidamente comecei a rir com as inesperadas atitudes da Blake.

—Olha só! —Ela apontou para uma moça que usava um chapéu extravagante. —Esquece tudo isso. Precisamos ir às compras.

Fui empurrada para algumas lojas no pequeno centro da cidade. Ela experimentava roupas, e perguntava as utilidades de algumas peças. Ficamos rodeando por todos os cantos, quando me dei conta, a tarde já estava preenchida.

“É fácil entreter-se com essa guria. É fácil demais...”.

—Será que sua amiga foi embora porque achou que você tinha esquecido? —A Blake perguntou, enquanto voltávamos para minha casa.

—Nos atrasamos dez minutos. Não chega a ser um grande atraso... —Virei o volante, e bufei imaginando se ela não teria ficado chateada comigo novamente. 

—Nunca vi você com essa Lexa. Eu só vejo você com os meninos.

—Como sabe dos meninos?

—É impossível não saber do Monty e Jasper. Vocês três são tão grudados.

Sorri exasperando todos os pensamentos inúteis e focando na afirmação dela.

—Realmente somos. —Conclui.

•••

Voltamos para meu quarto quando a luz do dia indicava um breve adeus. Tomei um banho, enquanto ela remexia no meu guarda-roupa.

Octavia estava reluzente, quando sai do banheiro enrolada em uma toalha. Ela apontou para um vestido azul escuro simples estendido na cama.

—Nunca. —Afirmei.

—É a única roupa que eu encontrei.

—Sério? —Olhei para a pilha de roupas que a morena formou no tapete.

—A única decente para um encontro. —Ela completou dando um risinho bobo.

—Não vou usar um vestido apenas para conversar com seu irmão.

—Por favooor! —Ajoelhou-se no chão. —Você vai ficar perfeita se usar este vestido.

—Esquece. Esse não! —Ignorei sua suplica, e comecei a revirar a pilha de roupas.

—Se você usar esse vestido, eu juro que nunca mais vou aparecer sem avisar.

—Não sou muito de acreditar nas promessas de vocês.

—Juro juradinho.

Encarei seus marcantes olhos verdes, que mais uma vez transbordavam fofura.

—Nunca mais, mesmo? —Tentei soar inquisitiva.

—Nunquinha. —Ela mostrou todos os dentes num sorriso exageradamente aberto. Seus olhos brilharam.

—Ok. —Exasperei.

“Certamente, a persuasão é traço dos Blakes.” A voz da consciência concluiu.

Depois que me troquei, Octavia me obrigou a sentar na cama, penteando meu cabelo.

—Meu irmão não sorria mais. —Ela havia se afastado depois de terminar meu penteado e agora me analisava. —Não até conhecer você.

—Acho que está exagerando. —Falei acanhada.

—Não mesmo. —Ela piscou orgulhosa.

—Será mesmo que eu devo ir? —Pela milésima vez questionei-me.

—Ué, você disse: sim.

—Ele me maltrata desde que pisou na sala da escola. E eu nem sei o porquê, mas sempre acabo falando com ele, mesmo odiando-o e sabendo que é melhor manter distância. —Falei devagar, como se pudesse enumerar os acontecimentos. —Acho que não é uma boa ideia, o que você acha?

—Primeiro. —Começou, conduzindo-me até o espelho que ela mesma cobrira para gerar suspense. —Você não o odeia tanto quanto pensa porque, se odiasse, o benefício da dúvida não estaria rondando essa cabecinha. —Afagou ternamente meus cabelos.

—Desculpa? Não mesmo!

—Os homens se acham os maiorais, mas se esquecem de que nós os induzimos a nossas vontades sem que desconfiem.

—Peço licença ao tribunal, mas pode me esclarecer como foi que descobriu isto? —Brinquei.

—Tive muito tempo para observar todos os humanos. —Ela tirou a toalha pendurada no espelho. —Awn você está deslumbrante. Espero que o Bell te leve ao melhor restaurante do mundo.

Observei minha figura no reflexo do espelho. Estava natural, mas com algo diferente. Talvez fosse o fato de eu nunca usar vestido, ou talvez fosse à admiração que a Blake estampara no rosto.

