Até que a Morte nos Una escrita por Nuwandah


Capítulo 18
O significado de Omamori


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é um os meus amorzinhos (lembrei disso ao revisá-lo para postar aqui kkk) e por isso, espero que vocês o curtam bastante (e comentem, por favor, o último capítulo praticamente não teve participação de vocês :'D )



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Como Sakura poderia ter desaparecido assim? Ela tinha que estar em algum lugar! Ok, eu estava sendo muito dramático. Sakura apenas não estava no apartamento de Itachi, ainda havia o resto do mundo para procurar.

Espera, procurar? No que eu estava pensando? Eu já havia matado aula no outro dia por causa de Sakura, já estava correndo o risco de algum professor ligar para Itachi pedindo justificativa pela minha falta, se eu faltasse novamente naquele dia, a ligação seria certa.

Sakura estava magoada comigo e eu precisava ir à escola. Talvez fosse melhor deixá-la sozinha um pouco ao invés de procurá-la logo para pedir desculpas.

Mas... e se ela não voltasse mais? Se eu perder a única chance de pedir desculpas? Não, não, claro que não. Sakura iria voltar, sim. Tinha que voltar...

Sacudi a cabeça forte para espantar aqueles pensamentos. Estava quase na hora de sair para a escola, tinha que ir logo tomar o café da manhã e... Ah, sim. Colocar o uniforme. Tinha ido tomar banho com os pensamentos tão focados em Sakura que me esqueci de levar logo o meu uniforme para o banheiro para vesti-lo.

Sakura ainda poderia aparecer, e troquei de roupa no banheiro, como se tornou costume após começarmos a conviver. Enquanto tirava a blusa, acabei olhando para o espelho, que estava logo ao meu lado, e vi, no seu reflexo, parte das minhas costas, ainda marcadas pelas cicatrizes recentes que corriam de cima até cintura. Cicatrizes de ferimentos que adquiri quando caí nos trilhos do metrô enquanto brigava com Toya e acabei sendo salvo por Sakura por um triz. Ferimentos que foram tratados por Sakura e que não se tornaram algo mais grave graças a ela...

Eu sei que tinha acabado de me fazer essa pergunta, mas, afinal, no que eu estava pensando?

Como um fantasma, Sakura já passa tempo mais do que o suficiente sozinha, talvez ficar sem mim – a única pessoa que pode vê-la – mesmo em uma situação como essa, seja muito doloroso para ela. Garotas como Sakura geralmente desabafam com amigas, certo? Mas que amiga iria ouvi-la? Ou melhor, que amiga poderia ouvi-la? Ninguém a via ou escutava, exceto eu, animais e algumas crianças. Ela não tinha muitas opções.

Ver aquelas marcas nas minhas costas me fez acordar novamente, e perceber que, apesar de todos os pesares, Sakura não era tão irritante assim e... também...

Eu meio que tinha me apegado a ela depois de tudo.

É, eu não iria para a escola outra vez na mesma semana, e que se dane a ligação do professor. Meu foco já tinha mudado.

Dei meia-volta para retornar ao meu guarda-roupa e pegar uma muda diferente de roupas, e um movimento diferente na janela me chamou a atenção: flocos de neve dançavam em queda livre pelo lado de fora. O dia seria bem frio, então peguei logo um sobretudo preto e um cachecol azul-marinho junto com uma calça e uma blusa de manga comprida.

Saí de casa com uma carteira e meu celular nos bolsos e um guarda-chuva na mão. Mais neve caia do céu e estava começando a ventar. Seria uma busca difícil. Torcia para que, em algum momento, parasse de nevar um pouco para eu poder achar Sakura com mais rapidez. Cada minuto era precioso. E se ela resolvesse ir para um lugar distante? Teria que impedi-la antes que ela tivesse essa ideia e a realizasse.

Mas Tokyo era enorme e com uma variedade infinita de lugares, como eu encontraria Sakura em meio a todo aquele formigueiro humano? Teria que pensar com mais calma. Não poderia simplesmente adivinhar os lugares que Sakura ia quando estava triste, mas poderia deduzir baseado no que sabia sobre ela e acrescentar isso aos lugares que já estivemos juntos.

Comecei a andar pelas ruas frias da grande metrópole quase sem rumo primeiramente. Andei pelos quarteirões de lá para saber se Sakura estava ao menos pelas redondezas. Locomovia-me com grande pressa, acompanhando o ritmo de andar frenético dos habitantes mais experientes da cidade grande. Olhava para os lados com os olhos bem atentos, procurando algum cabelo rosa em meio a tanta gente, mas como eu iria enxergá-la se todos estavam usando guarda-chuva para se proteger da neve úmida que caía?

