Primavera Sem Rumo escrita por Anne Ribeiro


Capítulo 3
Capítulo 3 - Iris Thompson


Notas iniciais do capítulo

Esperamos que gostem!



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Casarão dos Thompsons: 24/06/2005 - Sexta-feira, 4:01 a.m.

Todos os anos, durante o verão, meus papais e eu fazíamos uma longa viagem que atravessava o país todinho em direção à nossa casa, em Brighton. Ela é linda, pequena e tinha dois andares. A parte da frente tinha três janelas enormes e eram todas pintadinhas de branco, como as nuvens. Tinha também uns murinhos onde brincava de cavalinho sozinha. Gostava muito também de olhar o mundo através das janelas de madeira, pois ali eu via o mundo passar, porque meus pais não me deixavam brincar com nenhuma criança dali. Então, a única forma de passar o tempo era me divertir ao imaginar historinhas que cada pessoa podia contar. Para onde estavam indo? De onde estavam vindo? Os verões eram muito chatos e eu me contentava em apenas fantasiar, já que era filha única porque nunca tinha com quem brincar e não havia o que fazer naqueles tempos. Como sempre viajamos só nós três, esses eram meus únicos passatempos na casinha de Brighton. Mas, quando estávamos em Liverpool, adorava me maquiar, vestir as roupas e os sapatos da minha mamãe, tudo isso na companhia da minha amiguinha, Liz. Às vezes, quando mamãe falava ela ficava com medo, mas ela participava das minhas brincadeiras.

Felizmente, esse ano foi diferente porque pedi aos meus pais que convidassem meus amigos e vizinhos para que fossem conosco: Liz e Dylan. Eu quis que Connor ficasse pra trás porque não gosto dele, mas mamãe disse que ele tinha que ir junto, senão ninguém ia. Fiquei emburrada uns dias, porém no final tive que aceitar. Era melhor passar o verão todo tendo que lidar com sua cara de limão azedo do que sozinha. Nunca gostei de ficar só e fiz o que foi necessário para evitar isso. Se essa era sua condição, que todos fossem, afinal.

Acordei muito animada naquela manhã. Até cantarolei ao arrumar minha cama; o que não fazia com muita frequência, porém era um dia especial. Ficara tão feliz com a possibilidade de aproveitar a companhia dos meus amigos por todo o verão que até separei algumas brincadeiras para a viagem de mais de cinco horas, pois era um longo trajeto até lá. E isso me deixou animada, porque teríamos tempo o suficiente para brincarmos e eu não ia deixar ninguém dormir mesmo. Aguardara ansiosamente na expectativa de que quando chegássemos lá, pudesse mostrar a eles cada cantinho dos lugares que gostava e iríamos comer muitos e muitos doces, mas seria tudo escondido. Minha mãe nunca gostou que comesse essas “porcarias açucaradas”, então iria pedir ao meu papai que construísse uma fogueira para a gente se divertir e fiquei com medo de que ela chegasse a ouvir isso. Adorava comer marshmallows assados, e se ela ouvisse a palavra “açúcar” ou algo parecido, ficaria uma fera!

Arrastei minha mala vermelha gorda, com desenhos de batons e espelhos para fora da casa. Dessa vez, ela estava mais pesada do que de costume, pois separei alguns jogos de tabuleiro e umas pistolas d’água para perturbar meus amigos, principalmente o certinho. Mamãe só sabia reclamar e falou um monte quando viu minha bagagem que tinha mais brinquedos do que roupas; o que seria necessário para a viagem. Mas, eu não liguei. Quem precisava de roupas quando se tinha amigos para brincar e o mar logo ali pertinho da nossa casa?

Cheguei ao carro e entreguei a mala para meu papai. Naquela época, ele era lindo; o mais lindo de todos os homens que já tinha visto na face da Terra. Papai era muito alto, com cabelos pretinhos e olhos muito, muito azuis. Tão azuis quanto o céu ensolarado que vi em algumas revistas.

