Perdida em Crepúsculo: além do sonho. escrita por Andy Sousa


Capítulo 21
Pelos outros.


Notas iniciais do capítulo

Sei que demorei mais do que queria, mas é que a revisão leva tempo, gente.
Enfim mais um capítulo e esse eu gostei muito de escrever. A história claramente é muito ligada à Crepúsculo, mas acho que vocês perceberam o quanto gosto de criar situações, personagens e lugares que não existem no livro. Senão também não seria uma fanfic e sim uma cópia. De qualquer modo, boa leitura para todos!



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Aneliese PDV

"Mais um fracasso, porque não posso conquistar o amor?
Eu poderia estar com alguém,
Porque lutar nessa guerra sem armas?
E eu queria, eu queria tanto!
Mas aqui havia muitas bandeiras vermelhas.
Mais um fracasso, vamos ser sinceros,
Eu não confio em ninguém.
Você não me destruiu, continuo lutando por paz.
Bem, eu tenho uma pele grossa e um coração elástico,
Mas a sua lâmina pode ser muito afiada.
E eu permaneço acordada à noite,
Vamos ser honestos, não vou fechar os olhos.
Sei que posso sobreviver,
Andei através do fogo para salvar minha vida.
E eu quero, quero muito minha vida!
Estou fazendo tudo o que posso,
Mas é difícil perder aquele que escolhi."

Elastic Heart – Sia feat. The Weeknd

~*~

Era novamente sábado e eu voltava do último ensaio antes da apresentação que seria amanhã. Tive várias horas de prática antes de ter de me expor ao público, ao menos descobrira que o show seria na realidade uma performance nos fundos da casa dos irmãos. Contudo tinha certeza que boa parte das pessoas que conhecia estaria lá.

A chuva estivera presente desde o meio da semana, quando expressei minha dúvida quanto ao que faríamos caso o clima não melhorasse, Zachary me conduziu até o quintal onde havia uma enorme tenda de plástico, já armada e com capacidade para abrigar quase cinquenta pessoas, ele me informou. A perspectiva trouxe borboletas ao meu estômago e não ajudou muito meu nervosismo.

Não havia dúvidas de que todos ali levavam o que faziam muito a sério, não era apenas um hobby, eles queriam viver da música e mostravam verdadeiro empenho nos ensaios. Mesmo assim os encontros eram sempre divertidos, eles pareciam uma pequena família, eram amigos de longa data e aos poucos fui me sentindo confortável. Tentava mostrar que respeitava sua paixão e realmente procurava me sair bem, como quando assegurei a Shaun, minutos antes de sair, que descansaria bastante esta noite. Ele era o mais velho e um pouco rabugento, fora veemente em afirmar que cansaço e timbre afinado definitivamente não andavam juntos.

Não tive a chance de alcançar a casa antes que a chuva engrossasse, xinguei baixinho ao parar a picape no quintal lamacento, mas antes que pudesse desligá-la algo chamou minha atenção. Por reflexo olhei através do para-brisa, do outro lado da rua, nos fundos da casa da frente havia alguém, tão próximo à floresta que pensei se tratar de uma árvore. Apesar de imóvel, entretanto a silhueta não deixava dúvidas: era um ser humano. As luzes do farol iluminavam a noite, mas a figura estava suficientemente distante para que eu não pudesse afirmar ser um dos vizinhos. Mas o que estaria fazendo a esta hora, debaixo da tempestade?

Esperei que se movesse ou acenasse, mas nada aconteceu e aos poucos um frio começou a subir por minha espinha. Eu não reconhecia aquela pessoa e fiquei assustada, não soube ao certo o porquê, mas desliguei o motor da caminhonete, como se esperasse que isso fosse me deixar menos em evidência. Charlie ainda não havia chegado e só o que pude pensar é que estaria segura com ele aqui. Isto não serviu para deixar meus nervos menos exaltados.

Poucos metros à frente havia alguém me observando fixamente.

