Primavera Sem Rumo escrita por Anne Ribeiro


Capítulo 4
Capítulo 4 - Louise Austen


Notas iniciais do capítulo

Esperamos que gostem!



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Sábado, 08 de Junho de 2012 - Igreja Católica.

Desde pequena, minha avó lia livros de contos de fadas para mim. Percebi que aquele mundo no qual princesas viviam era onde queria estar. E ela conseguia entender essa minha paixão, pois sempre me tratou como uma verdadeira princesa. Independente disso, me ensinava tudo que deveria saber para uma pessoa comum conseguir sobreviver normalmente no mundo real. Quando tive idade suficiente para entender as coisas, ela decidiu me contar tudo que acontecera com meus pais. Eu sofri, mesmo sem saber como eles eram, era o mínimo que podia fazer. Nesse dia, ela mostrou algumas fotos deles para conhecer suas aparências. Logo depois dessa revelação arrebatadora, fantasiar a vida realista virou o meu principal refúgio. Comecei a sonhar acordada com tudo que era relacionado aos contos de fadas, porque nesse mundo fantástico quase tudo era mais fácil de se lidar. As minhas realizações pessoais eram me imaginar sendo como elas em cada conto. No entanto, infelizmente, era um sonho no qual nunca poderia se realizar, mesmo que eu viajasse o planeta inteiro apenas andando de joelhos. Mas o meu maior sonho, que estava no topo da minha lista, era encontrar amor da minha vida inesperadamente e me apaixonar perdidamente por ele sem qualquer aviso prévio e poder ser feliz para sempre ao seu lado.

Foi então que esse meu maior desejo, que era me casar, estava prestes a se realizar. Agora estava na frente das grandes portas de madeira escura da igreja esperando pelo meu príncipe encantado. Pelo menos era o que achava, porque ele parecia perfeito, mesmo sabendo que não o conhecia o bastante para ter tanta certeza.

— Nem acredito que esse dia finalmente chegou! — balbuciei para minha avó que estava ao meu lado esperando que a marcha nupcial começasse a tocar para podermos entrar.

— Está ansiosa, não é? Você não para de esfregar as mãos umas nas outras — ressaltou ela, notando meu nervosismo visivelmente evidente, sendo exposto da maneira menos involuntária possível.

— Sim, e um pouco nervosa também. Mas, isso é normal, não é? Essa sensação de incerteza... Digo, todas as noivas e noivos têm esse surto minutos antes de se casarem, né, vó? — falei tão rápido que minha avó ficou confusa. Conquanto, tornei a falar mais devagar para ela entender.

— Ah, minha filha, é claro que isso é normal. No meu casamento com seu avô quase fugi faltando apenas 5 minutos para entrar na igreja. Ele quase teve um infarto. — alegou para me acalmar, desfrutando-se do seu passado. Ela sorriu e fiz o mesmo gesto.

— Queria que minha mãe estivesse aqui para me ver com o vestido dela. E meu pai para entrar comigo na igreja — lamentei para ela. A verdade era que não tinha nenhuma lembrança na memória dos meus pais. A vovó me disse que eles sofreram um acidente de carro, mas não resistiram aos graves ferimentos que tiveram. Minha mãe ainda tinha alguma chance ou eu tinha alguma chance de sobreviver por estar na sua barriga. Apenas uma conseguiria se safar da morte, e essa pessoa fui eu. Ela escolheu me deixar viver. Senti uma lágrima descer automaticamente pela minha bochecha.

Mesmo sem realmente conhecê-los, sentia, a cada santo dia, falta de ter pais presentes na minha vida, como meus colegas do colégio tinham. Eles reclamavam constantemente que precisavam ter mais privacidade porque já estavam grandinhos o bastante para continuarem apegados aos pais. Entretanto, não tinham noção de como era viver sem eles. Sem o amor, o carinho, os cuidados, os ensinamentos... realmente não faziam ideia da sensação de vazio que consumia arduamente seu peito quando não os via ao seu lado no momento em que mais precisava de auxílio.