—Acha que ele vai me levar em um restaurante?

—Não sei... Sempre achei que este é o único lugar romântico para um primeiro encontro.

—Não é um primeiro encontro. —Insisti.

—Continue negando. Ainda assim, eu tenho certeza que meu irmão é o ser mais sortudo do mundo.

•••

Eu já havia tirado toda a preocupação da minha mente quando a campainha tocou. Desci correndo, totalmente ansiosa. Porém, hesitei antes de abrir. Um filme passou na minha cabeça, desde o dia que Bellamy irritantemente sentou ao meu lado e começou a fazer aquelas perguntas incomodativas, até o momento que nos beijamos ontem à noite no subsolo da biblioteca.

O fator de ele não ser como eu imaginei inicialmente, e o fator de eu estar presa nessa teia de revelações surreais, faziam com que -querendo ou não- ele e eu tínhamos questões mal resolvidas, que necessitavam urgentemente de um desfecho.

Girei a maçaneta, me deparando com um moreno usando suas roupas habituais, dessa vez, somente com uma jaqueta que diferenciava seu comum.

—Belas pernas. —Ele sorriu maliciosamente, encarando toda a parte que o vestido não cobria.

—Não podia ter emprestado o carro da Raven? —Apontei para a moto que estava estacionada em frente da casa.

—Gosto da minha moto. —Eu nunca sabia o que se passava na cabeça dele. O Blake nunca fora um homem fácil de ler. Sua indiferença e frieza serviam como escudo. Mas eu não precisava estar necessariamente vendo, para saber o que possivelmente se passava na mente dele naquele instante.

“Nojento, pervertido!”.

—Não sei se vou me sentir confortável nela. —Mexi na trança embutida que Octavia havia feito antes de ir embora, com o intuito de desviar do olhar insinuante dele.

—Seria uma pena se você trocasse sua roupa.

Não consegui conter, e revirei os olhos.

—Então... Vamos logo. —Fechei a porta com rapidez, e passei por ele, andando com confiança até a moto.

Bellamy entregou o capacete e eu esperei que ele sentasse para poder me acomodar atrás, o envolvendo novamente em um abraço de urso automático.

—Aonde vamos? —Perguntei curiosa, antes de fechar a viseira do capacete.

—Você vai ver. —Ligou a moto e na explosão do movimento, segurei com mais firmeza seu corpo. Torcendo pra que eu não me arrependesse dessa ideia de ‘encontro’.

•••

Saltei do assento quando estacionamos em frente a um prédio abandonado.

—É aqui? —Disse incrédula.

—Sim.

—Não vou entrar nesse lugar. —Minha razão não deixaria.

—Fica tranquila, princesa. Não vou tocar em você. —Ele falou calmamente. —Ninguém lá dentro irá tocar em você, também.

Dei um passo para trás, e ele não resistiu sua risada debochada.

—Você falou que queria começar com verdades.

—Verdades vindas de você.

—Acho que irá preferir as verdades deles. —Bellamy pegou em meu braço, e começou a me conduzir levemente para o prédio.

—Deles? Deles quem? —Passamos por alguns plásticos pendurados nas entradas, e ele puxou uma porta no chão que revelou uma escada de madeira. Seguido por um barulho de vozes e música.

—Alguns caras, que não são tão diferentes de mim. —Ele completou.

 Descendo a escada e eu fui cautelosamente atrás, sendo guiada por sua mão na minha.

O lugar que entramos parecia um sótão. O teto era baixo, mas o local se estendia em comprimento. Havia uma mesa com várias cartas de baralho espalhadas, copos e garrafas de bebida, cinzeiros e guimbas de cigarros. Um rádio trazia o som country e possuía apenas uma luminária grande no teto, com isso, parcialmente era escuro, num tom possível de enxergar os cinco homens que fumavam e bebiam sentados.

Seus olhares pararam na minha mão entrelaçada com a de Bellamy, e sequentemente todas as cinco cabeças também desceram para minhas pernas desnudas.

Senti um desejo avassalador de voltar correndo.