Depois de andar um bocado pelo bairro e notar que a garota que procurava não estaria ali, tracei um plano de rota: procuraria primeiro em cada lugar que já estive com Sakura e, se fosse necessário, nos lugares aonde eu iria posteriormente deduzir que ela gostava de estar.

Fui para a estação de metrô com bastante pressa. Perdi muito tempo andando pelo bairro, um tempo precioso demais.

 Segui a ordem cronológica dos acontecimentos, e fui primeiro para o hospital onde nos encontramos pela primeira vez.

O lugar estava com uma placa presa às grades de proteção, que anunciava a demolição do edifício que ocorreria em algumas semanas devido ao risco de desabamento.

Decidi arriscar – mesmo correndo o risco de ser soterrado por andares de cimento e estruturas de ferro – e entrei no hospital negro, vítima de um grande incêndio.

Antes de Sakura começar a andar comigo, ela ficava por ali, o local de sua provável morte, então era um pouco plausível que ela tivesse voltado para lá.

— Sakura! – Gritei o nome dela enquanto caminhava pelos corredores negros e com pouca luz.

Andava com mais cautela daquela vez, afinal, na última vez que eu fora lá quase morri quando pisei em uma parte do chão que estava enfraquecida. Ocorrido fatal esse, se não fosse Sakura me ajudar e salvar a minha vida. Ela já resguardou minha vida tantas vezes, eu ainda não tinha retribuído todos esses favores a ela... Mas que droga, eu precisava encontrá-la logo!

Continuei subindo os andares até alcançar a sala de cirurgia que nos encontramos pela primeira vez, também o lugar onde ela tentou me matar. Detalhes a parte.

Procurei, chamando o nome de Sakura várias vezes a cada andar que passava, mas nunca obtinha uma resposta. Ela não estava ali.

Frustrado comigo mesmo. Continuei minha busca, indo, desta vez, para o Parque Shiba. Mais alguns minutos de metrô e caminhada e estava lá. O parque estava vazio, sem nenhum visitante. Isso era um pouco óbvio, já que estava nevando e era horário de estudo e serviço. Entrei no lugar mesmo assim. Era até melhor não ter gente por perto, assim eu poderia achar Sakura de um modo muito mais fácil, se ela estivesse lá.

Mas como a vida muito dificilmente corria ao meu favor, Sakura também não estava lá. As coisas estavam se complicando...

Decidi ir em seguida para a antiga casa de Sakura em Tokyo. Mais um tempo gasto em vão. Fui para Shiroi e procurei-a na casa abandonada e nas redondezas também, mas não obtive sucesso. O tempo estava correndo e eu não o estava acompanhando.

Onde mais procurar? Sakura poderia estar em qualquer lugar. Estava perdendo as chances de encontrá-la, mas não iria desistir tão fácil assim. Pense, Sasuke, pense...

Nakai. Ainda tinha a casa que Sakura viveu praticamente toda a sua vida, onde seus pais ainda moravam. Corri novamente até a estação e comprei uma passagem da primeira ida do trem-bala para Nakai que tinha.

A chegada do trem-bala demorou, a partida da estação demorou, a viagem demorou, por que diabos tudo estava demorando? Ou o problema estava comigo, e era eu quem estava a mil? Eu precisava me acalmar, precisava mesmo. Aquele não era o meu normal.

Finalmente foi anunciado no alto-falante que a próxima parada seria na Estação de Nakai. Levantei do banco para saltar do trem já com o espírito mais manso.

Mais uma vez em Nakai... Depois que fiz a minha promessa de não voltar mais naquele lugar, já havia retornado duas vezes, e tudo por aquela cabeça rosa. O que eu não fazia por Sakura? Afinal, por que eu fazia tudo aquilo por ela? Não conseguia encontrar uma resposta cabível.

A minha caminhada por poucas ruas de Nakai já era desconfortável, e ficou pior ainda por eu ter que prestar atenção no cenário para saber se Sakura estava nele. Ao contrário de Tokyo, naquela cidade não estava nevando. Nakai ainda mantinha o tempo ameno, em um frio gostoso de viver. Não era à toa que eu gostava tanto daquele lugar... Mas já não podia mais me dar ao luxo de continuar desfrutando daquele pequeno pedaço do paraíso desde que ele se tornou uma espécie de inferno pessoal.

Estava chegando perto da Praça Omamori, que era meu ponto de referência para chegar à casa de Sakura. Achava provável que ela, após lembrar-se de quem era, voltasse para seu antigo lar para rever sua família. Ela não fazia muito o tipo que sofre sozinha.

