Primavera Sem Rumo escrita por Anne Ribeiro


Capítulo 1
Capítulo 1 - Andrew Harper


Notas iniciais do capítulo

Espero que se divirtam do mesma maneira que estamos nos divertindo ao escrever.



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Casarão dos Harpers: 21/12/2009 - Segunda-feira, 11:55 a.m.

Não sei por que, mas tinha um mal pressentimento pra hoje. Desde que acordei, alguma coisa agitou meus pensamentos e tudo em que penso se torna, de um modo geral, errado. Talvez estivesse esquecendo de alguma coisa e lembrando de coisas supérfluas e desnecessárias como meu aniversário, por exemplo. Hoje era o meu aniversário, mas desde o ano passado decidi não planejar mais nada para comemorar. Gosto de festas, gosto de ver as pessoas se divertindo e esquecendo dos seus inúmeros problemas. Entretanto, estou com problemas demais para pensar em divertimento. Por mais difícil que seja falar isso, não posso me divertir cantando porque pensariam que estava "curtindo" a imprevisível morte da minha mãe. E esse é um dos diversos pensamentos que me fazem não querer comemorar meu aniversário. Por acaso, seria pedir muito que tudo na minha vida desse certo pelo menos uma única vez? Talvez sim, se ignorasse meu egoísmo e levasse em conta as diversas outras pessoas que têm problemas maiores e mais sem solução que os meus.

Estava me arrumando com a intenção de almoçar no The Old Stars com a Aubrey. Ela era irmã do meu melhor amigo e, mesmo não querendo que fosse, também éramos melhores amigos. Quando terminei, desci as escadas correndo porque já estava dez minutos atrasado. A minha sorte é que ela me conhecia o bastante para saber quão irresponsável sou. Pelo menos, isso não era um problema para mim.

— Ei, ei, ei! Não desça a escadaria correndo, Andy! Você pode se machucar feio. — disse Brownie. Ela era a governanta da casa. Estava conosco praticamente desde que nasci, por isso tomei a liberdade de colocar Brownie como seu apelido quando era pequeno. E pegou, pois todos a chamavam assim, até meu antipático pai.

Desci o último degrau e abracei ela.

— Feliz aniversário, querido! — desejou-me com todo aquele carinho que sempre me presenteava.

— Obrigado! — agradeci, radiante. — Agora vou me encontrar com a Aubrey. Me deseje sorte! — pedi.

— Vai finalmente dizer o que sente por ela? — perguntou, sorrindo como uma boba.

— Se tudo der certo, sim.

— Graças à Deus, meu menino! Essa garota precisa de alguém que se importe com ela como você se importa.

— Acho que só ela não sabe disso — falei e acrescentei — ainda!

— Isso mesmo. Mas acho que você deveria ir logo, deve estar atrasado como sempre. - advertiu-me.

— Minha nossa! Obrigado por avisar, tia Brownie! Amo você. — agradeci e dei um beijo em sua bochecha.

— Tchau, querido. E boa sorte! — gritou para que pudesse ouvi-la, pois já estava abrindo a porta.

Saí de casa e peguei o carro, que meu pai me dera no ano passado, na garagem. Levei exatamente dez minutos para chegar até lá e depois estacionei o carro em frente ao pub. Entrei e olhei ao meu redor para tentar achá-la. Era difícil porque o restaurante era um pouco escuro no dia, mas à noite era ainda mais.

— Aqui, batatinha! — chamou-me, acenando como uma formiga elétrica por ter comido tanto doce.

Caminhei até a nossa mesa, que ficava colada em uma parede de vidraçaria negrume cujo espaço era ocupado por estrelas que brilhavam no escuro. Por isso, o pub era bastante conhecido por esse atrativo especial e único que o faz ser exclusivo. Além de que é ótimo no quesito da culinária inglesa.

— Achei você, formiguinha! Me esforcei bastante para conseguir te achar dentre todas essas pessoas altas que têm hoje. — ironizei, abraçando-a. E me sentei na sua frente.

— Há há há. Que engraçado, Andy. Nem sou tão baixa assim. — reclamou, Aubrey.

— Ah, claro. Tá de salto? Ah é, nem assim fica alta, esqueci. — zombei mais uma vez.

— Tá legal. Pode parar. Chega de me zoar. — declarou, fechando a cara e cruzando os braços.