— Eu sei, querida, eu sei. Também queria que estivessem aqui. — sussurrou e apertou minha mão para me confortar. Neste mesmo instante, a marcha nupcial começou a tocar; abriram as portas e entramos.

Era uma Igreja Católica bem característica da Inglaterra e pequena. No entanto, tinha espaço suficiente para acomodar a família inteira do meu noivo, minha única parente viva, o padre, meu noivo e eu. No centro, que dividia os demais bancos enfileirados, havia um longo e tradicional tapete vermelho. Colocaram em cada lateral dos bancos um bouquet de flores-cravo com três tipos diferentes: brancas, riscado e rosa. Dávamos um passo de cada vez, totalmente envolvidas nas badaladas da marcha. Estava rezando para que isso acabasse logo e pudesse ficar com meu marido e nosso filho para sempre, mas parecia que a cada passo que dava, o altar e eu ficávamos simultaneamente distantes um do outro.

Uma semana antes do casamento, minha avó contara detalhadamente sobre o casamento dos meus pais. Direcionei meus olhos para vislumbrar o rosto do meu noivo com a esperança de capturar o mesmo semblante que meu pai tinha em sua face, ao passo que via minha mãe atravessar o longo tapete vermelho, que os afastava por alguns metros, com seu lindo vestido branco, seu véu preso ao cabelo castanho escuro solto. Quando a vovó Suzzie mostrou-me as fotos deles, havia algumas que a mamãe estava usando o seu vestido de noiva. Era simples, mas o que a deixava mais linda ainda era aquele brilho em seus olhos. Dessa forma, ela também contou que a mamãe era a mulher mais linda que papai já vira em toda sua vida, e foi quase exatamente por isso que os olhos azuis dele brilhavam e em seu sorriso havia uma mistura de alegria, atração e sedução. A paixão deles dois consumia-os de uma forma tão merecedoramente inestimável que eles não conseguiam enxergar as pessoas na igreja, mas isso não importava para eles. Porém, quando chegou o meu dia não consegui ver nenhum brilho, nenhum sorriso estampado no rosto daquele garoto de apenas dezessete anos que me esperava no altar, cujo o bebê que carregava em minha barriga era seu filho. Meu sorriso que insistia em carregar durante a trajetória até o altar se desfez automaticamente e tudo que senti, a alegria que me consumia foi estilhaçada em milhões de pedaços. Parei de andar abruptamente.

Esse casamento fora induzido pela minha avó após saber que engravidara dele. Sim, foi um casamento forçado, mas tudo que ainda sentia por ele era verdadeiro. Será que ele não me amava mais? Aliás, ele algum dia disse que me amava? Eu não sabia dizer.

Faltava apenas mais dois passos para chegar perto dele, todavia continuei parada por um tempo sem saber o que fazer.

— Querida? O que está havendo? — indagou vovó com um tom de preocupação na voz.

— Vó... não sei se consigo fazer isso — declarei, murmurando de volta para que só ela pudesse ouvir.

— Por que não, meu amor?

— Porque ele não me ama.

— Ah, minha querida! Mas, e o seu bebê? Esse é o seu futuro agora. Faça isso pela sua criança — disse, categoricamente para reforçar o seu argumento exposto quando soube que estava grávida.

Ela tinha razão. Ainda que ele não gostasse de mim, o principal motivo pelo qual fez me decidir casar foi pelo nosso bebê. Sinceramente, não planejava me casar tão cedo assim, pelo menos não antes de terminar a faculdade e ter um emprego fixo. Mas, embora ele não tivesse sido planejado por nós, não merecia crescer sem um pai. Conhecia a dor que era presenciar a ausência de algum ente querido e foi exatamente por isso que ergui minha cabeça esperando apenas alguns segundos para me recompor e voltar a seguir em direção ao meu único destino.

— Tudo bem. Pelo meu filho. — concordei, determinada a fazer as coisas darem certo.

