Perdida em Crepúsculo: além do sonho. escrita por Andy Sousa


Capítulo 20
A vida segue.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Aneliese PDV

"Nesta casa onde eu cresci,
Com cadeiras confortáveis e copos quebrados,
Memórias empilhadas até o teto,
Podem elas dizer o que sinto?
Eu conheço esta casa por dentro e por fora,
Deito minha cabeça na escuridão
Como muitas outras noites antes desta...
Nesta cama onde descanso, eu estou desabrigada.
Esta casa eu conheço perfeitamente,
Mas eu estou desabrigada.
Passos pesados em chão de madeira
Até meu quarto através de portas quebradas.
Tento deixar esse dia para trás,
Mas a paz nunca irá me encontrar.
Eu tenho um lugar que posso chamar de meu,
É onde eu vou até a noite acabar.
Eu viajo desde minha mente até meu coração,
Ninguém sabe quanto me distancio."

Homeless – Marina Kaye

~*~

— É melhor assim. Acho que não tenho como impor minha opinião, de qualquer forma.

O olhei por um instante.

— Você é contra?

Ele aguardou alguns segundos antes de responder, os olhos focados nos assuntos do jornal.

— Eu acho que vocês são jovens, mas não cabe a mim tomar todas as decisões, Jacob é um rapaz ajuizado, não teria permitido que se envolvessem se não confiasse nele e, na verdade, confio mais nele do que em...

Ele cessou a fala e me olhou de soslaio.

— Do que em Edward. Era isto o que você iria dizer.

Apesar de não ter respondido eu sabia que presumira certo. Tomei um longo gole de meu leite e mordisquei a torrada, tive chance de ficar calada, contudo apesar de não ser pertinente à conversa aquele assunto me deixou com a pulga atrás da orelha.

— Charlie, porque afinal você não gosta de Edward? Ou de qualquer um dos Cullen? Eles já lhe deram motivos para desconfiança? Sempre pensei que fosse favorável à família.

Ele me fitou e então dobrou o jornal, colocando-o sobre a mesa. Levantou-se em seguida e pensei por um instante que fosse evitar me responder.

— Os Cullen são boas pessoas, realmente não tenho motivos para reclamar de seu comportamento.

— Então...

— Havia algo naquele rapaz Aneliese, que sempre me deixou desconfiado. Nem eu mesmo sei bem ao certo, mas... Bom, com certeza estou parecendo doido para você agora.

Tive de desviar o olhar e fingir estar muito interessada em passar manteiga em um pedaço de pão. Como imaginava, Charlie era tão, mas tão perspicaz que chegava a ser inacreditável! Ele não se deixara enganar pela fachada dos Cullen, imaginava que fossem diferentes, mas pensava se tratar de loucura. Como reagiria se chegasse um dia a descobrir que o tempo todo estivera certo?

— Além disso, você gostava demais dele e eu sentia que a qualquer momento viria até mim dizendo que decidira se casar e ir embora.

Esperei que dissesse algo mais, ao invés disso checou a hora e se dirigiu até o hall para se aprontar, depois veio até mim e se despediu como de costume, como se não tivéssemos acabado de terminar uma séria conversa.

Charlie não era de falar muito, tive sorte sequer de ter arrancado mais que uma dúzia de palavras dele, porém mesmo estas poucas revelações haviam servido para me deixar pensativa, depois de sua saída permaneci quase imóvel, refletindo sobre o que ouvira, quando me dei conta já estava sem fome e também sem tempo e tive de me apressar para ir à escola.

Enquanto escovava os dentes pensei sobre ter contado a Charlie a respeito do pedido de Jacob, não era como se me arrependesse da sinceridade, porém não estava lidando bem com o que recebera de bônus. Quem diria que um policial teria algo para me dizer a respeito de meu antigo relacionamento, ainda mais uma revelação de tanto impacto. Porque era realmente impactante perceber que até mesmo ele com toda sua dureza conseguira ser sensível ao que eu sentia por aquele rapaz!

