Perturba-me escrita por Laila Gouveia


Capítulo 14
moça, esse desejo não é meu


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por todos os comentários. Como ja falei, agora as coisas vão começar a progredir na fic.
Tinha planejado postar outro cap hj. Mas, uma de minhas queridas leitoras fez um pedido especial, então decidi usar o que seria o proximo.

Nos vemos lá embaixo :)



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“Acorda de uma vez, sua preguiçosa!” A voz lá no fundo do meu ser, que eu sempre chamei de consciência, exigiu de mim mesma que os olhos fossem abertos.

O aparelho simplesmente dançava em minha mesa de cabeceira. Do meu quarto no segundo andar, era possível escutar minha mãe falar ao celular. Levantei-me com uma leve dor de cabeça e essa sensação pareceu normal depois do sono pesado em que permaneci durante a noite.

Flashes de chuva, carrinho de lixo, motel e cemitério invadiam minha mente e eu olhei ao redor buscando algo incomum. Aparentemente tudo estava no mesmo lugar. Eu dormira vestida com meu pijama, o relógio estava programado para o horário comum da aula, minha mãe agia normalmente lá embaixo em sua conversa habitual com meu avô e minha mochila estava exatamente em cima da cadeira. Nada sequer! Nenhuma pista que pudesse entregar uma possível fuga para a cidade grande, e isso fez-me constatar, para a surpresa de ninguém, que tudo não passara de um pesadelo.

Depois que me arrumei procurei pelo meu celular, mas os gritos de minha mãe alertando sobre estar atrasada fez com que eu decidisse procurar o aparelho em outra hora. Fazer o meu calhambeque funcionar era mais importante no momento.

Estacionei o carro, e entrei pelos portões da escola cantarolando baixo uma música que tocou no rádio durante o caminho. O pátio estava lotado, como sempre, com alunos sonolentos que aguardavam o sinal do inicio das aulas. Eu deveria estar distraída no começo, mas depois de algumas risadas e sussurros finalmente percebi que cada olhar zombador era direcionado a mim.

Minha calça tinha rasgado? Por que de repente eu tinha virado o centro das atenções? Justo eu? Exatamente a garota nerd invisível?

Um sentimento incômodo surgiu. Então, como se enfim decidisse funcionar direito, meu cérebro lembrou-me do incidente constrangedor envolvendo uma maluca que dormira na escola e um pijama cor de rosa com bolinhas douradas. Quase que automaticamente minhas bochechas esquentaram e meu corpo travou. Dando aos aglomerados risonhos uma analise completa da minha pessoa estática no meio do pátio.

“Xingue esses malditos!”, a voz da consciência repreendia-me novamente. E de fato, xingar era o que qualquer um nesta situação faria... Qualquer um que não fosse Griffin, a chorona covarde.

Pensei em seguir para as escadas, ou talvez achar os meninos e me esconder atrás deles pelo resto da manhã. Um desejo errado invadiu-me a respeito dos remédios que havia parado de tomar por teimosia. De cada dez pessoas, vinte me esbarravam. Eu estava igual barata tonta; não sabia mais o que é andar.  Foi quando uma presença aconchegante e determinada atravessou o mar de alunos em minha direção, no segundo em que tocou-me tudo se esvaiu e eu soltei o ar que estava preso.

—Clarke, você está bem?

—Eu d-deveria sub-bir para a s-sala. —Gaguejei sem notar.

—Tem certeza disso?

—Por favor, me tira daqui. —Revelei impossibilitada de mentir.

—Claro. —Respondeu firme, entrelaçando nossos braços. Uma atitude mascarada de mesmice entre amigas, mas que serviu de apoio para que eu voltasse a andar.

Lexa acompanhou meus passos até o estacionamento, não antes de gritar um sonoro Vai se foder, para todos que debochavam. Eu teria sorrido após isto, se não fosse meu desespero por sair de lá.