Antes de alcançar a entrada da praça, a quietude da rua próxima a ela foi bruscamente quebrada por gritos de pavor. Poucos segundos depois, um pequeno grupo de garotos passou correndo em disparada por mim. Eles ainda gritavam, seus semblantes estavam cobertos pelo medo, e sequer notaram a minha presença. Aqueles rostos eram familiares, e logo os reconheci como sendo de um grupo de cinco moleques que adoravam causar desordem e confusão pelo bairro desde que se juntaram em prol de um estilo de diversão em comum que era mais do que inconveniente. Eu mesmo já tive diversos desentendimentos com eles, que inclusive terminaram em brigas mais... energéticas.

Mas logo me indaguei por que eles estavam daquele jeito, tão aterrorizados. Acelerei o passo para saber o que os tinha tirado do eixo. Os gritos vieram da praça, cheguei logo na sua entrada, mas o que eu vi ali não era nada de inquietante, muito menos aterrorizante.

Nada ali poderia me trazer mais alívio e satisfação. A garota que eu estava procurando sem parar há horas, o motivo da agonia que sentia o dia inteiro, estava sentada em baixo de uma árvore próxima ao lago, que ficava bem no meio da praça. Sakura estava com as costas “apoiadas” no tronco da árvore enquanto conversava afavelmente com um gato branco de manchas marrons deitado ao seu lado. Suas mãos passeavam por cima dele, que parecia estar um pouco assustado, mas não com Sakura.

Caminhei em direção a ela devagar, as mãos sempre enfiadas nos bolsos. Parei praticamente em frente à garota de cabelos da cor de uma flor de cerejeira recém-aberta, mas ela não pareceu ter notado a minha presença.

— Sakura... – Disse o nome dela, mas não para chamá-la, foi apenas uma forma de expressar o meu alívio por finalmente encontrá-la.

Sakura não pareceu surpresa ao virar o rosto para mim e me lançar um sorriso receptivo, logo depois voltando sua atenção ao felino. Ela já sabia que eu estava lá, apenas não disse nada. Mas por quê? Queria saber o que eu faria?

— Você está bem? – Não sei o que me deu na cabeça, mas perguntei sobre o estado dela apenas para tentar começar alguma conversa entre nós.

Sakura nem desviou o olhar do gato dessa vez, apenas assentiu com a cabeça. Ela não estava me dando muita brecha.

— Sakura, eu...

— Uns arruaceiros estavam jogando pedra nela. – Sakura me cortou de repente, não permitindo que eu finalmente pedisse desculpas a ela. Aquilo me deixou confuso.

— Hã?

— Então eu os expulsei do meu próprio jeito. Acho que, desta vez, eles aprenderam a lição para sempre. – Ela continuou a falar sem parar de distrair o gato ao seu lado com uma das mãos.

— Do seu próprio jeito? – Fiquei curioso com aquilo.

— Não se esqueça de que também sou um fantasma, também sei assombrar. – Lembrei-me da primeira vez que nos encontramos, dentro do hospital. Conhecendo Sakura, ela não parecia ser nada assustadora, muito pelo contrário. Mas, naquela vez, lembro como ela fez todo mundo quase molhar as calças. Quando ela queria assustar, ela o fazia com destreza.

— Ah... O que veio fazer aqui, tão longe? – Tentei desviar do assunto da gata.

— Foi aqui que aconteceu algo importante para mim quando eu era criança... E eu queria me lembrar disso. – Ela respondeu com um ar melancólico na voz. – Foi algo bem parecido com o que eu fiz agora, protegendo esta gatinha de vândalos sem coração, só que, daquela vez, eu precisei ser ajudada...

— Por quê?

Sakura ergueu finalmente seu rosto e fitou firmemente meus olhos, aqueles orbes verdes enormes transpunham toda a sua sinceridade no que dizia.

— Porque eu era muito fraca e eles eram maioria. E a minha salvação foi um garoto que sequer me conhecia na época.

O olhar dela... Ela estava querendo me dizer algo, mas o que era?

Como resposta à minha pergunta, recordei de quando Sakura e eu fomos ver a apresentação de circo no Parque Shiba, no momento em que eu vi a menininha – que ajudei durante o ataque da cachorra – sendo judiada por outras duas crianças e logo sendo acudida pela suposta irmã mais velha. Naquele momento que eu observava toda a cena, pensava que já tinha feito algo parecido algum dia, em relação a ter protegido alguém indefeso. “Parecia mais com um déjà vu ou uma lembrança perdida”, foram minhas exatas palavras.

