Perturba-me escrita por Laila Gouveia


Capítulo 18
tutorial para ser melhor que o irmão


Notas iniciais do capítulo

Sabe aqueles episódios loucão das séries? Acho que todo mundo ja assistiu uma série que tem um ep louco. Então... lhes apresento meu cap que é uma sucessão de diálogos afobados. E a culpa é totalmente de nossa querida O. haha Só absorvam.



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A primeira coisa que pensei quando retomei a consciência foi: Droga! Minha cabeça estava prestes a explodir, tinha um gosto horrível na boca, e senti náuseas. Então resolvi ficar alguns minutos, -mesmo com o despertador tocando-, ainda deitada na cama, tentando me lembrar o que fiz para ficar deste modo. Ah, claro! Só podia ser isso. Eu acordei de ressaca. Se havia algo que eu nunca mais faria, com toda certeza, era chegar perto de bebida alcoólica outra vez.

Senti o leve e doce cheiro de perfume feminino nos lençóis, e eu não sabia de quem era. Mas gostei... Muito!

Além do fato de ir ao Fliperama com os meninos, não conseguia lembrar-me de absolutamente nada mais sobre a noite passada, e eu estava curiosa por saber quem teria conseguido me induzir a beber ou quem teria tido a bondade de me levar até em casa.

Desci cautelosamente com o intuito de não acordar minha mãe. Não queria ter de explicar minha saída nada programada de ontem, muito menos meus atos inconsequentes. Até porque explicar seria uma tarefa difícil no momento.

Peguei minha mochila e abri a porta de entrada fazendo o menor barulho possível.

6:50 o ponteiro do meu relógio de pulso indicava. Eu tinha exatos dez minutos até as aulas começarem. Entretanto, o tempo que levo para chegar na escola é bem maior, e como minha situação exigia uma outra parada no caminho, eu certamente me atrasaria com louvor.

Obviamente o motivo deveria ser Bellamy. Ele era sempre o modulador de minhas ações impensáveis. Deduzi em voz baixa enquanto tentava pela quinta vez fazer o motor do carro pegar. O alto som do meu calhambeque já deveria ter acordado minha mãe, mas eu não esperei que ela viesse até a varanda para ter certeza. Segui o mais rápido que pude em direção da farmácia mais próxima.

Depois de comprar um analgésico e um suco de laranja em garrafa, voltei para o carro. Olhei para meu relógio novamente. 7:04 o ponteiro indicava. Suspirei ao me lembrar de que seria maravilhoso ter meu celular comigo, mas ao invés disso, meu pobre aparelho neste momento estaria sendo levado pelo carrinho de sacos por todos os possíveis cantos imundos das cidades. Isso se aquela esperta senhora não tivesse vendido ou trocado por alguma coisa sem importância.

A raiva que eu sentia quando pensava naquele dia é insuperável.

Cinco minutos depois, passei pelos portões do colégio e segui pelo estacionamento procurando uma vaga livre.

Mesmo tendo tomado o remédio e consumido todo o suco com rapidez, a dor de cabeça não tinha passado. Pra ser mais precisa, era como se alguém estivesse batendo com um martelo logo atrás de mim. Virei-me discretamente e olhei o banco de trás, procurando a cartela que eu acabara de comprar. Voltei a olhar minha frente, mas não foi rápido o suficiente para ter notado a pessoa que tinha se colocado diante do carro. A velocidade do veiculo era quase zero, porém, a pessoa despencou no chão me deixando atordoada.

—De novo não! —Gritei assustada.

Abri a porta e saltei do carro, correndo até o sujeito que eu tinha atropelado. Não era um aluno da escola como eu supus de imediato. Era uma garota exageradamente familiar.

Agachei-me e em desespero virei seu rosto.

—Você está bem?

Assim que a vi, pude reconhecê-la com facilidade. Ela abriu um sorriso animado e isso me fez constatar que devia estar bem.

—Clarke. —A Blake falou empolgada.

