Arborescente escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 22
Capítulo vinte e dois




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Era incrível como a minha vida era um conjunto de momentos entediantes intercalados por momentos ruins. E os momentos ruins sempre vinham próximos, sem descanso. A tempestade antes da tão esperada calmaria.

Naquela noite, eu chorei. No meio da praça, como Reilly fez. Estava escuro, e logo notariam a minha ausência, mas eu pouco me importei para aquilo.

― Vamos, Aeryn!

Evan estava me seguindo desde que eu saí do prédio abandonado, e foi ele quem me ajudou a seguir para a sede da Franqueza, eu mal podia me aguentar em pé.

― Aeryn! Mas o que... ― Karen apareceu no hall, olhando chocada para Evan, que afastou-se de mim no mesmo momento.

― Eu vou indo. Se cuida ― ele murmurou para mim, antes de ir.

Karen me puxou pelo braço, para dentro, a expressão séria.

― O que deu em você? ― perguntei, conseguindo me soltar.

― O que deu em mim? O que deu em você! ― ela exclamou ― Olha, eu sei que aquele garoto é lindo. Olhar não tira pedaço, mas, cara, você não pode se relacionar com ele. Ele é um sem facção! Isso nunca daria certo!

― Do que você está falando? ― perguntei ― Eu não estou tendo um relacionamento com o Evan.

― Então, o que estava fazendo com ele?

― Meus amigos da Amizade viraram sem facção. Queriam me ver.

― Aeryn, não há nada que possa fazer a eles. Agora eles são sem facção, como você disse. Eles eram seus amigos na Amizade, mas tiveram sua escolha.

Indignei-me com o que ela disse.

― Escolha? ― repeti ― Eles não tiveram escolha! Eles foram expulsos! Que tipo de justiça é essa?

― Ei! Eles não foram expulsos da Franqueza ― Karen defendeu.

― Mas a Franqueza jamais faria algo para mudar isso.

― É claro que não! Cada facção tem sua forma de democracia. Interferir seria permitir que interferissem conosco.

Eu não sabia mais o que dizer, meus pensamentos eram nublados por minha revolta e angústia. Virei-me, indo para longe de Karen, mas ela puxou-me pelo braço mias uma vez, virando-me.

― Aeryn, eu sou sua amiga, não inimiga ― ela disse, exasperada ― Responda com sinceridade: você consegue se ver como uma sem facção?

― Já disse que não tenho nada com ele ― respondi.

― Você não respondeu a minha pergunta.

― Não! Eu não consigo me ver como uma sem facção! Esse era o meu pesadelo quando eu completei 16 anos: fazer o teste de aptidão, e não dar resultado algum, embora eu saiba que isso é impossível.

Ela olhou-me com pena, parecendo relaxada pelo que eu disse.

― Você viu ele, não foi? Na simulação de homicídio da Trudie.

― Não quero falar sobre isso ― desviei o olhar para a parede de vidro, o que não foi uma boa escolha, já que dava uma ótima vista da praça.

O que Karen fez, me surpreendeu. Ela simplesmente me abraçou. Nós nunca nos abraçamos, e eu nunca vi o pessoal da Franqueza fazendo isso. Era sempre um aperto de mãos.

― Entendo que esteja preocupada com sua família ― ela murmurou para mim ― Não se preocupe, tenho certeza de que eles estão bem.

― Não sei como esperam que eu me desligue dessa parte da minha vida de um dia para o outro ― suspirei.

Ela afastou-se de mim, pegando as minhas mãos com as suas.

― Um dia, isso vai se tornar mais fácil ― disse.

― Sua família está aqui ― lembrei-lhe.

― Eu sei, mas não podemos nos encontrar. Isso atrapalharia o treinamento ― ela disse, como se fosse óbvio ― E, quando eu me formar, serei só eu. Em um apartamento, talvez dividido com alguém, talvez não. Entende o que quero dizer? Nós crescemos, apesar de dividir ou não a facção com nossos pais.

Não conseguia imaginar como seria se fosse comigo, tendo que me manter afastada de meus familiares, para seguir a minha vida. Parecia ser bem pior do que não vê-los por dias.

― Vamos para o dormitório ― suspirou Karen ― Hoje foi um dia horrível!

Só Todd e Steven estavam lá. Mischa, Nolan e Jesse deveriam estar bêbados em algum canto. Pacey e Reilly, talvez, estivessem conversando sobre Petal, tentando se consolar, e lembrando da pessoa maravilhosa que ela foi.

― Sabe, Pacey ia pedi-la em namoro ― Steven disse, no meio do silêncio do dormitório.

― Quando? ― perguntou Karen, olhando para o teto, do seu lugar no beliche.

― Antes da doença se manifestar ― disse Steven ― Conversamos sobre isso, quando ele estava bêbado.

