Até que a Morte nos Una escrita por Nuwandah


Capítulo 17
Em lugar algum




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Aquela, sem dúvida, era a coisa mais bizarra que já havia acontecido comigo em toda a minha vida. Era mais estranho do que conviver com uma pessoa morta por praticamente vinte e quatro horas por dia. Claro que era mais estranho que isso, pois a minha vida era o motivo desse tal morto estar perambulando entre os vivos.

Já tinha associado tudo aquilo na minha cabeça, mas ainda não conseguia acreditar... Era tudo muito mais surreal do que eu pensava. Como era possível isso? Uma alma viva ser a prisão da alma de um morto?

Essa era só a consequência, mas o que culminou nisso tudo foi nada mais nada menos que um sentimento. Um sentimento de uma garota que, pelo visto, era sincero. Sincero o suficiente para segurar a sua alma no mundo dos vivos.

Um sentimento de uma garota nutrido apenas por mim.

Já estava mais do que acostumado com declarações, mas por que eu me importava apenas com a de Sakura? Ah, sim... É porque o amor dela acarretou em algo de proporções muito maiores do que eu poderia imaginar até nos meus dias de maior inspiração.

Como Sakura morreu sem gostar verdadeiramente de alguém, sua alma ficou presa. Então, já morta, ela começou a gostar de mim, e acabei me tornando sua jaula.

Eu não estava aceitando bem aquilo, e pouco sabia se algum dia aceitaria. Encarava as minhas mãos um pouco trêmulas enquanto continuava sentado em um banco da Praça Omamori. Pensar que todo o problema de Sakura só seria resolvido com a minha morte me fazia sentir de um modo indescritível. Aquilo tudo era anômalo demais para eu me acostumar com a situação tão facilmente, ainda estava em uma espécie de estado de choque. Não sabia se ficava irritado ou sentido com a situação.

Respirei fundo, mirando aquele céu azul tão diferente do de Tokyo enquanto jogava as costas contra o encosto do banco de madeira. Abaixei a cabeça expirando, já olhando para os brinquedos à minha frente tão familiares. Não sabia ainda como lidar com Sakura – estava completamente dividido –, mas já era hora de ir embora. Teria que deixar para nos entendermos um outra hora, já que não estava em condições de fazer algo do tipo naquele momento. Sakura também devia estar do mesmo jeito que eu – ou até pior – pelo estado que ela estava quando a deixei no templo.

Recompus-me e levantei do banco, já colocando as mãos dentro dos bolsos da calça e me forçando a voltar ao meu estado normal.

Andei novamente até o templo, onde encontrei Sakura no mesmo lugar onde a deixara. Ela estava sentada na beirada da varanda, com o rosto perto de encostar-se aos joelhos e com os dedos quase cravados no couro cabeludo.

Fiquei encarando o perfil da garota tempo o suficiente para notar daquela distância que ela tremia um pouco. Ela devia estar pior do que eu, de todos os modos que poderíamos ser comparados.

Encarei propositalmente o jardim à nossa frente antes de falar com Sakura para não ver qual era o estado do seu rosto. Aquilo, em parte, era minha culpa, não saberia como reagir se a visse chorando por minha causa novamente.

— Sakura. – Chamei-a.

Com a visão periférica, vi que ela levantou um pouco a cabeça para poder olhar para mim.

— Está ficando tarde. – E, quando já estava me virando de costas para ela para sair dali, completei: - Vamos embora.

Sakura não me respondeu, mas eu sabia que ela simplesmente levantou-se e acompanhou a minha caminhada, sempre estando atrás de mim. Andamos assim o tempo todo e sem trocar uma palavra sequer. O clima estava tenso entre nós. E nenhum dos dois tinha coragem para iniciar uma conversa ou fazer algum comentário aleatório apenas para cortar o silêncio.

No trem de volta para Tokyo, Sakura sentou-se ao meu lado como sempre fazia quando andávamos em algum transporte, mas a uma distancia bem maior do que a de costume, e ao invés de ficar sacudindo as pernas e cantarolar igual a uma criança, ela ficou parada, apenas com o olhar fixo na paisagem que corria na janela à sua frente.

E a atmosfera entre nós permaneceu assim, não conseguíamos mais agir normalmente um com o outro.

Enquanto do meu lado, eu não sabia como agir ou reagir, Sakura estava extremamente sem jeito. Claro, talvez dessa vez ela tenha notado o quão inconveniente estava sendo, ainda mais com essa nova descoberta que me envolvia diretamente.

