O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 41
Capítulo 41




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A decoração feita na igrejinha era simples mas de muito bom gosto. Selma escolhera margaridas, em uma homenagem inusitada. Sua mãe natural se chamava assim e, portanto, era como perdoá-la diante de Deus pelo seu abandono, enquanto recebia um sacramento. Diolindo amanhecera nervoso e, uma diarreia o havia atacado durante a noite. Já tinha feito algumas viagens ao banheiro e não comera nada desde então. Selma tinha ido para a casa do pai se arrumar, para evitar que ele visse o vestido da noiva antes do tempo. Não que ela acreditasse no azar, era mais pela tradição. E de lá iria para a igreja no carro dele, junto com a sua nova madrasta, que as más línguas diziam que era tantã da cabeça. Contanto que fosse uma doida comportada como o seu futuro marido, não ligava de jeito nenhum.

 

Almeida estava feliz como uma criança que ganha presente novo. Sentou na cama para calçar os sapatos e ficou admirando o corpo de sua mulher, que se vestia lentamente como a seduzi-lo. Ele achava que a filha se casaria, mas a lua de mel seria ali, naquela noite, com a sua Florinda, que admirava suas próprias curvas, realçadas com a perda de peso devido a uma depressão diagnosticada pelo psiquiatra. Estava tomando a medicação corretamente e já se sentia uma outra mulher. Agora Babi já aparecia nos seus sonhos sorrindo como se fosse uma mensagem de paz e perdão. Talvez não houvesse mais necessidade de levar flores ao contêiner de lixo no mês seguinte.

 

Fredson mandara confeccionar um terno em miniatura para João, que já se acostumara com o seu novo pai, esforçando-se para que ele sempre se sentisse confortável. Ao menor sinal de agitação no berço ou um princípio de choro, ele despertava de um semi sono e, pegava a criança no colo. Até encostara aquela boquinha no seu mamilo esquerdo recém depilado, numa crise de gases que fez a criança se contorcer de dor e quase arrancar-lhe o peito. Claro que o que escorrera fora sangue ao invés de leite, mas ainda assim acalmara o bebê que dormiu profundamente em seguida sem tomar nenhum remédio. A partir daí passou a dar-lhe peito como uma praxe para mantê-lo quieto. E também para sentir-se mais pleno no seu papel de genitor, mesmo que seus mamilos estivessem em carne viva quase o tempo todo.

 

Dorotéia estava numa agonia de fazer dó a qualquer um que a visse, sabendo que iria finalmente conhecer Santa Meredite. Plínio estava um pouco envergonhado em conhecer a santa, pois achava que tinha descumprido a promessa de ficar sete dias sem sexo. Na quarta noite sem fornicar com a sua mulher depois do episódio do acampamento, já subindo pelas paredes, ele a embebedara e a seviciara de todas as maneiras como se a sua morte estivesse programada para o dia seguinte. Dorotéia levantara pela manhã se queixando de uma ardência no rabo, mas a sua inocência falou mais alto, e o marido a fez acreditar que podia ser o ressecamento recorrente que a esposa tinha. Cinco dias sem cagar era muita coisa e, quando a merda vinha, era pra lhe arrebentar as pregas. Ela compreendeu, mas ainda assim refletia no espelho sobre aquelas marcas vermelhas ao redor dos seus mamilos. Pareciam mordidas.

 

— Padre Franco! Vá se arrumar que você já tá atrasado! – Gritava Gemima se maquiando no quarto, enquanto o seu coroa bebia um novo drinque inventado por ele. Coquetel Molotov, que consistia em misturar gim tônica, suco de mamão, açúcar, gelo e um absorvente usado da sua gordinha espremido por cima. Ele reclamava pelo fato de só poder saboreá-lo uma vez por mês, quando as regras da sua mulher chegavam.

— Já vou minha piabinha de água doce! – Berrava de volta, enquanto sorvia a bebida em toda a sua exoticidade - Até que os vampiros sabiam das coisas – Pensava em voz alta arrotando algo meio ocre e metálico, sabendo que teria que se conformar com o vinho canônico durante a celebração de mais tarde. Ou não.