O barulho estridente de um raio cortou o ar e reprimi o grito, meus olhos chegavam a doer com o esforço para não piscar, agora na escuridão me esforçava para enxergar, eu sabia que o indivíduo continuava ali, sentia seu olhar sobre mim.

Pareceu se passar uma eternidade até que um relâmpago iluminou o céu e no segundo de clareza constatei que a figura havia partido. Prendi o ar, atemorizada e uma voz urgente em minha cabeça me mandou correr. Sem tempo para pensar, agi depressa, saí da picape e me apressei, quando enfim consegui girar a chave às pressas, me escondi do lado de dentro, fechando a porta com estrondo.

Mantive a cabeça baixa, os cabelos respingavam em cima do carpete e meu peito subia e descia em meio a respirações entrecortadas.

Senti um toque em meu ombro e gritei em choque, me virando num átimo. As luzes foram acesas e pisquei com dificuldade focalizando o rosto à minha frente.

— Liese, você está bem?

— Jacob! – Minha voz soou esganiçada e me atirei em seu corpo abraçando-o com força como se quisesse ter certeza de que não era uma visão.

— O que aconteceu? Você está pálida e tremendo.

Ele me distanciou, segurando-me firmemente há alguns centímetros de seu corpo de forma que pudesse analisar meu rosto. Com esforço reconheci que havia perdido o controle, a presença de Jacob lançava uma luz sobre meus atos e me senti um tanto tola, comecei a pensar se seria sábio dizer o que vira, uma vez que eu mesma sequer tinha certeza do que presenciara.

Mas havia uma pessoa parada do outro lado da rua, eu poderia jurar!

Meu subconsciente se mostrou razoável ao apresentar opções que antes por conta do susto não mostrara: talvez fosse apenas meu vizinho da frente.

Porém a sensatez batia de frente com a tranquilidade e eu me via num dilema.

Você não acredita realmente que tenha sido isso. Você não pode afirmar nada.

Sim, mas o que eu faria? Diria a Jacob que estava sendo perseguida? Por quem?

— Liese.

O encarei e me atrapalhei com as palavras. E se...

Eu só conhecia uma pessoa capaz de me observar em meio às sombras, alguém que sabia que já fizera isto antes. Se Edward por algum motivo havia vindo me espionar não seria certo deixar que Jacob descobrisse e tive a leve impressão de que ele acabaria desconfiando do rapaz, assim como eu.

— Não foi nada – comecei a dizer, mas seu olhar severo me obrigou a ensaiar melhor as palavras – eu pensei ter visto um animal entre as árvores.

Sua testa se franziu.

— Um animal? De que tipo? Um lobo?

— Não, um animal da floresta, talvez um veado, eu não sei... Fiquei assustada – expliquei em uma voz fina.

Nada disse a princípio, continuou a me inspecionar, quem sabe procurando algum indício de que eu estivesse mentindo, ao fim, entretanto, meu nervosismo se mostrou suficientemente real e serviu para embasar minha história.

— Está bem, venha cá – me abraçou.

Mantendo-me apertada contra seu peito nu, beijou o alto de meus cabelos repetidas vezes, acariciando minhas costas. Mesmo envolta em seu calor, estremeci e ele concordou quando expliquei que seria melhor ir tomar banho. Fui incrivelmente rápida, as cenas que vira ainda estava claras detrás de minhas pálpebras e eu não consegui me sentir confortável estando sozinha, mesmo com a certeza de que havia alguém no andar de baixo, me esperando.

Quando voltei ao seu encontro o avistei acomodado à mesa, quieto e perdido em pensamentos.

— Se importa se eu me sentar?

Apontei seu colo e ele abriu os braços para me receber. Me mantive tão próxima quanto possível, era como se seu corpo fosse capaz de me manter longe de qualquer ameaça, eu quis acreditar que sim.

— Como foi seu ensaio?

Fiz uma careta.

Se Charlie sequer me dera trabalho quanto ao assunto da banda, Jacob fora o oposto, ele não ficara nada satisfeito com a notícia, mas por considerar sua reação puro ciúme consegui me ver livre da culpa. Contudo sempre que tocávamos naquele ponto acabávamos discutindo.