‘E eu sentia que a qualquer momento viria até mim dizendo que decidira se casar e ir embora.’

Tive de lavar o rosto, a água fria espantou os indícios de lágrimas que ousavam começar a se formar. Me casar com Edward e partir, aquilo era impossível, não aconteceria jamais, perdia meu tempo e me machucava cada vez que cenas de um futuro proibido se formavam por detrás de minhas pálpebras.

Vesti minha blusa de moletom e coloquei um cachecol, soltando os cabelos como uma proteção extra contra o frio; esta manhã viera com a neblina mais densa que eu jamais vira em Forks, Charlie me explicara que quanto mais próximo ficava o final do ano mais frio faria e logo teríamos neve.

Quanto tempo eu já estava em Forks? Quanto tempo mais permaneceria? O calendário me informava que ainda faltavam mais de dois meses para o dia trinta e um de dezembro e muita coisa ainda iria acontecer. Minhas esperanças eram simples, queria apenas que as coisas continuassem como estavam, que Jacob e eu pudéssemos nos aproximar cada vez mais e que eu conseguisse lidar com minha rotina.

Todavia eu tinha um último pedido: superar completamente o que vivenciara.

Sem sombras. Sem dor. Sem lembranças.

Assim seria melhor.

Estava contente por ter conseguido finalmente convencer Charlie a me deixar dirigir, na véspera mal sentira o repuxar em meu braço e hoje havia acordado ainda melhor.

Agora caminhava calmamente para a aula depois do intervalo, estava sozinha, a única pessoa que em geral me acompanhava era Mike e curiosamente ele havia faltado à escola esta terça-feira. Fui uma das primeiras a chegar à sala e assumi meu lugar, retirando da bolsa o material necessário. Enquanto estava curvada remexendo em minha mochila ouvi o distinto ruído da cadeira ao meu lado sendo puxada e continuei o que fazia como se nada houvesse acontecido. Quando terminei, me ajeitei e abri o livro disposta a rever as lições da véspera.

— Ei pessoal – uma menina chamada Rita veio até a mesa e parou à nossa frente. – Só estou passando para avisar que as fotos do baile já estão à venda, depois da aula vocês podem vir falar comigo se quiserem adquirir alguma – sorriu prestativa.

Rita era responsável pela maioria dos projetos sociais do colégio, não era à toa que ela se manifestava, uma vez que cada centavo arrecadado era importante para pôr em prática as obras que apoiava.

— Obrigada, irei falar com você sim.

Ela aquiesceu e saiu rumo aos próximos alunos.

Pensei em comprar duas, seria suficiente: uma ficaria comigo e com a outra presentearia Jacob. Imaginei que talvez Charlie fosse querer uma cópia para guardar de recordação, mas confirmaria com ele mais tarde.

— Já sabe onde irá pôr sua lembrança?

Virei minha cabeça imediatamente me perguntando se não estaria imaginando coisas.

— Acredito que queira recordar a data com carinho.

Edward falava comigo, mas não havia qualquer real interesse em suas palavras, elas vinham cheias de sarcasmo ao qual eu claramente não reagi nada bem.

— Se é a Jacob que se refere e ao fato dele ter sido meu par acho que seu comentário é um tanto equivocado, pelo menos o tom explícito nele é. Ou será que apenas sonhei que você esteve lá junto de Lauren, de quem eu jamais sequer o ouvi comentar?

Sua boca manifestou um sorriso mínimo.

— Bonita pulseira. Um pingente bem sugestivo, pareceu chamar a atenção de suas amigas mais cedo.

— Sim, é verdade, elas ficaram confusas por causa do lobo. Talvez eu devesse ser mais discreta com o que demonstro, talvez eu deva ser mais como você e sua nova garota, afinal vocês com certeza se importam em manter o namoro em segredo.

O tom de minha resposta fora idêntico ao que ele usara para me interrogar, não havia como negar que ficara exasperada por Edward ter se dirigido a mim, não esperava que sequer fosse voltar a me dizer uma única a palavra.