Quando finalmente cheguei a Tokyo, o sol já estava no pico. Logicamente, não poderia ir para a escola, então saltei logo na estação de Inagi, que era o bairro onde morava com Itachi. Sakura continuou andando comigo, mas ainda nunca ao meu lado, sempre atrás. Não a via, já que não me dava ao trabalho de virar a cabeça, mas quando entrei no elevador espelhado de onde morava, Sakura demorou um pouco para me alcançar, como se estivesse quase desistindo de me acompanhar.

Como eu pensei, Sakura não ficou junto comigo no meu quarto tagarelando até eu anunciar que iria dormir. Ela parou de acompanhar minha caminhada já na sala, e ficou por lá não sei por quanto tempo. Só sei que, quando estava perto de anoitecer, a garota apareceu em meu quarto desejando uma boa noite um tanto formal demais comparado ao usual e saiu.

Só a veria novamente no dia seguinte, um pouco antes de sair para a escola. Ela parecia estar em um estado mais próximo ao normal. Seu sorriso pareceu verdadeiro dessa vez, porém ainda tímido.

O clima entre nós estava bem mais ameno se comparado ao dia seguinte. Mas como Sakura não se permitia agir como sempre, falando como se não houvesse amanhã, e eu nunca tinha sido muito do tipo que puxasse assunto com ela, o silêncio entre nós continuou.

Ficar perto dela estava sendo cada vez mais indesejável. Talvez eu realmente estivesse irritado com ela, ou por seu desejo ser meio que impossível de eu poder realizar sem levar desvantagem, ou por ele me envolver demais, ou por eu não poder me livrar dela mais. Bem, acho que era tudo isso junto, afinal, aqueles fatos estavam pesando em mim bem mais do que eu esperava suportar. Tudo contribuindo para que a companhia de Sakura fosse cada vez mais inconveniente para mim, e ela estar ao meu lado enquanto eu pensava dessa forma só agravava a situação.

Fomos para a escola juntos. Sakura não se pronunciara nenhuma vez e tampouco eu. Apenas abri a boca para mandar Naruto calar-se por fazer tanto escândalo quando me via logo pela manhã.

Os primeiros tempos eram de química, e a aula dessa vez seria experimental. Sakura pareceu bem mais animada quando o professor pediu para que fôssemos para o laboratório, já Naruto rogou algumas pragas para o professor por obrigá-lo a fazer algo além do que simplesmente suportar a aula. Seria possível que não havia uma matéria que Sakura não se identificasse e alguma que Naruto gostasse?

Quando todos já tinham se acomodado no laboratório, o professor sentou-se na extremidade da grande mesa que corria por toda a sala e começou a explicar reações químicas, já mergulhando mármore em uma solução aquosa de ácido clorídrico e explicando todo o processo da reação.

— Aah, fala sério! No que eu vou usar isso na minha vida? – Naruto se estressou logo no início da aula.

O professor apenas parou de falar e olhou por cima dos óculos para o idiota que não possuía travas na língua sentado no outro lado da mesa.

— Esse discurso já é velho, Uzumaki. Tente outro. – Ele simplesmente disse, e voltou ao experimento e à explicação.

Várias risadas contidas foram ouvidas por baixo da voz do professor, mas logo cessaram.

— Como é idiota... – Falei para Naruto. Este apenas bateu na minha perna com a sua própria, já que não estava muito disposto a chamar mais atenção naquela aula.

Após praticamente duas horas de tortura para Naruto e de entretenimento para Askura, a aula de química acabou e pudemos voltar à sala de aula convencional. Para a alegria de muitos, era momento de auto-estudo que, para a maioria, era a aula reservada para se estudar o que acha que se tem dificuldade, mas para outras pessoas, como o Naruto e companhia, era aula para papear ou dormir.

— Ei, Sasuke. – Naruto já veio se aproximando de minha carteira, para a minha infelicidade.

— O que foi? – Perguntei em um tom nada amigável. Meu humor já estava longe de estar bom, e Naruto ainda vem me interromper enquanto estou fazendo algo? Ele sabe que odeio quando fazem isso.

— Cruzes, quanto amor. – Naruto rebateu o meu mau-humor com o seu sarcasmo.

— Apenas diga o que quer e me deixe em paz. – Falei ainda tentando me concentrar e ler aquela matéria que já sabia de cor, mas achava mais interessante lê-la do que me juntar à conversa fiada deles.