—É ela? —O único homem com um chapéu de cowboy pronunciou-se.  Ele levantou e com um sorriso vagaroso, caminhou até nós. —Você não contou que ela era tão agradável aos olhos. —Disse para o Blake, com um forte sotaque irlandês.

—Também não contei a ela como você é desagradável. —Devolveu Bellamy, com a boca relaxada antes de mostrar um sorriso brincalhão.

E no mesmo segundo o homem pulou sobre o moreno, e os dois caíram no chão, rolando e trocando socos.

—Meu garoto garanhão! —Continuou rindo.

Houve um som de risadas, de punhos batendo contra a carne.

Depois de um tempo, os dois levantaram, ambos com o cabelo bagunçado. Assim que se recompuseram, o sujeito estendeu a mão na minha direção.

—Meu nome é Rixon, flor.

Com relutância apertei a mão dele.

—Clarke.

—É um prazer enfim lhe conhecer. —Sorriu.

Rixon segurou em meu ombro e me conduziu até perto da mesa.

—Esse aqui é o Tyler. —Ele apontou para um rapaz de óculos.

Espera! Eu o conhecia. Era o mesmo que esteve com Raven na academia de boxe aquele dia.

—Esse é o Will. —O homem de chapéu continuou apontando, agora para um rapaz com o cabelo castanho e pele morena. —E esses dois são os Ted.

Os dois Ted que fumavam em sincronia, pareceriam irmãos, se não fosse pela diferença étnica. Um era negro e o outro branco.

—Prazer. —Falei tímida.

Os quatro homens sorriram gentilmente e o rapaz de óculos indicou uma cadeira ao seu lado. –Aparentemente ele havia se recordado de mim também-.

Acabei sentando, e esperei que Bellamy fizesse o mesmo. Ele, por sua vez, pegou um cigarro com um dos Ted, e acendeu com um isqueiro do outro Ted. Calmamente sentou também, só que do outro lado.

—Como foi que você conseguiu ser fisgada por este mala sem alça aqui? —O rapaz moreno, Will, perguntou enquanto embaralhava algumas cartas de jogo.

—Não fui fisgada. —Respondi sincera, e eles cinco caíram na risada.

—Mas o nosso amigo está totalmente fisgado por você. —Tyler falou ao meu lado.

—Não é a toa que ele lhe trouxe aqui. Nós nunca revelamos para alguém o que somos. —Will completou.

—Vocês também são? —Senti um medo percorrer.

—Não falou de nós pra ela? —Rixon questionou.

—Não tinha a intenção. —O Blake tragou o cigarro, e soltou a fumaça no amigo.

—Existem mais como vocês? —Novamente perguntei.

—Flor, pode nos chamar de anjos caídos. Não nos importamos com nomes.

Olhei para Bellamy, que parecia estar disposto a deixar que eu tirasse minhas duvidas ali mesmo. Acho que fora exatamente por isso que ele me trouxera aqui.

—Existem? —Prossegui.

—Nós cinco somos dessa cidade. Caímos aqui. —Will falou. —Mas existem outros. Muitos outros pecadores.

—O que não falta são pecadores. —Tyler riu. —O problema é que nem os anjos resistem ao seu mundo.

—Bellamy e Raven são de Portland. —Rixon continuou.

—Já soube. —Afirmei, e automaticamente lembrei-me da cidade propulsora e do dia que desencadeou tudo isso.

—Eles se mudaram pra cá, já vai fazer uns dois anos.

—Como se conheceram? Existe alguma rede social pra isso?

Novamente os cinco riram, e o Blake também não resistiu.

—Somos demônios, possuímos radar quando um de nós aparece na cidade.

—Não somos demônios, Rixon. —Tyler indagou. —Todos nós cometemos erros, perdemos nossas asas por isto. Mas não significa que nos tornamos demônios. Será que dá pra banir essa palavra do seu vocabulário?... Somos normais.

—Você é apaixonado pela megera da Reyes. Diga-me se isso é normal? —O homem de chapéu retrucou.