—Você entrou com tudo na frente do carro. Eu podia tê-la machucado. —Ajudei-a levantar.

—Foi mal. Você estava demorando pra chegar, e quando eu te vi não consegui conter o entusiasmo. —Octavia bateu em sua calça espantando toda sujeira que tinha grudado no tecido.

—Você estava me esperando?

—Sim! —Ela deu um pulinho se jogando em mim, e me abraçando de forma sufocante. —Não aguentava mais ficar dentro daquele apartamento.

—O que quer dizer?

—Meu irmão. —Soltou o ar pelo nariz. —Ele não ficou muito contente por eu ter vindo visitá-lo. Então fui obrigada a ficar trancada dentro do apartamento dele o dia inteiro ontem.

—E por que ele te obrigou a isto?

—Porque ele está bravo. Disse que eu vim em má hora, e que eu só estragaria tudo.

—Estragaria o quê? —Incrível como não consigo impedir minha curiosidade.

—Bom... Toda essa coisa de arrependimento dele. —Ela ajeitou seu liso cabelo. —Mas eu vim exatamente por isso. Ele que não entende.

—Não sei exatamente do que você esta falando.

—Você sabe... —Ela insistiu. —No motel, não foi?

—Ele te contou?

—Não foi preciso. —A Blake riu.

—Como assim?

—Ué! —Constatou como óbvio. —Você tocou na cicatriz.

Olhei para um casal que corria em direção da escada. Eles se beijavam até pouco sem notar que todos já haviam entrado.

—Tenho que ir pra aula. Estou atrasada.

—Não. —Ela segurou minha mão em súplica. —Vamos passear. Queria tanto sair com você. É o que eu mais desejo há tempos.

—Não posso. —Ignorei o fato de ela assumir que desejava sair comigo há tempos. Como assim Há tempos?

—Por favor, Clarke. Não vou ter muito tempo aqui. E se depender do Bell, eu não vou sair daquele apartamento. Queria fazer alguma coisa humana. Alguma coisa divertida.

Parei em “coisa HUMANA”. De repente minha cabeça tinha parado de doer e minha mente tinha ficado clara. Completamente límpida.

—E se tiver prova? Não posso matar aula outra vez.

Era óbvio que ela era como eles. Como eu não tinha assimilado antes?

—Não vai ter prova. —Afirmou. —Fica tranquila.

—Não sei... —Eu tinha razão por relutar. Octavia parecia ser a pessoa, ou melhor, a criatura mais amável do mundo, mas, ela era uma Blake e isso ainda me assustava.

—Por favoooooor! —O mesmo bico fofo utilizado aquele dia, agora estava sendo usado comigo e eu não consegui encontrar uma desculpa plausível que me fizesse resistir aos seus encantos persuasivos.

—Aonde você quer ir?

—Isso! —Ela deu um pulo tão alto que por um breve momento achei que iria flutuar. —Eu quero ir ao Veneno. Depois eu quero ir naquela loja de CD que o Monty sempre compra uns discos legais. Também quero ir ao cinema. E ao fliperama. E ao parque. Quero conhecer sua casa na árvore. E tem o boliche que você foi nas férias do meio do ano com os meninos...

—Calma. —Estendi a mão fazendo-a se calar. —Eu não sei como você sabe de tudo isso. Mas eu definitivamente não posso ir pra todos esses lugares.

—Tudo bem... Nós podemos ir ao Fliperama, então.

—Não. —Exclamei. —Depois de ontem, não vou voltar pra lá.

—Eu quero ir! Sempre vi o Bell e a Raven lá. Eu queria ter a sensação de estar presente no mesmo lugar que eu assisti meu irmão passar o tempo tantas vezes.

Tudo saia de sua boca com naturalidade. Para ela, eu estava esclarecida sobre todas as dúvidas de seu mundo.

—Acho melhor você entrar no carro.

—Não tem problema, posso levar a gente. —A morena segurou meu braço firmemente.