— Bom dia pra você também, mocinha! – ele apertou a minha bochecha fofinha.

Dei-lhe um sorriso bem animado. – Cadê eles, papai? – olhei ao redor, buscando algum sinal dos meus companheiros de viagem. - Eles não desistiram de ir não, né?

— Não, ursinha, pode ficar tranquila. Sua mãe já foi falar com eles. Acho que um dos meninos acabou dormindo demais e atrasou a nossa saída um pouquinho. - Enquanto papai falava, só pensava em quem podia ter atrasado nossa fantástica viagem e a única pessoa que faria isso só para me provocar seria o Connor, aquele irritadinho! - Eles não devem estar acostumados a acordarem tão cedo assim, meu anjinho. São quatro e dezessete da manhã – informou-me ele ao olhar em seu relógio de pulso.

— Você tem razão. Vou esperar lá dentro, tá bom? – disse amuada e ele assentiu, passando a mão por meu ombro.

Acomodei-me dentro do carro, fechei a porta atrás de mim e estalei a língua. Estiquei meu pescoço e olhei mais uma vez para o outro lado da rua, através da janela fechada, buscando algum sinal deles. Mamãe estava lá, na parte externa da casa, segurando uma mochila rosa, no entanto não havia ninguém do lado de fora ainda. A porta da casa deles estava aberta e não havia agitação alguma por onde meus olhos conseguiam enxergar. Sempre fui uma criança baixinha e, além disso estava muito escuro e de onde estava, ficava difícil de perceber algo. Então, desisti de vigiá-los e busquei alguma distração para passar o tempo enquanto nada acontecia. A minha sorte foi que eu coloquei dentro do meu bolso um baralho e o usei para brincar. Sentei de lado, encostei-me na porta e cruzei as pernas para retirá-lo do bolso do meu casaco e espalhei as cartas sobre o banco. Quando estava na metade do jogo, notei algum barulho vindo do lado de fora e a porta à minha frente logo foi aberta. Era Liz, que exibia um enorme sorriso tão lindo! Seus olhos ficavam fechadinhos e quase era impossível ver seus olhos verdes, pois suas bochechas vermelhas os deixavam apertados. Seu rosto todo ficava iluminado quando ela sorria assim e parecia uma árvore de Natal.

— Caramba, vocês demoraram, hein! – reclamei irritada.

— Desculpe, Iris. A culpa não foi minha – seu sorriso se desfez e ela disse um pouco menos entusiasmada, o que me doeu por quê pouco a pouco as luzes foram apagando-se. - Eu acordei bem cedinho e fiz tudo o mais rápido que pude, para não atrasar e você sabe quão animada estava com a viagem – explicou-se. - Mas, o Dy se atrasou um pouco, porque ficou jogando vídeo game até tarde. Eu falei pra ele não ficar, porém não me ouviu. E, olha aí, não conseguiu acordar na hora marcada – reclamou ela.

Aquela última informação me pegou desprevenida. – Claro, Lizzie. Não tem problema – sorri e para disfarçar a minha decepção, virei o rosto para olhar o lado de fora. Estava certa de que havia sido culpa do Connor, mas daquela vez fui pega de surpresa. Grande parte do tempo era ele mesmo quem fazia essas coisas. Mas, quem sabe ele não possa ser legal de vez em quando? Talvez eu também possa ser com ele.

Logo, os gêmeos entraram, invadindo o carro com risos vindos de Dylan, enquanto por outro lado, seu igual estava mais quieto do que o de costume.

— Bom dia! – Dylan cumprimentou-me animado, ajustando seu cinto de segurança.

— Bom dia! – cumprimentei-o de volta.

— Oi! – Connor disse secamente, olhando para seu violãozinho.

— Olá! – saudei-o, dando-lhe um sorriso amigável. Resolvi que aquela seria a hora para começar a ser legal com ele também, por isso comecei a puxar assunto. – Você vai tocar pra nós, Connor?

— O quê disse? – perguntou desconfiado.

— Esse seu violãozinho. Pode tocar para nós? – sugeri.

