A Morte Também Salva escrita por TiaSebastiana


Capítulo 6
A fina linha entre a loucura.




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Eu arregalei meus olhos.

— Você... Você fala?!

— Como não falaria? E não é educado ficar sem responder perguntas.

O gato pulou da janela, indo até o centro do meu quarto.

— Eu... Eu estou louco?

— Miau! Responda-me!

Eu coloquei a mão no rosto. Recomecei a chorar. Eu estava ficando louco. Gatos não falam, não fazem perguntas. Nem mesmo em sonhos.

— Eu. Estou. Louco.

— Miau! Isso é um bom começo.

— Bom? Como poderia ser bom?

— Você me respondeu miau. Isso é bom.

Eu ri em silencio, as lágrimas não eram quentes como normalmente, eram geladas e pareciam ser feitas de geléia.

— Eu vou dar uma volta. - Me levantei, e olhei as minhas mãos, era mesmo geléia. - Eca! Que merda é essa?!

— Acho que vou ter que te explicar. Você é muito lerdinho pra entender. - Ele se espreguiçou, abrindo a boca e esticando o rabo. - Essa, é sua mente. Seu mundo de sonhos e pesadelos. Memórias, boas e ruins, sentimentos, bons e ruins. Tudo esta aqui.

— Haha... Hah... - Meu sorriso desapareceu.

Minha mente. Não poderia acreditar. Abria a porta do quarto, iria dar uma volta pela minha mente.

O corredor estava escuro, a luz que vinha da janela do meu quarto não passava pra fora, luz não entrava ali.

Desci as escadas, passei pelo hall e abri a porta de entrada. Lá fora, chovia. O gato veio correndo atrás de mim, fazendo um som de sinos. Olhei em seu pescoço para ver se tinha alguma coleira, nada. Eu iria ter que me acostumar com isso.

— Você vai para a ponte? - O gato perguntou.

— Como você sabe. Como sabe?

— Sei de muitas coisas, miau.

Seguimos em silencio para a ponte Wilder, a chuva batia forte em meu rosto, mas eu não me sentia molhado, o gato também estava seco. Eu ri em desespero e comecei a correr. Queria ver como minha mente interpretada a ponte. Meu refugio mágico de isolação.

Parei em frente à ponte. Nada. Ela estava como sempre esteve. Nada estava diferente. Segui para o lugar de sempre, me sentando no muro. Olhei em volta... O gato não estava mais comigo. Olhei a correnteza abaixo de mim, a água não era escura como sempre, refletia como se estivesse dia, e não a tempestade seca acima de mim. Olhei cuidadosamente meu reflexo. As roupas pretas, o cabelo bagunçado. Atrás de mim, um vulto preto começava a se formar. Parecia uma mulher velha, segurando um guarda- chuva. Ela veio até mim e eu senti mãos geladas nas minhas costas. Ela me empurrou.

Meu mundo girou e me vi caindo da ponte. Gritei pedindo ajuda. No fundo eu sabia que nada iria vir, fechei meus olhos e prendi a respiração, me preparando para cair na água.

Então... O nada veio. Nada. Não senti a água gelada no meu corpo. Abri os olhos e olhei em volta. Parecia que eu estava em um mar de lençóis brancos, brancos e quentinhos a minha volta. Olhei para cima, nada... Para baixo também nada. Experimentei tentar nadar, mas, não conseguia sair do lugar. O real desespero bateu quando senti mãos quentes nos meus tornozelos. Olhei para baixo, nada. Novamente nada. Conseguia sentir o corpo indo para baixo, me arrastando com os lençóis. Tudo começou a ficar turvo, os lençóis foram gelando e eu ouvi um grito desesperador.

Meu coração doeu. Coloquei a mão no peito respirando pesadamente. Olhei em volta, ainda estava em cima da ponte. Chovia. Agora estava começando a ficar molhado, o gato estava ali ainda, deitado no muro olhando pra mim.

— O... O... Que foi isso que aconteceu?

Ele se limitou a miar pra mim.

— Não vai me responder? Que merda aconteceu aqui?