— Acha que Lauren e eu somos namorados?

— É o que parece.

— É... Talvez sejamos. – Era errado de minha parte notar que ele sequer demonstrara emoção? Seus olhos estavam frios e distantes, como se pouco se importasse com o que aquilo poderia significar.

De algum jeito, eu era quem sentia mais. Meu peito doeu com a afirmação como se fossem farpas afiadas me maltratando.

— Que bom. Isto significa que estamos seguindo em frente, eu espero que sua garota seja tudo o que você imaginou.

— Você e Jacob pretendem ficar juntos?

— Esse é o plano. Eu não teria aceitado esse presente e tampouco dito ‘sim’ ao seu pedido de namoro se planejasse outra coisa de minha vida. Está claro que quero estar cada vez mais próxima dele. – Me senti meio infantil por ter revelado aquilo a Edward, pareceu uma provocação.

— Então agora são oficialmente um casal. Deve contar a Charlie, ele sem dúvidas ficará satisfeito.

Falava sobre a clara aversão que o xerife demonstrava por ele, o mesmo assunto que eu discutira com Charlie pela manhã. Será que Edward de algum modo ouvira? Será que ele estivera por perto?

Não pude me aproveitar da situação, surpreendentemente senti muita pena e quase pensei em consolá-lo. Quase.

— Ele já sabe – revelei baixinho.

— Entendo.

O que estava acontecendo comigo? Porque eu me importava? Não era como se ainda desejasse seu mal, mas apenas não devia me envolver tanto e ficara claramente magoada por vê-lo sofrer.

Meu Deus, eu estava enlouquecendo, não era capaz de compreender meus próprios sentimentos!

O professor apareceu e logo deu início à explicação, me ocupei em prestar atenção em tudo o que dizia e passei o restante do período repetindo a mim mesma que aquela conversa não significara nada e que devia esquecê-la.

Mas eu simplesmente ainda não aprendera a mentir tão bem.

— Eu não sei não.

Jessica riu.

— Está com medo?

— Não, só morta de vergonha.

— Ah, então isso dá pra superar.

A olhei de mau humor.

— Como é que fui deixar você me convencer a fazer isto?

Era sábado à tarde, o dia estava ensolarado, o que era incrivelmente incomum na península Olympic, depois do trabalho eu ficara de encontrar Jessica para irmos juntas até um certo bairro ao qual eu não sabia chegar sozinha. O que acontecia era que havia uma banda musical de alguns alunos da escola à procura de vocalista e num momento de surto minha vontade de perseguir meu sonho fez com que me candidatasse ao posto, porém agora que me encontrava na calçada em frente a casa, simplesmente não conseguia despregar minhas pernas do concreto.

— Aneliese, você me fez vir até aqui, então vai ao menos tentar não vai? Além do mais eu nunca ouvi você cantar, e é algo que eu gostaria de ver.

Contive o desejo de semicerrar os olhos, o que Jessica queria, na verdade era uma boa história para espalhar, só que eu sentia que se não vencesse a timidez daria razão ainda maior para que ela falasse.

— Me dê apenas um minuto está bem?

Respirei fundo e pensei sobre a ideia pela décima vez. Agora parecia nada mais que pura estupidez. Cantar em uma banda... Onde eu estava com a cabeça? Charlie sem dúvidas não iria gostar e Jacob sequer sabia, eu não tinha lhes contado, pois não crera que levaria isso até o fim, só que não contava com a teimosia de Jessica em me impedir de fugir.

Se minha mãe sequer sonhasse em saber o que eu fazia ela me mataria...

De repente ouvi vozes, procurei por Jessica e meu estômago afundou ao vê-la conversando com os garotos à porta da casa. Havia aproveitado de minha distração para tocar a campainha, isso era golpe baixo!

Todos olhavam para mim e senti meu rosto esquentar. O que eu faria? Seria uma boa ideia fingir desmaio? A quem eu queria enganar? Não servia para ficar debaixo dos holofotes, mal conseguia passar por um simples teste.

