Princesa Sparta: A Herdeira de Cronos - 1 Temporad escrita por EusouNinguém


Capítulo 6
A punição - Agatha




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Agatha acordou com o som de algo se quebrando. Deu um pulo da cama, jogando os lençóis para o lado. Correu para fora do quarto e olhou por cima da grade da escada. Jade estava um pouco mais a frente olhando lá pra baixo também.

— Fora daqui! Saia da minha casa!

A voz era a de Arnaldo. Outra vez o som de algo pesado se quebrando. Por um momento Agatha achou que ele estava brigando com um de seus tios, mas ai um homem que mais parecia um fantasma de tão branco apareceu no saguão à baixo das escadas seguido pelo tio-avô de Agatha que estava tão vermelho quanto um tomate.

— Nunca mais apareça! Não queremos saber dos seus assuntos.

— Eu ouvi a conversa de vocês na noite passada. – A voz do homem não passava de um sussuro. Agatha sentiu um nó em sua garganta – Vim aqui para esclarecer as coisas para vocês. Se ainda duvidavam, não duvidem mais ou terão sérios problemas. Posso não parecer, mas sou o mais amistoso que vocês conhecerão. E se qualquer um deles ouvir de novo a palavra “vagabunda” se referindo à minha irmã...

— Fora! – Eduardo apareceu tentando parecer corajoso, mas tremendo igual vara verde.

O homem estranho cravou os olhos em Eduardo. O tio de Agatha pareceu murchar. Se encostou na parede e se encolheu. Então o homem ergueu o olhar e seus olhos encontraram os de Agatha.

A garota prendeu a respiração e se agachou. Olhou para Jade e viu que a prima olhava imóvel para a cena abaixo. Houveram mais gritos de “fora! Fora!” e quando criou coragem suficiente para olhar de novo, o homem não estava mais lá.

— Pai? – A voz de jade estava tremula – O que esta acontecendo?

— Nada querida. Volte para o seu quarto, já esta tudo resolvido.

A garota não pareceu tão convencida assim, mas se afastou das grades e passou por Agatha indo em direção ao seu quarto. Parou na porta e se virou.

— Agatha, pode vir aqui um instante?

Desconfiada, Agatha seguiu a prima até o quarto e entrou fechando a porta.

— O que foi aquilo lá em baixo?

— Não sei... Eu já vi essa homem antes.

— O que? Você o conhece?

Jade se sentou na beira da cama.

— Não, eu não cheguei a conhecê-lo. Ontem de manhã, antes de vocês chegarem, eu fui ao mercado com o meu pai e enquanto eu olhava uma prateleira eu o vi.

— Assim do nada?

— Foi! Eu virei e ele estava lá falando coisas estranhas e eu me senti como uma criança à beira das lagrimas.

— Que tipo de coisas estranhas?

A prima de Agatha pareceu desconfortável. Desviou o olhar para a janela. Agatha percebeu que ela não iria falar nada.

— Sabe... Ontem quando eu cheguei seus pais tiveram uma reação bem estranha.

— Mais estranha do que aquela na cozinha na hora do almoço?

— Foi quase isso. Eu não faço ideia do que seja tudo isso, mas a reação deles e esse homem... Você diz que primeiro ele foi até você no mercado e agora ele vem até a sua casa.

Jade assentiu com a cabeça e voltou a olhar para Agatha.

— Você entendeu alguma coisa? Eu nunca vi meu pai nervoso daquele jeito: atirando coisas e gritando. O que será que o homem quis dizer com não poderem mais duvidar?

— Eu não faço ideia. Parece que alguém chamou a irmã dele de vagabunda e a família dele não gostou muito. O olhar dele quase me fez sair correndo e chorando. Se ele for o mais amistoso, não quero nem ver os outros.

— Sim. Parece que agora ele quer que meu pai faça alguma coisa... Ouviu ele falando que não queria saber dos assuntos do homem?

— Claro que ouvi! Eu estava bem do seu lado.

Um silencio tomou conta do quarto. Agatha sentiu-se muito inquieta e tomou a tarefa de quebra-lo.

— Você acha que se nós perguntássemos eles responderiam?