—Nem comecem. Já disse que não sou apaixonado por ela. —Tyler defendeu-se. —Pelo menos eu não tenho esse sotaque ridículo de irlandês, sendo que nunca foi pra lá. E pra completar, têm o pior gosto musical.

—Country é um clássico. —Rixon bravejou. —E você sabe muito bem, que eu morei na Irlanda.

—Você gosta da Irlanda, Rixon? —Perguntei com um pouco mais de intimidade.

—Eu tinha que gostar.

—Por quê? —Minha curiosidade era tamanha quando se tratava dessa nova realidade.

—Nós dois somos os únicos aqui que caímos por causa de mulher.

Olhei para Bellamy repentinamente. Sua face revelou certo incomodo.

—Quem dera se minha Irlandesa estivesse viva. Pena que vocês humanas são mortais. —Rixon olhava um ponto fixo enquanto falava, desviando para o Blake em sequência. —Eu não tenho essa coragem, amigo. Duas vezes, não.

Pensei por alguns segundos antes de perguntar o que significava ‘duas vezes não’, mas achei melhor conter minha curiosidade nesse aspecto. Eu esperava que Bellamy por si só contasse sua história.

—Creio que não foi pra isso que vocês vieram. —Tyler deduziu.

—Não vai me dizer que trouxe ela para um encontro romântico? —Will espantou-se.

—Não têm nada de romântico. —Interrompi. —Seu amigo é um mistério. E eu tive a infelicidade de cruzar meu caminho com o dele. Tocar na cicatriz não é algo que possamos fugir. —Afirmei confiante.

Os cinco sorriram em minha direção.

—Você tem os olhos discernidos, flor. —Rixon levantou-se e caminhou até perto do rádio. —Já conversou com os mortos?

Aquela pergunta fez um com que um calafrio percorresse minha espinha novamente. Fui remetida as várias vezes em que pensei estar ouvindo meu pai, ou, recebendo avisos de vozes e sussurros desconhecidos. Meus surtos recorrentes eram reflexos de alucinações e sonhos inexplicáveis.

—Não. —Respondi hesitante.

—Sentiu-se melhor em conhecer? Saber de nossa existência?

Meu psicólogo e minha mãe ditavam regras, e eu as seguia. Entretanto, não sentia vontade de tomar meus remédios desde que descobri a realidade imperfeita de Bellamy, Raven  e Octavia. Não me sentia diferente desde então. Era como se pertencer e conviver com as estranhezas deles, tornasse minha vida um tanto suportável.

—Foi ruim. Mas... Foi bom também. —Olhei de canto, perifericamente encontrando um Blake disperso em minha visão. —O problema é que eu odiei o amigo de vocês assim que o vi.

—Todos nós!! —Tyler confirmou.

—Ele é odiável. —Rixon riu, e com a maior empolgação, aumentou o volume da música no ultimo. —Nós possuímos uma convidada aqui rapazes, vamos mostrar o que temos de melhor!

Suas palavras inesperadas fizeram com que Will distribuísse cartas pela mesa, e os dois Ted colocassem copos e garrafas de uísque no centro.

Todos eles iniciaram um jogo de baralho composto por regras que possivelmente foram criadas pela mente mais maluca. Durante as horas daquela noite incomum, eu os vi beber, fumar e rir. Nesse meio tempo, esqueci qualquer desconfiança ou receio ao entrar ali, e acabei conhecendo o passado de cada um.

Ted e Ted não falavam. Eles haviam jurado silêncio eterno desde que desceram para a terra. Seus pecados, ainda eram desconhecidos.

Tyler fora anjo de missões, e acabou se encantando pela complexidade humana, até querer fazer parte dela.

Will apenas decidira que não era merecedor do céu.

Já Rixon, encontrou o amor na Irlanda. E vivera com sua amada até seus últimos dias de vida.

Inexplicavelmente, sentada naquele sótão abafado por uma música ecoante, tive a melhor sensação de comodidade em tempos. De repente nada parecia ruim, absolutamente nada.

“Até que eu gostei desses caras!”

Quando Bellamy e eu nos despedimos, tive o prazer de receber um convite vitalício para voltar. Que eu aceitei, obviamente.