Sim, eu já tinha feito aquilo um dia, e cada vez mais que eu pensava naquilo, a lembrança fragmentada pelo tempo ia tomando forma novamente.

 

Eu era bastante novo, devia ter por volta de seis ou sete anos e, como em todo dia não letivo, eu tinha a liberdade de me distanciar mais de casa para brincar. Daquela vez, Itachi e eu saímos de bicicleta para nos divertimos na Praça Omamori, numa direção bem oposta à nossa casa, que ficava ao sul da cidade de Nakai. Por mera coincidência, Itachi encontrou alguns amigos que faziam um piquenique em baixo das árvores da lateral da praça e, por educação, distanciou-se um pouco de mim para conversar um pouco com eles, e me deixou por um tempo na entrada da praça, apenas andando de bicicleta sem nenhum ponto de chegada estipulado.

Não me importava com essas pequenas escapadas de Itachi, nunca me chateei com ele por isso – não muito –, então fiquei apenas ali, como um bom menino, matando o tempo com pedaladas. Mas o que parecia ser um momento um tanto tedioso tomou um proporção maior quando notei um tumulto ao centro da praça, perto do lago. Dois irmãos que estudavam na mesma escola que eu, sendo o caçula da minha idade e o outro um ano mais velho, eram famosos pelas bagunças que costumavam arranjar. A vítima desta vez era um gato preto jovem. Devia ser um dos bichanos que uma mulher que morava nas redondezas – apelidada de Neko-oba – tinha. Eram dezenas e dezenas de felinos na casa dela.

Os garotos seguravam o gato pelo couro e o aproximavam perigosamente da água constantemente, em uma espécie de tortura. Eles riam maleficamente com o desespero do animal, que se debatia tentando fugir. Mas que crianças cruéis...

— Não façam isso! – Uma voz de perto deles gritou.

Vi uma garota, aparentemente da mesma idade que eu, de aparência normal, exceto pelos curtos cabelos que estranhamente possuíam uma cor rosada, correr contra eles e tentar tirar o gato de suas posses. Mas antes que ela conseguisse tocar no animal, o garoto que não segurava o gato a empurrou com força, jogando-a brutalmente contra o chão.

— Não se meta! – O garoto à frente dela gritou. – Nós vamos dar um banho nesse gato sarnento para ver se ele deixa de ser tão feio!

— Não faz isso! Ele não gosta! Quando um gato é molhado, a temperatura de seu corpo cai muito rápido! Isso faz mal a ele! – Ela tentou explicar, levantando-se e aproximando-se deles um passo. Os garotos fizeram uma careta com o conhecimento da menina acima do normal.

— E quem liga para isso? Sua estranha! Nos deixe em paz, senão você que vai para a água no lugar dele! – Foi a vez de o caçula gritar, enquanto balançava o gato mais ainda.

A garota pareceu não ligar nem um pouco para a ameaça, e deu mais um passo a frente quando o gato miou alto com o balanço forte.

— Para! Tá machucando ele! – E ela avançou de novo contra eles. Dessa vez, a reação dos irmãos foi diferente.

O mais velho pôs o pé para frente e empurrou a garota para baixo quando ela tropeçou nele, o caçula largou o gato e segurou o cabelo dela no momento que ela bateu contra o chão. O maior logo a segurou pelos braços e a levantou, guiando-a até a borda do lago. A garota começou a espernear, tentar frear com os pés o seu corpo que era empurrado, mas todo o esforço era em vão diante o trabalho em conjunto dos dois.

— Não!! Me solta! – Ela gritava enquanto se debatia. À medida que ela tentava resistir, o irmão caçula puxava o cabelo solto dela mais, domando-a através da dor.

Aquilo já era demais para eu aguentar ver. Larguei a bicicleta no chão e corri até os protagonistas daquela cena revoltante. No caminho, gritei para eles:

— Ei! Larguem ela!

Os irmãos pararam imediatamente com a ação quando reconheceram minha voz. Parei ao lado deles, a uma distância de mais ou menos um metro.

— Sasuke-san. – O caçula me cumprimentou, sorrindo como se nada ali estivesse errado.

— Largue ela, Shindou. – Falei sério. O mais velho riu.

— Ah, fala sério, Uchiha-san. Não quer se juntar a nós e dar uma lição nessa garota? Ela queria jogar aquele gato no lago.

— Eu vi tudo, não tentem me enganar. Larguem logo a garota. – O semblante dos dois tornou-se mais sério quando perceberam que eu já sabia o que realmente estava acontecendo e eles deixaram a máscara de simpatia cair.

— Ou o quê? – O maior perguntou desafiadoramente.