Jade fez que não com a cabeça e suspirou. Agatha encontrou-se admirando levemente a prima. O tal homem só havia olhado para ela e a garota se escondeu como um animal acuado... Já Jade teve coragem para encarar o homem e falar com ele no supermercado.

— Acho que a única pessoa que responderia as nossas perguntas é ele próprio. O jeito como ele te olhou... Pareceu que ele ia falar alguma coisa não é?

— Eu sei lá. Me agachei assim que nossos olhos se encontraram.

Jade pareceu estar tendo dificuldades para segurar o riso.

— Não tem graça!

— Claro que tem! Ele com certeza não é mau.

— Como você pode ter tanta certeza? Seu pai e o meu tio não iriam gritar com alguém que não desse motivo.

— Eu sei porque, se ele quisesse me fazer mal, teria feito no mercado mesmo. Meu pai nem chegou a vê-lo.

Agatha pensou um pouco sobre o assunto e viu que a prima tinha razão. O homem não revidou nenhum ataque. Só alertou-os para não duvidarem de alguma coisa.

Decidiu que já tinha pensado naquilo tempo o bastante e virou-se para a porta.

— Aonde você vai?

— Vou descer. Ainda não tomei meu café da manhã.

Já havia se passado uma semana que Agatha estava em Santos. Depois dos incidentes iniciais, mais nada tomou a paz da tranquila mansão dos Albuquerque. Sempre de manhã cedo a garota descia e as empregadas já estavam a todo o vapor trabalhando para lá e para cá. Bastava que Agatha se sentasse à mesa que em questão de segundos já apareciam bandejas com o café da manhã.

No começo a garota se sentia estranha com o fato de ter pessoas a sua volta, colocando a comida no seu prato como se ela não tivesse duas mãos. Mas acabou se acostumando com isso depois de alguns dias.

Agatha passava mais tempo fora do que dentro da mansão. Logo depois de tomar o café, ia para o pátio passear e respirar ar fresco (coisa difícil de encontrar em São Paulo). Sempre ia aos estábulos e alisava a crina dos cavalos. Brincava com os cães de guarda que ficavam presos no canil de dia e só eram soltos a noite. Agatha descobriu os canis no quarto dia e acidentalmente havia deixado o portão aberto (pelo menos foi isso que ela disse ao ter que explicar como os cachorros conseguiram sair). No final do dia os empregados já haviam conseguido capturar todos os seis cães e coloca-los de volta no canil e uma das cozinheiras, que aparentemente tinha fobia de cães, foi parar no hospital depois de desmaiar.

Às vezes quando andava pela propriedade seus pés a levavam até o portão. Ali se encostava com as mãos nas grades e ficava olhando para a mata ao redor. Sempre que a via o porteiro colocava a cabeça para fora da guarita e gritava:

— Senhora Jade? Deseja sair?

No começo a garota se irritava e gritava de volta falando que não era Jade, e que Jorge, o porteiro, era cego por não perceber a diferença. Porém com o passar dos dias na mansão era tão confundida com a prima que parou de se irritar e limitava-se a abanar a cabeça negativamente quando ele lhe perguntava se queria sair. Depois se afastava da grade e voltava para a casa.

Agatha acordou com o som de um trovão estremecendo a terra. Pulou da cama e olhou pela janela. O sol das oito horas da manhã brilhava no céu do dia 26 de Agosto. Nenhum sinal de chuva. O trovão foi no meu sonho, acalme-se. Agatha tremia muito, passou a mão na testa e viu que suava frio.

— Foi só um sonho. O mesmo sonho idiota de sempre. – disse consigo mesma.

Foi até o banheiro jogar água no rosto e desceu para o café. Aparentemente os outros ainda estavam dormindo então Agatha tomou café da manhã sozinha com as empregadas rodando em volta dela igual a moscas. Ainda não tinha certeza se elas sabiam diferencia-la de Jade, mas decidiu não se importar com isso. Não adiantaria...

Terminou de comer, pegou uma maçã da fruteira e saiu da casa. Contornou o chafariz e foi na direção dos estábulos. Alisou a crina de um grande cavalo preto com uma mancha branca que ia do focinho até a testa. Era o que ela mais gostava.

— Oi garoto, sentiu minha falta? – estendeu a mão com a maçã para o cavalo e ele comeu-a em sua mão. – Aposto que você poderia arrancar minha mão se quisesse.