Jessica disse algo e eles riram, em seguida os três começaram a convergir para perto de mim e sem ter para onde fugir minha vergonha deu lugar a um pouco de coragem. Os encontrei na metade do caminho e procurei não demonstrar ansiedade.

— Oi Aneliese. Eu sou Joshua e este é meu irmão, Zachary. Jessica nos disse que você veio para uma audição.

Lancei um olhar mortal a Jessica e assenti vagarosamente.

— Venham conosco, o pessoal está lá dentro fazendo um lanche. Vocês já almoçaram?

— Sim, estamos bem, obrigada.

Joshua nos conduziu para a casa, perto do hall de entrada havia outra porta e descemos as escadas até o porão.

Ele me apresentou aos outros dois integrantes e indicou um sofá onde Jessica e eu nos sentamos.

— Você tem experiência com isso? – Joshua fez um gesto largo apontado os instrumentos posicionados próximos a nós.

— Hmmm não. Nunca cheguei a realmente tocar alguma coisa – revelei com um sorriso amarelo.

— Mas você já fez aula de canto, não fez Liese? – Encorajou Jessica.

Quis parecer grata ao seu encorajamento, mas depois que havíamos chegado imediatamente havia me dado conta da razão dela ter sido tão firme em me acompanhar. Praticamente todos os garotos da banda eram bonitos, mas Joshua e o irmão podiam facilmente ser listados como lindos. Por serem estudantes da Forks High School, sem dúvidas eram conhecidos pelas garotas, apenas eu costumava ser exceção ao que quer que acontecesse naquela escola.

Com ou sem influência de Jessica a conversa rolou, foi desprendida, mas não deixou de soar como uma entrevista. Bem, era direito deles, eu era a novidade por ali, eu aspirava ser a nova integrante da Marrow, sua banda que existia há quase sete anos!

Ao final da conversa minha protelação não mais surtiu efeito. Não era segredo que minha inexperiência no meio artístico não os agradara, teria de apelar para meu talento e torcer para que fosse suficiente, ao menos a viagem não fora longa para que eu pudesse chegar a me arrepender de ter gasto a gasolina da picape.

Os rapazes foram ocupar seus lugares, se posicionando junto aos instrumentos, Joshua era guitarrista, seu irmão baixista, já Timothy e Shaun cuidavam respectivamente da bateria e segunda guitarra. A mim por ora pertenceriam somente os vocais, ao menos eles não haviam especificado nada mais. Me deram a oportunidade de escolher qual música apresentar, contudo teria de ser alguma entre as do repertório, pois logicamente eram as que conheciam, após passar os olhos pela longa lista consegui encontrar a faixa perfeita.

Era incrível que conseguisse me manter de pé quando minhas pernas mal pareciam poder me sustentar, mas a timidez não poderia levar o melhor de mim, eu teria de demonstrar firmeza e a hora era essa.

Seguiu-se uma curta pausa e pude ouvir alguém contar até três, em seguida a batida melódica iniciou e fechei os olhos procurando fantasiar que estava sozinha em meu quarto, na companhia do velho aparelho de som. Isto me ajudou a não desafinar nas partes agudas, pois me convenci de que a plateia era somente eu.

Observei minha amiga em alguns instantes esperando que revelasse sinal de como estava meu desempenho, contudo ela sequer me notava, estava ocupada babando pelos rapazes. Só o que restou foi me concentrar na letra e me esforçar para não errar as notas. Depois de um tempo, a canção chegou ao fim e minha última palavra ficou pairando no ar junto ao derradeiro lamento da guitarra.

Baixei a cabeça sentindo meu rosto quente pelo esforço, mas não ousei dizer algo, comecei a pensar que talvez não tivesse me saído bem e que escolher aquela música havia, na realidade, sido muito arriscado.

— Nossa. Isso foi... – A voz de Joshua me tirou dos devaneios – foi muito bom.