— Foi bom.

— Imagino que sim.

— Pare com isso Jacob!

— Eu não fiz nada.

— Sim, fez. Nós dois sabemos que você preferiria que eu não tivesse ido, então não vamos fingir o contrário, está bem?

Ele respirou profundamente.

— A apresentação é amanhã, não é? Quem sabe eu consiga algumas horas livres para ir vê-la.

— Não!

Ele se afastou para avaliar minha reação, sua expressão o fazia parecer muito mais velho, demonstrava nada além de apatia.

— Eu não quero que você vá, pelo amor de Deus, não faça isto! Já vai ser bem ruim com meus amigos lá para me ver, não posso lidar com a ideia de você também me observando.

— Está nervosa?

— Muito.

Ele tossiu uma risada e lhe olhei incrédula.

— Me desculpe, estou sendo malvado com você ultimamente não estou? – Seu rosto ainda demonstrava claros traços de divertimento, o que me impediu de responder. – Está bem, me perdoe por estar sendo um imbecil, eu acho verdadeiramente que irá se sair bem.

Não respondi e meu silêncio novamente o fez rir.

— Sabe por que sou tão teimoso quanto a esta coisa de você cantando em uma banda? – A falta de resposta o incitou a continuar. – Porque sei que você é boa em tudo o que faz, sei que é esforçada. Tenho medo que isto acabe por lhe afastar de mim – confessou.

— Mesmo? – Indaguei descrente.

— Mesmo.

Encarei seu semblante, mas não encontrei qualquer vestígio de divertimento e consegui deixar a exasperação de lado.

— Não sou tão infantil a ponto de lhe trocar por qualquer coisa, sei a diferença e acredito que você também.

— Sim eu sei.

— Então nada mais de discussões por causa da Marrow?

— Nada mais – assentiu.

Suspirei.

— Você é teimoso e impulsivo, mas não consigo ficar longe Jacob Black.

Ele sorriu largamente, se ajeitou na cadeira e entrelaçou os dedos em meus cabelos, me trazendo para perto.

— Sei que não. – Afirmou confiante enquanto encostava os lábios nos meus e senti um leve sorriso se espalhar por meu rosto.

— As pessoas estão comentando bastante sobre ontem à noite e parece que a repercussão é boa.

— Sem dúvidas é.

Eu ri.

— Fico feliz. É fácil falar sobre isso agora, mas eu sentia como se meu estômago fosse abrigo para todas as borboletas do universo – desabafei.

— Isso é normal Liese. Cada um aqui se lembra de sua primeira apresentação, dá vontade de desistir, mas é apenas o nervosismo, não vale a pena.

— É. Pelo menos você não vomitou.

Todos riram e alguns dos garotos jogaram bolinhas de papel em Timothy.

Eu havia me sentado com eles para o almoço, pois queria muito saber o que haviam achado da véspera, foi tranquilizante descobrir que estavam satisfeitos. Eu não errara em pensar que haveria bastante gente, mas no fim a pior coisa foi a chuva ter ocasionado um breve blackout que cortou o som dos instrumentos por alguns minutos.

Os rapazes eram muito divertidos, eu mal conseguia parar de rir enquanto conversávamos, agora que o pior havia passado era fácil achar graça em qualquer coisa. Joshua aproveitou a oportunidade para repassar comigo as músicas que ensaiaríamos esta semana, me dando a sugestão de ouvi-las sempre que possível, para fixar a memorização. Depois da correria inicial, os ensaios puderam ser marcados para as terças, quintas e domingos, assim como eu eles também trabalhavam e Shaun, além disso, se dedicava aos estudos da faculdade.

Na saída do refeitório fui abordada por Jessica que não parou de me questionar sobre o que havíamos conversado, eu estava de bom humor e não me incomodei em responder suas perguntas.

