Primavera Sem Rumo escrita por Anne Ribeiro


Capítulo 2
Capítulo 2 - Elizabeth Campbell


Notas iniciais do capítulo

Espero que se divirtam ao conhecer um pouquinho da história de Elizabeth Campbell, através do seu POV.



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Casa dos Campbell: 25/11/2011 - Sexta-feira, 2 a.m.

 

Nunca fui uma adolescente que desse trabalho aos meus pais, melhor dizendo, minha mãe. Não me lembrava, ao longo dos meus dezesseis anos, de nunca ter feito nada que comprometesse a confiança que sempre depositou em mim. Entretanto, sempre obtive uma certa ajuda dos meus irmãos, que eram gêmeos e três anos mais velhos que eu, sendo um deles o que sempre me auxiliou nas tarefas de casa, enquanto que o outro só queria saber de cuidar de suas próprias coisas. Resultando assim, em nunca contribuir nos afazeres domésticos.

Estávamos em uma tarde de outono e meu aniversário era naquele dia, portanto queríamos deixar a casa mais arrumada possível.

Mamãe estivera trabalhando toda a semana, pegando turnos extras para estar presente conosco hoje, porque meus irmãos também estariam, já que não moravam aqui. A casa se tornou grande, vazia e silenciosa demais para nós duas quando eles foram embora, por isso esta se tornou uma oportunidade que não poderíamos deixar escapar de forma alguma. Eram raras as situações em que nós quatro estávamos reunidos, apesar de apenas três de nós estarmos presentes de fato para comemorarmos meu aniversário.

Connor nunca gostou de celebrações e, sempre que encontrava uma oportunidade para desvanecer pela casa, ele a usava como um bote salva vidas em meio ao naufrágio de um grande barco. Contudo, nunca abandonava seu companheiro, o violão. Juntos, eles mais pareciam um só, dando a entender que sua companhia era sempre mais apreciável do que a nossa e isso me deixava triste. Ainda mais, por ser um dia especial para todos nós, uma vez que todos estavam felizes por estarem aqui.

Por outro lado, nosso irmão mais velho era o mais animado dentre todos, até mesmo mais do que eu. Desde a hora em que chegou, ajudou a arrumar a bagunça que eu criara, mas sempre com um sorriso no rosto.

Embora percebesse que sua torcida não favorecia em nada as minhas expectativas em relação ao Connor, não era possível desistir de criá-las e alimentá-las no fundo do meu âmago, visando quem sabe um dia, realizá-las. Nunca seria tarde para desistir de algo que muito ansiava, uma vez que não seria algo impossível de acontecer. Pelo menos, acreditava nisso com bastante afinco.

— Estou tão feliz por estar completando mais um ano de vida, pequena! – Dylan falou ao bagunçar meu cabelo.

— Para! – resmunguei, entre sorrisos.

— Não adianta nada você ajeitá-los, pois já sabe que vou desarrumar tudo de novo – alertou-me.

— Vocês dois vão ficar brincando ou vão terminar logo de arrumar isso? – Connor repreendeu-nos.

 Ao entrar na sala, apoiou-se no batente da porta, observando-nos com o cenho franzido.

— Vá caçar algo para fazer ou nos ajude aqui! – reclamou Dylan.

Em seguida, jogou na direção de seu gêmeo um pacote com balões infláveis, que caiu no chão.

— E o que eu faço com isso? – perguntou, ao examinar o pacote que abrira.

— Use seu cérebro. Acho que você é capaz disso, certo? – Dylan brincou, rindo para mim.

— Então, enfie isso no seu cu! – disparou ele, jogando o pacote aberto de volta Dylan.

Ajoelhei-me para apanhas as bexigas espalhadas pelo chão, assim como meu irmão, que reclamou do que Connor acabara de fazer.

— Vamos deixá-lo pra lá, Dy – afirmei. – Não o provoque mais, senão ele irá embora e mamãe nem terá a oportunidade de revê-lo – murmurei.

— Você tem razão – declarou, passando-me a última bexiga.

— Obrigada, maninho! 

Ele levantou-se do chão e, em seguida, esticou seu braço em minha direção. Assim sendo, apanhei sua mão aberta, agradecendo-o assim que me pus de pé.

— Certo. O que falta agora? – disse ele ao olhar ao redor da sala.

— Bem, agora só falta enchermos os balões mesmo.

— Tudo bem. Me dê esse saco aqui.

 Retirou a sacola das minhas mãos, antes de caminhar em direção ao sofá.

— Agora que terminamos, vou beber algo. Quer que lhe traga alguma coisa?

— Se tiver cerveja, aceito! — falou com um sorriso jocoso nos lábios.

Dylan jogou-se no sofá, sem muita compostura.

— É claro que tem cerveja! – garanti-lhe.