—Ei. —Puxei minha mão. —Não estou a fim de ir a pé quando eu tenho um dirigível bem aqui.

—Não falei sobre irmos andando.

Seu sorriso seguinte fez meu corpo estremecer. Eu tinha entendido aquilo. Ah meu deus, eu tinha entendido aquilo! O pior de tudo é que eu não conseguia mais achar anormal.

Olhei para as janelas das salas, e fiquei com medo de que alguém estivesse nos ouvindo. Sem demora empurrei seu corpo até a porta do passageiro sem esperar por seu movimento. Apenas forcei ela a entrar, me trancando rapidamente assim que sentei do outro lado.

—Ok. —Liguei o carro.  —Eu não queria ir, mas acho que o Fliperama neste horário deve ser um bom lugar pra você.

Certamente porque não terá ninguém lá, assim não correria o risco de sua inocência dos fatos ser identificada por um astuto ouvido. Foi minha vontade de falar.

—Pelo livro sagrado! —A morena colocou o cinto com certa dificuldade. —Eu nunca fiquei dentro de uma máquina dessas.

—Vai demorar um pouco até chegarmos.

—Não tem problema. —Ela abriu o vidro e colocou sua cabeça para fora, deixando o vento jogar seu cabelo para trás.

—Octavia, não é permitido colocar o corpo para fora.

—Sério? —A Blake deu uma leve risada, voltando sua cabeça para dentro. —Podemos conversar, então.

—Conversar... —Minha curiosidade ficou aguçada. Ajeitei-me no banco, e segurei o volante com determinação. —Sobre o quê?

—Qualquer coisa. Eu amo conversar.

—Por que não me conta sobre você.

—Ah, menos sobre mim. Não sou interessante.

—Tenho certeza que é interessante.

—Não sou não. Mas você e meu irmão são.

—Você veio visitar seu irmão?

—Não exatamente. Eu vim cumprir uma missão. Tenho que convencê-lo, mas, ele é tão cabeça dura.

—Sei bem. —Soltei.

—Vocês dois não se dão muito bem, né? —Ela sorriu abertamente. —O Bell é mal educado e você fica brava com ele. Com razão! Mesmo assim... Eu acho tão bonitinho.

—Ele te conta tudo isso?

—Não. —Ela olhou para frente, parecendo percorrer por seus pensamentos. —Eu não o vejo há muito tempo.

—Mas conversam por telefone?

—Não.

—Mensagem? E-mail?

—Não, e não.

—Há quanto tempo não se veem?

—Você só sabe fazer perguntas?

—Desculpa.

—Tudo bem. É muito bom ser importante pra alguma coisa. —Riu baixinho. —Acho que mais ou menos, uns cem anos.

—Cem anos o quê?

—Que não nos vemos.

Freei o carro abruptamente, e isso fez com que nós duas fossemos jogadas para frente, - impedidas de bater com a cabeça por estarmos usando o cinto de segurança-.

—Pelo livro sagrado! Cuidado. —Octavia agilmente colocou minhas costas de forma ereta novamente.

—Errei o pedal. —Disfarcei.

Imediatamente voltei a acelerar, ignorando as buzinas que os carros de trás soltavam.

—Acho que ouvi errado. —Respirei fundo.

—Perdoe-me. Eu não sou acostumada com seu vocabulário moderno.

—V-você d-disse c-cem anos? —Continuei surpresa.

—Pensei que quando ele me visse, depois de todo esse tempo, nos abraçaríamos por horas. Mas acabei ganhando um longo sermão.

Agora eu sabia o porquê Bellamy queria que ela ficasse dentro do seu apartamento. A Blake mais nova tinha uma inocência muito grande. Exageradamente grande.

—Octavia... —Limpei a garganta. —Eu não entendo. Não consigo entender.

—Raven não conversou com você?

—Não tivemos a oportunidade.

—Sério? —Ela tapou a boca com a mão. —Quer dizer que você não sabe de nada. De nadica?

—Não tudo. Digamos que eu e seu irmão temos certos problemas desde que descobri.