― Qual das trinta vezes? ― debochei.

― No mesmo dia. Quando ficamos de “castigo” ― Todd disse, dessa vez ― Isso só me faz pensar no quanto a nossa vida pode ser curta...

― Não! ― Karen o interrompeu ― Por favor, não comece. E não me proponha algo que não proporia se não estivesse mexido pelo funeral.

Pude ver a sombra de seus braços, como se rendendo. Embora, não precisasse ver para saber que ele faria isso, estava acostumada demais com eles, já sabia suas reações a diferentes situações.

― Trudie estava pensando em colocá-la para identificação de criminosos ― comentou Steven ― Ela era boa em desenho... Para fazer um retrato falado.

― Nunca vi alguém fazendo isso ― disse Karen, parecendo admirada.

― Deve ser fantástico ― concordou Todd.

― Parece que há um pouco da Amizade por aqui ― brinquei ― Minha mãe se daria perfeitamente bem nessa profissão.

― Eu não sei. Eles devem contratar pintores para cuidar disso, mas preferimos pôr gente da nossa mesma facção para trabalhar por aqui ― Karen deu de ombros.

― Você vive fazendo isso ― ri, e ela me olhou confusa ― Em um momento, fala do pessoal da facção como “eles”. Em outro, fala em “nós”.

― Somos da Franqueza, Aeryn ― ela disse, com naturalidade.

― Sei disso ― retruquei.

A porta do quarto abriu-se, Pacey e Reilly foram para suas camas, calados. Os três bêbados não demoraram a aparecer também.

― A programação amanhã será normal ― disse Trudie, ignorando os três.

Parece que ela respeitava a forma de luto da Audácia, já que não os criticou.

― Falou ― disse Todd.

As luzes apagaram-se, e eu abracei o sono, com vontade.

Naquele dia, celebramos a vida e a morte de Petal Closs, e eu revi antigos amigos da Amizade, que estavam sofrendo, sem que eu pudesse fazer algo para ajudar. A impotência não foi embora, ela só tornou-se mais forte. E a tempestade parecia longe de acabar.

― Vocês estudaram em “história das facções”, no colégio, os manifestos das facções. Quem se lembra do manifesto da Audácia? ― Trudie perguntou.

Os ex-audaciosos e Pacey levantaram a mão, confusos. Todos nós estávamos, na verdade. Qual era o objetivo daquilo?

― Perfeito! É um bom número! ― ela elogiou ― Agora, quem lembra do manifesto da Abnegação?

Só Pacey levantou a mão.

― Mesmo seus manifestos são suscetíveis ao esquecimento ― murmurou Trudie, logo voltando sua voz para o tom normal ― Quem se lembra do manifesto da Erudição?

Pacey e Reilly levantaram as mãos.

― Dois são melhores que um ― disse Trudie ― Manifesto da Amizade?

Revirei os olhos, antes de levantar a mão, junto com Pacey.

― Claro ― ela riu ― Pacey, você parece saber todos os manifestos, mas não o repreendo por isso. É útil! Não esqueçam de tudo o que aprenderam em suas antigas facções, essas informações podem vir a ser úteis.

Ela respirou fundo, antes de voltar a falar.

― Agora... Quem se lembra do manifesto da Franqueza? Essa eu quero ver! ― disse, pulando empolgada, o que era estranho nela.

Karen levantou a mão, junto com Pacey, Reilly, Mischa, Todd e Steven. Nolan e Jesse levantaram os polegares para mim, éramos os únicos a não saber.

― Já estava pensando que estavam dormindo ― ela disse para Karen, Todd e Steven, divertida ― Perfeito! Então, é isso que vamos olhar hoje. Sei que pode parecer ridículo, mas não posso formar “alunos” que não saibam o manifesto da própria facção!

― Como um animal selvagem, a verdade é poderosa demais para ser mantida aprisionada ― citou Mischa.

― Apropriado para uma antiga membra da Audácia ― brincou Nolan.

― O manifesto é cheio de frases ― dizia Trudie, quando Holden bateu na porta ― Esperem um momento!

Ela afastou-se, indo para a direção dele. O homem sussurrou em seu ouvido, e seu rosto parecia mais animado, se é que isso era possível.

― Parece que teremos de adiar nossa revisão de manifestos ― ela disse, aproximando-se de nós ― Lembram-se da quarta fase? Daremos início a ela agora, mas não se tratará de uma simulação. Será um julgamento real! Dois sem facção foram capturados.

― A justiça nunca falha ― murmurou Karen, satisfeita.

Entretanto, não me senti feliz com aquilo. Por que precisariam ser presos?

Meus pensamentos não saíam de Eleonore, Austin, Rachel e Evan.

Algum deles teria sido capturado?


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