 

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Apesar das ofertas insistentes, Fredson dispensara qualquer ajuda para cuidar da criança. Pelo que espalhara na vizinhança, a sua namorada morrera no parto e decidira enfrentar a educação do seu rebento sozinho. Claro que muitos torciam o nariz para aquela versão canhestra da história, já que nunca o viram de mãos dadas com ninguém, muito menos uma mulher. Sua fama por ali não era muito boa no quesito sexualidade, e más línguas existiam em todo o lugar, como ácaros locutores. Passadas algumas semanas ele até poderia dar aulas a grávidas de primeira viagem. Estava se esmerando para fazer do seu filho um ser humano de sucesso, para andar de cabeça erguida e sem recalques.

 

O seu bipe ainda tocava com mensagens do seu mentor da polícia, as quais ignorava solenemente. Vez ou outra a baixinha canibal lhe enviava mensagens da cadeia com algumas receitas que sonhava em preparar com a sua carne. Ela tinha um bom humor. Aliás, precisaria de todo humor que pudesse arrecadar, tendo em vista os próximos trinta anos que cumpriria de pena alojada no inferno que era aquela penitenciária. Ainda pensava em todo o sacrifício que ela extraíra dele para se safar da morte e, quem sabe não lhe fizesse uma visitinha, nem que fosse para descrever como era a vida aqui fora. E que teria se tornado vegetariano justamente para manter a sua carne tenra e longe dos venenos que a estragaria somente para aguardar que ela fosse libertada e fazer dele o que ela quisesse. Aquilo seria cruel e divertido.

 

Acomodou João metido nos seus diminutos trajes sociais, na linda cestinha de vime que mandara fazer especialmente para ele. Pegou as chaves do carro novo e saíram para a igreja, curioso que estava em assistir aquela união, ainda mais sabendo quem era o padre.

 

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Plínio achava perigoso ir de carro para aquelas bandas menos nobres da cidade, e achou melhor contratar um táxi, que os levariam e aguardaria o fim do casamento para trazê-los de volta, já que a recepção se daria ali mesmo no pequeno salão de eventos que Gemima mandara reformar na própria igreja, que para todos os fins era apenas um galpão adaptado.

— Não consigo segurar a minha ansiedade para agradecer pessoalmente tudo o que se operou na nossa vida depois de Santa Meredite! – Dizia Dorotéia exultante, passando uma pomadinha cicatrizante na bunda, enquanto Plínio terminava de tomar banho.

— Pelo que ouvi falar, têm madame da zona sul começando a frequentar.

— Então é porque a santa é forte mesmo!

 

Depois de borrifarem-se de perfumes, untarem-se de cremes, laquê e gomalina, pegaram o elevador exclusivo da sua cobertura e embarcaram no táxi. Plínio conferiu para ver se estava com o seu talão de cheques, pois combinara com a mulher que iria fazer uma doação generosa ao Padre Franco para que seguisse com as obras sociais da paróquia. Ele tinha falado ao telefone qualquer coisa relacionada com alcoólatras e animais abandonados.

 

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Selma admirava-se no espelho metida num vestido simples que alugara, já que o da sua mãe fora picotado junto com Desirée. Ela preferia assim, nada que tivesse muito fru fru. Estava linda metida num longo de renda e guipir branco, com as melenas moldadas num coque anos sessenta e uma maquiagem leve. Como vaidade, colocou apenas umas pestanas postiças que realçavam os seus olhos. Brincou com o seu pai dizendo que elas combinavam com o seu bigode. Perfumou-se com delicadeza e agradeceu a Deus pela realização de um sonho. Ter conhecido alguém que dispensava explicações pelo o que ela era.

 

Lembrou com tristeza do playboy da zona sul, o último que a comera antes de Diolindo, há muito tempo atrás. Ao ver o seu membro em riste, quando na verdade esperava uma vagina úmida, disse que não perderia o dinheiro do motel por ter se enganado com ela. Tratou de enfiar-lhe na bunda qualquer objeto que ele achava à mão. Caneta, uma meia suja, a haste dos seus óculos, os dedos dos pés, e até um desodorante. Como a sua estima era muito baixa, devido a incompreensão da sua condição, ela deixou-se ser dilacerada. Quando ele descobrira a sua vagina embaixo do pênis e achava que tinha descoberto as minas do Rei Salomão, querendo continuar a sua diversão estapafúrdia, ela quebrou-lhe o nariz com um soco. E só não arrancou-lhe os culhões com a unhas porque de repente o godzilla virara uma franguinha de leite. Ofereceu até o próprio cu para ela fazer o mesmo em troca de sair dali vivo.