— Então, me traga duas, por favor.

— Certo, já volto.

 Girei nos calcanhares, seguindo em direção ao corredor que ligava os dois pequenos cômodos.

Assim que pus os pés na cozinha, encontrei Connor sentado à mesa da cozinha e, surpreendentemente, seu violão não estava presente. Foi espantoso não encontrá-lo ali, contudo logo se tornou engraçado não vê-lo com a extensão do seu braço por perto.

Ri disfarçadamente, enquanto caminhava até a geladeira. Vez ou outra, olhava de soslaio para ele, que fazia serenamente sua refeição em silêncio.

Na noite anterior, fui ao mercado e comprei algumas garrafas para comemorarmos meu aniversário. Entretanto, agora que abri a geladeira, não encontrei nem a metade do que guardara e isso era estranho. Estava certa de que a quantidade seria o suficiente para servir algumas nesse momento, no entanto talvez o esquecimento contínuo no qual convivia rotineiramente afetasse minha memória.

Frustrei-me ao não encontrá-la, por isso apanhei apenas a que estava disponível, fechando com dificuldade a geladeira. Desde o último reparo, ela voltou com esse diminuto defeito e tínhamos que nos acostumar com isso, ou comprar uma nova. No entanto, não sobrava dinheiro e o salário da mamãe apenas servia para cobrir todas as despesas domésticas.

— Você estava procurando por isso?

Connor fitou minha mão, levantando a garrafa.

— Sim, estava. Mas, não tem problema.

— Alguém mais virá?

 Mordiscou um pedaço do brownie, mantendo sempre seu olhar no meu. Logo após, limpou polidamente os cantos da boca com um guardanapo, voltando sua atenção para a garrafa quase vazia.

— Só a Iris – informei-lhe.

— É obvio! – manifestou-se com escárnio, levantando-se da mesa.

Antes de deixar-me só na cozinha, recolheu as migalhas da mesa e arrastou silenciosamente a cadeira pelo assoalho, colocando-a no lugar.

A cozinha da nossa casa não era grande, assim como os outros cômodos. Então, não foi difícil encontrar, no grande armário que a ocupava quase toda, o abridor de garrafa. Entretanto, quando o fiz, não estava preparada para sentir aquele odor desagradável de cerveja, que me transportou para uma tarde desagradável na qual desejaria esquecer para sempre.

— Ei...você vai ficar olhando para o ontem, pequena?

A voz de Dylan me arrancou abruptamente daquela repulsiva lembrança. Se não tivesse aparecido, faria uma viagem para um mundo cheio de fantasmas aterrorizantes do passado.

— Desculpe – ajeitei meus óculos.

Mesmo que o rosto do meu irmão apresentasse covinhas em seu sorriso, não poderia, de forma alguma, ignorar seu semblante magro e quase sem bochechas. Possivelmente, essa mudança para Manchester o afetou tanto quanto nós, uma vez que não cozinhava muito bem. Morar sozinho deve ser difícil.

— Iris já chegou?

— Como você sabe? – perguntou-me intrigado.

— Eu não sei de nada, só estou perguntando – sorri.

— Chegou e está esperando por você lá na sala. E, te digo mais: se demorar muito, é bem capaz de encontrar o Connor morto. Sabe que eles não se dão muito bem, não é?

Gargalhou, retirando a garrafa da minha mão. Em seguida, deu um gole.

— Está morna! – comentou.

Seu hálito perto do meu nariz me fez virar o rosto disfarçadamente para prender a respiração. Precisava pensar em algo para me livrar da proximidade desse cheiro repugnante.

— Espere – disse-lhe.

Dylan franziu o cenho, mas manteve-se no mesmo lugar, enquanto buscava gelo e copo.

— Aqui está! – sorri, esticando meu braço no espaço entre nós.

— Obrigado, baixinha! Mas, de onde tirou essa ideia de colocar gelo na cerveja? – gargalhou alto, apanhando o copo e jogando fora as pedrinhas. – Maninha, não se deve fazer isso porque deixa a bebida aguada – explicou-me docemente. – Na verdade, eu até prefiro dessa forma – deu de ombros. - Gelada demais me dá dor de cabeça. Da próxima vez que vier, explicarei melhor sobre esse assunto. Não precisa se sentir mal, tá?

Franzi o cenho.

— Tudo bem.

— Ainda não lhe dei seu presente.

Repousou sua garrafa na pia, para retirar do bolso da jaqueta um pequeno embrulho. – Pegue! – ordenou.

Imediatamente, apanhei-o e retirei a tampa da pequena caixa. Ao visualizar o filamento dourado, percebi que se tratava de um cordão com um pingente em formato de uma flor de Lis.

— É lindo, Dylan! – exclamei emocionada. – Muito obrigada mesmo - abracei-o comovida com o delicado presente.