—Você sabe o que o Bell é?

—Sei. —Falei convicta. Por mais que eu mentisse pra mim, eu realmente sabia, e isto tinha se tornado minha incógnita há dias.

—Sabe por que ele tornou-se isso?

—Não.

—Não foi culpa dele. —Ela deslizou seus dedos pelo porta-luvas. —O Bell nem sempre foi assim.

—Rabugento?

—Difícil de lidar.

—Como ele era? —Virei o carro, seguindo por uma avenida.

—Ele era... —A Blake encheu o peito, orgulhosa. —O melhor irmão do mundo. —Ela soltou o ar preso em seu pulmão em meio a um leve sorriso. —Nenhum anjo tem irmão. Nós fomos um milagre. Pelo menos era assim que Greta falava. —Seus olhos brilharam por segundos. —Sinto falta daquele tempo.

—Como vocês dois eram?

—Como nós três, éramos. —Ela corrigiu. —Eu, Bell e Greta.

—Quem é, Greta?

—Greta era nossa amiga. Bem... Ela era a melhor amiga dele. Os dois faziam tudo juntos.

—E você sentia inveja?

—Não. Isso é um pecado, Clarke. Não sentimos inveja ou nada parecido.

—Ah tá. —Falei encabulada. —E eles não são mais amigos?

—Claro que não. Nem eu e nem ela podemos vê-lo. Só que estamos tentando reverter tudo isso. Ela veio aqui ano passado. Tentou convencê-lo, mas, não deu muito certo. E agora é minha vez.

—Convencer do quê?

—De... Desculpe, não posso falar sobre isso.

—E eu não deveria estar perguntando. —Exalei o ar. —É tudo muito estranho. Tudo novo! Não sei mais o que é real ou imaginação.

—Mas você tem que entender. Depois que se toca numa cicatriz... Não é algo que possamos fugir.

—Você também é? —Perguntei um tanto aflita.

—Sou o quê?

—Isso.

—Isso? —Olhou-me com dúvida.

—Deixa pra lá. —Estabeleci uma noção antes mesmo que ela respondesse. Eu não queria saber... Ainda não.

—Você quer saber se eu sou como eles dois?

Fiquei muda.

—Eu sou. —Esclareceu com naturalidade. —Mas não completamente. Bell e Raven não possuem asas, e eu sim.

—Você tem asas? —Quase perdi a direção outra vez.

—Tenho. Quer ver?

—Ah, senhor! —Apertei o volante. —Agora?

—Pode ser em outra ocasião.

—Vai ter outra ocasião? —Perguntei sem fôlego.

—Você não quer mais me ver? —Ela olhou decepcionada.

Por um curto momento quase disse que reencontra-la seria demais pra mim. Mas não... Não posso dizer isto.

—Eu quero. —Respondi certa de que sua bondade é muito mais importante do que qualquer desafeto existente que eu tenha com seu irmão.

Octavia abriu um sorriso grande o suficiente, ao ponto de eu não duvidar que aquele tivesse sido quase como o momento mais feliz de sua vida.

—Awn nós já somos amigas. —Ela quis me abraçar, mas percebeu que este movimento não seria possível agora.

—Por que você tem asas? —A pergunta tinha sido usada apenas para fugir de seu afeto repentino.

—Porque não vivo aqui. Não sou como o Bell ou a Raven. Não pertenço ao seu mundo.

—E eles pertencem?

—Eles pecaram. Agora pertencem.

—O que eles fizeram? —Eu perguntava incessantemente, sem ao menos filtrar.

—Não sei muito bem o que Raven fez. Mas sei perfeitamente toda a transição do meu irmão.

—Qual foi a transição dele?

—Sua mudança de alguém gentil...

—Gentil? Bellamy? —Lhe interrompi incrédula.

—Ele era...  Até conhecer ela. —A Blake estralou os ossos de sua mão, enquanto remoía suas memorias.

—Ela?