Ao pensar nisso, notou o perigo que era encostar a mão tão próxima da boca de um cavalo alheio. Em garotas normais esse pensamento ia causar terror e fazê-las se afastarem, mas Agatha era diferente. Puxou o trinco da porta de madeira que prendia o cavalo e entrou.

— Calma garoto, esta tudo bem.

Aproximou-se do cavalo e acariciou seu focinho. Olhou em volta, viu uma sela na parede, mas não fazia a mínima ideia de como colocar aquilo e também não tinha altura suficiente para enxergar o lombo do animal. Ao lado estava a rédea. Pelo menos isso é fácil de colocar. Encostou o portão de madeira atrás de si e foi sem direção à parede oposta pegá-la. Encostou a parte de metal na boca do cavalo que abriu-a e segurou a parte da rédea que lhe cabia entre seus enormes dentes.

Sorrindo Agatha puxou a rédea para conduzir o cavalo até perto da cerca. Olhava atenta para o chão de feno e desviava de todas as manchas suspeitas. Quando conseguiu alcançar a cerca, prendeu a rédea do cavalo em um tronco e escalou-a. Agora estava na altura do lombo do grande cavalo preto.

— Vem aqui. Isso! Bom menino, chega mais perto.

Deu um leve puxão na rédea e o cavalo deslocou-se mais para o lado, para perto de onde Agatha estava. A menina passou uma perna por cima do lombo do animal e montou. Prendeu a respiração por alguns segundos imaginando que o cavalo iria se empinar e dar coices até conseguir derruba-la, mas ele não fez nada disso. Agatha então estendeu o braço e libertou a rédea do tronco. Segurou-a com as duas mãos e deixou as costas eretas.

— Muito bem, lá vamos nós. – bateu nos flancos do cavalo com os calcanhares e ele começou a andar devagar. A garota prendeu as pernas o melhor que pôde ao redor do corpo do cavalo, mas era difícil fazer aquilo sem a sela e era a primeira vez que ela montava em um cavalo.

Conduziu-o para perto do portão de madeira e deu um chute, abrindo-o. Sacudiu as rédeas e o cavalo disparou portão a fora.

Agatha teve muita dificuldade de se manter em cima do animal. Para todo o lado viam empregados correndo tentando parar o cavalo e gritos de “Jade! Jade!”. Agatha começou a rir. Não se lembrava de ter rido assim nunca na sua vida.

Conduziu o cavalo em círculos pelo pátio com o jardineiro em seus calcanhares. Atiçou o animal para ir mais rápido e quando se distanciou do jardineiro o fez dar meia volta. O jardineiro parou com uma cara de “não se atreva, mocinha”. Agatha bateu os calcanhares no cavalo fazendo-o correr na direção do pobre homem que largou sua tesoura de jardinagem e te atirou para dentro do chafariz.

Agatha riu mais ainda e passou a perseguir as empregadas que gritavam como hienas enjauladas. Toda a gritaria e relinchos acordou o pessoal da casa que partiu correndo porta a fora para ver o que estava acontecendo.

O que viram foi uma garota de treze anos em cima de um cavalo sem sela perseguindo as empregadas enquanto o animal parava para sacudir a crina de vez em quando. Ele estava claramente gostando da brincadeira.

A menina nem ao menos percebeu que seus tios, Jade e os pais dela estavam parados na porta escancarada da mansão olhando-a de boca aberta. Não tomou conhecimento deles até ouviu o grito já conhecido de:

— AGATHAAAA!

Puxou a rédea do cavalo com força para fazê-lo parar, mas o animal se empinou relinchando. Agatha se agarrou no pescoço dele com rapidez suficiente para não cair. Puxou a rédea novamente e o cavalo parou. Dois seguranças vieram correndo, um segurou a rédea do cavalo e outro tirou Agatha de cima do animal. Assim que a colocou no chão a garota ouviu a voz de Eduardo com a segunda frase mais conhecida:

— EU VOU PEGAR VOCÊ SUA...