•••

Arrastei-me para dentro da casa da árvore. Era um cubículo de um metro e meio, e só era possível ficar agachado depois que passava pela entrada.

—Toma cuidado. É tudo pequeno aqui. –Avisei ela, que subia pela escada logo atrás de mim.

—Tem certeza que vai caber nós duas ai?

—Tenho. —Confirmei.

Ela forçou seu corpo até conseguir entrar na árvore e se posicionar sentada ao meu lado.

—Desculpa ter feito você perder a aula.

—Não precisa pedir desculpas. O que todo mundo estava fazendo é ridículo.

Fiquei em silêncio pensando no quão estupida tinha sido em esquecer.

—Fiquei preocupada com você depois daquele dia no parque.

—A culpa foi minha. As coisas meio que complicaram desde então.

—Achei que estivesse me evitando.

—Não! —Exclamei. —Eu não estou te evitando.

A gentileza dela provocava sorrisos espontâneos em qualquer um. Comigo não foi diferente. Peguei-me pensando em como uma amiga fazia falta às vezes.

—E como você está? —Ela perguntou interessada.

—Bem. —Esse tipo de pergunta provocava uma resposta automática em minha mente. “Eu estou bem”, quando na verdade minha vida permanecia em um recorrente caos. Não gostava dessa pergunta. Não faz diferença se eu disser sim ou não.

—Monty falou que aquela manhã na escola você estava pagando um trote.

Respirei fundo lembrando como aquela voz me conduziu para as incertezas. Se eu não tivesse sido estingada em descobrir o passado dele, meu tormento agora seria menor.

—Foi uma estúpida brincadeira. —Tentei soar divertida.

Ela me analisou como se não tivesse acreditado em minha desculpa. Parecia que diante dela eu era transparente, nada do que tentava inventar ou disfarçar funcionava.

—Essa casinha é muito bonita. Quem fez?

—Meu pai... Ele dizia que tínhamos sorte por morarmos aqui e termos esse jardim enorme. É um campo de possibilidades, podíamos construir qualquer coisa.

Lexa se ajeitou cruzando as pernas e eu imitei seu movimento, ficando cada uma de frente para a outra.

—E ele? Esta trabalhando?

—Às vezes eu finjo que sim. —Suspirei vagando por minhas memórias. —Imagino que ele saiu para trabalhar e que uma hora vai voltar.

—Sinto muito. —Os olhos dela ficaram marejados.

—A policia disse que foi um assalto. Levaram tudo dele... Inclusive a vida.

—Quando aconteceu?

—Vai fazer um ano.

Lexa não conseguiu conter-se. Ela ultrapassou o pouco espaço que tínhamos e me abraçou tentando me confortar.

—Esta tudo bem. —Falei forçando um sorriso.

—Não sabia que estava passando por isso.

Aquela era a frase que meu psicólogo sempre usava.

—Como eu disse... As coisas estão complicadas.

—Não tive muito tempo ao seu lado pra te conhecer. Nem mesmo pra ser considerada sua amiga. Mas...

—Sem, mas. Eu te considero minha amiga.

Nunca enxerguei insegurança nela. Nunca enxerguei tristeza. Lexa era uma rocha, mas repleta de sentimentos positivos.

—É muito bom, depois de tanto tempo ouvir alguém me chamando de amiga. —Revelou.

—Pensei que tivesse amigas... —Insinuei, pensando na garota que entrou com ela no Castelo do Horror.

—Não faz muito tempo que moro na cidade. Ainda não fiz amigos.

Fiquei tentada a perguntar quem seria a garota afinal, mas achei melhor conter-me.

—Eu tive um amigo. —Ela prosseguiu pensativa.

—Melhores amigos? —Segui com o novo assunto.

—Ele era meu melhor amigo. Nos completávamos em todos os sentidos.

—E vocês ainda se falam?

—Não.

—O que houve?

—Ele seguiu outra realidade. Infelizmente não pude acompanha-lo.

—Ele se mudou?