Nem me dei ao trabalho de responder – pelo menos, não em palavras. Praticamente voei em cima do irmão mais velho, que segurava os braços da garota. Ver muitos filmes de Bruce Lee com Itachi me ajudou bastante para ter alguma ideia do que fazer. Quando ele caiu no chão comigo em cima dele, consegui dar dois socos em seu rosto antes de sentir o mais novo nas minhas costas, tentando me arrancar de cima do irmão. Segurei um dos braços dele e girei meu tronco bruscamente, jogando-o no chão também. Três socos dessa vez. Levantei quando notei que o tinha assustado e intimidado o suficiente, e deixei que os dois corressem para longe, como se fossem ratos assustados.

Bati as mãos para limpá-las, ignorando a dor nos nós de meus dedos, enquanto ainda assistia satisfeito a fuga dos dois irmãos. Quando os perdi de vista entre as árvores, voltei-me para a garota, que tinha caído sentada quando joguei o garoto que a segurava pelos braços no chão. Estendi a mão para ela.

— Quer ajuda? – A garota parecia ainda não acreditar na cena que acabara de testemunhar, mas logo segurou a minha mão e a puxei até que ficasse em pé.

— O- Obrigada. – Ela gaguejou ainda afetada.

Dei de ombros, possivelmente não vendo o meu ato na mesma grandiosidade que ela via.

— De nada. Eles bem que mereciam, mesmo. – Completei sorrindo.

Ela riu, um pouco tímida, mas logo seus olhos estavam percorrendo pelo chão. Ela andou até um ponto perto de nós e se abaixou, pegando no meio do gramado um amuleto vermelho que reconheci na hora. Ela o estendeu para que eu o pudesse ver.

— Acho que é seu.

— É, sim. É um omamori para dar proteção. – Falei com um sorriso. Ele devia ter caído do meu bolso enquanto brigava. Minha mãe o havia comprado na barraca de algum festival e me dado há... não sei quanto tempo, estava esquecido no meu bolso. – Mas pode ficar. Do jeito que você gosta de ajudar os outros em situações tão difíceis, vai precisar mais do que eu.

— Sério mesmo? É pra mim? – Ela perguntou, quase não acreditando.

— É.

— Obrigada! – Ela fechou a mão em volta do amuleto e o trouxe para perto de seu peito. Como se lembrasse de algo importante, os olhos dela voltaram a rolar pelo gramado, então ela correu até o gato preto que estava perto de nós, e verificou se seu couro não estava ferido. Andei até ela para verificar também o estado do gato.

— Ele está machucado?

Com um suspiro de alívio, ela me respondeu:

— Não. Ainda bem... – Ela começou a passar a mão no gato, em um carinho reconfortante.

— Que bom, então! Gosto de saber que só aqueles idiotas saíram machucados no final da história... Ah! Eles te machucaram? – Perguntei, agachando-me do lado dela e fazendo carinho no gato também.

— Não, estou bem. – Ela respondeu, mas um pouco cabisbaixa.

Fiquei olhando aquela garota ao meu lado, tentando adivinhar o que a incomodava, não parecia estar sentindo dor, mesmo tendo o cabelo puxado daquela forma. Recapitulando tudo que eu havia visto, cheguei a uma resposta.

— Ei. – Chamei para que ela me olhasse cara a cara. – Sobre o que eles disseram de você ser estranha, não acredite. – Ela arregalou os olhos, mal acreditando em como eu adivinhara o motivo do seu desanimo. – Você só deve acreditar nas palavras de um garoto quando ele disser que você é bonita, meu irmão disse isso uma vez. – As bochechas dela tomaram um tom mais rosado, e isso acabou me deixando um tanto encabulado. Ao sentir minhas bochechas começarem a ruborizar, levantei em um pulo, tentando disfarçar. – Então... Bem,você é bonita, de qualquer forma. Não precisa se estressar com tolices ditas por tolos.

— Sasuke! – Ouvi meu irmão chamar do outro lado da praça. Virei-me para trás e o vi acenando, ainda perto dos amigos. – Vem cá! Vou te apresentar para umas pessoas!

— Já vou! – Acenei de volta. Dirigi-me para a garota novamente, sorrindo para ela. – Tenho que ir. Tchau! – Dei um rápido aceno para ela e saí correndo em direção ao meu irmão. No meio do caminho, me lembrei de um detalhe que tinha esquecido. – Ah, sim! Qual é o seu nome? – Perguntei-a, apenas desacelerando um pouco a corrida.

— Sakura. Haruno Sakura. – Ela respondeu de imediato. Sorri pelo modo como o nome dela se encaixava perfeitamente nela.