—A humana que estragou tudo. —Soltou num tom magoado.

—Quem? —Meu coração disparou.

—Pelo livro sagrado! —Octavia apontou para frente. —Chegamos!

E novamente, com a maior facilidade do mundo, ela esqueceu todo o nosso assunto e foi abrindo a porta antes mesmo que eu parasse.

—Espera... —Gritei.

Mas ela pulou do veículo, pressionando os pés no chão, e saiu correndo igual uma criança em direção do prédio térreo, que agora permanecia com o letreiro apagado.

—Deixa pra lá, de novo... —Resmunguei, enquanto estacionava no lote vazio.

•••

Desci do carro e travei a porta sem me importar dessa vez em conferir.

Não havia ninguém na entrada. Também não havia ninguém dentro do local. Tudo estava arrumado, e as banquetas permaneciam em cima do balcão. O chão úmido indicava que alguém tinha acabado de limpar e certamente não estavam em horário de funcionamento.

Olhei para a morena que corria de máquina em máquina com uma empolgação e curiosidade admirável.

—Por que está tudo escuro? —Ela perguntou apontando para as telas pretas.

—Porque não ligaram ainda.

—Podemos ligar?

—Tenho certeza que não. —Afirmei.

—Oh esquece... Pra que jogos eletrônicos quando se tem Sinuca.

Sem que eu pudesse ter alguma reação, ela segurou minha mão e foi me empurrando até a escada que direcionava ao andar debaixo.

Assim que começamos a descer os degraus, minha mente trouxe as lembranças daquele primeiro dia que eu viera aqui. Olhei para a primeira mesa de sinuca, e visualizei na memória a cena nítida de Bellamy debruçado, tentando fazer uma tacada, enquanto eu o encarava com todo o desprezo do mundo.

Sorri ao pensar no quanto eu estava errada sobre achar que meu único problema era ter de fazer o trabalho com ele. Se pudesse encontrar o meu outro eu daquele passado não tão distante, certamente avisaria sobre os riscos que aqueles olhos negros trariam.

—Clarke! —Lincoln me chamou num tom alto e animado assim que nos percebeu.

—Ahhh. Oi. —Acenei envergonhada, notando que ele conversava com dois homens barbudos.

—Realmente gostou daqui. —Brincou enquanto caminhava até nós. —Pensei que não fosse ficar de pé até depois do meio dia.

—Eu vim com ela. —Entrelacei meu braço com o da Blake.

Lincoln a analisou com certa discrição, e a morena, - inesperadamente-, esqueceu toda sua espontaneidade e encarou o chão, acanhada.

Fiquei alguns segundos observando sem entender a atitude dela, até me lembrar de que ele esperava a apresentação casual.

—Octavia. —Falei. —Ela queria conhecer onde o irmão passa a maior parte do tempo.

—Irmão? —Lincoln fez uma expressão tentando decifrar as características dela.

—Octavia Blake. —Ela disse tentando segurar o sorriso bobo que tinha formado em sua face.

—Blake? —Ele surpreendeu-se. —Nossa, que diferença.

—Diferença?

—Não sabia que o Bellamy tinha uma irmã. Muito menos que pudesse ter uma irmã tão bonita. —Foi urgente, as bochechas de Octavia coraram tão rápido quanto as minhas podiam. —É um prazer. Sou Lincoln. —Ele completou.

—Prazer. —Falou encabulada.

E então os dois pararam. Sequer moveram seus músculos. Eu presenciei aquela cena por “eternos” dois minutos. Até não aguentar mais.

—Octavia quer muito jogar. —Quebrei o clima propositalmente. —Mas você está ocupado, não é?

Lincoln piscou. Como se acabasse de voltar deste mergulho que eram os olhos verdes dela.

—Charlie e Call já estavam de saída, mesmo. —Ele falou dando uma rápida olhada nos seus amigos, que ainda permaneciam no local. Os dois homens barbudos perceberam com facilidade aquela indireta certeira, e se entreolharam.