—Basicamente, ele me abandonou. Não se importou com o quanto sua falta me afetaria. Ele conseguiu tudo que queria, mas eu não estava mais em seus planos.

Ouvi-la confidenciar um pouco do seu passado fez-me julgar a minha fraqueza.

—Me sinto tola.

—Como assim? —Lexa voltou de seu devaneio.

—Sempre fico dramatizando as coisas. Sabe... Eu surtei quando meu pai morreu. Fiquei numa clinica por alguns meses e me prendi num vitimismo idiota.  Não gosto de lembrar de tal acontecimento e imagino que todos aqueles que perdem alguém importante, entendam. Dói lembrar-se de alguém muito amado, mas que não está com você. Dói mais ainda, lembrar-se do sorriso dessa pessoa e pensar no olhar aterrorizado dele, quando estava sendo brutalmente assassinado. Sem que você pudesse fazer algo para impedir, ou ao menos tivesse o direito de se despedir adequadamente. Embora o adeus tenha sido definitivo, nunca consigo lidar. Acredito que depois que o perdi, as pessoas me olhavam de um jeito diferente. Eu não quero ser alvo de piedade. Mas, ao mesmo tempo, é tão difícil ser forte. —As palavras saíram como laminas cortando minha garganta.

—Não tem como comparar ou medir a dor, Clarke.

—Você parece saber disso.

—Não é algo que desejo para os outros.

—Dor da perda. E a dor por sentir demais, quando não é recíproco.

—Tenho medo que não seja recíproco. —Seu tom foi inseguro.

—Talvez ele esteja brincando com seus sentimentos. Ou apenas não sabe como sentir. —Tive conhecimento sobre quem eu falava.

—Talvez ela não saiba que você gosta tanto dela.

—Talvez ele seja apenas um problema, que deva ser descartado.

Engoli em seco tirando as cenas do meu pesadelo, e vidrei na morena em minha frente. Intenções que poderiam ser facilmente interpretadas fez meu corpo esquentar, e mesmo ciente disso mergulhei em imaginações.

—Não quero te descartar. —Os músculos do meu corpo não queriam se mover. Lexa estava falando de alguém? De mim?

—Desculpa. Esse “ele” que eu estava falando não é importante. —Conclui.

—É estranho dizer que te conheço há pouco tempo, mas gosto de conversar com você.

—Sinto o mesmo. —Afirmei sincera. —Nunca tive uma amiga, sempre foi só homens. —Dei uma leve risada.

—Eu também não.

Ao ouvir essa resposta aproximei dela, ambas se encarando longamente. Os olhos verdes estavam repletos de fogo carnal e os meus não deveriam estar diferentes. Não conseguíamos desviar. Pelo contrário, sentia-me atraída por ela como imã. Depois de muito esforço, baixei o olhar para a boca rosada e úmida, queria saber seu sabor. Cheguei cada vez mais perto, dava para sentir o hálito quente batendo em nossos rostos, ela foi fechando os olhos sucumbida. Então, com lentidão, passei a língua por seu lábio inferior, em um gesto que me fez estremecer junto a ela. Logo encostei minha boca na sua. Nossos lábios se moviam lentamente... Sensualmente. Descobrindo uma a outra, sentindo uma a outra, sem pressa. No entanto, o que tinha iniciado como um beijo calmo, logo se transformou em algo ardente, o beijo sendo aprofundado enquanto eu enroscava minhas mãos em seu cabelo, soltando-o do rabo de cavalo.

Beijávamos com urgência, como se fossemos morrer em segundos. Aproximando meu corpo do seu de forma que grudasse completamente ao seu. Com esse movimento, assisti ela descer seus lábios por meu pescoço, deixando suas mãos percorrerem todo meu corpo. Sorrindo com a provocação, joguei a cabeça para trás, dando-lhe mais acesso à minha pele, o que ela prontamente fez.