Paramos por um momento para fazermos a troca de livros no armário e Lauren surgiu inesperadamente próxima a nós. Em alta voz se queixou com a amiga pela aparente falta de tato em não comparecermos a seu aniversário e fiz uso da porta de alumínio para me manter devidamente escondida da discussão.

— Deixe de ser ridícula Lauren!

— Agora sou ridícula? Agora que sua nova melhor amiga é essa aí.

Prendi os lábios. A conversa não me dizia respeito e eu não deveria interferir, mentalizei.

— O que fiz pra você Aneliese? Pensei que não estivesse incomodada por Edward e eu namorarmos.

Sua tentativa de soar inocente era tão fracassada que sequer me incomodei em responder, assim que terminei de organizar o material, tranquei o armário e comecei a me afastar.

— Aneliese, espere.

Ela havia me alcançado, parando à minha frente e me impossibilitando de dar mais um passo. Não entendi o que pretendia.

— Porque você está brava? É por causa de Edward? Poxa, eu não tive culpa, foi ele quem me procurou, sabia? Não sou a pessoa que pensa, não o roubei de você. Ele veio atrás de mim no hospital e...

— Eu não quero ouvir Lauren – a cortei, ríspida.

— Não pode me culpar por Edward não querer mais ficar com você – completou em voz mais baixa.

Pisquei atônita. Olhei ao redor e algumas pessoas nos observavam, o que me fez imediatamente ter vontade de sumir. Lauren adorava me provocar, não podia crer que novamente nos encontrássemos em um embate público.

A olhei com desaprovação. Se sentia no direito de vir até aqui me recriminar? Contive um riso histérico, a única coisa de que não podia culpá-la era sua tolice em pensar saber tudo sobre Edward.

Como num passe de mágica, ele surgiu ao final do corredor, nos alcançou em curtíssimo espaço de tempo e se posicionou próximo a ela, a mão repousando em seu ombro e deliberadamente longe de mim, como se eu tivesse uma doença contagiosa, como se eu representasse o perigo.

Que hipócrita!

— Você acha que ele é perfeito não é? Boa sorte em lidar com a decepção – condenei.

Sai de perto deles juntando toda minha concentração para parecer relaxada, quando me vi sozinha percebi que andava sem rumo e parei por alguns minutos, a garganta apertada.

Não vale a pena. Nenhum deles vale. Ele não vale.

Encontrei a força que precisava para retornar ao encontro de meus amigos e nenhuma palavra sobre o ocorrido foi mencionada, ao menos uma vez Jessica se mostrou solidária e me senti grata por isto.

Era manhã de sexta-feira, feriado municipal, dia não letivo, porém praticamente todos os alunos estavam na escola para um bazar beneficente que se repetia todos os anos nesta mesma data. Basicamente se tratava da arrecadação de alimentos e roupas que seriam destinados as entidades de caridade da Península Olympic. Era interessante participar de algo assim estando em outro país, fazia com que me sentisse útil e servia para que conhecesse um pouco mais dos moradores e cultura local.

Todos os estudantes haviam sido recrutados como voluntários – algo que contava muitos pontos no currículo, talvez por isso o número de participantes fosse tão elevado. Eu havia ficado encarregada de separar os alimentos e estava junto de Eric e Tyler na sala de inglês que agora se transformara em um depósito improvisado.

— As pessoas realmente se empenham em fazer as doações, não é? Isto é bem legal – aprovei.

— É a tradição. Existe há bastante tempo, creio que mais de cem anos – informou Eric.

— Mesmo?

Minha curiosidade ficou inflamada, enquanto catalogava as pilhas de latas em conserva, ele continuou a explicar.

— Parece que foi ideia de alguém começar as arrecadações anuais, antes havia doações, mas eram em numero consideravelmente menor.

— Vocês tem certeza disso? Parece algo como uma utopia – ri.

— É o que dizem – Tyler deu de ombros. – De todo jeito é uma boa iniciativa.

— Sim, disto não posso discordar.

Os rapazes se ocupavam em separar e mover o material e eu anotava cada item em uma extensa planilha que senhor Berty havia feito questão de me explicar como funcionava três vezes seguidas.