— Feliz aniversário! Quero que saiba e que nunca esqueça, que lhe amo muito, maninha! – falou ele, abraçando-me de volta.

Chorar não era algo que desejava. Não agora.

— Bem, se me permite, agora vou falar com minha amiga — disse, com um sorriso no rosto. Afrouxei meus braços e me virei. - Pode colocá-lo para mim?

— É claro!

Dylan não teve dificuldade alguma em encontrar o fecho e, em poucos segundos, o cordão já estava preso em meu pescoço.

— Aproveite sua bebida! – pisquei, acrescentando mais um agradecimento antes de sair depressa dali.

 - Vai lá, ela está lhe esperando – gritou.

Andei lentamente pelo corredor, encontrando Iris e Connor. Ela estava em silêncio, enquanto que ele encontrava-se sentado do outro lado da sala, perto da lareira, dedilhando seu violão e cantando baixinho.

Assim que me viu, minha amiga correu em minha direção, quase me derrubando no chão. Seu sorriso de aparelho era sempre tão contagiante que não havia como não retribuí-lo.

— Feliz aniversário, Lizzie! – sussurrou em meu ouvido. – Trarei seu presente amanhã.

— Obrigada – pronunciei cada palavra com dificuldade, devido a ininterrupta demonstração de carinho, dos últimos minutos.

Lutei contra as lágrimas que ameaçavam cair, abraçando-a ainda mais apertado.

— Deixa eu ver você direito – pediu ao se distanciar, fitando-me de cima a baixo.

De manhã cedo não foi muito difícil encontrar as roupas que agora vestia. Não me incomodava em usar um vestuário complicado, como o da Iris. Sempre quis manter-me à deriva do que os outros escolhiam para si, optando a todo o momento por roupas largas. Assim me sentia confortável.

— Saiba que não gosto de vê-la vestida desse jeito, mas hoje vou deixar passar porque é seu aniversário.

Revirou os olhos.

— Em contrapartida, parece que você sairá daqui direto para alguma passarela da moda, não é?

Iris trajava um vestido vermelho, que se estendia até o joelho, com babados e botões frontais dourados. Os sapatos também pareciam ter vida própria, que de tão vermelhos e brilhantes, chamavam mais atenção do que ela mesma.

— Eu? – apontou para si. – Não, não irei a canto algum! Hoje é o dia especial da minha melhor amiga – assegurou-me, sorrindo ainda mais.

Naquele mesmo instante, mamãe chegou. Ela atravessou a sala, carregando consigo uma caixa.

— Minha querida, desculpe o atraso. Fui comprar seu presente em cima da hora – referiu-se a enorme caixa em suas mãos, que prontamente a apanhei dos seus braços.

Mamãe trabalhava no hospital e, como acabara de sair de um plantão longo, certamente estava cansada. Não seria justo que ela ainda tivesse que levar a caixa pesada até a mesa.

— Obrigada, mamãe!

Carreguei-a comigo até a mesa mais próxima e depositei-a com todo o cuidado.

— Abra! – disse ela ansiosa.

Levantei a tampa grande e encontrei um suporte que mantinha fixos cinco cupcakes coloridos e cheios de confeitos, com as palavras “Happy Birthday” em velas, distribuídas em cada uma delas.

— Ah, mamãe...é lindo!

A abracei forte e, esse foi o momento em que não consegui mais manter as emoções brandas. As lágrimas desceram livremente e molhei de leve seu casaco, por isso sequei-as e ela me soltou do seu abraço, beijando minha bochecha em seguida. Minha mãe era uma das poucas pessoas que conseguiam me fazer chorar por toda a dedicação e o amor que ela dava para nós três.

— Vamos cantar os parabéns para a Liz, gente? – Iris falou animada, trazendo Dylan consigo.

Notei que eles estavam de mãos dadas quando retornaram para a sala, mas não me importei muito com esse detalhe. Fato esse que pareceu incomodar Connor, pois seus olhos fitavam diretamente aquele gesto, enquanto arrumava seus cabelos loiro escuros para o lado, em um tique nervoso.

Durante o tempo em que todos cantavam aquela música do “Happy Birthday To You”, aproveitei para gravar os rostos felizes de minha pequena família. Há muito tempo já considerava Iris como parte dela, uma vez que sempre esteve presente em cada momento da minha vida, seja ele bom ou ruim...apesar de não ter lhe contado sobre o pior de todos os acontecimentos. Esse, eu precisava enterrar nas profundezas do mar sem fim, já que ninguém deveria saber, nem mesmo a minha família.

Ao final da canção, antes de assoprar as velinhas, desejei ser feliz sem a interferência daquele fantasma, que rondava a minha vida desde aquela tarde de novembro.


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Notas finais do capítulo

Agradecemos imensamente por lerem!



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