Observei-a dirigir até a base do meu pescoço, dando selinhos que faziam-me arrepiar. Passando a depositar sua atenção para meu colo, desgrudou os lábios de minha pele, fazendo com que seu toque não passasse de um leve roçar. Com deliberada calma, ela insinuou-se pelo vale de meus seios, seguindo com sua mão até o decote. Não sei se foi devido ao modo malicioso com que ela tocou meu sutiã, mas a voz de minha consciência voltou a se pronunciar. Dessa vez quase como um grito: “Pare com essa porra, agora!”.

Levantei bruscamente batendo a cabeça no teto da pequena casa da árvore, completamente perdida, enquanto Lexa encarava-me ainda mais confusa.

—Por uns minutos você pareceu estar catatônica.

—An...? Ah! —Murmurei massageando a área da minha cabeça.

—Está realmente tudo bem?

Eu jamais falaria que tinha a desejado. Muito menos falaria o que tinha acabado de imaginar. Afinal, o que tinha acontecido comigo?  Eu deveria estar numa conversa amigável com ela, não tendo miragens de possíveis amassos.

Lexa continuava observando meus olhos arregalados, obviamente estranhando a louca que levantou de repente. Não sabia o que fazer, a única coisa que passou pela minha cabeça saiu da minha boca como desculpa. Infelizmente, eu me arrependi de propor no segundo seguinte:

—Se eu te pedisse, você começaria aulas de boxe comigo?

A castanha analisou meus olhos, aparentemente tentando encontrar seriedade em minhas palavras. Depois de alguns segundos ela mesma não se conteve e soltou uma curta risada.

—O que é aula de boxe?

—É um treinamento de luta. Tipo, a gente meio que aprende a socar as pessoas.

—Mas isso não é perigoso?

—Não, seremos amadoras. E mesmo que fosse perigoso, eu vi na TV que estes tipos de esportes ajudam em autodefesa e até na autoestima.

Que beleza! Agora eu estava defendendo esta ideia impensada.

—Você conhece algum lugar que faz isto?

—Uns dias atrás eu fui num fliperama. No caminho, tinha uma academia de boxe. Na verdade, foi exatamente neste lugar que pensei.

—Interessante... Que horas podemos começar?

—O quê? —Perguntei surpresa.

—Eu disse: Que horas podemos começar?

—Mas, ‘peraí, você concordou? Sério mesmo? Não acha uma proposta doida? Quer dizer, eu não estou te obrigando.

—Eu gostei. Se isso garantir que você terá confiança o suficiente para enfrentar todos aqueles adolescentes, com toda certeza farei.

—Você é real? —Agachei-me novamente, com menos vergonha dos meus pensamentos anteriores.

—Sou. Claro que sim. Por que duvida?

—Não. —Sorri. —Quis dizer que você é legal demais, e às vezes chega a não parecer real.

—Acha isso? —Suas bochechas tão de repente ganharam tons leves de rosa.

—Tem amarril de cabelo?

—Tenho.

—Pode me emprestar?

—Posso. —Ela desfez o rabo de cavalo, dando uma visão de seus cabelos soltos. As ondulações castanhas caindo sobre seu ombro.

—Obrigada. —Peguei o lacinho e girei-o formando o símbolo do infinito.

—O que está fazendo? —Ela inclinou a cabeça curiosa.

—Fiz isso com Jasper e Monty no fundamental.

—E o que é?

—Coloque o dedo deste lado. —Indiquei para o pequeno buraco que formara no caminho curvo do amarril. Assim que ela obedeceu meu pedido, também coloquei meu dedo mindinho no outro lado. —Sei que isso é completamente infantil... —Avisei antes. —Jura juradinho que não vai mudar de casa ou cidade de novo?

—Juro. —Disse em meio a um sorriso extremo alegre. —Por quê?

—Porque não gosto que as pessoas legais que entram em minha vida, vão embora.

—Acho que você esta exagerando no “legal”.

—De jeito nenhum. A maioria das garotas são tão femininas que eu sempre acabo com meus dois homens. —Ri pelo nariz, zombeteira.