— Ah, claro – animou-se.

Então, ele começou a tocar. Mas logo me arrependi de ter pedido isso, pois tocava muito mal e me segurei para não demonstrar que não estava gostando, senão ele iria parar e ficaria com aquela cara de limão azedo.

— Todos prontos? – papai perguntou ao olhar o retrovisor, interrompendo a tortura musical, o que me fez agradecê-lo silenciosamente.

— Sim – dissemos todos de uma vez.

— Então, vamos lá! – disse mamãe animada, quando papai deu a partida no carro.

A viagem durou um pouco mais de tempo do que havíamos esperado. Paramos diversas vezes para irmos ao banheiro. Como éramos quatro crianças de oito, nove e onze anos, nossas bexigas ficavam cheias rapidinho, com tanta água, suco, refrigerante e sorvete que tomávamos no caminho. Porém, finalmente chegamos à nossa casinha de verão e ela encontrava-se da mesma forma que lembrava dela. Esperamos ansiosos papai estacionar na nossa garagem e, quando enfim parou, corremos direto para a porta. Mamãe veio logo em seguida e abriu-a para que nós corrêssemos para dentro da casa. Ela tinha três quartos: um para meus pais, um só pra mim e outro para as visitas. Os meninos ficaram no quarto vazio e nós fomos para o meu. Portanto, abri a porta e pulei em cima da cama, quicando algumas vezes nela e ri.

— Vem, Lizzie! É divertido – estiquei a mão para que ela subisse e também pudesse se divertir comigo.

— A Sra. Thompson não vai brigar? – ela questionou, com certa preocupação ao apertar suas pequenas mãos uma na outra e me observar pular.

Revirei os olhos e diminuí meu ritmo, parando minha brincadeira. Desci da cama e caminhei até Liz, empurrando-a até o pula-pula improvisado.

— Prometo que vamos pular devagarzinho – pisquei para ela. - Mamãe nem vai perceber. Vamos? – tirei uma mecha de cabelo castanho dos olhos.

— Bem, se você diz...Eu topo! – ela disse, animando-se com a ideia.

Liz subiu na cama e eu subi junto. – Me dê suas mãos. Não vou deixar você cair – estiquei minhas mãos mais uma vez para que ela a pegasse e não soltasse mais.

Ela esticou seus bracinhos finos e segurou suas mãos nas minhas, portanto comecei a dar pequenos pulos. – Assim, oh – demonstrei.

Liz observou desconfiada, mas tomou coragem aos poucos, experimentando a sensação de ser jogada pra cima, ao mesmo tempo em que dava alguns saltos. Então, tomou coragem e deu seu primeiro pulinho; tímido, porém já era alguma coisa.

— Isso, assim mesmo – encorajei-a enquanto observava a alegria em seus olhos verdes.

Logo, ela deu um pulo maior e, quando vi ela já se encontrava no mesmo ritmo que o meu, dando grandes saltos na cama.

— Meninas, o que vocês estão fazendo aí em cima? – mamãe gritou ao pé da escada.

Antes que ela resolvesse subir, encerramos imediatamente nossa brincadeira ao cairmos na cama e rirmos bastante.

— Viu...te disse que seria divertido! – afirmei entre risos.

Quando olhei para Liz ela estava vermelha de tanto rir e isso me deixou feliz também. Essas férias prometem ser as melhores da minha vida! Mal sabia eu que, poucos anos após a brincadeira da cama, seria muito difícil ver o mesmo sorriso verdadeiro e inocente em seu rosto. Às vezes, a vida prega peças em nós e as pessoas nos mostram outra versão de si mesmos que nunca antes havíamos reparado.

✿✿✿✿✿✿✿✿✿✿✿✿

— O dia está ótimo para brincarmos lá fora. O que você acha, Iris? – propôs Liz, após nossa brincadeira inocente, que mamãe não aprovaria de forma alguma.