****

Depois de simplesmente passar anos acreditando no irreal, que era os contos de fadas, limitei minhas chances de viver no mundo real. Pensei que se adiantasse meu crescimento como as princesas, tudo sairia como esperava. Pensei que se encontrasse o amor da minha vida mais rapidamente teria tempo de sombra para aproveitar tudo o que não aproveitara sozinha junto com ele, já que não existia mais ninguém na minha vida, além da minha avó. Entretanto, tudo isso que imaginara era uma farsa alucinante que criara na minha mente. Nada era nem podia ser perfeito porque isso não existia. E por mais que acreditasse até o fim que era, eu podia sentir uma parte dentro de mim, dizendo que era mentira. E, na mais pura e irreversível realidade, percebi que a cada passo que dera naquele tapete vermelho da igreja, seus olhos negros transmitiram insegurança, medo e repulsão. De uma forma inimaginável, minhas escolhas foram evasivas a ponto de forçarem a me casar precocemente com alguém que pensava que amava, mas que na verdade nem chegava perto de amor. Por que tínhamos que notar essas coisas apenas depois de decidir o que era "melhor" para nossas vidas? Agora entendia que era apenas depois que percebíamos o quão ruim foram nossas escolhas na vida, no entanto, felizmente nessa loucura toda tinha um lado bom. Pois era errando que aprendíamos a fazer o certo e, com isso, não erraríamos nem se quiséssemos.

Estávamos chegando no hotel que reservaram para nós. Se nem de longe era o que imaginava que seria, de perto poderia ser ainda pior. O hotel era basicamente constituído por três andares. Era notavelmente um hotel pouco luxuoso, pois nem uma pintura para melhorar o visual tinha. Jason estacionou o carro em uma garagem exclusiva do hotel e fomos pegar a chave do nosso quarto.

— Olá, com licença. Temos um quarto reservado para o Sr. e Sra. Bloedorn — proferiu ele com uma carranca estampada em seu rosto, assim que entramos no hotel e nos direcionamos para o balcão da recepção. Deve ter percebido algo que não percebi, pois quando entramos no hotel sua expressão mudou completamente. Reparei rapidamente no recepcionista. Ele tinha um cabelo loiro escuro e seus olhos esverdeados transmitiam uma sutileza incomparável que me fez querer olhá-lo por mais tempo que o limite de uma mulher casada poderia deixar.

— Olá! Boa noite, senhor e senhorita! — exclamou alegremente olhando para cada um de nós separadamente. Corei involuntariamente quando seu sorriso resplandeceu ainda mais assim que fixou seu olhar em mim. Tive uma convulsão interna após passarem-se alguns incessantes segundos com ele olhando apenas para mim. Assim, descaradamente com meu marido ao meu lado presenciando tudo. Tive que mudar a direção dos meus olhos, senão haveria uma briga justo no lugar que passaria a lua de mel. — Sejam muito bem-vindos ao nosso hotel! — saudou-nos educadamente retornando à realidade, enquanto o semblante de Jason se intensificava ainda mais deixando-o maleficamente sombrio. Quando o recepcionista o olhou novamente, engoliu a seco provavelmente com medo da reação dele por ter exagerado na ousadia de encarar atrevidamente uma mulher acompanhada. Então resolveu ir diretamente ao assunto abordado. — Ok, vou verificar em qual quarto estão — respondeu temerosamente. — Estão no segundo andar, quarto nº 63 — olhou para baixo e remexeu em alguma gaveta para pegar a chave. — Aqui está! — disse entregando-a.

— Obrigada — ao contrário do meu marido, agradeci educadamente, mas ele já estava me arrastando pelo braço agressivamente.

— Tenham uma boa noite! — sabendo que agradeceria de um jeito ou de outro, resolveu arriscar a sua vida com aquelas palavras intencionalmente cobiçadas.

Por fim, tornando real a sua teoria da conspiração, agradeci virando meu rosto, mas apenas com um aceno de cabeça, pois sabia que Jason estava irritado com aquela situação. Notei que ele dera um sorriso ainda mais amplo com esse meu gesto. Repreendi todos os meus pensamentos sobre aquele sorriso incrível e continuei andando. Durante a nossa caminhada com a intenção de irmos para o nosso quarto, o homem que estava ao meu lado finalmente decidiu falar alguma coisa.