—Então a gente pode jogar? —Octavia perguntou contente.

—Claro.

—Isto é tão empolgante. —Ela deu alguns pulinhos, esquecendo toda sua timidez de inicio.

—Alguma vez jogaram sinuca?

—Não. —Respondemos juntas.

—Então será um prazer ensinar vocês.

A morena não esperou qualquer permissão. Foi questão de um segundo até estar debruçada na mesa mexendo nas bolas.

—Primeiro devemos ajeita-las. —Lincoln falou se aproximando dela.

—Assim? —Octavia juntou todas as bolas da mesa uma do lado da outra.

—Não. —Ele explicou calmamente. —É melhor usar o triangulo pra ficar certo.

—Ah! —Ela sorriu.

Afastei-me deles, percebendo que minha presença estava totalmente sendo ignorada.

—Acho que vou tomar um ar. —Disse, mesmo sabendo que não tinha sido ouvida.

•••

Lá fora me encostei à parede, e fiquei admirando o horizonte pensativa. Comecei assimilar tudo o que ela despejou sobre mim.

A bebida de ontem podia ainda estar fazendo efeito em minha mente, mas eu estava certa de que me aprofundar nos porquês, seria a razão perfeita para cessar todo esse mistério que me assombra desde o dia que tive a infelicidade de cruzar meu caminho com o moreno.

—Devo chamar a policia? —Fui tirada de meu devaneio por uma voz áspera.

—Não é necessário. —Respondi, enquanto o velho e tatuado Bo também se encostava à parede.

—Você é a primeira garota que eu vejo correr mais de uma vez, atrás do Blake.

—Não estou correndo atrás dele.

—É o que todas dizem.

—Pois eu não estou.

—Você é insistente. Gosto disso.

Olhei para ele, estranhando aquele elogio. Realmente tinha sido um elogio?

—Normalmente as pessoas dizem que ser cabeça dura não é bom.

—Estão todos errados. Pra trabalhar comigo tem que ser cabeça dura.

—Está me fazendo uma proposta de emprego? —Falei divertida.

—Estamos precisando de funcionários.

—Você está brincando, né? —Ri achando graça naquilo.

—Eu tenho cara de que brinco? —Bo tirou uma cartela platinada de charutos. Se tinha algo de sofisticado nele, com toda certeza era seu vício por charutos.

—Uau. Isto é inesperado.

—Trabalhar num Fliperama é normal para jovens da sua idade.

—Não é isso que eu chamo de inesperado, mas, obrigada.

Bo acendeu seu charuto despreocupado.

—Vou ter que recusar. —Continuei.

Ele não pareceu dar importância a isso.

Ficamos ali por aproximadamente uma hora inteira, e o cheiro do tabaco já estava incomodando minhas narinas. Olhei discretamente, analisando seu charuto que parecia ser interminável.

—Tenho dois amigos que possivelmente adorariam trabalhar aqui. —Puxei assunto com receio.

—Aqueles dois magrelos da noite passada?

—Isso! Eles são cabeça dura também. O mais alto é o pior. —Brinquei.

—O novo namoradinho da minha sobrinha?... Sei bem! Eu ouvi bastante isso ontem.

—Ele falou com você?

—O moleque é irritante demais. O que é completamente diferente de insistente.

Pensei em dizer alguma coisa para defender Jasper. Mas fomos interrompidos por risadas altas. Ou melhor, a reconhecível risada de Octavia.

Ela e Lincoln apareceram em meio a sorrisos, com ela pendurada na costa dele. Qualquer um que a visse, acharia facilmente que a morena estava bêbada. Mas eu sabia que aquele era seu jeito comum.

—Clarke, você não vai acreditar. —Ela soltou-se dele, e deu um soquinho em seu ombro. —Vaiii, conta pra ela.

—Octavia ganhou de mim. —Lincoln falou sorrindo.

—E... —Ela insistiu dando um empurrão de leve nele.

—Eu só precisei ensinar as regras pra ela.

—E...