— Sakura. Meu nome é Uchiha Sasuke! – Acenei para ela novamente e dei as costas para continuar correndo normalmente e finalmente alcançar o lugar onde Itachi estava com alguns amigos.

— Quem é ela? – Um dos amigos de Itachi, Shisui, também primo distante nosso, perguntou. – Sua namorada? – Seu tom era implicante como sempre.

— Cala a boca. – Cortei logo o barato dele, fazendo os outros zoarem Shisui pela minha resposta tão direta.

Itachi riu da minha facilidade em responder assim alguém tão mais velho do que eu.

 

— Já nos conhecíamos... – Praticamente sussurrei, atônito com aquela minha lembrança.

Sakura apenas sorriu.

— Lembrou? – Ergui meu olhar, que antes estava sem foco, para encarar Sakura novamente.

— Você se lembrava disso e não me contou nada? – Perguntei-a quase indignado. Ela simplesmente deu de ombros.

— Que diferença faria?

Mas era claro que faria diferença, afinal, eu encarava a paixão de Sakura por mim algo sincero, porém, sem razão ou sentido algum. Mas sabendo de como começou, do porquê de Sakura ter se sentido atraída por alguém como eu, tudo fazia muito mais sentido. Até mesmo o nome daquela praça, que possuía um nome ironicamente perfeito para a nossa situação, tinha o seu sentido relembrado por mim.

Omamori, o nome do amuleto que traz proteção para quem o possuir.

— Naquele dia, foi você quem me protegeu, e acabou se tornando o meu omamori... o meu Anjo da Guarda. – Sakura voltou a falar.

As palavras Anjo da Guarda vindas de Sakura também foram familiares para mim, e logo me recorder de onde ela as tinha usado antes:

Não sei como vou conseguir ficar longe do meu Anjo da Guarda, como vou suportar isso... Eu não sei o que fazer em relação a isso, não sei de mais nada.

— Quando eu li o seu diário, você mencionou sobre não conseguir ficar longe do seu Anjo da Guarda. – Disse, começando a juntar as peças.

— Daquele dia em diante, eu estive apaixonada por você. Não pude evitar esse sentimento, ele foi mais forte que eu, desculpa. – Ela ainda não olhava nos meus olhos. Talvez fosse assim que ela conseguia forças para esclarecer tudo.

— Eu já te disse que não precisa se desculpar por isso, Sakura. Não acho certo pedir desculpa a alguém apenas por amar.

Ela apenas sorriu.

— Eu... sempre quis me encontrar novamente com você, te agradecer outra vez por ter me ajudado, apenas conversar um pouco... Mas nunca consegui me aproximar de você, estava sempre rodeado de tantas pessoas que, todas as vezes que tentei falar com você, me sentia intimidada por aquelas meninas lindas que sempre estavam perto de você... Sabia que não tinha chance contra elas, então me contentei apenas em poder te olhar de longe.

As palavras dela me deixaram perplexo. Eu realmente sempre vivia rodeado de pessoas, mas não sabia que toda essa popularidade pudesse intimidar a ponto de afastar outras pessoas de mim. Eu nem sequer me lembrava de ter visto Sakura outra vez depois de tê-la ajudado na Praça Omamori, nem de longe. Minha atenção devia sempre estar muito tomada pelos meus amigos.

— Você devia estar na escola... – Sakura voltou a falar quando me silenciei muito tempo, perdido em meus próprios pensamentos. – Foi por minha culpa que você faltou? Veio me procurar? Desculpa por isso.

— Não é você quem precisa se desculpar aqui, Sakura, sou e...

— Você não pode mais faltar à escola por minha causa. Vai acabar tendo problemas por causa disso. – Ela me interrompeu novamente.

Ela estava me cortando direto. Era como se ela estivesse tentando me impedir de pedir desculpas.

— Hunf. É só você não sumir assim novamente.

Sakura sorriu, levantando finalmente do chão. A gata se espreguiçou e saiu andando devagar em direção à sua casa, mas não antes de se esfregar na árvore e ronronar, como se estivesse agradecendo a Sakura.

— Tudo bem. Eu prometo.

Sorri, grato por ela prometer que não iria me deixar mais.

— Em troca dessa promessa, eu também vou fazer uma. – Sakura me olhou um pouco desentendida. Já que ela não permitia que eu a pedisse desculpas, aquele seria o meu jeito de tentar me redimir. – Eu nunca mais vou te fazer chorar.

Eu não precisava me desculpar com todas as palavras exatamente, como eu achava que tinha que ser. Só de olhar para Sakura, eu sabia que ela já tinha me perdoado. Ela compreendia o meu lado e eu, agora, compreendia o dela.