Ouvimos ansiosos o ruído de passos, os garotos bufaram já esperando por mais sermões de nosso gentil supervisor, logo um homem surgiu detrás das pilhas de alimentos, porém não era quem suspeitávamos.

— Carlisle.

Ele me olhou e pareceu ficar surpreso, mas quase de imediato seu rosto suavizou e se abriu em um sorriso enquanto me estendia sua mão. Fez o mesmo com os outros.

— O que faz aqui? – Não quis soar rude, mas sua presença em um evento como este era incrivelmente incomum.

— Ele é o responsável pela campanha, você não sabia Liese? O nome da família está escrito na parte de cima dos formulários.

Tyler me encarava como se tivesse deixado passar algo completamente óbvio e ao perscrutar a folha foi que me dei conta de que tinha razão.

— Vocês cuidam de toda essa arrecadação? – Sondei ainda incrédula.

Nem mesmo ele conseguiu esconder a falta de jeito, mas seu sorriso era capaz de contornar qualquer mal-entendido.

— Já faz alguns anos – confirmou com tom sugestivo.

— Oh.

Eu não esperava por isto. Havia coisas que nem mesmo a mais ávida fã de Meyer poderia prever, quero dizer, será que ela sabia que havia escrito tal coisa?

— Vim anunciar que estão livres para almoçar, podem deixar as coisas de lado por algum tempo, estamos indo muito bem esse ano.

Não precisou dizer duas vezes, Tyler e Eric marcharam para fora da sala sumindo de vista, mas eu permaneci em meu lugar.

— Foi você quem iniciou a arrecadação há mais de um século atrás? – Questionei num fio de voz.

Carlisle sorriu com ternura.

— Esme.

Esme... Mas é claro! Quem mais tinha um coração tão grande a ponto de se doar pelos outros, mesmo aqueles que não correspondiam a sua própria espécie. Mas pensando bem ela ainda era humana, suas atitudes indicavam que sim.

Senti a admiração presente em meu rosto e não me incomodei em disfarçar.

— É muito bonito da parte dela. De todos vocês, aliás. Eu não imaginava...

— Não, não. E nem deveria. Não costumamos falar sobre o assunto, Esme insistiu desde o princípio que era desnecessário vincular nosso nome à iniciativa, ela jamais fez questão, mas parece que as pessoas se sentem mais motivadas a ajudar quando veem o exemplo.

— Típico dos humanos.

Carlisle riu.

— Aneliese, acho melhor você também ir se alimentar, está aqui desde cedo.

— Irei em um minuto. Quero só terminar esta pilha primeiro, se não se importa, ficará mais fácil para me organizar depois.

— Está bem.

Com um breve aceno se retirou e pude imediatamente me deixar cair sobre um banquinho que haviam deixado para nós. Coloquei a prancheta sobre os joelhos dobrados e apoiei minha testa nela. Pelo amor dos céus, Stephenie Meyer porque você não me avisou disso?

Sabia que os Cullen procuravam ser boas pessoas, apesar de sua natureza, não tinha dúvidas de que Carlisle e Esme formassem um dos casais mais altruístas que já conhecera, mas era desconcertante perceber que sua presença causava tanta influência, me senti sem saída sendo habitante de Forks, parecia que invariavelmente estaria sob domínio de suas ações.

Mentira sobre ter coisas a fazer, o que queria na verdade era ter um tempo para digerir as informações que recebera, porém passados alguns minutos meu estômago começou a se queixar e tive de deixar as tarefas de lado para me juntar aos outros.

O almoço estava sendo servido no refeitório e era gratuito, talvez por isto esperasse por uma gororoba e me surpreendi ao deparar com pessoas comendo enormes sanduíches e bebendo copos inteiros de refrigerante gelado. Fui para meu lugar com um prato cheio de ricota, rúcula e também queijo amarelo e um copo grande de suco de laranja.

— Olá Liese, gostando de ser solidária? – Sorriu Angela.