O encarei meio descrente imaginando que talvez o cavalheirismo tivesse lhe impedido de dizer que havia sido uma merda.

— Olha, você não precisa tentar me alegrar...

— Aneliese estou falando sério. Foi bom!

— E você disse que jamais integrou uma banda? – Emendou Zachary.

Balancei a cabeça vagarosamente.

— Pois deveria. Definitivamente.

O olhei como quem dizia ‘é justamente por isto que estou aqui’.

— Havia muita emoção e emoção consegue compensar qualquer deslize na música, já que mostra que você está envolvido. As pessoas não pagam somente para ouvir algo bom, elas pagam para sentir e a Marrow trata de fazer as pessoas terem realmente uma experiência ao virem ao nosso show – comentou Timothy.

— Obrigada – agradeci baixinho.

Era estranho ver que meu constrangimento havia praticamente ido todo embora, isto porque eu agora estava ocupada demais com meus pensamentos, eles haviam se tornado inegavelmente melancólicos. Ao final recebera a feliz notícia de que havia passado no teste, eles disseram que não deixariam de testar as outras garotas o que achei muito justo, mas praticamente me asseguraram que seria difícil superarem a impressão que eu deixara. A partir daí foi minha deixa para ir embora, mas o percurso todo que fizera subindo as escadas, saindo novamente para o sol, deixando uma sorridente Jessica em sua casa e dirigindo de volta pareceu ser feito no piloto automático.

Devia estar satisfeita, afinal era quase certo que havia conseguido, todavia não pude esquecer as palavras do baterista ao final. Eu havia sido escolhida não por minha voz, pois ficara claro que em alguns momentos ela falhara, mas sim pela quantidade de sentimento que havia posto na canção. O fato era que nem eu mesma havia percebido que havia sido tanto e estava claro que fora o bastante para estranhos perceberem a forma com que me expressava.

— Algo está faltando em mim – sussurrei circunspecta enquanto subia a rua de casa.

A canção se resumia a isto e ao que parecia meu coração também.

Enquanto manobrava para cima do gramado observei ao redor. Havia vizinhos à vista, o que era raro, já que a chuva jamais dava brecha para ficarmos tranquilos do lado de fora. As pessoas se ocupavam com seus afazeres comuns de uma tarde de sábado, uma tarde de sol que era sempre bem-vinda. Por um momento permaneci na picape apenas contemplando, desejando ser como elas: com problemas normais, com uma vida normal. Esta palavra era a última coisa que se poderia dizer da minha existência.

Tinha se passado quase duas semanas desde o baile. Duas semanas em que eu seguia uma rotina tão peculiar que até agora não conseguira me adaptar e eu me referia invariavelmente a Jacob, nós éramos namorados e constantemente ele aparecia para me ver, ora pela noite em sua forma de lobo, ora pela tarde quando adentrava a casa e podíamos permanecer alguns instantes juntos. Eu amava Jacob, seu carinho e cuidado podiam ser sentidos em suas atitudes, porém algo estava diferente, completamente diferente de quando não podíamos rotular nossa união. E eu não ousava me enganar, pois sabia exatamente o que era.

Na terça-feira após o baile depois que tivera a conversa reveladora com Edward algo em mim se transformara, de repente era como se tivesse conseguido tudo o que queria, ele estava oficialmente me deixando livre, seguia com sua própria vida, me dava chance de viver a minha. Não havia porque nos falarmos mais, não havia porque sequer eu pensar nele e por alguma razão cruel do destino só o que fizera desde aquele momento fora o oposto. Dia após dia procurava me manter alheia à sua presença, mas era como se cada vez mais ela saltasse à vista, ainda mais quando ele aparecia acompanhado de Lauren.

Não se tratava dela, eu entendia isto. Lauren era uma pessoa repulsiva quando queria, mas eu já havia me dado conta de que podia facilmente ser Angela em seu lugar e eu sentiria raiva mesmo assim. O que eu não aceitava – e procurava fingir ridiculamente que sim – era que ele houvesse me trocado por outra.