— Foi só eu que percebi ou aquele cara cravou o olhar descaradamente em você assim que a gente colocou nossos pés aqui? — perguntou com a cabeça erguida sem demonstrar nenhuma feição que deixasse claro seu ciúme repentino.

Fiquei estática assim que proferiu essas palavras porque ele nunca, definitivamente nunca teve um ataque de ciúmes quando estava comigo. Muito menos admitir, mesmo que indiretamente. Essas palavras rapidamente inflaram meu ego adormecido. Não era sempre que conseguia presenciar algo tão raro como esse momento acontecer, por isso tive que aproveitar o máximo possível desse episódio inconstante.

— Jura? Nem tinha percebido — falei sorrindo internamente, e fazendo um papel ingênuo.

— Ah, tá de sacanagem! Você deve ter notado alguma coisa, com certeza, Lou. O modo como ele ousou fazer aquela expressão enquanto te olhava como se eu não estivesse ali do seu lado... Sério, faltou pouco para não socar a cara daquele idiota — proferiu enraivecido perante a tamanha audácia do recepcionista.

Parei de andar colocando as mãos sobre os joelhos e comecei a gargalhar como uma hiena descontrolada. Não podia acreditar que estava ouvindo aquelas palavras saírem despropositadamente de sua boca. Ele franziu o cenho no instante em que me olhou, provavelmente se perguntando o motivo pelo qual me fez rir desse jeito.

— Ai, Jay... — coloquei uma mão sobre a minha barriga, que já estava doendo, e tentava me controlar para clarear seus pensamentos e responder suas perguntas expressivamente faciais.

— Qual é a graça, Lou? — perguntou, sem entender nada.

— É que... você fica tão engraçado com ciúmes. Nunca o tinha visto se preocupando tanto por algo tão simples como aquilo.

— Simples? Sério mesmo que acabou de dizer isso? — indagou abismado com a minha resposta imprevisível, especialmente para ele.

— Sim, ué. Simples. Não é só você que consegue arrancar suspiros das pessoas, Jay. Vai se acostumando e se você não sabe, essas coisas sempre aconteceram comigo. Tá legal, não era sempre, mas de vez quando acontecia.Você que estava ocupado demais consigo mesmo e não prestava atenção ao seu redor. — falei, forçando o meu lado pretencioso aparecer para provocá-lo. Tudo bem, sinceramente não era como se eu me achasse a rainha do pedaço nem mesmo a princesa — na verdade, no meu mundo fictício, sim, mas no mundo real não —, porque não eu chegava nem perto de alguém assim. Nunca fui muito confiante quanto a minha aparência, no entanto, isso que disse era puramente verdade. Por mais que nunca tivesse sido presunçosa a ponto de me gabar e andar por aí de cabeça erguida por ser bonita, percebia que alguns garotos me olhavam maliciosamente e isso me fazia tirar conclusões se devia ser ou ter mesmo um pouco de verdade.

— Nada a ver! Isso é uma blasfêmia contra a minha pessoa — retrucou furioso pela repentina revelação acusativa.

Comecei a rir de novo, mas dessa vez moderadamente. Se ele queria tirar seu nome da reta, estava definitivamente fracassando porque com essa resposta ele simplesmente se entregou. Ele realmente achava que era superior a todo mundo, como pude gostar de alguém como ele mesmo? Aliás, por que é que essas questões resolviam, sempre, dar o ar da graça apenas quando já era tarde demais?

— Você acabou de se entregar, Jay. Não tem mais o que dizer. E se realmente não percebeu isso antes, estava enganada sobre você. Você é mais narcisista do que pensei. - proferi chegando perto dele. — Mas, por incrível que pareça, essa coisa toda me faz sentir atraída por você. — falei dando um sorrisinho irônico e ultrapassando-o no mesmo instante.

— Você sabe que era eu que devia estar dando esse sorriso, dona Lou. Está me substituindo e nem percebi — murmurou, alto o bastante para ouvi-lo.

Olhei para trás ainda andando e pisquei para ele.

— Tive um bom professor, querido! — falei, orgulhosa por aprender sozinha, mesmo tendo ele como exemplo.

