Arborescente escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 21
Capítulo vinte e um




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Não demorei a reconhecer o caminho para os prédios abandonados, o mesmo caminho que outrora segui, junto a Karen.

― Por isso estava me olhando naquela vez? Quando estava sozinha na praça? ― perguntei ― Estava me procurando desde aquele dia?

― Sim ― respondeu Evan, seus braços ficaram rígidos pelos segundos que ele pronunciou essa palavra.

― Eu não deveria confiar em uma pessoa que mente ― eu disse, casualmente.

― Você não deveria confiar em um sem facção ― ele corrigiu.

Queria argumentar contra aquilo, mas não tinha o que dizer, e frustrei-me por isso.

― Vamos demorar para chegar? ― perguntei, já incomodada com tamanho silêncio.

― Lembra quando você e sua amiga vieram atrás de Rachel? É lá! ― ele disse.

Quem estava me procurando? Não pensava ser tão famosa assim para rodar na boca dos sem facção. A única que conhecia era Rachel e Evan. Será que era ela me esperando? Mas ele tinha dito que tinha duas pessoas me esperando.

― Olha, eu acho que você não vai descobrir ― ele debochou, vendo minha expressão pensativa.

― Estamos chegando, então eu vou descobrir ― retruquei.

Ele deu de ombros.

― Audácia? ― perguntei.

― O que? ― ele disse, confuso.

― A facção de onde você veio ― expliquei.

― Eu tenho cara de Audácia? ― ele parecia incrédulo.

Dei de ombros, imitando sua ação anterior.

― Suponho que não vai falar sobre isso ― disse, vendo que estávamos próximos.

― Você tem o meu nome ― foi o que ele disse, indo na frente, dando a entender que a conversa estava terminada, mas eu não entendi o que ele quis dizer com isso.

Se eu procurasse nos arquivos da Franqueza, encontraria algo sobre ele? Pois era a única forma de procurá-lo. Documentos eram mantidos na Abnegação, laudos e certidões ficavam na Erudição. Eu não tinha acesso a essas facções.

― Aeryn! ― Rachel sorriu para mim, como se fôssemos velhas amigas, bem diferente da última vez.

― Olá, Rachel! ― cumprimentei-a.

Era o mínimo, considerando que estava em sua... Casa.

― Venha! ― ela puxou-me pelo braço, deixando Evan para trás.

De certa forma, me senti insegura. Não conversava muito com Evan, mas era bem mais do que com Rachel. Caminhamos pelo espaço relativamente aberto, pude ver vários cobertores ralos e latas de comida jogadas no chão, a maioria vazias.

Não sabia ao certo para onde íamos, se aquele lugar tinha alguma divisão, mas vi que Rachel e Evan não eram os únicos a morar naquele prédio. Não vi seus rostos, mas vi vários sem facção jogados no chão, todos com roupas de cores misturadas. Senti-me isolada.

― Não olhe para eles ― Rachel murmurou ― Nem todos são gentis.

Fixei meu olhar para a frente, tentando estender meu campo de visão.

― Aqui ― ela me parou no meio do caminho, abrindo uma porta escondida.

O enorme prédio tinha quatro blocos, quase que indistinguíveis por fora, formando um espaço no interior. Era o que eu gostaria que tivesse na Franqueza, um espaço agradável para relaxar, embora ali não pudesse ser descrito assim, exatamente.

― Deixarei-os a sós ― disse Rachel, piscando para mim, antes de puxar a porta de ferro, com força.

Quando vi as pessoas que me esperavam, meu mundo desabou.

― Elen? Austin? ― sussurrei, desacreditada.

Eleonore levantou-se do banco, sorrindo feliz para mim.

― Pensei que não viesse ― ela disse, abraçando-me.

Fiquei tentada a devolver, mas permaneci como estava.

Ela estava com a saia longa da Amizade, mas era a única coisa de sua facção. Uma regata preta da Audácia, visível por trás do casaco azul da Erudição, e as botas cinzas da Abnegação. Nada da Franqueza, aquilo me desagradou um pouco.

― Soren tem nos ajudado, mas é só porque é sua obrigação como abnegado ― ela dizia, desolada.