Não me importei de abraça-lo na garupa da moto. Minha mente ainda estava muito leve para qualquer detalhe. Seguimos pelo caminho de volta, mas acabamos virando numa rua desconhecida. Quando percebi, estávamos pegando estrada para a cidade vizinha.

—Pra onde estamos indo agora? —Gritei na tentativa de vencer o barulho do motor.

—A noite não acabou ainda, princesa. —O Blake respondeu acelerando mais.

Estacionamos em um local deserto, com uma grande distância de um galpão térreo. Estávamos atrás, e não dava para enxergar o letreiro. Bellamy apenas saltou, e começou a andar. Eu o segui apressada.

Caminhamos em silêncio. Ambos parecíamos imersos em nossos próprios pensamentos. Admito que fiquei curiosa para saber o que se passava na cabeça dele.

—Descobriu o que queria? —Ele irrompeu o silêncio.

—Como assim?

—Raven achou melhor que eu os apresentasse, pra você.

—Eu gostei de tê-los conhecido. —Sorri pensando na naturalidade que foi estar com os cinco.

Bellamy parou, e eu repeti. Ele aproximou-se por trás do meu ouvido e com toda petulância existente, sussurrou, me causando arrepios.

—Vou ter que fechar seus olhos.

Antes mesmo que eu respondesse, ele colocou as mãos em meu rosto e cobriu minha visão. Estranhei aquele tipo de intimidade, mas não questionei. Fui conduzida com cautela, e o ouvi abrir alguma porta.

—Essa noite esta sendo a primeira vez que ficamos perto um do outro sem xingamentos, ou brigas. —Falei tentando tirar o sorriso que permanecia em minha face.

—Pode olhar. —Ele tirou suas mãos do meu rosto, e eu pisquei algumas vezes tentando me adequar à escuridão. Até perceber que de fato estávamos no breu total.

—Não estou vendo nada. —Conclui o obvio. Porém, no mesmo segundo, um leve barulho foi seguido por uma imersão de luzes no teto. Paralisei de boca aberta admirando a constelação que formara acima de nós.

—Ontem, quando lhe convidei pra um encontro, eu estava pensando neste lugar.

—Como descobriu aqui? —Perguntei submersa.

—Todos temos um lugar que é só nosso. Um segredo.

Ri pelo nariz concordando mentalmente com o que ele falou. Visualizei a lanchonete Veneno, que nunca chegou a ser um segredo, até porque existiam outros clientes, mas eu e os meninos sempre fingíamos que era nosso lugar. Jamais levaríamos alguém até lá.

—É lindo. É como se o céu estivesse perto de nós. Como se pudéssemos toca-lo. —Suspirei com os olhos umedecidos.

—Eu venho aqui sempre que sinto falta do meu ‘eu’ antigo.

Quando enfim consegui me desprender daquele vislumbre, e o analisei, Bellamy estava diferente. Ele expressava vulnerabilidade, parecido comigo.

—Quando meu pai morreu, eu queria morrer também. Todos acharam que estava ficando louca e eu concordei com isso. Não tinha mais motivos pra seguir em frente, pra ser feliz... Então comecei a desenhar vários tipos de suicídios. Eu me desenhava sendo enterrada, e reencontrando meu pai. Chegou um momento em que minhas folhas de desenhos foram ficando manchadas de sangue. Os médicos chamaram isso de surtos traumáticos. Eu cortava meus pulsos querendo sentir um dor maior, mas... Não consegui ultrapassar. Perde-lo sempre será a pior parte da minha vida.

Bellamy me olhou sem entender.

—Você me perguntou aquele primeiro dia na sala se eu tentei suicídio. —Me aproximei dele o suficiente para analisar suas orbitas negras. —Sim, eu tentei.

Aquela revelação me fez soltar o ar de alivio. Parecia que eu tinha tirado um peso de mim.

—Por que está me contando tudo isso?

—Porque não tenho mais medo de você. Porque até suas provocações não causam o mesmo efeito de antes. Porque estou sendo honesta.

—Quer que eu seja honesto? —Ele olhava fixamente para meus olhos e mudava para meus lábios.