Ele começou a acompanhar meus passos com uma expressão emburrada no rosto. Era engraçado vê-lo daquele jeito. O hotel não tinha elevador, por isso tivemos que subir as escadas para chegar no segundo andar daquela joça. Depois daquela discussãozinha ficamos em silêncio por alguns milésimos até ele cortá-lo sem remorso.

— Sabe, essa coisa de casamento é bem chata. Não acha? — pronunciou ao meu lado, relutantemente.

— Não acho, não. É lindo ver o casamento de alguém. Ver os olhos dos noivos brilhando de felicidade. Ah, e o vestido? — contrariei intencionalmente para que ele se sentisse contestado sobre o próprio assunto que resolveu dar a vida. Se ele sabia que gostava de toda essa coisa de casamento, por que é que ele tocou no assunto?

— Aaarghh. Não sei por quê fui perguntar isso à você. Esqueci que é fanática nessas coisas — evidenciou, mas fora tarde demais.

— E sou mesmo. Mas até que nosso casamento improvisado não foi um dos piores — balbuciei, sendo sincera comigo mesma. Por mais que tivesse idealizado todo o meu futuro quando era pequena e também na juventude, esse casamento que tivemos não fora tão ruim assim.

— Exceto a parte da dança. Sou péssimo nisso — disse. também sendo sincero.

— Nossa, isso é verdade. Meus pés estão doloridos, por falar nisso — proferi, com escárnio.

— Ah, vai se lascar, Lou! — disse e me deu um empurrãozinho com o braço encostado na lateral do corpo. Isso nos fez rir e relaxar por alguns segundos.

Essa ideia de estarmos juntos, que até agora há pouco considerava ser a pior decisão da minha vida, foi por um momento substituída pelo seu sorriso descontraído que consequentemente me fez criar esperança quanto a nós dois. Mesmo que não estivéssemos felizes um com o outro, naquele instante, estávamos tendo um momento honrável. Talvez até pudéssemos criar nosso próprio vínculo que não adquirimos antes. Talvez esse seja um sinal para tentarmos e persistirmos mais uma vez. Quando trata-se de amor, só podemos recriá-lo se quisermos tê-lo de volta. Talvez ainda possamos fazer isso dar certo. Fiquei feliz com o que essa pequena brecha poderia nos levar daqui para frente. Tínhamos chegado em frente ao nosso quarto reservado do hotel.

Voltando à realidade instantânea, aquele lugar onde passaríamos a lua de mel era realmente memorável, mas também deplorável.

— Então é aqui que passaremos nossa lua de mel — afirmei descontente, assim que ficamos de frente para a porta.

— Sim, é. Não gostou? — perguntou com um sorrisinho irônico nos lábios.

— Não, não é isso. É que... é a primeira vez que venho em um hotel — menti. Aquele lugar estava caindo aos pedaços. Desde quando uma lua de mel tinha que ser num lugar horrível desse?

Toda essa descontração que tivemos desde quando chegamos aqui, me deixou tão ocupada que não tive tempo de reparar ardilosamente nesse hotel.

— Hum... bem, aproveite porque foi meu pai que se ofereceu para pagar as despesas. Coisa de presente de casamento, obviamente — colocou a chave na fechadura e abriu a porta.

Aproveitar o que?? Aqui não tinha nada para aproveitar. - pensei.

— Ahm, tá... — fiquei de queixo caído quando abriu a porta. Quando pensei que não podia ficar pior, a vida me surpreendeu. Era pequeno e incrivelmente desagradável de ficar. Tinha uma cama de casal simples e um lençol quadriculado vermelho com branco. Era um hotel espantosamente antiquado que ninguém em sã consciência pagaria para passar a lua de mel, nem mesmo para passar uma noite. — Nossa... — engoli em seco — Isso é nosso mesmo? — bravejei, fazendo uma cara desagradável.

— É o que parece, Lou, — retrucou, seu rosto já revelava impaciência supostamente pela minha reação indelicadamente mal-educada. Às vezes ele dava uns ataques intolerantes... parecia que já tinha começado. Como o humor dele mudava tão rapidamente? Era muito difícil lidar com esse tipo de pessoa, porque não sabíamos como ela iria reagir.