— Mas é a verdade. — olhou para mim como se tivesse pronta para me matar. — Ok, ok, já parei. — fiz um sinal com a mão para que Edwin viesse anotar nosso pedido. Ele era praticamente nosso garçom exclusivo por sempre nos servir quando viemos para cá.

— O que vocês vão querer? — perguntou, sorrindo porque já sabia qual seria nosso pedido.

— O mesmo de sempre, Edwin. — respondemos em uníssono. Olhamos um para o outro e ergui minhas sobrancelhas inclinando de lado, um pouco, a cabeça.

— Mas, e aí? Como você está? — iniciei a conversa, depois que Edwin se foi.

— A questão aqui não é sobre mim, mas sobre você. — pegou a bolsa e remexeu nela até achar uma caixinha azul-marinho. — Aqui está, seu presente.

— Mas, te disse que não precisava de nada, formiguinha. — resmunguei, sem jeito.

— Mas eu queria te dar alguma coisa e comprei isso. Apenas abra e dia o que achou. - ordenou.

Adorava esse seu jeito mandona. Apesar de não gostar quando alguém manda mim. Mas ela era uma exceção tão adorável que precisava aceitar.

Peguei a caixinha da sua mãe e abri. Nela, havia um pingente dourado com formato de coração. Olhei para ela. Um coração? Por que diabos me daria algo assim? Isso só me fez ter mais confiança para contá-la o que sentia.

— Abre logo, Andy! — insistiu, ansiosa para ver a minha lúdica expressão.

— Tá, tá. — abri o pingente e dentro dele tinha uma foto nossa. Estávamos sorrindo abraçados. Lembrava desse dia: estava em sua casa jogando video-game e comendo pizza junto com Scutter – seu irmão.

— O que achou? Você gostou? Porque se não, posso te dar outra coisa. — disse ela de um jeito estranhamente nervoso.

— Ér.. eu gostei. É perfeito, formiguinha. Muito obrigado! — agradeci.

— Sério? — sorriu — Queria te dar algo que representasse a amizade, sabe? Encontrei esse pingente numa loja de joias que minha mãe conhece, daí peguei essa nossa foto, que deixei guardada no meu quarto, e coloquei aí dentro. — disse, orgulhosa de si mesma.

— Re... — ouvi direito? — representar a amizade? — perguntei, sem reação.

— É, ué! Somos amigos há décadas. — disse, trazendo consigo a famosa figura de linguagem: hipérbole. — Queria algo para simbolizar isso.

— Ah, claro, claro. Mas tenho que usar isso pra sempre? — perguntei intencionalmente para disfarçar minha decepção desvairada.

— Bem, só se isso não for um sacrifício tão grande pra você. — ironizou.

— Não, é claro que não. É que... o que vou falar pras garotas que fico? — ressaltei, pela primeira vez preocupado.

Não sei se era muito evidente essa minha paixonite por ela nem se eu conseguia camuflar isso na escola. Mas estava preocupado pelo fato de que tenho duas ficantes no colégio e uma que conheci no meu curso de informática. Não era nada sério com elas, mas mesmo assim. Parecia traição quando você percebia que estava apaixonado por alguém e que esse alguém te dera um pingente com formato de coração com a foto dos dois.

— Que ganhou de presente da sua melhor amiga, talvez? — supôs, e fez uma expressão de que era algo óbvio a se dizer.

— Tá, mas... elas não vão ficar com ciúmes, não?

— Acho que elas ficariam com raiva de você quando descobrirem que está saindo com as três ao mesmo tampo, não acha? — ressalvou, já irritada. — Aliás, desde quando você se importa com o que elas pensam ou sentem?

— Desde sempre, formiguinha. Sempre me importei.

— Ah é? Não é o que parece. Olha só, Andy. Se não quiser usar, não usa, okay? O presente é seu. Faça o que quiser com ele. — disse, levantando-se para sair do pub.

— Não...— proferi e estiquei meu braço para impedi-la de sair. — Fica aqui, nosso pedido já está para chegar. E... tenho que te dizer uma coisa antes que morra de arrependimento por não dizer antes.

Aubrey hesitou, mas voltou a sentar na sua cadeira.

— Então, diga o que tem para me dizer. — lembrou-me, esticando seu braço e apoiando sua mão sobre a minha.

Olhei para as nossas mãos juntas. Meu coração encontrou um novo ritmo desproposital, o que me fez perder o controle da minha respiração. Suspirei profundamente antes de continuar.