― O que aconteceu? ― perguntei, assim que ela afastou-se.

Eu notei que Austin me olhava apreensivo, as suas roupas estavam divididas quase da mesma maneira que as de Eleonore.

― O que estão fazendo com o sem facção? Há quanto tempo estão aqui? ― insisti, nervosa pela falta de respostas.

― Nós somos sem facção agora, Aeryn ― disse Austin, com a expressão séria.

― Mas por que? ― eu alternava os olhares entre os dois.

― A Amizade votou assim ― Eleonore segurou a mão de Austin com a sua, olhando fixamente para elas.

― Quando decidirem me explicar ― fiz menção de sair.

― Eu sou um divergente, Aeryn ― disse Austin.

― Um o quê? ― perguntei.

― O teste dele deu inconclusivo. Por isso ficou tão nervoso ― explicou Eleonore, guiando-me para o banco.

― Divergentes são pessoas que tem aptidão para mais de uma facção ― disse Austin.

― E te expulsaram por causa disso? ― indignei-me.

― A Erudição tem feito estudos, se enfurecido porque não obedecemos ao sistema das facções ― murmurei Austin ― A Amizade não quer brigar com a Erudição, a facção ajuda muito com a tecnologia. Então, fizeram uma votação e decidiram me afastar.

― Mas isso é um absurdo! ― disse ― Você não está fazendo mal algum.

― Eles parecem pensar o contrário ― disse Eleonore, triste.

Então, entendi o que aconteceu. Austin foi afastado, e Eleonore decidiu renunciar.

― É só uma situação provisória ― disse Eleonore.

― Provisória? Elen, isso não vai parar! Eles não vão desistir dos divergentes de uma hora para a outra! ― tentei fazer-lhe entender.

― Não vamos voltar para a Amizade ― ela disse ― A mãe de Austin esteve falando com um casal da Abnegação. É a melhor facção para abrigar divergentes, deveríamos ter escolhido essa facção de primeira.

Austin desviou o olhar com o que a, aparentemente, namorada disse, mas eu entendia. Era difícil abrir mão da sua família, quando você nunca pensou em fazê-lo.

― Mas vão saber que estão lhes abrigando! ― eu disse.

― A Abnegação é o governo. Eles podem falsificar documentos ― disse Eleonore.

― Mas isso não seria correto! ― olhei-a, chocada.

― Para os valores da Franqueza ― disse Austin, ácido ― A Abnegação preocupa-se com o bem estar do próximo, não importa os meios para isso.

Recuei com o seu tom de voz, entendi o que ele queria dizer. Ele não me queria aqui. Ele sabia que, se me perguntassem, eu precisaria lhes entregar.

― É melhor eu ir ― levantei-me sob o olhar triste de Eleonore.

― Um casal vai nos adotar ― explicou minha ex-amiga, ignorando o olhar de Austin.

― Espere! Mas, então, vocês terão que ser irmãos ― observei.

O olhar dela perdeu-se na tinta desbotada do bloco à frente.

― Não vamos conseguir outra coisa ― ela murmurou ― Já é raro um casal estar disponível, imagine dois. Seria arriscado fazer parte de um casal tendo já filhos. Eles poderão mudar de facção, quando crescerem, e não há leis que impeçam as pessoas de contarem segredos de suas antigas facções.

Pela primeira vez na minha vida, revoltei-me. Revoltei-me pela injustiça que a Erudição estava criando. Revoltei-me porque eles não poderiam ficar juntos. Revoltei-me porque eles preferiam arriscar-se em um futuro incerto em vez de permanecer ali, com aquelas pessoas. Não era um futuro certo, tampouco, mas eles estariam livres.

Mas eu não disse nada daquilo. A decisão era deles. Olhei pela última vez para suas mãos entrelaçadas, e contornei o banco, indo para a porta de onde entrei.

― Afinal, por que me chamou? ― perguntei, antes de alcançar.

― Você é a minha amiga ― disse Eleonore, suavemente ― Independentemente das nossas escolhas. Nada apaga o que passamos.

Não tinha ideia do que ela esperava que eu dissesse ou fizesse, mas eu abri a porta, e saí, sem olhar para trás.


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