Resolvi não me importar com o que ele pensava ou no que falava. Já estávamos casados, isso quer dizer que meu filho não vai ficar sem um pai. Ele estava querendo me irritar trazendo-me nesse lugar disforme, porque ele me conhecia o suficiente para saber que fantasiava tudo à minha volta, mesmo que tivesse esquecido minutos antes que amava ver um casamento. A lua de mel era a segunda mais fantasiada, a primeira era o meu casamento, que já não fora o que esperava que seria. Mas, não vou dar esse gostinho a ele, não aqui. Por isso, apenas vou tentar aproveitar a nossa lua de mel ao máximo nesse lugar arredio e simploriamente estruturado.

— Vamos entrar? — perguntou, olhando para mim com um ar ansioso de quem queria rir da minha reação.

— Ah, vamos, claro — fazendo uma expressão impressionada e satisfeita pelo que via, sendo que era definitivamente o contrário.

— Então vamos. — disse, já entrando dentro do quarto.

Fiquei parada vendo-o entrar sem mim. Realmente, a educação e o romantismo não eram suas características fortes.

— Espera! — vociferei alto e claro para ele parar de andar, depois acrescentei: — Não está esquecendo de nada?

— Estou? — perguntou retoricamente e começou a verificar no bolso da sua calça para ter certeza de que não esquecera de nada. — Não esqueci nada. O preservativo tá bem aqui no meu bolso — ergueu um para me mostrar.

— Nossa. Que grosseria, hein! Estava falando sobre me pegar no colo e me carregar até a cama como fazem nos filmes.

— Ai, Lou, por Deus! Esse é o cliché mais repetitivo que já vi.

— Mas... é um dos clichés mais românticos que existe!

— Não, não é. Vamos entrar logo. Estou cansado de ficar em pé ouvindo suas baboseiras.

— Tá, tá... tudo bem. — bufei e entrei depois dele.

Havia uma mesinha de madeira remotamente acabada na frente da cama e uma lareira que deixava o quarto um pouco mais aconchegante e romântico do que poderia ser. Pelo menos isso para dar um ar afetuoso. Nesta mesinha tinha champanhe e vinho seco. Jason direcionou suas pernas para as bebidas.

— E aí? A gente vai transar hoje? — perguntou, sem um pingo de delicadeza. Ele colocava champanhe em dois copos — esquecendo do fato de estar grávida e não poder tomar bebida alcoólica —, entretanto estava virado de costas para mim.

Me aproximei dele cautelosamente, cheia de amor para dar.

— Transar não. Faremos amor — após chegar perto dele o suficiente para conseguir me escutar, apoiei as mãos em seu ombro para alcançá-lo e sussurrei em seu ouvido. Estava tentando ser uma esposa mais... amorosamente sensual. Por enquanto só tentando mesmo porque a maioria das vezes que tentava fazer algo parecido com sensualismo não dava muito certo.

— E não é a mesma coisa? — retrucou, virando-se para me olhar. Ergueu uma das sobrancelhas e franziu o cenho em discordância. Estava com os dois copos nas mãos. — Pra mim, cada um é sinônimo do outro, Lou. — fez uma pausa e continuou: — Vai querer? — me ofereceu um dos copos.

— Não posso, esqueceu? — suspirei, sacudindo a cabeça horizontalmente e saí de perto dele para me sentar na enorme cama. Fiquei receosa de me sentar naquela cama velha, todavia fiz um esforço a mais para conseguir sentar nela. — Não, Jason, não é a mesma coisa. Na verdade, são completamente diferentes.

Ele ainda estava de pé segurando os dois copos.

— Ah, tinha esquecido. Mas o lado positivo disso tudo é que sobra mais dessas coisas pra mim, né? — perguntou, apontando para as bebidas na mesinha de madeira e deu um sorriso torto. Começou a andar, com passos lentos, na direção da cama, onde estava sentada. — Vamos ver então — bebericou um pouco do seu espumante — Me diga a diferença entre os dois. - sentou-se na cama.