—Ela facilmente supera qualquer um que vem disputar todos os dias aqui.

—E...

—Inclusive o seu irmão. —Ele disse, enquanto ela batia palma animada.

—Sério? —Olhei para Lincoln que confirmava com um gesto de cabeça. —Parabéns!

A Blake abraçou Bo espontaneamente, que apenas prensou o charuto com seus dentes. Depois me abraçou também.

—Ah eu amo abraçar. –Ela confirmou o que estava explicito para todos ali. —E vou amar mais ainda jogar isso na cara do Bell. —Deu risada. —A irmãzinha ganha facilmente no que ele insistiu em dizer que é o melhor.

—Acho que esse seu talento vai ter que permanecer como um segredo aqui. —Falei. —Se ele descobrir que você...

—Pelo livro sagrado! —Ela me interrompeu, parecendo ter percebido. —O Bell não sabe que eu vim aqui, e eu acabei de lembrar que ele pediu pra Raven ir ao apartamento.

—Isso significa que o passeio acabou? —Quis soar chateada, mas não resisti o sorriso descompromissado.

—Ah, Clarke. —Ela olhou-me triste. —Desculpe por ter feito você faltar. Eu sou péssima pra pensar nas coisas com antecedência.

—Tudo bem. Essa manhã foi confusa, mas, foi produtiva também.

—Acho melhor eu ir. —Ela fez um olhar de pidão. E por instante, tive certeza de que sairia voando sem nem se importar.

—Ei. —Segurei sua mão. —Independente se você tem que ir agora, ou não... É melhor chegar de carro, não é?

Ela olhou para Lincoln e Bo, e depois de um minuto parada, enfim conseguiu compreender o que eu estava tentando dizer.

—Você pode me dar uma carona? —Piscou pra mim, como se estivéssemos encenando.

—Posso.

—Oh que pena. —Octavia colocou a mão na testa, parecendo àquelas donzelas em peça de teatro. —Seria tão bom se pudéssemos ficar mais.

—Vocês podem voltar outras vezes. —Lincoln pediu. —Tenho direito de uma revanche.

—Certamente. —Ela sorriu.

◘◘◘◘

▬▬▬▬▬▬▬

Achei melhor estacionar com certa distância do prédio onde ela entraria. Parei o carro num bairro aparentemente normal.

Depois de mais um longo abraço, e vários beijos em minha bochecha, Octavia segurou minha mão e olhou-me com sinceridade.

—Não conta pra ele que eu te procurei e nem que eu te contei todas aquelas coisas.

—Não vou contar.

—Jura?

—Juro.

—Eu não devia ter feito isso... Mas não consigo aceitar! O jeito que o Bell lhe trata é errado. Está mais do que na hora de você saber a verdade, Clarke. Exija isso dele! É seu direito.

Logo em seguida, fui deixada sozinha, vendo-a se distanciar com cautela pela rua.

Minha dor de cabeça voltou. Fazendo eu me lembrar de que tinha amanhecido com ressaca. Engoli mais um comprimido do analgésico e liguei o carro a fim de chegar a tempo para o almoço.

•••

Talvez aquela sexta-feira estivesse destinada em ser protagonizada pela irmã, até então desconhecida do único homem que eu sentia-me diferente quanto à amizade.

Octavia era o oposto do irmão. Enquanto ele é alto, ela é baixa. Enquanto ele é sínico, ela é gentil. Enquanto ele é musculosamente forte, ela é semelhante a uma porcelana. Enquanto ele é antipático, ela é uma explosão de alegria. Enquanto ele é lua, ela é sol. Entretanto, existe uma característica que assemelha os dois completamente. Os olhos dos Blakes podiam facilmente tirar o ar de qualquer um. E eu conhecia perfeitamente essa sensação.

 


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Notas finais do capítulo

O que acharam?
Mandem reviews amores.
E me desculpem pela demora, eu realmente não tive tempo pra escrever.
Mas o prox cap estarei postando no domingo, ok?
Beijos



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