Eu não conseguia assimilar.

Meu subconsciente me chamou de hipócrita em sua habitual forma de me repreender. Sim, eu estava sendo hipócrita e egoísta e agia de forma perfeitamente repreensível, entretanto já havia tentado me livrar da obsessão, mas parecia impossível. De todo jeito, todos os dias, independentemente do que fizesse chegava uma hora em que deixava tudo de lado e simplesmente devaneava com o rosto dele.

Era incrível como a vida sempre encontrava uma forma de nos subjugar. Ou talvez fosse apenas comigo. Eu estava tendo exatamente o que merecia, plantava e colhia. Quisera que Edward se mantivesse distante, que me esquecesse e num golpe do destino ele simplesmente o fizera com tanta facilidade que me custava até agora reconhecer.

Sempre que passava por momentos como este eu acabava caindo na mesma incógnita: será que teria sido mais feliz se nada disso tivesse acontecido? Se Edward tivesse acreditado em mim desde o princípio? Então a culpa recaía completamente sobre ele e eu podia voltar a detestá-lo como de costume, ao menos até o avançar da madrugada, quando meus sonhos me obrigavam outra vez a conviver com sua presença.

Em um dia em que quase todos os habitantes da cidade deveriam respirar com tranquilidade eu tinha de ser a parte que destoa. Abri preguiçosamente a porta do carro e pulei para fora deixando-a se fechar com um estrondo e simplesmente ignorando os olhares sobre mim.

Sim, eu estou infeliz. Me desculpe por não compartilhar o incrível júbilo dos raios de sol sobre minha cabeça!

Sempre era melhor estar em casa. A solidão agora era como minha melhor amiga, minha maneira de esconder o que sentia.

Eu estava sendo patética, em contradição aos meus próprios desejos. Jurei a mim mesma nunca mais me enganar quanto ao que queria, mas era claro que a promessa fora em vão, era um mal dos seres humanos apenas se darem conta do que desejavam quando era tarde demais.

Tirei as botas e me dirigi ansiosa para o sofá onde me joguei e permaneci deitada de barriga para cima, fitando as ranhuras no teto. A luz que adentrava as frestas da cortina lançava um brilho dourado por cima da mobília e logo me vi distraída com as partículas de pó que se desprendiam todas as vezes que eu respirava. Parecia quase mágico.

Por sorte me dei conta de que estava sonolenta a tempo de conseguir desprender a manta de tricô que cobria o sofá e usá-la como cobertor. O calor ameno me atingia em ondas fraquinhas, mas era o bastante para me manter aconchegada e em algum momento em meio a todo o silêncio eu adormeci.

— Liese eu não acredito! Eu disse que se sairia bem.

Jessica estava altiva demais para conseguir distinguir o olhar de desaprovação que a lancei. Era quarta-feira e durante o período de intervalo Joshua aparecera para anunciar que eu havia conseguido o posto de vocalista da banda.

— Oh sim Jess, foi exatamente para dar apoio que você a acompanhou ao teste, não é?

Angela estava próxima a nós, junto do namorado Ben e fez o favor de expressar o que eu não dissera. Em consequência as duas entraram em um embate costumeiro e aproveitei para me retirar e ir comprar meu lanche, ainda rindo.

Ficara contente com o resultado, eu oficialmente era integrante de uma banda. Bem, apenas na teoria, na verdade. Agora vinha a parte assustadora: já tínhamos uma apresentação marcada, seria neste domingo e eu agora precisava encaixar os horários de ensaio à minha agenda apertada. Por sorte Charlie não reagira da maneira que eu pensava, apesar de claramente não ser favorável à ideia, ele me deu permissão, pois conhecia a família de cada um dos garotos e também porque eu lhe prometera não largar o emprego e fugir em uma van em qualquer um dos finais de semana...

De volta à mesa me deixei levar pelas vozes ao redor, mastigando meu almoço sem pressa e soltando risadinhas aleatórias em resposta aos comentários que ouvia. De repente Lauren surgiu próxima a nós, sorrindo abertamente.