—Esta dizendo que eu não sou feminina? —Ela levou a mão ao peito, fingindo estar magoada.

—Ah você entendeu. —Dei um empurrão em seu ombro.

—Não me importo com rótulos. —Concluiu.

—Aí está! As pessoas dessa cidade são previsíveis e caretas.

—Essa questão sobre padrão de gênero são invenções dos próprios humanos.

—Somos uma raça complicada. —Debochei.

—Mesmo assim, eu gosto.

—Então, pode ser amanhã depois da escola?

—Pode ser. —Ela devolveu o empurrão e não resistimos em rir.

Como alguém poderia ou conseguiria não ser amigo de Lexa? Essa é uma questão que jamais encontraria resposta.

☼ ☼ ☼ ☼ ☼ ☼

Quando o treinador usou aquele seu apito infame para avisar que o treino tinha acabado, eu praticamente saltei para fora da quadra. De canto de olho podia vê-la secar o suor e ajeitar o short. Estremeci quando notei Cassandra parada ao meu lado. -a garota além de ser a mais insuportável da escola, ainda possuía a fama de fofoqueira-, ela tinha aquele brilho particular no olhar que dizia que estava planejando algo.

Desviei a direção do olhar para o outro lado e tentei não deixar transparecer meu desconforto. Lexa caminhou até o banheiro e eu a segui contando os passos largos.

—Diz que isto reluzente em seus lábios não é o que estou pensando. —Comentei assim que estávamos sozinhas perto da ducha.

—Depende do que está pensando. —Ela virou o rosto e exibiu sua fileira de dentes perfeitos, junto com o piercing argola cravado nos lábios.

—Uau. —Espantei-me admirada.

—Desde o dia que vocês me convidaram para ir ao cinema, Monty tem me indicado algumas músicas de rock. Comprei algumas camisetas sem ser aquela do Iron Maiden. —Ela tirou de sua mochila uma blusa preta com a estampa da banda KISS. —Fiquei viciada na quantidade de metal que todos os membros dessas bandas possuem no corpo.

—Quando colocou? —Analisei o piercing.

—Ontem à noite.

—Rápida você, heim! —Liguei o chuveiro.

—Você vai mesmo fazer boxe hoje?

—Já está desistindo? —Pirracei.

—Nem pensar! Estou pronta para aprender a bater.

—Devo me arrepender de tê-la convidado?

—Ainda não.

Fechamos em sincronia as portas, mergulhando na ducha gelada que nos fez gritar.

Fomos direto para a academia depois do fim das aulas. Assim que entramos, nos deparamos com um ringue “meia boca”, sacos de pancada pendurados por vários cantos, equipamentos esquisitos demais para eu nomeá-los, e alguns alunos já praticando suas aulas.

Um homem baixinho e extremamente sarado caminhou até nós duas, apresentando-se como o dono e técnico do local. Não demorou muito para ele fazer os acertos quanto à mensalidade, e explicar sobre o tipo de roupa que deveríamos usar nas próximas vezes. Logo estávamos socando uma superfície macia, que ainda assim fazia meu punho doer. Até para aprender a socar, eu sinto dor. Quando é que aprenderei a ser menos vulnerável? Malditos genes Griffin.

Era quase o fim da “primeira aula” e o homem baixinho, -que eu não consigo lembrar o nome-, chamou Lexa para um dos alunos demonstrar alguns golpes. Minha função era apenas observar, mas ter de olhar aquele boxeador loiro derruba-la e chocar seu corpo no dela várias vezes, deixou-me irritada. Novamente, eu não saberia dizer o porquê.

Na terceira vez em que cocei minha nuca, senti uma mão em minha costa. Virei para trás e encontrei Raven com um sorriso debochado, -que ela obviamente aprendeu com o melhor amigo-, estampado na cara.

—Decidiu frequentar todos os meus lugares, loira?