Mas Agatha havia convivido treze anos com ele e sabia como escapar. Pulou para longe do alcance das mãos do tio e disparou pelo pátio com ele em seus calcanhares. Quando olhou para o portão, percebeu que este estava aberto, pois Jorge havia entrado para tentar parar o cavalo.

Disparou naquela direção com o tio atrás gritando:

— Peguem-na! Peguem-na!

O jardineiro foi o primeiro a atender a ordem do tio da garota. Veio correndo para barrar-lhe o caminho ainda pingando devido ao mergulho no chafariz. Agatha se jogou no chão e passou por entre as pernas do homem e continuou correndo. Quando olhou para trás viu um mutirão de empregadas raivosas correndo atrás dela como hienas e acabaram de ser libertadas.

Estava quase chegando no portão, mas Jorge chegou à guarita primeiro e acionou o botão fazendo-o se fechar antes que ela pudesse se aproximar mais. Parou de correr e as mãos molhadas do jardineiro a seguraram.

Quando Eduardo finalmente se deu por satisfeito, largou o pescoço de Agatha e saiu do quarto gritando:

— Ela sempre faz isso! Sempre me desafia.

Assim que a porta se fechou atrás dele, a menina se sentou na cama tossindo. Não conseguia respirar devido aos apertões fortes de seu tio. Levantou-se cambaleando e foi até o banheiro para ver como estava sua aparecia dessa vez. Eduardo sempre tinha cuidado para não bater no rosto de Agatha, mas dessa vez ele pareceu se esquecer disso.

Olhou no espelho e lagrimas subiram aos seus olhos. Ela nunca chorava na frente dele. Não queria dar a Eduardo esse gostinho. Bom, pelo menos os empregados não vão mais me confundir com ela por um tempo. Afastou-se da imagem no espelho. Não estava tão ruim: só um filete de sangue escorria pelo seu lábio, o olho direito estava vermelho e aparentemente iria ficar inchado, mas não chegava a estar roxo.

O pior estava nas partes que não ficavam expostas. Ela levantou a blusa para ver como tinha ficado sua barriga depois de tantos chutes. Havia uma marca grande e disforme que com certeza ficaria esverdeada e roxa. Sentia como se suas costelas tivessem se partido, mas sabia que isso era impossível, pois ela estava de pé. Virou-se de costas para o espelho e olhou para trás tentando ver as marcas deixadas nas suas costas. Não estavam piores que as da barriga.

Abaixou a blusa e se aproximou do espelho de novo. Checou se havia algum dente quebrado, mas não chegou a tanto. Já estava acostumada com os corretivos do tio. Apoiou as mãos na pia e encarou seu reflexo machucado. Se eu tivesse um pai, ele não ousaria colocar as mãos em mim. Enquanto tinha esse pensamento, lembrou-se da vez em que ela havia “sem querer” arranhado o carro de sua mãe com o skate. Seu tio havia segurado suas mãos sobre as bocas do fogão. Agatha ficou dias com as mãos enfaixadas apesar de as bocas não estarem quentes o suficiente para deixarem marcas permanentes e serias. Sorriu se olhando no espelho Valeu a pena, o maldito arranhão ainda esta na porta do carro.

Sempre arrumava desculpas muito boas para os machucados. Todos da escola e da vizinhança sabiam como ela adorava aprontar então acreditavam quando ela falava que determinado corte ou roxo provinha de uma queda ou briga com alguma garota rival. Que desculpa eu arrumaria dessa vez? Calma pessoal, eu só fui pisoteada por um grande cavalo preto. Riu em alto e bom som. Seria uma desculpa perfeita.

Ninguém de sua família se importava com os métodos de Eduardo. Sua mãe sempre saia e fingia não ver os corretivos. Heloisa brigava com o filho, mas este não era mais nenhuma criança e não obedecia as ordens da velha mãe. O único que algumas vezes se metia no meio era Caio. Ele sempre se colocava entre o Eduardo e Agatha, mas Caio nem sempre estava por perto ou às vezes Eduardo conseguia contê-lo como havia feito minutos atrás atirando o irmão para fora do quarto e fechando a porta.

Jogou água no rosto e se afastou do espelho. Não importa o que seu tio fizesse, não importa quantas vezes ele lhe batia. Ela sempre erguia a cabeça e continuava a ser como era. E era exatamente isso que ela ia fazer.


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