Ela viera sozinha.

— Olá meninas!

Tomei um gole de suco, mas logo me tornei incapaz de manter a mesma disposição para comer, a presença dela me incomodava mais do que deveria.

— Oh você veio nos visitar Lauren, legal de sua parte lembrar que existimos – comentou Jessica com acidez.

Era óbvio que a relação entre elas estava abalada, o ponto positivo era que isto em geral mantinha a garota longe de nós.

Em geral.

— Poxa vida, que tratamento é este? Eu vim em missão de paz: minha mãe vai dar um jantar lá em casa no domingo para comemorar meu aniversário e vocês todos estão convidados!

A pouca exaltação recebida sem dúvidas não era o que ela esperava.

— Você pode chamar seus novos amigos, tenho certeza que vão adorar estar lá.

Angela deu uma cotovelada em Jessica e isto a fez fechar ainda mais a cara, pelo jeito não havia forma de lhe fazer repensar as palavras.

— Eles não vão poder, tem compromissos - Lauren procurou desconversar a fim de se livrar do constrangimento.

— É claro que tem.

Todos na mesa me olharam e percebi tardamente que meu comentário havia saído alto demais. Eu não estava com sede, mas de algum modo senti uma imensa vontade de tomar mais um gole do suco de abacaxi.

— Você vai não vai, Ang? E vocês garotos?

Os meninos se entreolharam, procurando o que dizer, era evidente que nenhum deles queria ir.

— Este domingo a galera já tem algo marcado – Mike explicou por fim.

— Como assim?

— Liese entrou para a Marrow, ela é a nova vocalista e todos nós prometemos ir ao show – completou.

Fitei-o descrente, sequer podia imaginar que a notícia já tivesse se espalhado desta forma, e não gostei de ser usada como desculpa para fugir de um jantar. Eu não era obrigada a compactuar com aquilo, de bom grado evitei fazer parte da conversa e consegui voltar a mordiscar meu sanduíche.

— Bem, meus parabéns. Aposto que deve cantar excepcionalmente bem, apesar de nunca sequer tê-la ouvido, mas vou perguntar ao Ed, quem sabe ele já teve a sorte de presenciar isso.

O silêncio foi mortal, ninguém ousou dizer uma palavra e isto apenas confirmou que o que ela havia dito fora para me magoar. Peguei-a me olhando de cima, os braços cruzados e o nariz empinado, como quem se vangloriava por ter agido muito bem e antes que pudesse pensar melhor eu estava falando:

— Quer saber Lauren, esta é uma ótima ideia! Aliás, porque você não se junta a nós no domingo à noite? É melhor do que passar seu aniversário inteiro, sozinha. Não acha?

Seus lábios tremeram e ela olhou à volta procurando por um apoio que não encontrou e por fim deu às costas, caminhando de volta para onde viera.

— Essa foi por pouco – suspirou Tyler. – Já estava esperando que ela viesse nos chamar para o habitual jantar de aniversário.

— Uma noite inteira junto com a família dela, nada contra, mas isso é maçante demais! – Mike revirou os olhos. – Valeu por ter livrado a gente Liese.

O olhei de mau humor, mas nada disse. Rapidamente as conversas foram retomadas e ninguém mais tocou no assunto.


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Notas finais do capítulo

Alguém tem uma amiga igual a Jessica? Eu já tive UAHUSHAUHS ¬¬
Liese agora é oficialmente uma cantora hmmm, mas não se esqueçam, pode parecer irrelevante este acontecimento, mas esta escritora aqui não dá ponto sem nó! Tudo tem um porquê, mesmo que seja mínimo, tudo colabora pro desenrolar da história, pra ela chegar onde deve. Enfim, por hoje é só.



Mentira! rs
Esse era o último que eu tinha revisado, mas escrevi até o vinte e dois. Vou continuar a revisão aqui rapidinho e posto daqui a pouco.