—Não vai me dizer que faz aulas aqui.

—Ela finge que faz aulas. A verdade mesmo, é que ela gosta de ocupar o tempo batendo nas pessoas. —Um rapaz ao lado da morena pronunciou-se, fazendo com que eu o notasse. Ele possuía um óculos, dando a impressão de ser mais velho. Entretanto, se tirasse o objeto era possível considera-lo com a mesma idade nossa.

—Cale a boca. —Ela rosnou para o mesmo. —Não esqueça que hoje serei eu e você naquele ringue. Não se esqueça... —Enfatizou repetidamente.

—Ok, dona estressada. É melhor eu me preparar psicologicamente.

O rapaz saiu, deixando-nos. Raven não ousou demorar em soltar o que eu já devia ter imaginado.

—E aí, presumo que esteja desnorteada ainda.

—Por que eu estaria?

—Talvez porque você deve ser a única humana que sabe a respeito de nós.

—Não tenho a mínima ideia do que está falando.

—Ah me poupe, loira! Não venha fingir agora. Não depois de tudo que possivelmente viu quando tocou ele.

Meu cérebro poderia ter entrado em pane, se eu não tivesse tido uma grande vontade em manter-me no senso normativo. Coloquei minhas mãos no bolso da bermuda, impedindo que ela visse o tremor que se iniciara.

—Aquilo foi um pesadelo. Mais um da minha lista.

—Ah tá! Decidiu mentir pra si mesma agora?—Ela fez um gesto intimidador. — Olhe bem pra mim. Se decidir abrir essa boquinha, se pensar em dedurar... Juro que acabo com sua pose de mimada em dois tempos. Está me ouvindo? Eu não sou igual o Blake em tudo. Não fico rondando, eu simplesmente apareço e faço.

Fraquejei em sustentar sua encarada amedrontadora. Meu coração quase saltou pela boca, afinal, ela tinha afirmado em bom e alto som que tudo naquele motel havia de fato acontecido. Cada cena, cada uma delas era real.

—V-vocês... —Gaguejei.

—Isso, isso. Somos! O que mais quer saber? Não adianta perguntar que não falarei. Já acho demais você continuar tendo conhecimento disso. O dia que eu conseguir descobrir como o Blake conseguiu deixar que uma loira fraca igual você conseguisse essa proeza.

Em imediato, minha mente ficara em branco. O suor que estava secando após o treino, voltara a escorrer por minha testa. Mas não era um suor comum, era um suor frio.

—Vamos fazer o seguinte, tu ficas na sua e longe de qualquer um de nós. E eu deixarei esse seu rostinho intocável. Pode ser?

Qualquer um de nós? Como assim, qualquer um de nós?

—Pode ser? —Raven repetiu.

—Não quero ficar perto de vocês. —Falei por impulso, e a conhecida voz do meu consciente manifestou-se contrário.

—É bom que não queira.

—Agora que me ameaçou, será que dá pra me deixar em paz? —“Paz não! Infernizá-la seria melhor.” A voz continuou. —Fica quieta. —Dei um breve berro, nervosa.

—O que falou? —A morena estreitou os olhos.

—Não foi com você. —Corrigi-me rapidamente e sem pensar, deixei-a.

Corri até a parte de fora da academia. Não houve três minutos em que fiquei sozinha, até Lexa chegar correndo também.

—O que aconteceu? Eu vi você conversando com aquela mulher.

—Nada demais. —Respondi resfolegante.

—Tem certeza?

—Não sei se tenho. —Esfreguei as mãos nos olhos, cessando as lágrimas antes que surgissem.

—Posso resolver se quiser.

Uma rápida risada espontânea que soltei ao imaginar ela atrás de Raven, fez-me sentir menos pesada.

—Não precisa usar o pouco que acabamos de aprender e já querer bater em todos.

—Se estiverem lhe importunando. —Ela sorriu cativante e nada mais foi preciso ser dito depois.