Estávamos sentadas no sofá da sala de estar da casa de praia. Ele era desconfortável e duro, pois nunca consegui arrumar uma posição boa para ficar sentada nele. Já disse em diversas ocasiões para mamãe trocá-lo, porém nunca me ouviu. Sempre repetia a mesma coisa: “Iris, a gente não mora aqui e não vamos gastar dinheiro de maneira supérflua. Quando você crescer, vai entender o valor disso! Seu pai trabalha muito e não é para ficarmos gastando dinheiro em coisas frívolas.” Se ao mesmo soubesse o que significa “frívolas” e “supérflua”. Bufei com a lembrança que martela em minha mente, todas as vezes que sento nesse pedaço de madeira incômodo. Além de ser feio também.

— Tá, mas quem vai nos levar à praia? – desencostei daquele troço e olhei em seu rosto, que parecia pensar em alguma coisa por muito tempo, quando enfim soltou a pérola:

— Eu posso ver com o Connor – sugeriu ela.

— Você tem certeza? Acho que ele não vai querer ir, não. – expressei minha indecisão sem um pingo de fé em sua proposta.

— Não custa tentar. Fique aqui que vou ver com ele, tudo bem? – falou ela ao se levantar e espiar meu rosto.

— Vá em frente! – dei de ombros.

— Já volto – anunciou. Então, Liz saiu da sala e subiu as escadas, indo em direção ao quarto que os meninos estavam ocupando. Dylan havia saído com meus pais e só nos restou contar com a companhia de Connor.

Recostei-me no sofá, jogando o peso do meu corpo no encosto. – Ai! Essa porcaria dura – choraminguei e me concentrei em esfregar as mãos no ponto dolorido.

— Desastrada, como sempre. – implicou, sem divertimento algum. – Da próxima vez, seja mais cuidadosa, garotinha! – proferiu.

Resisti a tentação de mostrar a língua pra ele.

— Viu...disse que não custava nada tentar. Ele vai com a gente, Iris! – ela deu um pulinho animado ao comemorar sua vitória.

É...mais uma vez, sou pega de surpresa pela atitude dele. Será que ele só é um limão azedo quando estamos em casa, lá em Liverpool?

✿✿✿✿✿✿✿✿✿✿✿✿

— Vou ganhar essa. Quer ver só? – falei confiante. Tenho certeza que essa corrida vai ser fácil de ganhar, porque Liz sempre foi muito lenta na hora de correr mesmo. A competição era: quem chegasse primeiro à ponte vencia e eu tinha certeza que essa já estava ganha.

— Fechado! – disse ela com um sorrisão e fechamos nosso acordo com um aperto de mãos.

— Vou contar, hein. Presta atenção! É um, é dois, é três e... – saí em disparada na frente dela, deixando Liz para trás com suas curtas pernas e seu pouco fôlego.

Corri com todas as minhas forças, sentindo sob meus pés as pedras arredondadas da praia, concentrando-me em ganhar aquela competição ao mesmo tempo em que ela tentava me alcançar e eu ria internamente disso. O sol estava lá no alto e fazia muito, muito calor naquele dia, por isso eu suei bastante e logo logo ficaria com sede. Então, para ganhar logo a disputa dei um grande salto, aproveitando a vantagem de ter pernas maiores e cumpridas, completando assim o espaço que faltava até a ponte. Para descansar, deitei ali mesmo em sua sombrinha.

Liz se aproximou com menos velocidade que antes e se jogou de costas nas pedrinhas ao meu lado, respirando com dificuldade e fechando os olhos por conta do sol em seu rosto.

— Ah, não vale. Você correu antes de terminar a contagem, Iris. Isso é trapaça e não valeu, tá? – queixou-se ela e fez bico, ao cruzar os braços.

— Deixe de ser chorona, Liz. Aprenda a perder, sua chata! – lhe mostrei a língua.

Ela abriu os olhos a tempo de ver minha língua. - Vou repetir: não valeu! – reforçou irritada. - E, não me dê língua, senão vou contar pra sua mãe que você comeu doce logo assim que chegamos aqui.