—Aquele dia na festa, combinamos um recomeço.

—E no dia seguinte nós tivemos um recomeço em Portland.

—Um recomeço esclarecedor, tenho que dizer. —Sorri.

 “Continue, estamos conseguindo chegar ao ponto.”

—Você esta incrivelmente linda. —Ele falou.

—Gostou da trança? —Perguntei provocativa.

—Muito. —Ele avançou o pouco espaço entre nossos rostos. Pronto para selar nossos lábios.

—Foi sua irmã que fez. —Arqueei a sobrancelha com a revelação calculada.

No mesmo segundo Bellamy parou, e se afastou um pouco.

 

“Há Há Há”

—Não fique dando muita atenção pra ela. Octavia não conhece os limites.

—Ela fala de você com tanta admiração. Por que a trata assim?

—Não sou assim com ela porque quero. Octavia não devia descer aqui.

—Ela só quer estar perto de você por um tempo. Ela sente sua falta.

—Não sei por que estamos falando disso. —O Blake mexeu no cabelo demonstrando incômodo.

—Podíamos voltar pra parte de ser honesto.

—O que você quer? Eu já te contei demais. Não precisa saber tudo.

—Por quê?

—Porque a verdade nem sempre é boa. —Ele aproximou-se de mim com intensidade. —Aquele cara que quase lhe machucou no motel, era eu. Ou já se esqueceu?

—Então o que você me disse... —Minhas mãos correram pelos seus braços, sua pele morena se destacando na palidez da minha. —Ao menos sente quando lhe toco?

—Não. —Ele respondeu seco.

—Não sabe o que é sentir? —Comecei a controlar meus olhos marejados.

—Nunca soube.

—Então o que sente por mim? —A pergunta saiu de minha boca sem eu ao menos pensar.

—Desejo. —Ele respondeu rapidamente, como se já esperasse.

Trilhei o caminho de seu braço até chegar em sua mão. Minha expressão devia entregar a decepção que senti com aquela palavra. ‘Desejo’... Apenas ‘Desejo’.

—Não posso te culpar. —Sussurrei.

A respiração quente dele me fez fechar os olhos. Sabia que não poderíamos permanecer daquela forma: intocados.

Bellamy segurou minha cintura, e eu abri os olhos encontrando o imaginável teto estrelado.

—Você me roubou dois beijos. —Praticamente arfei.

—Posso devolvê-los. —O sorriso astuto e malicioso havia voltado.

—Ou... Eu posso cobrá-los.

Sem esperar sua ação, levei minha mão ao seu rosto e estapeei sua face, deixando-a com uma forte marca avermelhada. Bellamy nem mesmo se abalou, apenas deixou que seu rosto fosse jogado para o lado, enquanto mantinha os olhos abertos, observando minha resistência para não rir.

—Vamos deixar por assim. —Controlei-me para não pedir desculpa. —Agora estamos quites.

Rapidamente virei, dando as costas para ele e caminhando com passos largos até a saída.

Cheguei até perto da moto e fiquei esperando ele aparecer. Entretanto, Bellamy demorou alguns longos minutos até surgir afora. Eu estava tremendo levemente com a brisa da madrugada.

—Coloque minha jaqueta. —Ele tirou a peça de roupa e estendeu em minha direção.

—Não está bravo? —Perguntei firme.

—Eu gosto desses jogos, princesa. —Abriu um sorriso torto.

 Peguei a jaqueta, retribuindo o sorriso, e a vesti com agilidade.

•••

Não demorou até estarmos encostando perto da guia em frente da minha casa. Eu saltei da moto com certa facilidade.

—Obrigada pela noite. —Entreguei o capacete.

—Podemos repetir. —Ele olhou-me predatoriamente.

—Vou pensar no seu caso. —Tentei soar brincalhona.

—Vai fazer uma listinha nova quando chegar em casa?

—Não sei do que está falando.

Bellamy tinha uma resposta pronta, mas ao invés disso...

—Clarke. —A voz da minha mãe ecoou pelo meu ouvido, fazendo-me ficar imóvel.