— Tá, tá. – Ele abanou a mão, não se importando muito. – Só queria avisar que já estou terminando aquele trabalho idiota que o diretor Hirose-babacão me passou como castigo e vou trazer de volta os livros do seu irmão amanhã. Eu sei que vai ser domingo e só vai ter aula extra para as provas, mas eu sei que você vai estar aqui amanhã, como o bom nerd-sem-vida-social que é.

— Não precisava me avisar isso. Era só trazer eles e pronto. – Ignorei a implicância apenas pela esperança de poder encurtar aquele diálogo.

— Tá bom, eu já entendi que você não tá nos seus melhores dias. – Naruto falou meio irritado. – Mas só um conselho: pare de descontar tudo nos outros. Seria legal se você se controlasse mais nesse ponto, porque isso é chato pra caramba. – E ele logo saiu andando de volta para o fundo da sala, onde os outros estavam conversando.

— Ele disse algo certo, Sasuke-kun. – Sakura comentou ao meu lado.

Péssima hora para ela falar alguma coisa.

Afinal, quem ela achava que era para estar se metendo e dando opinião sobre meus assuntos assim? Já não era o suficiente ela ficar me seguindo como uma fã obcecada? Ah, claro que não. Já que ela estava aqui por minha causa e estava infeliz por isso, então ela adotou como hobby me fazer infeliz.

Levantei rápido e bruscamente de minha carteira, fazendo Sakura sobressaltar-se. Olhei-a nos olhos com uma raiva que estava prestes a explodir.

Fiz um gesto singelo com a cabeça para que ela me acompanhasse e saí andando rápido da sala, ignorando olhares indagadores que só vi quando estava fechando a porta de correr.

Andei até o final do corredor de paredes brancas até alcançar a escadaria. Sakura veio correndo atrás de mim sem entender nada.

— O que foi? – Ela perguntou quando conseguiu me alcançar.

— Lá em cima. – Indiquei o único lugar que conversaria com ela, que era onde não havia nenhum aluno que testemunhasse a minha “conversa de louco”.

Subi os quatro lances restantes de escada que havia até alcançar uma porta cinza fechada no topo do último lance. Luz solar escapava entre as extremidades da porta e iluminavam o resto do meu caminho que era desprovido de luz elétrica, já que aquele não era horário de aluno estar indo para o terraço da escola.

Abri a porta e passei logo por ela, voltando-me para Sakura atrás de mim. Ela me encarava desentendida do meio da escada, ainda banhada pela escuridão do interior do lugar.

Ela entendeu o meu olhar impaciente e se apressou, correndo o resto dos degraus e parando além de mim. Fechei a porta com brutalidade logo que ela passou. Minha mão segurava forte a maçaneta ainda.

— O que foi? – Ela tornou a perguntar, sua voz tomando uma forma mais urgente.

— Eu ainda não entendo... Não entendo mesmo por que justamente eu, por que logo comigo. Eu queria saber... Sakura. Mas acho que você não saberia me explicar algo assim, claro que não. Você nunca sabe de nada, né? – O tom da minha voz foi se alterando mais a cada palavra. – Nunca sabe de nada, nunca sabe ou faz algo útil. Mas você não precisa disso, não é verdade? Tem sempre o idiota aqui para fazer tudo que você pedir. Mas sabe de uma coisa? Estou cansado de fazer papel de trouxa. – Dei uma breve pausa para respirar mais fundo. Os olhos de Sakura estavam demasiadamente grandes. Ela estava assustada comigo. – Morrer junto com a pessoa que ama? Mas que desejo é esse? Você acha que a vida é o quê? Um conto de fadas bonitinho onde sempre existe um final feliz? Além de ser algo fora da realidade, é egoísta. Olha só como estamos agora, por que eu tinha que ser metido nisso? – Transbordava indignação ao proferir tais palavras. Não aceitava de forma alguma ser metido nessa confusão entre mundos dessa forma. – Cai na real, Sakura. O mundo é cruel. As pessoas não têm piedade uma das outras. – Quando notei que estava falando de mim mesmo, das minhas próprias experiências, voltei logo ao assunto principal: – Mais uma coisa... Eu realmente me irrito quando você se acha no direito de se meter na minha vida e fica falando como se soubesse tudo de mim e tivesse resposta para tudo. Não, você não tem, Sakura. Então pare de ficar falando no meu ouvido o que eu devo ou não fazer, você não é a minha consciência! Se bem que seria perfeito se você parasse simplesmente de falar, mas acho que isso é impossível para alguém tão tagarela como você.