Ri.

— É muito bom.

— É verdade, deviam fazer isso mais vezes.

— Sim, concordo.

Olhei ao redor e observei os rostos contentes das pessoas, todos riam e conversavam. Enquanto perscrutava o salão me deparei com os Cullen e percebi que a exceção de Carlisle eu não havia visto nenhum deles ainda. Estavam todos ali, sentados à mesa habitual em família, chegava a ser uma cena bonita demais de se presenciar, sua beleza excepcional sem dúvida somava grandes pontos. Haviam vindo até aqui e se ocupado em mais uma vez exibir sua fachada normal apenas para ajudar os humanos. Ainda parecia difícil de acreditar.

Talvez minha boa concepção ajudasse a enxergá-los mais perfeitos do que realmente eram.

Tínhamos direito a uma hora de intervalo, porém não fiz uso do tempo integral, não achei necessário. Depois de fazer a refeição fui até o armário onde estava guardada minha bolsa, depois no banheiro escovei os dentes e me refresquei e estava pronta para voltar ao trabalho. Cheguei à sala e ouvi ruídos, me aproximei imaginando que os meninos talvez também tivessem pensado em voltar mais cedo, contudo assim que fiz a curva que permitia ver detrás das pilhas estanquei no lugar.

 Edward estava de costas para mim, ao analisar melhor percebi que minha planilha de anotações estava em suas mãos.

— Não esperava encontrá-la aqui.

Apesar de saber que era vampiro e tinha habilidades excepcionais me surpreendi com a normalidade com que lidou com minha presença, como se fosse completamente indiferente a mim.

Prendi uma mecha fugitiva de cabelo por detrás da orelha e tive raiva de mim mesma por não saber lidar com ele.

— O que faz com estes papéis? – Procurei soar normal e tão displicente quanto o via ser.

Deu de ombros.

— Sou responsável por conferir os dados e achei que o melhor momento seria o horário de almoço, pois estaria sozinho.

Ele sequer se virara para me olhar e suas palavras haviam sido suficientemente claras. Soltei um ruído baixo de incredulidade e o resto de amor-próprio que havia em mim me avisou que seria mais honrado dar meia-volta e retornar mais tarde.

— Não precisa se retirar, termino isto em um instante.

Parei e ponderei, independente de nossas disparidades eu não estava ali para brincadeiras e sabia que podia fazer bom proveito dos minutos a mais por isso resignadamente retornei. Como Edward se apossara de meu material tive de encontrar outra coisa útil para fazer e me desloquei até o fundo da sala onde passei a separar os itens, me ocupando da tarefa que era dos meninos. Entretanto não compreendia qual fora o critério utilizado para a classificação e fiquei estática, observando as latas e pacotes e tentando achar conexão entre eles.

— Algum problema?

Sua voz me obrigou a sair do transe.

— Não, está tudo bem – respondi com sarcasmo.

Ouvi quando se aproximou e pude sentir seu corpo próximo ao meu, será que Edward conseguia escutar meu coração batendo acelerado? Seria tão humilhante quanto eu pensava?

— Está organizado por data de validade, vê? Você passou a manhã inteira transcorrendo estas anotações e não se deu conta do que eram.

— Na verdade, não – confirmei.

Vi a sombra de um sorriso curvar seus lábios e me senti estranha por estarmos tão perto, havia tempos que só o via há metros de distância.

— Onde está Lauren?

Seu sorriso se desmanchou, mesmo que tivesse tentado disfarçar.

— Aparentemente tinha coisas para fazer em casa.

— Não me diga.

Seu olhar endureceu.

— Não vi Jacob em parte alguma.

Ergui uma sobrancelha.

— Jacob toma conta de uma aldeia inteira, mantém as pessoas seguras, acredito que sua justificativa seja válida, não acha?

— Tenho de me decidir sobre isso – respondeu firme.

Soltei o ar pausadamente.

— Já terminou? – Apontei os papéis em sua mão e ele assentiu. – E? Alguma falha?