Os olhos de Sakura aumentaram um pouco com a surpresa, mas logo ela sorriu novamente, com os olhos um pouco marejados.

— Ei, eu acabei de fazer essa promessa, quer quebrá-la logo de cara? Eu sou um homem de palavras. – Fingi estar sendo ríspido e indignado, e ela riu logo em seguida, esfregando um dos olhos.

— Ok, vou me controlar. Desculpa.

— Pare de pedir desculpa sem motivos, Sakura. Acabo me sentindo culpado assim.

— Está bem, desculpa. – Ela botou a mão na boca, se dando conta do que tinha dito, e começou a rir. Dei um tapa na minha testa com aquilo e a acompanhei na risada. Aquela garota era excepcional.

— Vamos para casa. – Disse para ela ainda em meio a alguns sorrisos.

— Uhum! – Ela andou até chegar ao meu lado e caminhamos juntos de volta para a estação.

Passei a entender muitas coisas a partir daquele momento, como na vez em que falei com Sakura em forma de espírito pela primeira vez através do Ouija. Ela disse que eu poderia ajudá-la morrendo. Suas memórias podiam estar perdidas e confusas, mas ela jamais perdeu seu sentimento por mim, mesmo depois de morta.

Agora era Sakura quem se tornara o omamori, ela me trouxe proteção. Muito mais do que isso, até. Aos poucos, eu sentia que ela estava trazendo um pouco de luz para essa minha vida imersa em trevas.

 

Tokyo estava coberta por uma fina manta branca quando chegamos. A neve já tinha parado de cair. Eu queria continuar a caminhar como em Nakai, mas o ritmo de Tokyo não permitia.

Já era bastante tarde. Nem tinha notado que ficara tanto tempo assim a procura de Sakura. O sol já estava perto de se pôr, e eu caminhava ao lado de um canteiro de um prédio quando uma cor vermelha familiar por baixo de um pouco de neve me chamou a atenção e parei para olhar.

— O que foi? – Sakura perguntou, parando de andar também.

Como eu pensei. Aquele canteiro geralmente era repleto de flores, mas ele se transformava em um canto sem vida com a chegada do inverno. Porém, contrariando qualquer expectativa, ainda havia uma flor ali viva, apenas um pouco coberta de neve. Tirei a camada de gelo de cima dela, logo vendo que aquela era uma Flor de Lycoris, com um vermelho tão vivo que parecia que estava no meio do outono ainda (N/A: Aqui ela é chamada de Flor de Licores. Não faz muita diferença, né?). Eu conhecia aquela flor muito bem. Minha mãe gostava de tê-la no nosso jardim sempre que possível.

— Que linda... – Sakura estava admirada.

— Essa flor me lembra você. – Falei e, sem perceber, estava sorrindo.

— Por quê? – Sakura não entendeu, claro, já que, pela aparência, ela parecia uma árvore de Cerejeira em formato humano.

— Sabe o que essa flor significa? – Sakura apenas balançou a cabeça sem dizer nada, estava curiosa para que eu a respondesse logo. – A Flor de Lycoris é associada a carmas e desejos não realizados.

— Ah, entendi. Realmente, ela é a minha cara. – Ela soltou uma pequena risada. Já começávamos a ver nossa situação com mais naturalidade.

— Mas não é só isso.

— Não?

— Não. Essa flor é típica do outono e não resiste ao frio rigoroso do inverno, mas essa aqui está resistindo, olhe. Não murchou nem um pouco.

— Mas o que isso tem a ver comigo?

— Não é óbvio? Você tem resistido à pior das situações possíveis presa aqui, mas não murchou sequer um pouco.

Ela sorriu com as minhas palavras e suas bochechas ruborizaram um pouco.

— Você gostou desta flor, né? Posso tirar ela daqui e levar ela para casa. Assim, você vai poder vê-la quantas vezes quiser. – Antes mesmo que ela respondesse, minha mão já estava indo de encontro ao talo da flor para quebrá-lo.

 - Não faz isso! – Sakura quase gritou, o que fez minha mão frear imediatamente e olhar para ela sem entender o motivo da reação dela. Achei que ela tinha gostado da flor.

— Por quê?

— Porque assim você vai matar ela! E do que vai adiantar ela estar sobrevivendo à neve se for assim? Prefiro que ela continue vivendo. Eu posso vir vê-la qualquer hora se quiser.

Entendi o que ela queria dizer. Além do mais, seria terrível se eu matasse a flor que acabara de dizer que parecia com Sakura.