— O... O que você quer dizer...? – Sakura estava atônita, seus olhos, arregalados. Meu sangue ferveu quando ela tentou se fazer de desentendida, e comecei a gritar:

— Eu só quero que você suma da minha vida, sua idiota! Você não é nada mais do que um empecilho para mim! – Falei finalmente. Era tudo o que eu precisava dizer para ela.

A boca de Sakura caiu em surpresa e incredulidade. Parecia que ela queria falar algo, mas estava engasgada em suas próprias palavras.

Não iria esperar uma resposta dela, apenas dei as costas e saí de lá, já me sentindo um pouco melhor por finalmente ter me livrado dela. Olhei para trás todo o percurso até chegar à porta da sala de aula. Sakura não estava me seguindo. Claro que ela não o faria. Devia estar ainda no terraço, lamentando-se por ter perdido o seu brinquedinho.

O resto do dia foi o mais calmo possível. Já tinha me esquecido o que é ter paz e tranquilidade. Mas talvez tenha sido porque eu esqueci o que é ter uma vida tranquila que também fiquei tão intranquilo.

Era estranho não ouvir mais a voz de Sakura ou vê-la fazendo coisas infantis pelos cantos. Volta e meia eu me pegava pensando em onde Sakura estaria ou o que ela estaria fazendo, mas logo me livrava deles. Sakura era como um cachorrinho, que leva ma bronca séria, mas logo depois estava pedindo carinho ao dono. Ela provavelmente voltaria para me atormentar à noite ou de manhã.

Se por um lado eu me sentia bem por ter dito tudo o que pensava a Sakura e finalmente me livrado daquele bolo de palavras e pensamentos que se acumulava em minha garganta, por outro lado eu me sentia mal por ter dito tudo o que pensava a ela. Sim, eu me sentia bem e mal pelo mesmo motivo, mas esse peso apenas veio à noite, quando me dei conta de que Sakura não apareceria mais naquele dia. Talvez tivesse pegado um pouco pesado demais com ela...

Dormi sentindo certo peso de culpa, imaginando se a tivesse feito chorar, mas isso estava mais que claro. Afinal, quantas fezes eu a tinha feito derramar lágrimas mesmo? Fazia quase três meses que estávamos convivendo, e já tinha perdido essa conta. Talvez eu devesse ser mais cuidadoso com garotas, principalmente com as mortas.

Antes de fechar os olhos e dormir, decidi que quando Sakura voltasse logo de manhã, eu pediria desculpas a ela.

Acordei com o despertador após uma noite agitada de pensamentos negativos que, consequentemente, atraíram pesadelos nada agradáveis. Ainda com a visão turva e esfregando um dos olhos, olhei em volta, procurando por Sakura me saldando com um costumeiro bom dia. O sorriso dela seria era a única coisa positiva que eu via pela manhã que podia romper com aquela sequência interminável de maus sentimentos.

Mas não a achei.

Levantei da cama e liguei a luz, podendo ver o cômodo com mais clareza, mas só eu estava lá. Nada de Sakura.

Algumas vezes ela se atrasava, então não liguei muito, apesar de uma pequena apreensão começar a crescer dentro de mim. Fui logo tomar o meu banho. Sakura já teria chegado quando eu saísse do banheiro. Ela nunca chegou mais tarde que isso.

Lavei o meu cabelo para demorar mais um pouco. Itachi teve até que bater na porta do meu quarto avisando que já estava indo embora e que o café da manhã estava na mesa.

Saí do banho dez minutos além do que estava acostumado, não me importando com o horário escolar, e abri a porta do banheiro pronto para me encontrar com Sakura, mas o que eu vi foi exatamente o contrário: meu quarto estava completamente vazio.

Andei para fora do cômodo estranhando tudo aquilo. Olhei primeiro a sala e seus cantos, talvez Sakura estivesse abaixada por ali, só esperando o momento certo para me fazer uma surpresa sem me importar em me repreender por pensar em algo tão idiota. Mas não estava. Olhei o quarto de Itachi e o banheiro dele, mas também estavam vazios. Caminhei rápido pelo resto do apartamento, procurando a garota de madeixas rosa, ainda na esperança de que ela estava brincando comigo.

— Sakura! – Chamei-a. Mas a minha voz ecoou por todos os cômodos vazios. Nenhuma outra voz me respondeu.

Praticamente corri para o meu quarto. Talvez ela estivesse chegando ainda. Olhei pela janela, todos os cantos possíveis de se ver do lado de fora, mas nada.

— Sakura...? – Tentei chamá-la novamente. Estava intrigado e aflito.

Sakura não estava em lugar algum.

Continua...


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