— Tá bom, tá bom. - falei em rendição. Se ela contasse para minha mãe sobre o sorvete que tomei naquela manhã, ficaria de castigo por sei lá quantos dias e isso estragaria meu verão inteirinho.

Ficamos ali por alguns minutos deitadas, descansando debaixo da sombra da ponte, com a água do mar encontrando em nossos braços a cada vez que as ondas se aproximavam de nós. Ouvimos passos nas pedrinhas, mas não ligamos porque estávamos tão cansadas que nem sequer nos demos ao trabalho de levantarmos nossas cabeças para verificar quem era a pessoa que se colocava na frente do sol, fazendo uma sombra em nossos rostos.

— Liz e Iris, vamos embora! – ordenou ele. - Já está quase na hora do almoço e Senhora Thompson me ligou, pedindo que levasse vocês para casa – Connor informou-nos pacientemente.

— Ah, não quero ir agora não, Connor – resmunguei. – A praia é tão linda, olhe só! – apontei para as gaivotas que voavam tranquilamente perto do mar, mergulhando naquela imensidão verde uma e outra vez para pescarem seu almoço. Queria ser um pássaro agora, assim poderia aproveitar a liberdade de voar. Como deve ser isso? Eu sempre quis descobrir.

— Bem, você que sabe – falou serenamente. – Para mim tanto faz se vai ficar aqui ou não, mas fiquei responsável por você também e é a minha obrigação leva-la para casa na hora que sua mandou ordenou. No entanto, se quiser ficar tudo bem. Acredito eu que sua mãe vai adorar saber que tomou sorvete – zombou.

Levantei do chão rapidamente, retirando algumas pedras que grudaram em mim e ergui minha cabeça para cravar meus olhos nos seus e disse-lhe: - Você não ousaria! – fechei as mãos ao lado do meu corpo e estiquei meus pés nas pedrinhas, para ficar mais ou menos na sua altura, equilibrando-me para não cair.

Ele olhou dentro dos meus olhos, reafirmando sua ameaça.

— Quer testar para ver? – levantou uma das sobrancelhas e cruzou os braços, estufando o peito ao olhar ainda mais em meus olhos furiosos.

— E eu achando que você era legal – confessei-lhe e bufei do meu pensamento, que se tornara ridículo e bobo. Connor agradável? Só se for nos meus sonhos!

— Mas, eu sou legal! – afirmou.

— Não comigo – rebati.

— Com quem merece, eu sou – sorriu. – Vamos, Elizabeth? – chamou-a rispidamente, que levantou a cabeça e o obedeceu sem nem pensar duas vezes. Às vezes, ficava com raiva dela por ser tão obediente assim e fazer tudo o que ele mandava. Não deveria ser assim!

— Eu mereço sim, tá? Eu sou muito legal com você – disse. Deixei os dois pra trás e comecei a marchar, pisando duro no caminho de volta até a casa. Portanto, eles logo começaram a andar e me alcançaram facilmente.

— Legal? Você é o oposto disso, garotinha. Reclama demais até e chega a irritar meus ouvidos. Deveria aprender a ouvir ordens e obedecer, sem se queixar. Ser mimada te deixa chata, não percebeu? Não vou passar as mãos na sua cabecinha, como seus pais fazem, Iris. Comigo é assim: aprenda a lidar com isso ou nada feito.

— E quem disse que eu quero aprender? – parei minha caminhada para olhar para trás. – Não tenho intenção alguma nisso e não quero ser sua amiga.

— Um dia terá – disse confiante, mostrando um sorriso presunçoso.

— Du-vi-do mui-to! – confirmei, falando devagar cada sílaba. – Você é um frívolo! – gritei, mesmo sem saber o significado da palavra. Queria colocar pra fora o que estava sentindo naquele momento e achei que essa seria a forma correta de fazê-lo. E, achei que havia funcionado, pois consegui arrancar aquele sorrisinho convencido. Rá, toma essa, cara de limão!