— Não. Você é atenciosa.

— É claro que sou.

Estendi a mão e ele me passou a prancheta sem alarde.

— Já fez algo assim antes? – Sondou, cruzando os braços.

— Algumas vezes. Minha família mantém uma obra de caridade através da empresa. E você?

— Participo há algum tempo.

Fingi estar distraída com o que ele havia anotado nos papéis.

— Carlisle falou comigo mais cedo. Eu... Não fazia ideia – confessei simplesmente.

— Se há alguém que poderia saber este alguém é você, acredito que imaginei que já fosse ciente.

— Não. Sabe, não é tudo que eu sei, já fui pega desprevenida várias vezes.

Minha memória voou para a noite fatídica em Port Angeles e um arrepio percorreu minha espinha. Aqueles momentos de tensão e terror haviam sido os piores de minha vida e ultimamente era como se constantemente estivesse sob o efeito do medo. Há algumas noites havia presenciado o vulto no quintal de meu vizinho e desde então parecia que sempre antes de dormir eu precisava conferir aquele mesmo lugar e então a floresta ao redor. Sabia que era paranoia e apenas por isso não revelava nada a ninguém.

— Está tudo bem?

Pisquei e focalizei seu rosto.

— Sim, está – esbocei um breve sorriso.

Não pude manter os olhos sobre os seus por um período maior, minha capacidade de fingir - ainda mais quando era Edward quem me observava - era praticamente nula. E aquele dourado abrasador ainda era capaz de me subjugar como fora no primeiro dia, enxergando todos os meus pensamentos, meus sentimentos e receios.

Ele via tudo e de algum modo era como se estivesse sem defesas à sua frente. Nua.

Nenhum de nós dizia nada, perdidos no emaranhado de incompreensão que nos rodeava. Será que ele também sentia o quanto as coisas haviam mudado? Será que era estranho apenas para mim?

Eu queria que tudo fosse simples.

No meio da falta de palavras decidi me ocupar e comecei a pegar algumas latas do chão levando-as para cima da bancada, uma delas acabou ficando presa sobre minha pulseira e ao puxar o braço a senti se desprender do redor de meu pulso; antes que tivesse tempo de resgatá-la Edward o fez. Pegou o pequeno objeto e olhou de perto, sua face dura e impenetrável.

Ele iria destruí-la. Prendi os lábios esperando, não havia porque ele reconsiderar, apenas um aperto de sua mão seria suficiente para transformar o pequeno lobo em pedaços.

Seus olhos avançaram aos meus e esperei até que se decidisse, ele estendeu a mão livre até alcançar a minha e com destreza devolveu a joia em seu lugar.

— Vou deixá-la com isto agora.

Seu anúncio foi repentino, ele saiu do local tão rápido que me perguntei se havia deixado algo passar. Cobri o rosto com a mão livre, envergonhada pela intensidade de meus sentimentos que me deixavam exposta, vulnerável.

— O que está acontecendo com meu coração que não se decide?

Ora eu o odiava, ora sentia piedade, ora queria vê-lo a quilômetros de distante e ora... Ora só o que desejava era poder ainda ser a pessoa que povoava sua mente, a garota a seu lado, o grande amor de sua vida.

Bem, ninguém dissera que viver seria fácil, mas eu sentia como se não tivesse rumo, como se flutuasse no ar, indo na direção que o destino queria e isto era bem cruel. Eu não tinha um coração elástico, era o oposto. As ranhuras e cortes que existiam aqui dentro se tornavam permanentes e dificultavam seguir adiante.

Minha indecisão era tão óbvia que chegava a ser ridícula e senti como se meu tempo estivesse esgotando. Quem saberia quanto mais ficaria em Forks, afinal?

Tantos dias, meses e eu sequer chegara a conhecer um pouco mais de meu próprio ser, ao invés disso, se possível havia me perdido mais ainda.

E estava chegando a hora de me encontrar.


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Notas finais do capítulo

Ô vampiro prendado, tem como não se apaixonar?