Mais um miado.

— Você... Não fala não é?

Eu ri, jogando a cabeça pra traz. Agora também era sonâmbulo. Virei-me para casa, iria fazer minhas malas e deixar aquele inferno.

Cheguei ao portão e fiquei paralisado. O jardim estava destruído.

Que horas eram?! Eu precisava pelo menos das minhas roupas. Se eu entrasse em casa de fininho, será que ele iria perceber? Abri a porta vagarosamente. Nada. Subi as escadas, evitando os degraus que gemiam ao pisar. Lá em cima, o som de sexo grotesco enchia o ambiente. Era como se os gemidos de dor e prazer se misturassem a mobília, as paredes e grudavam em tudo. Até mesmo em mim, me estremeci de nojo e entrei no quarto. Tudo estava revirado. Respirei fundo enquanto silenciosamente pegava uma mala e colocava a maioria de minhas roupas. Peguei meu celular e carregador, deixando os livros de escola, os pôsteres e todas as lembranças jogadas nas gavetas. Desci as escadas, a surpresa foi ver uma bolsa de mulher e a carteira do meu padrasto em cima da mesa da cozinha. Sorri, eu já estava no inferno mesmo. Que mal poderia fazer? Ele não iria atrás de mim no hospital. Peguei o máximo de dinheiro que consegui achar e sai para a rua. Roubei também seu guarda- chuva. Segui para o distrito comercial, atravessando a ponte e passando em frente a nossa antiga casa. Gelei. A janela do quarto estava acesa. As paredes pareciam recém pintadas. Não havia nenhum som lá dentro, um gato preto dormia na janela da sala despreocupado. O mesmo gato. Dormindo na minha antiga casa. O gato que falava comigo quando queria e que podia entrar em sonhos.

Balancei a cabeça. Tinha que ser loucura. Eu iria pedir para ver um psiquiatra quando chegasse ao hospital.

— Você sabe que não é.

Segurei o peito que queimava. Não me atrevi a olhar para trás. Era a mesma voz. Corri. Corri como se estivesse sendo perseguido por um maníaco.

Só parei quando cheguei a porta do hospital. Estava todo molhado. Trazer o guarda- chuva não tinha adiantado de nada afinal. Entrei no prédio branco e a garota estava lá, conversando com a enfermeira chefe.

— Tem certeza? - Ela perguntava preocupada. - Você sabe que posso ficar.

— Não se preocupe, tenho certeza que ninguém esta por aqui, nenhuma... - Ela interrompeu sua frase, olhando para mim.

A garota de preto também ficou calada.

— Vou ir então. Se cuide Astrid.

Ela começou a sair. Astrid? Sempre achei que o nome daquela enfermeira fosse Melissa.

— Você... Pode me emprestar?

Ela olhou lá fora, para a chuva. Eu ainda estava com o guarda- chuva nas mãos, com a maior cara de idiota do mundo.

— Você é linda. - Eu disse, sem perceber o clima.

— Obrigada. Mas, pode me emprestar seu guarda- chuva?

Eu pisquei. O que eu tinha dito? Queria abrir um buraco no chão e colocar a cabeça pra dentro.

— Claro. Claro. - Eu entreguei o guarda- chuva para ela. Vermelho feito um tomate. Ela agradeceu e saiu.

— Como é lindo o amor adolescente.

Eu me virei, encarando a enfermeira.

— Venha. Trocamos sua mãe de quarto. Você precisa urgente dormir um pouco.

Ela me levou a ala dos pacientes que tinham convenio. Eram salas amplas, com janelas grandes e um banheiro privado para cada um.

— Sua mãe acordou essa manhã. Perguntou de você e não disse mais uma palavra se quer. Ela pode acordar por curtos períodos e ficar lúcida. Eu aconselharei de você não sair do lado dela. E... Não diga nada sobre seu padrasto a ela sim? Quarto 522. O Doutor Lucio ira vir ver como você esta amanha.

Ela me entrou a chave do quarto. Amanha? Hoje de manha? Quanto tempo eu tinha ficado fora? Eu precisava urgente de um médico.


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