✿✿✿✿✿✿✿✿✿✿✿✿

Mais tarde, quando chegamos na casa, mamãe, papai e Dylan já estavam esperando por nós. Então, ela disse que devíamos tomar banho para almoçarmos. Minha barriguinha estava roncando bastante, mas quando comecei a correr para o banheiro, Liz correu na minha frente, subiu as escadas e não pude ir atrás dela. Eu também queria tomar banho!

— Mãe, já volto – disse para ela e subi as escadas devagarzinho.

A porta do meu quarto estava aberta e a cama estava arrumada. Mamãe deve ter reclamado um monte porque eu deixei tudo uma bagunça e ela teve que guardar todos os brinquedos que deixei espalhados pelo chão, quando mostrei a Liz tudo o que tinha trazido pra gente brincar.

A pequena mala da Liz estava aberta e algo ali dentro me chamou a atenção. Sempre que a gente brincava de casinha, ela não me deixava pegar uma das suas bonecas, que era de porcelana e agora ela estava ali, dormindo em cima de suas roupas dobradas.

Minhas mãozinhas coçaram para ir até lá e aproveitar que não tinha ninguém me olhando. Olhei para a porta ainda aberta e voltei para fechá-la, antes que alguém me visse fazer isso. Eu sempre quis saber como ela era, a roupinha dela era tão bonita e parecia ser tão macia quanto algodão doce, por isso eu fui até lá e peguei a boneca.

Sua roupa era realmente macia e tinha um cheirinho tão bom de morango, mas tão bom que eu quis sentir mais e mais vezes. Cheirei tanto quanto pude e aproveitei também para abraça-la. Ela era tão gordinha que ficava muito difícil não apertá-la.

— Você é tão linda! – disse para a boneca, olhando para seus olhos pretos, sua bochecha vermelhinha, enquanto ela sorria para mim.

— Elizabeth? – alguém bateu à porta e eu tomei um susto, soltando a boneca sem querer, que caiu e se dividiu em pedacinhos pelo chão.

A boneca que Liz tanto amava estava quebrada e a culpa era toda minha. Me agachei para tentar consertar e juntar os pedaços do que havia sobrado do brinquedo que ela mais gostava.

— O que você fez? – Connor perguntou.

— Eu não tive culpa!

— O que você estava fazendo, Iris?

— Foi sem querer – falei ao começar a chorar, ainda tentando juntar os pedaços da linda boneca.

— Não adianta chorar agora. Isso não vai fazer com que ela volte a ser o que era antes – agachou-se ao meu lado. - Se a senhora Thompson souber disso vai te deixar de castigo. E, você imagina quão chateada vai ficar minha irmãzinha quando souber que a sua melhor amiga quebrou a boneca que ela mais gostava?

— O que eu vou fazer agora? – Se a minha melhor amiga descobrir que eu quebrei sem querer a sua boneca, ela vai ficar triste comigo. Muito, muito triste mesmo e pode acabar nunca mais falando comigo. Eu não quero que isso aconteça – sequei com as costas das mãos as lágrimas que começaram a escorrer, ao pensar na ideia de perder para sempre a amizade da minha amiguinha.

— Bem, o que acha de fazermos um acordo?

— Acordo? O que significa isso?

— Eu faço algo por você, ou seja, assumirei a culpa por ter quebrado a boneca. Em troca disso, você terá que fazer algo para mim.

— E o que você quer? – perguntei curiosa.

— Quando Liz souber que “eu quebrei” – reforçou bem -, a boneca, você não poderá consolá-la.

— Nem sonhe com isso, cara de limão azedo.

— Limão azedo? – ergueu uma sobrancelha e bufou. – Acho que você prefere perder a amizade da minha irmã, então. Isso só facilita as coisas pra mim – disse ao caminhar para longe de mim.

— Espere! – levantei do chão e andei até ele. – Você venceu, Connor! – resmunguei tristemente, ao olhar para o carpete.

— Excelente! – ele sorriu e saiu do meu quarto.

Pensei que essas seriam as férias mais felizes da minha vida; errei feio!


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem!



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