•••

Completávamos uma semana de treinos quando eu e Lexa saímos da academia, brincalhonas. Dirigi meu calhambeque em direção a minha casa, onde ficávamos fazendo deveres ou apenas conversando na casa da árvore. Aquele lugar tornara-se um pequeno refúgio, algo como um domo que nos mantém cada vez mais próximas. Aquela rotina de escola-treino-casa tinha se tornado um belo jeito de afastar minha teia de problemas. Além de: Estar com ela não era nem um pouco insuportável. Muito pelo contrário!

Estaríamos indo para minha casa, se no caminho eu não tivesse sentido um arrepio. O mesmo gélido de minha espinha, que acontecera no carro do Jasper naquela noite ou em Portland enquanto atravessava a rua depois de sair da lanchonete. O arrepio desviou minha atenção para uma figura igualmente sombria que tornara meu sono desde então um tormento.

O homem mascarado permanecia à margem da costa, próximo demais ao mar. Meu coração reagiu ativando-se em desespero, mas minha mente, -como sempre contrária as minhas vontades-, fez meu corpo eletrizar-se e minhas mãos girar o volante até o cais. Assim que parei o automóvel exatamente onde eu o vira, percebi por fim, que nada estava ali.

Lexa estava agora sentada no banco do motorista, me olhando cheia de preocupação. Obviamente ela já sacara minha loucura recorrente. Abri os olhos com dificuldade por conta do medo que me consumiu, e quando vi o rosto dela o mundo parou de girar embaixo dos meus pés. Atrás dele, o mar estava escuro e pereceria uma continuação daquele céu negro cheio de nuvens acinzentadas, senão fosse o reflexo da lua prateada que pincelava aquela paisagem harmonicamente.

Pensei que ela perguntaria o motivo de eu ter parado ali, no entanto, ficou em total silêncio contemplando aquele presente da natureza, que a pequena Coldwater, -mesmo com os repletos dramas municipais-, nos proporcionava.

Também fiquei submersa naquele horizonte, e por muitos minutos sequer insinuei ligar o carro de novo. 

—Lindo, não é? —Tinha sido uma pergunta retórica.

—Muito. —Ela respondeu serena.

Voltei a encara-la, e quando percebi Lexa não olhava já algum tempo para a vista. E sim, para mim.

—Você se acorrentou em toda sua dor? —Continuou ainda vidrada nos meus olhos.

—Eu tento continuar minha vida. —Respondi, encontrando de repente algo mais interessante no câmbio do carro. Qualquer coisa para não ter de prosseguir com aquela troca de olhares. —A dor marca, mas não consegue apagar o que veio antes. O problema mesmo, é as lembranças.

—Puxando pela memória, até visualizo algumas más recordações que me fizeram derrubar lágrimas. Momentos que pareciam não ter fim... Porém, sentir é uma dádiva. —Ela esta se abrindo pra mim? Meus sentidos não poderiam estar mais focados e ligados em cada sílaba que saia de sua boca.

—Às vezes eu acho que aquela chave mestra. Aquela que abriu a porta de minhas chateações. Não sei onde é que foi parar. Quer dizer, não entendo nem mesmo onde foi que a encontrei. —Falei.

Lexa iniciou sua fala, mas um estrondo nos fez olhar assustadas para o céu. Um trovão retumbou, e numa fração de segundos depois, começou a cair uma forte tempestade.

—Quero estar pra sempre assim. Não quero mais voltar. —Sussurrou aproximando-se de mim.

Ela esticou a mão e tocou meu rosto, afastando parte do cabelo que estava caindo sobre os meus olhos. Inclinei minha cabeça na direção de seu toque e deixei minha guarda baixa. Ela cheirava a brisa e folhas secas. Sob a luz da lua, suas órbitas verdes estavam brilhantes, e os pelos dos meus braços ficaram eriçados.