— Bem, é muito difícil dizer isso, e eu sei disso porque já tentei algumas vezes, mas nunca consegui, Mas, o que estou querendo dizer é que... eu gosto de... — meu celular começa a vibrar no meu bolso e ouço a minha música preferida dos Beatles tocar.— Desculpa. É uma mensagem. — tive que tirar, com muito esforço, minha mão da dela e verifiquei a caixa de mensagem.

Caixa de mensagem:

Um tipo de pai: Sua mãe faleceu.

Quando li, senti milhares de rochas caindo sobre mim. Me sufocando até a morte. Ela tinha morrido... Sem eu estar lá, segurando a sua mão. A primeira coisa que fiz foi seguir direto paro o carro que deixei estacionado. Não ouvia nada, e nem queria, na verdade. Meus tímpanos resolveram pifar a partir do momento que coloquei meus olhos naquela maldita mensagem. Não ouvia o que a Aubrey estava dizendo para mim. Não conseguia escutar o barulho do tráfego da cidade. A única coisa que ouvia nessa confusão toda era uma voz desconhecida me dizendo que eu era o culpado. Culpado por fazê-la morrer tão rápido. Dei praticamente minha vida para o acelerador. Acelerei tanto que terei diversas multas nas minhas costas. Ultrapassei a sinalização umas seis vezes para chegar ao Hospital Greenwich em sete minutos.

Estacionei de qualquer jeito e corri para dentro do hospital para pegar o elevador. Por sorte, peguei um elevador assim que cheguei lá dentro e apertei o botão para parar no quarto andar, onde minha família estava. No entanto, ele não ia rápido e tudo que queria neste exato momento era que tudo acelerasse, exceto a morte dela.

Antes do câncer não possuir o corpo da minha mãe, nunca passou pela minha cabeça que poderia perdê-la a qualquer momento. Mas, essa perspectiva desapareceu no mesmo instante em que ela foi diagnosticada, no ano passado, com câncer de mama triplo negativo. Ouvi o médico dizer ao meu pai que esse era o tipo de câncer mais raro e que seus equipe e ele não sabiam, ao certo, o que deveriam fazer, pois nunca enfrentaram esse tipo de câncer. Um tumor maligno é muito imprevisível, ainda mais aqueles que não têm uma cura relativamente precisa. A partir daí, sabíamos que confrontaríamos, instantaneamente, essa dor que só estava se prolongando. Porém, não esperava que seria hoje. Justo no dia do meu aniversário. Justo no dia em que

decidi me declarar para Aubrey. Não, não estou culpando-a por isso e , na verdade, essas são as mínimas coisas pelas quais estão me atormentando agora.

Sinceramente, não sei se foi por instinto ou se era porque já fora algumas vezes neste hospital e vira meu pai por aqui, mas quando cheguei no quarto andar do hospital, identifiquei-o imediatamente junto com meus tios e primos se abraçando e chorando. Sabia o que tinha acontecido, só não sabia que a dor seria absurdamente grande.

— Nããããããoooo! — gritei até minha garganta arder e pus toda minha força nas pernas, como se isso resolvesse o problema e pudesse trazê-la de volta. Como se tivesse tempo o bastante para conseguir vê-la viva pela última vez. Mas não podia, não conseguiria chegar a tempo porque já não tinha mais tempo. Há um ano, uma bomba relógio foi acionada pelos médicos. E ninguém conseguiu desativá-la a tempo, nem mesmo eles. Não podia fazer nada, além de esperar que essa bomba explodisse e levasse a pessoa mais importante da minha vida.

Cheguei onde minha família estava e, no mesmo instante, deixei minhas pernas caírem contra o piso-liso branco do hospital particular. Minha prima Ashlley agachou-se ao meu lado e me abraçou tão fortemente que não conseguia respirar direito. No entanto, acho que merecia não poder respirar por bastante tempo. Poderia, indubitavelmente, ficar exposto a um ambiente completamente imerso de radiação, onde não pudesse pedir ajuda nem ter como fugir, porque eu merecia isso.

Me afastei um pouco dela e sussurrei fungando:

— Não deveria ter ficado distante dela esse tempo todo, Ash. Agora me sinto culpado por fazê-la ir tão rápido. Foi minha cul... — fui interrompido por ela.