— Humpf. E o que vou ganhar com isso? — indaguei, tentando fazer um tom malicioso.

— Nada, só queria mesmo saber a diferença — respondeu. despreocupadamente depois que acabara com o espumante que havia colocado em um dos copos.

— Ah, por Poseidon, Jay! Pensei que iria fazer amor comigo se eu fizesse você entender! — proferi, irritada com ele por se fazer de ingênuo. Por que nunca conseguia tirar as segundas intenções dele? Ou ele era realmente inocente ou escondia esse lado muito bem. No entanto, a probabilidade de ser inocente é, no máximo, 5% tendo em vista que ele me engravidou e também era o pegador do colégio, ou ainda era, como vou saber, né?

— Oh... desculpa, não consegui subentender sua intenção, Lou. É que... ainda não consigo vê-la como alguém que pediria sexo – disse sendo o mais sincero possível.

— Ah, é? E por que, não? — perguntei, virando-me para ele e dobrando as pernas de lado para que não danificasse o vestido da minha mãe.

— Porque... bem... olha pra você, Lou. Sempre foi a primeira da classe em todas as matérias. Sempre foi vista como inocente quando o assunto era sobre garotos.

— Realmente... era tão inocente que acabei engravidando de uma forma muito previsível - pronunciei, abaixando a cabeça envergonhada comigo mesma. Suspirei e voltei a olhá-lo nos olhos. - Ok, era só isso?

— É, sabe... Você é diferente das outras. Não tem aquele conjunto receptivo que todas têm. Um jeito ousado e um olhar sedutor.

— Tá me dizendo que não sei seduzir alguém?

— Não, não é isso. Tô dizendo que você é o contrário. E isso é ótimo — sorriu desajeitado.

— Deixe-me ver se entendi... hum, quer dizer que não me vê como alguém que ficaria intencionalmente, né?

— É, acho que sim — respondeu, olhando-me nos olhos.

— Mas mesmo assim transou comigo e me engravidou — ressaltei.

— Pois é, a vida é bem complicada. — proferiu, sem graça, retirando seus olhos dos meus.

— Concordo. Então, nós não vamos transar nem fazer amor?

— Ah, sim. Pretendo transar muito nessa lua de mel, porém também pretendo ensinar à você como é ser ousada e sedutora ao mesmo tempo. Normalmente, isso dá tesão nos caras. Ah, apesar de ainda não conseguir vê-la desse jeito, você atingiu 1,5% dos 10% de alguém ousado.

— Aaah, claro. Por ter falado sobre fazer amor. Aliás, e fazer amor?

— E também porque roubou o meu sorriso malicioso, embora o seu ainda seja um pouco desajeitado. — começou a rir. Mas após ver que eu não tinha gostado, ele voltou ao normal. - Ok, parei. Sobre fazer amor, minha querida esposa, acho que não se faz amor todos os dias ou faz? — perguntou, pondo mais ênfase na palavra "amor".

— Não... acho que não. Mas isso quer dizer que faremos amor, certo?

— Certo, Lou — concordou e ficou rindo por alguns segundos. Fiquei sem entender, entretanto logo ele respondeu à minha pergunta não feita. — Você parece uma máquina de fazer amor.

— Mas é claro, Jay! Faz tempo que não fazemos nada desde que essa coisinha que está se desenvolvendo dentro de mim teve a ideia de aparecer, e agora que já sei algumas coisas, devemos pôr em prática! — falei, desesperada.

— Então vamos transar, porque está necessitada — disse, assimilando meu desespero, e segurou as minhas mãos confortando-me sarcasticamente.

— Não... seu idiota! Ainda não entendeu que quero fazer amor? — falei enraivecida, ainda assim rindo por dentro pela situação lúdica que criamos. Tirei as minhas mãos das dele e virei-me para o outro lado da cama para deitar-me, ficando de costas para ele. Era bom que ele interpretasse esse gesto como "A sua lerdeza é tão despretensiosamente enfadonha que me deu sono, portanto me deixe em paz" ou "Não quis concordar comigo, agora aguente porque não faremos nenhuma das duas opções".


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem!



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