Estou andando em uma linha fina, ando como se eu fosse uma daquelas equilibristas de circo, mas não estou segurando um bastão ou estou com uma roupa bonita, visto apenas uma camisola branca rasgada e meio amarelada, minhas mãos seguram o vazio.
Olho para baixo vejo o fogo que antes era pequeno e sutil, agora quase me alcança, parecendo que vai me devorar. O fogo começa a formar figuras e a fazer ruídos. Logo reconheço esse som... não eram ruídos, eram os gritos dos meus pais, ecoando na minha mente, e as figuras tomaram formas de braços, eles... eles tentavam me pegar.
Acelero o meu passo para que eu chegue logo na outra ponta, mas não adianta, eu ando três passos, a ponta se afasta três passos, eu corro vinte passos, a ponta corre quarenta. Então era isso... eu nunca vou chegar a outra ponta. Fraca, incapaz de continuar, eu relaxo minha perna, não demora muito para eu perder o equilíbrio e cair no beco, e quando estou prestes a despencar...  

—Jodie? Acorde querida. Está na hora de seus remédios.
Esta é Helena, é a minha enfermeira, ela me trata muito bem, eu gosto de contar meus segredos para ela, quando ela está comigo não me sinto sozinha.
— Aaah Helena, só mais cinco minutinhos. Por favor!!
— Desculpe Jodie, mas hoje não poderei fazer nada, daqui a pouco você tem consulta com o Sr. Mark, e você sabe como ele é com horário.- ah o Sr. Mark, ele é o meu psicólogo, Helena disse que posso confiar nele, mas eu tenho as minhas dúvidas.— disse Helena colocando os remédios na boca de Jodie.
Jodie revirou os olhos, Helena deu uma risada baixa e logo falou:
—Se troque rápido, que eu estarei do lado de fora te esperando.
Jodie colocou uma blusa azul clara, uma calca jeans um pouco larga nas pontas e um tênis preto. Olhou-se no espelho, respirou fundo, engoliu os restos dos remédios que ainda estavam se dissolvendo em sua boca, e abriu a porta.
— Você esta tão bonita com esta roupa, parece ter até mais idade do que realmente tem.
Já estou com 13 anos, é estranho ver como o tempo passou, e como algumas marcas nunca saem da gente, desde machucados na pele quanto os hematomas que levamos na alma de cada um...

Jodie entrou na sala do Sr. Mark, e deitou-se no pequeno sofá ao lado da cadeira preta do Sr. Mark.
— Bom dia Jodie, como dormiu esta noite?
— Mal... como sempre.
— Qual foi o pesadelo desta vez? Foi o de sempre?
— Não, desta vez foi diferente. Eu estava andando em uma linha fina, vestindo uma camisola meio amarelada, então eu olhei pra baixo e tudo pegou fogo, e ele tentava me pegar, eu corri para chegar a outra ponta, mas ela só se distanciava de mim, logo desisti de lutar contra e cedi.
— Você caiu no fogo? Você se viu queimando?
— Não e não, acordei antes disso.
— Você tem ideia ou hipótese do que poderia estar na outra ponta?
— Não parei para pensar nisso na verdade.
— É bom você ter sonhado que desta vez você estava andando na linha invés de estar apenas olhando para ela.
—É, acho que sim.
— Bom, Jodie agora preciso que você tome mais esse remédio e feche os olhos e tente ir para esse mesmo local do seu sonho, tudo bem?
Jodie concordou, tomou os remédios como Sr. Mark, ela não precisou fechar os olhos, pois logo depois de ter engolido os remédios, o mundo real e o seu mundo estavam interligados.
Eu comecei a me sentir muito leve, não sentia meus pés no chão, e ora eu estava atravessando a linha, ora eu via o Sr. Mark. Eu não sabia mais aonde estava, ouvi a voz de Chesire:
— JODIE!! VOCE PRECISA VOLTAR PARA O PAÍS DAS MARAVILHAS.
—Chesire, quanto tempo! O que esta acontecendo?
— Você com certeza lembra do dia do acidente certo?
—Sim...
— Desde então, o pais das maravilhas esta desmoronando.
— Chesire... eu não quero lembrar daquele dia. O pais das maravilhas não passa de fruto da minha mente. Ele não existe, eu o criei apenas para ter uma válvula de escape.
—Você esta enganada Jodie.
Eu escuto o Sr. Mark:
—JODIE! Volte para o mundo real! Com quem você esta falando?
— Chesire, eu tenho que ir.
—Jodie! Não seja tola, você acreditou tanto que nós existíamos que passamos a existir! Você sabe que eu estou certo! Quando o Pais das Maravilhas acabar, a sua mente também estará destruída!
—Minha mente? Destruída?
—JODIE! Acorde!!!
E de repente eu estava deitada no sofá, eu estava com os meus pés no chão, estava com o Sr. Mark e Helena estava um pouco longe, mas até mais preocupada que ele.
— Jodie, com quem estava falando? Aonde você estava?
Jodie permaneceu em silencio, durante algum tempo quando olhou no relógio grande da sala e disse:
—Lamento Sr. Mark, nosso tempo acabou, isto terá que ficar para a próxima sessão.