— Ah, por Deu, Andy! — esticou os braços para colocar as mãos em meus ombros e me sacudiu um pouco. — É claro que não foi culpa sua! Ela estava doente, já esperávamos isso, lembra? —Ela não estava chorando mais, mas seu rosto continuava vermelho por ter chorado tanto.

— Mas... eu adiantei a sua morte Ash! Deixei ela sofrer ainda mais sem estar do lado dela! — bravejei, sem me preocupar com quem estivesse ouvindo. Enterrei meu rosto nas mãos e chorei ainda mais.

— Já conversamos sobre isso, Andy. Não foi culpa sua. Lembra que passava a noite inteira ao lado dela enquanto dormia? Isso também conta e ela sabe que você a ama.

— Mas não era o bastante e só agora que percebi isso.

— É normal não percebermos as coisas na hora certa, Andy. Muitas vezes só nos demos conta bem depois e só aí sabemos o quão ruim foi não ter percebido antes. Mas, isso é normal. Foi um erro, sim, mas errar é humano, e não podemos mudar isso porque toda causa tem a sua consequência. — fez uma pausa, pensativa. — E outra coisa: a tia Maggie não iria gostar de vê-lo se arrepender de ter agido de uma forma, sendo que ela sempre falava pra gente que era melhor ter agido de uma

forma ou de outra do que não ter feito nada, Andy. — disse, confortando-me de forma intrínseca como só ela, além da minha mãe sabia fazer.

Ashlley tem cabelos loiros dourados e olhos castanhos. Era um pouco cheinha, e linda. Ela era minha prima preferida, porque ela sabia ouvir, confortar e dar conselhos ótimos sobre as coisas. Apesar de ser um ano mais nova que eu, sabia tanta coisa como alguém de quarenta anos.

Levantei meus olhos para ela e sequei as lágrimas que escorriam pelo meu rosto com a testa da mão.

— É, você tem razão. É melhor se arrepender pelo que não fez do que pelo que fez. Não sabemos o que vai acontecer no futuro, por isso temos que arriscar antes que seja tarde demais". — ressaltei, lembrando do dia em que ela nos disse isso quando eu tinha quinze e Ash, quatorze anos, na época.

— Isso mesmo. As sábias palavras da sua mãe, sempre nos salvando. — sorriu. Se levantou e esticou o braço para me ajudar a levantar.

— Obrigado, Ash. — agradeci quando me levantei.

— Sempre estarei aqui, batatinha. — disse ela. Sorrimos juntos, mas ainda assim fora uma sorriso triste.

Deixei Ash ficar um pouco com a sua mãe, que era a irmã da minha, e fui para onde meu pai se encontrava. Ele estava em pé com uma perna dobrada encostada na parede azul-clara esverdeada ao lado de um extintor. Seus braços estavam cruzados e seus olhos negros fitavam, completamente perdidos, o piso branco. Nunca fomos próximos, talvez no dia em que nasci, mas fora isso, parecia que ele me evitava na maior parte do tempo, e não sabia por quê.

— Você está bem? — perguntei, sem jeito. Nunca soube lidar com ele, talvez porque quase não nos comunicávamos um com o outro desde que comecei a falar.

— Não, não estou. — respondeu, sua voz quase não saiu.

— Eu... posso ver ela? Será que eles deixam?

— Mesmo estando morta você quer vê-la? — indagou, virando a cabeça na minha direção. Nunca o vi daquele jeito. Seus olhos transmitiam desespero e tristeza profunda, enquanto um sorriso, no mínimo, melodramático, formava em sua boca. Um gemido sem vida escapuliu dos seus lábios roxos.

— Sim, eu quero. — afirmei firmemente, sem qualquer dúvida estampada no rosto. Não deixaria ele tirar a única chance de vê-la novamente. — Posso ou não?

— Fale com o Dr. Spencer e diz que eu autorizei. — disse finalmente quando decidi procurar alguém para me auxiliar, já que ele não me respondia.

Não agradeci nem olhei para trás, apenas segui em frente na direção da recepção à procura do Dr. Spencer. Qualquer sensação que estiver escondida dentro de mim, vai aparecer quando for vê-la pela última vez. Entre todos no mundo, tinha que ser justamente ela a escolhida para ter esse tumor malignamente raro e sem cura? Porque não outra pessoa? Por que não aquele cara que cresci chamando de pai, mas que nunca foi meu pai de verdade?

 


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Notas finais do capítulo

Agradecemos por ler!



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