A Arca de Pandora escrita por Danilo Alex


Capítulo 7
Calmaria


Notas iniciais do capítulo

Olá, navegantes!

Mais um capítulo sem necessidade de glossário náutico.

Espero que gostem do andamento da história.

Boa leitura!!



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Uma calmaria malévola envolveu o Pandora na mesma noite em que Danton foi enrolado em um velho cobertor e lançado ao mar, recebendo um sepultamento digno de marujo. Uma atmosfera desconfortável recaiu sobre os marujos enlutados os quais, sem dizer palavra, expressavam em seu olhar tudo aquilo que os torturava intimamente: dor, medo, incerteza, desânimo. Alguns chegaram mesmo a pensar em desistir da vida no mar. Muitos deles estavam pálidos, com olheiras, assustadiços, com os nervos à flor da pele. Quando achavam que tudo não podia mais piorar, o destino mostrou que estavam enganados.

 O vento, súbita e inexplicavelmente parou de soprar. O silêncio pairou pesado, tornando-se quase tão presente como uma sombra. As ondas desapareceram e o mar estagnou-se, estranha e perigosamente calmo. Os piratas preferiam mil vezes que o oceano estivesse furioso, rugindo, pois sabiam como enfrentá-lo. Detestavam aquela falsa tranquilidade, sabiam que ela era prenúncio de algo ruim.

As velas do galeão murcharam e ele ficou parado no meio das águas apáticas, tão imóvel quanto se os seus tripulantes tivessem baixado âncoras.  O vento era essencial aos navegantes; sem ele, não chegariam a lugar algum. Permanecer no meio do oceano daquela maneira era certeza de morte para toda a tripulação. O ar quente e com cheiro de sal entrava por suas narinas, tornando penosa a respiração dos marujos. O calor cobria seus corpos de suor.

 A ausência de sons enlouquecia os piratas, afogando-os em um desespero silencioso. Ansiavam pelo estalido da madeira, o balanço do barco e o vento zunindo no cordame. Sua preocupação era tal, que nem mesmo seus passatempos favoritos como jogar dados ou partidas de baralho no porão os atraíam naquele momento.

 Preferiam passar a maior parte do tempo no deque, onde a todo instante fitavam as velas mirradas, cheios de uma esperança cega que camuflava a angústia. Com uma prece silenciosa ao erguer os olhos, os piratas ingleses desejavam ardentemente que as velas se enfunassem repentina e milagrosamente, arrancando-os daquela estagnação desesperadora.

Mas não eram atendidos.

Tinham sido maus meninos, matado muitas pessoas inocentes. Talvez por isso Deus não estivesse contente com eles. Talvez morrer ali, condenados a perecer isolados no meio da água e do silêncio fosse seu castigo vindo direto dos Céus, pois, tão mortífera quanto a tempestade era a calmaria.

Nem mesmo a natureza se pronunciava: não se viam cardumes de peixes ou grupos de golfinhos brincalhões se deslocando velozmente à medida que vinham à tona. Durante todo o tempo em que a inexplicável e repentina calmaria flagelou os corsários, não avistaram nenhum grupo de barbatanas indicando presença de tubarões empreendendo caça. Tampouco viram esguichos de baleias. Nenhum navio passava ao largo. Nenhuma ave de hábito marinho cruzava o céu.

 Parecia que o Pandora se encontrava encalhado no meio de um deserto aquático sem o menor sinal de vida.

O tempo passava lentamente.

 Apenas o sol e a lua se moviam naquele cenário de morte, trocando de lugar no céu sem nuvens. O ar parado era sufocante. Gradativamente os marujos iam caindo doentes, acometidos pela mesma coisa que vitimara Danton, a mesma coisa a qual Hope insistira, era escorbuto, embora nem ele mesmo acreditasse mais nisso. Também lidavam com surtos graves de disenteria devido ao calor que desregulava os intestinos e estragava a única comida que ainda tinham em estoque.  

Naquela ocasião, quando anoiteceu, a lua cheia e macabra elevou-se imensa no céu escuro e quase sem estrelas. Assemelhava-se a um fantasma pálido e agourento flutuando acima da mastreação do galeão, a qual era inútil sem o vento. O luar macilento lançava seu reflexo frio e prateado na água totalmente parada.

Ainda que fosse noite, o ar era quente, asfixiante, como se saído do inferno. A cortina de silêncio quase palpável, carregado de promessas de morte e mensagens de insanidade foi dilacerada abruptamente pelo grito do vigia:

— Vela à vista!

Os marujos duvidaram de seus ouvidos. O vigia só podia ter enlouquecido. Não havia vento para inflar velas, como poderia haver um navio se aproximando? Os piratas, lívidos, suados e fracos, cambalearam para a amurada e viram.

Realmente viram um imenso navio que navegava em sua direção. Tinha as velas enfunadas e sua velocidade era tal que poderia se dizer que um vento poderoso, soprando na popa descomunal do barco, o impelia com ferocidade. Mas aquela cena era improvável.

O ar estava parado ainda ao redor do Pandora. Os ingleses contemplaram a água e nada nela havia mudado; o oceano continuava escuro e insondável, liso como vidro polido que rebrilhasse ao luar. Os olhos dos homens, incrédulos, iam das velas murchas de seu navio para a mastreação imponente do barco que se aproximava com as velas engordadas pelo vento sobrenatural. Depois, miravam o céu e o mar morto, quieto, silencioso como um túmulo gigantesco que estivesse à sua espera.

O medo era tamanho que paralisara os tripulantes do Pandora, os quais fitavam o barco recém-chegado com a certeza de que estavam todos loucos. Então, quando o navio estava perto o bastante, um gemido escapou dos lábios ressecados de Hope, o pânico revirando seu ser ao reconhecer o outro barco.

— Não... Não pode ser... – sussurrou o capitão de olhos arregalados e segurou-se na amurada para não cair vencido pelo cansaço, pela fraqueza e pela loucura.

O panorama que se descortinava diante dos olhos aterrados dos piratas era realmente fantástico, impossível de crer mesmo para aquelas testemunhas oculares, tão destemidas em todos os cantos do mundo, em cada mar por eles navegado, onde realizassem suas pilhagens impiedosas.

Para que algo assuste um corsário, é necessário que tenha origem sobrenatural, pois praticamente tudo o que é normal neste mundo já foi contemplado pelos bandidos do mar, e seu coração de pedra já se habituou a todas essas situações naturais. Mas aquilo que eles veem e não são capazes de explicar ou compreender, isso sim os amedronta. Ainda mais quando se trata do mistério que estavam divisando naquela noite de calmaria, no meio do mar ermo e sombrio, cuja superfície, liberta da ação do vento, estava plácida e silenciosa como a de um lago.


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Notas finais do capítulo

Curiosos?

Amanhã tem mais!


Obrigado por navegarem comigo!!!



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