Eu não conseguia mais lutar contra aquilo. Era forte demais. Embora, minha consciência parecia gritar no fundo do meu ser em reprovação. Eu não estava pensando direito e sim, completamente intoxicada por Lexa. Podia ouvir de relance a chuva caindo em cima da lata-velha, nossas respirações ofegantes embaçavam os vidros e imaginei todas as vezes que passei pelo estacionamento do cais e vi algo parecido entre os casais apaixonados. Agora era eu quem estava dentro de um daqueles carros.

Em um movimento rápido, ela colocou as mãos atrás da minha cabeça, me puxando para perto e colidindo sua boca na minha.  Quando seus lábios encontraram os meus, eu mantive meus olhos ligeiramente abertos pela surpresa, mas não demorou muito para seu rosto desaparecer por trás das minhas pálpebras à medida que sua boca se movia sobre a minha.

Seus lábios eram macios. Parti o meu e sua língua deslizou por entre eles. Sua língua era firme. Ela mordiscava meu lábio inferior quando eu menos esperava. Aquele beijo era diferente, não estávamos com medo de nada, nãos estávamos nos segurando. Estava tudo presente ali. Todo o desejo, toda a tensão, toda a eletricidade. Cada vez que nossas línguas se chocavam eu tinha o vislumbre do seu sabor adocicado.

O beijo estava lento e ótimo, porém não pudemos continuar nele, já que outro barulho nos fez separar abruptas e assustadas. Foi tão rápido que acabei esbarrando no painel e liguei o farol da frente, clareando dois jovens que carregavam caixas de cerveja na mão.

—Ei gatinhas, será que podemos participar do pornô lésbico?! —Um dos caras, com jeito de estar levemente alterado por causa do álcool, gritou rindo.

Eu estava tonta e não conseguia tirar os olhos dela. Queria ter certeza de que o quê houve era realmente verdade e não outra imaginação minha. Lexa, diferente de mim, parecia confusa. Seu semblante indicou uma pitada de arrependimento.

Respirávamos como se tivéssemos acabado de nadar todo aquele mar. Seus olhos queimavam sobre os meus com a intensidade de mil verões californianos. Meus dedos, por outro lado, pareciam congelados em meio à dúvida. Não consegui dizer algo, ou agir diante daquele flagra. Esperava que ela soubesse lidar com a situação e então tudo o que eu precisaria fazer era seguir o que ela dissesse.

Entretanto, Lexa não fez nada. Aliás, fez sim. Mas não o que eu pensei.

Ela abaixou a cabeça completamente envergonhada e abriu a porta com agilidade. Logo, o que consegui enxergar foi sua silhueta desaparecer pela costa, distanciando do carro como uma fugitiva.

Os rapazes riram e esqueceram rapidamente sobre o porque gargalhavam, como qualquer adolescente embriagados que eles são. Também saíram dali, cambaleando e batendo um no outro infantilmente.

Eu podia sentir os vestígios daquele beijo e me perguntava se Lexa estivesse mesmo constrangida. Hesitante, olhei de relance para o banco que até pouco ela esteve sentada e isso fez-me sentir desconfortável. Seria mesmo que ela tinha sentido nojo e vergonha? E por que eu queria fazer aquilo de novo? O que diabos havia de errado comigo? Afinal, minha vida estava repleta de dramas o suficiente para que eu acrescentasse mais um. Ela é minha amiga. Eu gosto de ser sua amiga. Não posso deixar que isto aconteça novamente. Preciso esquecer. Só assim, tudo ficará resolvido.

A voz que já me incomodara bastante ecoou dentro da minha cabeça, fazendo com que eu ligasse o carro de uma vez e saísse em disparada com uma sensação feliz e ao mesmo tempo angustiante no coração.

“Ela não merece suas mentiras. Você não a quer.”


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Notas finais do capítulo

Não estou adaptada com o que houve na série. Alguém esta acompanhando os novos ep?
Pessoal, prometo que posto outro cap ainda no domingo, ok?
Então... reviews? Tentem não me xingar kk
Beijos e beijos



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