O Legado de Pontmerci escrita por Ana Barbieri


Capítulo 11
Os Três Mosqueteiros


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura!



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Capítulo 11

21 de Outubro de 1900

O segundo dia do caso MilvertonxPontmerci começou de forma silenciosa em Baker Street. À mesa do café da manhã, os gêmeos comiam seus ovos com torradas e salsichas com sua mãe. Ninguém ousava dizer nada, visto que resquícios da noite anterior ainda eram muito recentes na mente dos três. Anne amaldiçoava seu marido por ter conseguido escapar da tensão naquela mesa, tendo retornado para Hampstead ao primeiro sinal de luz do dia, saindo furtivamente sem incomodar ninguém além da senhoria.

─ Saiu às seis e meia, querida. Comeu apenas um sanduíche de carne seca e meia xícara de chá. Disse que voltaria mais tarde. – avisou ela quando questionada pela senhora Holmes. “E sem se despedir”, complementou em pensamento. E sentia-se ainda mais traída por saber o motivo.

O silêncio de seus filhos à mesa provinha apenas da sensação que seu tom frio ao pronunciar o castigo provocara na noite anterior, não fosse por isso, estariam falando abertamente sobre a visita a Appledore Towers e Holmes a deixara sozinha para cuidar da paz familiar. Naturalmente, Anne não se desculpava com seus filhos, mesmo se achasse que houvesse sido muito dura. Essa era uma atitude que herdara de seu pai. Vladmir geralmente não era o responsável pelos castigos, mas quando a responsabilidade lhe recaia, os resultados eram os mais devastadores e ainda assim ele e a filha desenvolveram uma amizade mútua ao longo dos anos.

O que Anne esperava que acontecesse entre ela e seus pequenos detetives.

─ Tia Mary mandou uma mensagem dizendo que Will já se sente melhor. – anunciou depois de analisar a correspondência. Violet limitou-se a sorrir de lado, sem tirar os olhos do prato e John permaneceu parado. – Ora, por favor! Poderiam me dar um pouco mais do que isso? – exasperou-se Anne.

─ Prisioneiros de guerra não estão acostumados a demonstrar emoções. – comentou John, mas seu rosto se alegrou um pouco diante da reação da mãe ao gelo.

Na noite anterior, ao se dirigirem para a cama, ambos estabeleceram um combinado de que permaneceriam apáticos ao castigo e todo o resto que se passasse em Baker Street naquelas três semanas de castigo. Violet afirmara que o melhor caminho para o arrependimento da mãe era através da indiferença; a mesma que costumava usar com seu pai quando agia contrariamente a uma decisão dela. Sabiam que jamais obteriam um pedido de desculpas formal, mas, o que buscavam naquele momento era uma possibilidade de condicional.

─ Meu amor, vocês não são prisioneiros. Só detidos de se meterem com o trabalho de seu pai. – contornou a senhora Holmes levando a xícara aos lábios com um sorriso sugestivo.

─ E como essa é a nossa maior diversão e... como é mesmo aquela palavra, Violet?

─ Exprimir. – soprou ela.

─ Isso, e forma de exprimir nossa personalidade, considero que, portanto, possamos nos considerar prisioneiros em nossa própria casa. – concluiu John categoricamente, cruzando os braços. Gesto que, segundo Holmes, o assemelhava demasiadamente com sua mãe.

─ Parece que tenho um pregador dentro de casa? – desdenhou Anne, risonha.

─ Não estou pregando... ouvi uma ideia parecida andando pelas redondezas do parlamento. – defendeu-se John, amuado.

Havia um sorriso inteligente se abrindo pelos cantos dos lábios de Violet, à medida que entendia o jogo de sua mãe. Nem que fosse para começarem uma discussão durante o café, só queria que seu filho falasse com ela e parasse de agir indiferentemente. E, então, sem conseguir se conter, estampou a rir abertamente, engasgando com o chá morno.

─ O que foi? – inquiriu seu irmão, irritado.

─ Você é um bobo manipulável, John Holmes. É isso. – respondeu a menina, lançando um olhar brilhante para a mãe que lhe sorriu de volta. Seu gêmeo, aprumando-se na cadeira e descruzando os braços, mirou-as rindo entre si por um longo minuto até compreender que havia sido vencido sem nem perceber e acabou por acompanhá-las.

A senhora Hudson os encontrou naquele estado e tentou parecer preocupada, embora sua vontade fosse de unir-se a eles.

─ Está tudo bem? – perguntou hesitante.

─ Tudo muito bem, senhora Hudson. Apenas verificando se ainda consigo vencer qualquer membro masculino da família Holmes em seus próprios jogos. – esclareceu Anne colocando-se de pé.

─ Há quem diga que se gabar por ter ganhado de um garoto de dez anos, ainda mais seu próprio filho, seja uma atitude vergonhosa. – defendeu-se John, mas seu bom humor era evidente.