 

Ela ria enquanto colava as pestanas. Ria da própria insegurança e ingenuidade, quando na verdade o futuro lhe prometia tudo aquilo que ela estava usufruindo. Di-o-lin-do, ela soletrava a palavra mágica que lhe traria todos os sorrisos que sentira falta na juventude.

 

— Vamos filha, é difícil estacionar perto da igreja! – Gritava o seu pai fora do quarto.

— Calma papai, o tempo é o nosso amigo – Disse baixinho, colando os lábios para espalhar melhor o batom, saindo do quarto em seguida.

 

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Com as tripas mais calmas, Diolindo pôs o paletó. Olhou para a gravata e só ali lembrou que nunca usara uma na vida e, portanto, não sabia dar um nó. Em outros tempos estaria atabalhoado como uma barata tonta sem saber o que fazer. Agora se sentia um homem, senhor do seu destino, amado e feliz. Casaria sem gravata e pronto.Não gostava mesmo daquele pedaço de pano enforcando o seu pescoço.

 

Sua mulata dizia que não queria viajar para lua de mel porque eles já viviam em uma. Quanto menos extravagância, tanto melhor. Ele concordava em gênero, número e grau. Não que fosse um sovina, mas esse negócio de avião ele deixaria para o seu filho que estava sendo gerado por aquele ventre miraculoso. Pensou em levar as cinzas da mãe para a igreja, mas desistiu lembrando que a misturara com as de Agenor, o homem que não era o seu pai. Não tinha ninguém que pudesse convidar, a não ser o pai, mas era ele mesmo que celebraria a união, então tava tudo bem. Não sentia falta de amigos, sentia falta de paz, o que parece ter alcançado enfim. Quando pensou em Desirée, sentiu uma pontada aguda nos intestinos e correu novamente para o banheiro. Ou cagava tudo o que tinha dentro dele agora, ou chegaria atrasado no próprio casório.

 

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Já não cabia mais ninguém na igreja. Havia conhecidos de Dirce, do Almeida, algumas poucas amigas de Selma e nenhum amigo de Diolindo. A noiva ao invés de atrasar, adiantou. O padre ao invés de adiantar, atrasou. Tomou uma dose generosa de uísque na sacristia e pediu a Gemima que misturasse um pouco da bebida no seu vinho.

 

— Seu velho safado, quer que o seu filho passe vergonha? Vai que você tropeça em alguma coisa no altar e cai de boca no chão. Isso não é show de humor, entendeu? – Sussurava Gemima, dando-lhe um pito.

— Baby, é pra criar coragem de encarar o homem lá de cima. Toda vez que subo naquele palco não é pra cantar, apesar dos apupos. O fardo de vestir essa roupa é pesado. Me sinto fazendo uma prova todos os dias sob os olhares rigorosos de um professor. O problema é que tudo que aprendi, mais da metade joguei no limbo. É lá que estou agora remexendo as latas de lixo pra ver se me encontro – Dito isso, Franco abraçou a sua mulher e chorou convulsivamente pela primeira vez em décadas.

 

Amparado por sua gorduchinha, que limpava-lhe o rosto, saiu da sacristia que ficava nos fundos e foi orar, mais limpo por dentro que há dez minutos atrás, e mais leve como nunca esteve em toda a sua conturbada vida. Entrou na sua sala de oração particular, com um enorme Cristo na cruz dependurado na parede e, se ajoelhou.

 

— Perdoe Pai o meu mau jeito. Tenho espírito catequizador, mas gosto de umas sujeiras de vez em quando como qualquer ser humano. Sou falível, mas tentarei passar apenas as boas e grandes mensagens, mesmo que seja vomitando meus palavrões. O importante é a mensagem, não acha? Com o perdão da palavra, eu sei fazer bem essa porra! Amém.

 

Benzeu-se e levantou-se com dificuldades. Gemima o aguardava do lado de fora com uma calçola sua, usada no dia anterior. Encostou no nariz do seu coroa e ele animou-se como se tivesse tomado um balde de café forte.

— Minha bolachinha de goma, agora me sinto com plenos poderes e gozando plenamente das minhas faculdades mentais. Gozando no bom sentido. Mais tarde a gente goza no mau sentido ok, baby?

— Vai lá meu coroa e dê o seu show – Disse-lhe beijando uma das suas mãos e depois dando um tapinha na sua bunda gorda, acompanhando o seu caminhar lento para o altar, seguindo os acordes de uma música escolhida pelos noivos que começara a tocar.


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