Ah, droga! Que merda. Que merda. Que merda.

“Se ferrou!”

Pude ouvir ela se aproximando e a única coisa que consegui fazer foi ficar encarando ele, e suplicando mentalmente para nenhum dos dois abrir a boca.

—Onde esteve? Fiquei preocupada. —Ela segurou meu rosto analisando cada detalhe para ter certeza de que eu estava inteira.

—Convidei sua filha pra sair. —O moreno pronunciou-se sem dar importância, fazendo minha mãe enfim notar sua presença.

O silêncio estabeleceu-se enquanto os dois se encaravam num clima estranho demais.

—Esse é o Bellamy. Nós estudamos juntos. —Falei baixinho.

—Eu vi você no estacionamento aquele dia. —Ela permanecia com seu olhar julgador sobre o homem e a moto.

—Nós fomos ao... —Ele começou a dizer.

—Ao show cultural que estava tendo no centro. —Interrompi. —Temos que fazer um trabalho.

—Ao show cultural... —Ela repetiu com descaso.

—Exatamente. —Afirmei.

—Então... Bellamy, certo? —Minha mãe continuou ignorando minha desculpa, e focando no rapaz com uma expressão sarcástica em nossa frente.

—Certo. —Ele concordou.

—Você e a minha filha se conhecem há muito tempo?

—Não muito.

—E você usa drogas?

—Mãe!! —Exclamei envergonhada.

Bellamy parecia estar querendo soltar umas boas verdades provocadoras, mas meu olhar desesperado mudou sua feição.

—Não, senhora. —Por fim respondeu.

—É um bom aluno?

—Ainda não vi minhas notas. —Respondeu sincero.

Minha mãe ficou um tempo dividindo o olhar entre mim e ele, aparentemente buscando toda a calmaria que aprendeu depois de anos fazendo ioga.

—Gostaria muito de conversar com você. Eu faria isso agora, mas... Como todos nós percebemos, já é tarde demais. —Senti aquela indireta como um aviso de problema a caminho.

—Seria um prazer conversar com a senhora. —Bellamy sorriu debochado.

—Então marcaremos. —Ela abriu um sorriso desconfiado.

—Interessante. —Entrelacei meu braço com o dela. —Amanhã nós falamos sobre o trabalho, colega.

—Você quis dizer hoje, não é querida? —Minha mãe completou.

O Blake estava notavelmente se divertindo com aquela situação. Ele colocou o capacete, e ligou o motor fazendo um alto barulho.

—Nos vemos na escola, princesa. —Em exato um segundo, sua moto disparou numa velocidade assustadora, lhe fazendo desaparecer na escuridão da minha solitária rua.

—Não conheço motoqueiros, foi o que você falou. —Minha mãe praticamente fuzilou-me com os olhos.

—Não vou ficar de castigo, não é? —Tentei imitar o olhar de pidão que Octavia fazia bem demais.

—Eu vou pensar sobre isso. Principalmente depois de saber que fica andando nesse tipo de velocidade por ai. Princesa, ele disse? Realmente vou pensar nisso.

Achei melhor não responder. Meus sentimentos estavam bagunçados e minha cabeça ainda estava viajando no que tinha sido todo aquele encontro de minis descobertas.

Finalmente tinha validado todo o caminho percorrido junto com Bellamy até aqui. Quando percebi que ainda usava sua jaqueta, e que seu cheiro ainda estava preso ali, meu coração disparou. Eu tinha plena convicção da confusão que o Blake trazia a minha vida. No entanto, nunca fora ele meu inimigo, e sim minha própria mente.

“É ele sim, caramba!”

 


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Notas finais do capítulo

DESCULPAAAAAA!!!! Eu sei que demorei pra caramba, e fico me sentindo mal por isso.
Mas... metade desses dias de sumiço foi pq eu fiquei atolada com seminários e provas. Sorry, foi plausível né?
A outra metade dos dias de sumiço foi por procrastinação mesmo. Sorry, é por isso que me sinto mal.
Não vou fazer mais isso. Juro (cruzei os dedos :D )
...
Comentem.
Favoritem.
Beijos