— Você tem razão... – Levantei-me, limpando a mão de um pouco de neve que ficou nela. – O lugar dessa flor é aqui, vivendo. Seria um imenso desperdício matá-la por um capricho.

E voltamos à “caminhada” no estilo de uma cidade grande. Sakura parecia estar mais feliz. Talvez fosse presunção minha, mas cheguei a pensar que era porque eu tentei dar uma flor para ela.

Ainda pensava na incrível semelhança entre Sakura e aquela flor. Ambas possuíam uma marca única: Sakura, pelo seu jeito e a flor, pela cor inigualável. Apesar de estar isolada de tudo e de todos, exceto a mim, Sakura não sucumbia e nem mesmo desistia de seu desejo, que era o que a prendia. Continuava aguentando firme, como a Lycoris em meio à neve gélida.

Que o seu desejo seja como aquela flor, que resista mesmo que em meio às maiores das dificuldades. Que ela continue nutrindo esse sentimento, que ele continue sendo verdadeiro.

Meus pensamentos foram bruscamente cortados com a vibração e o toque do meu celular. Tirei logo o aparelho do meu bolso. Na tela do aparelho, o nome de Naruto aparecia em destaque. O que esse retardado queria desta vez?

— O que foi? – Perguntei quando apertei o botão para aceitar a chamada.

— Seu bastardo! Por que não foi na escola hoje?! – A voz de Naruto estourou no meu ouvido.

— Caramba, Naruto! Fala mais baixo. E eu não fui à escola porque tive assuntos para resolver, por que tanto alvoroço por isso?

— Eu te disse que ia entregar os livros do seu irmão hoje, esqueceu? Eles são muito pesados e não vou estragar minhas costas levando eles para você amanhã, então aproveitei o caminho de volta da escola para te entregar em casa, mas acabei me perdendo. Cacete, onde é o prédio que você mora?!

— Mas como você ia para o lugar que moro sem, ao menos, saber onde ele é, seu retardado?

— O Suigetsu me falou onde você mora, mas o caminho é muito confuso, ttebayo! Poxa, Sasuke, por que você tinha que morar num cu de mundo?!

— Naruto... Eu moro a duas quadras da estação. – Houve um pequeno silêncio da parte de Naruto.

 - De qualquer forma, esse caminho é confuso e não sei onde tô agora. – Não era eu o recém-chegado do interior? Naruto era mesmo um lerdo.

— Ok, Naruto, eu vou aí te buscar. Me fala algum lugar aí que você esteja perto para eu ter como ponto de referência.

— Eu estou ao lado de um restaurante... Okono... miyaki.

— É inacreditável o quanto você é burro... Talvez te dissequem quando você morrer para saber do motivo de tanta burrice.

— Hã?! Por quê, datebayo?!

— Porque esse restaurante é bem longe de onde eu moro! Francamente, Naruto, quanto tempo você ficou andando sem rumo?

— Ah... Uns minutos.

— Umas dezenas de minutos, imagino. Pode me esperar sentado, vou demorar mais de vinte minutos para chegar aí. Mal posso acreditar que eu vou andar tanto por causa de um idiota como você, devia te deixar dormindo na rua. – Podia parecer um pouco cruel, mas uma conversa normal entre Naruto e eu era sempre assim.

— Seu bastardo dos infernos! Eu estou tentando devolver seus livros e você ainda me trata assim?

— Tem algum motivo específico para que eu pare?

— Aah, esquece! Apenas vem logo, que já o ficando com fome e esse restaurante nem tá aberto ainda... – Ele interrompeu a fala de súbito. – Esquece o que eu disse, Sasuke. Não venha mais para cá. – A voz de Naruto de repente soou absurdamente séria. Aquilo não combinava com ele, o que acabou por acionar meu alarme de alerta imediatamente.

— O que foi? – Não ouvia a voz dele me respondendo, o que só me fez ficar mais preocupado.

— Desta vez, não tem ninguém olhando. – A voz que ouvi um pouco distante do celular de Naruto fez o meu sangue gelar e meus olhos se arregalarem.

Era a voz de Toya no outro lado da linha.

Aquilo era perigoso demais. Naruto estava sozinho e Toya, provavelmente, junto com a sua gangue, e eu estava a várias quadras dali. Se Toya pretendia se vingar de Naruto pelo que ele fez no dia do festival, Naruto estava com sérios problemas. Tentei agir rápido e do jeito que dava.

— Naruto, está me ouvindo? Sai daí ago... – Mas não fui capaz de terminar. Ouvi o som de uma pancada e logo depois a chamada sendo encerrada, me deixando apenas com o barulho da linha desconectada e a minha própria respiração pesada.

Continua...


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