─ Quem disse? Seu pai? Ora, é óbvio que ele pensaria assim... depois de perder tantas vezes para mim... Agora, vão lá para cima tirar esses pijamas. Vamos fazer uma visita de cortesia para Will. – disse empurrando-os na direção das escadas.

††

Violet encarava, silenciosa, seu reflexo no espelho enquanto sua mãe passava a fita por seu cabelo a fim de fazer um laço. Seu semblante era pacífico, em contraste com sua mente que permanecia atada a cena de seu pai sorrindo para a criada Agatha. Ele jamais faria nada contra sua mãe, disso a pequena tinha certeza, e ainda assim não conseguia afastar o sorrisinho da moça quando ele lhe dera atenção. Seria natural se sentir assim com relação ao próprio pai? Afinal, não tinha dúvidas de que estava com ciúmes... mas até onde sabia, esse sentimento era permitido apenas entre namorados... não entre pais e filhos.

─ Mamãe... o papai é sempre cortês com as clientes, não é? – indagou hesitante.

─ Certamente. – anuiu Anne simplesmente. – Com todos os clientes e já o vi demonstrar exagerada gentileza durante um caso com aqueles de quem pode obter informação também. – acrescentou dando um último retoque no penteado da menina.

─ Mas a senhora nunca o viu... sorrindo para outras senhoras, viu? – perguntou Violet mexendo com os dedos.

John reprimia uma risadinha, parado à porta do quarto esperando por elas. Anne piscou os olhos várias vezes e pareceu enxergar a filha por um ângulo diferente, mas não reprimiu um risinho abafado ao perceber seu nervosismo em pensar que estaria caluniando seu pai. Violet era a joia preciosa de Holmes, mesmo que amasse Nikolai da mesma forma, havia algo em seus modos exibicionistas na presença de estranhos que o divertiam muito.

─ Com aquelas senhoras que são nossas clientes e chegam até aqui com os nervos à flor da pele, sim. Já o vi sorrir para estas, faz parte da sua cortesia, mas acho que o que estamos discutindo aqui seja mais do que um sorriso... – observou a senhora Holmes brandamente.

─ Ele... em Appledore Towers, ele... bem, tinha uma criada lá... Agatha... – começou Violet gaguejando, mexendo nos nódulos dos dedos.

─ Violet! – exclamou John gargalhando. – E depois eu que sou o bobo. Você não está achando que aquela desengonçada tem alguma chance com o papai, está? Mãe, dobre o castigo dela, Violet está te ofendendo... – zombou ele.

─ Nikolai. – advertiu Anne mirando-o com reprovação, mas seus olhos já não carregavam a mesma frieza do dia anterior. – Meu amor, não se preocupe com o seu pai... às vezes, ele age conforme a situação pede para facilitar o trabalho dele. Creio que nem sempre da maneira mais sensível, mas, minha querida, nunca desonrosa. – assegurou dando um beijo estalado na bochecha da menina.

A pequena Holmes sorriu, mas ainda não parecia completamente convencida, embora apenas seu irmão parecesse notar. Não escapara, porém, à senhora Holmes também a desconfiança da filha. E mais uma vez via-se envolta por velhos sentimentos conhecidos. Quando ela fora Violet e seus pais foram Anne e Sherlock Holmes...

††

Já na casa dos Watson, a fumaça que parecia tê-los envolvido desde a noite anterior havia se dissipado por completo. Os três Holmes adentraram a residência da família John Watson com uma atitude completamente diferente daquela do café da manhã. Will estava no andar de cima, e enquanto Anne discutia os últimos acontecimentos com Watson e Mary, despachou seus pequenos para junto de seu primo. Nikolai hesitou antes de dizer as primeiras palavras de desculpa, ao que o outro rebateu que considerava tudo sua culpa...

─ Que idiotice a minha achar que poderia acertar aqueles dois... tinham o dobro do meu tamanho... – murmurou William, sentado na beirada da cama, fitando os pés.

─ Você foi corajoso, Artie. – insistiu Nikolai. – Eu que não deveria ter me metido com eles para começar...

─ E isso não foi coragem, foi apenas burrice. – assentiu Violet, sentando-se ao lado de Will. – Honestamente, eu preferia ter você do meu lado durante uma briga do que o John, William. – continuou encorajando-o.

─ Isso nem me fez sentir como se uma faca estivesse sendo enfiada nas minhas costas. Obrigado, maninha. – desdenhou Nikolai, estreitando os olhos e cruzando os braços.

─ Obrigado digo eu aos dois, mas... é só que as vezes eu me sinto meio mal com tudo isso. – comentou William sorrindo para os dois amigos.

─ Isso o que? – indagou Nikolai pondo-se a sentar ao lado do primo.

─ Ué, Nick, a gente sempre se mete nessas enrascadas de gente grande e na maioria das vezes é divertido, escapamos ilesos... mas, quando realmente temos que ser gente grande, quer dizer, quando tenho que defender um amigo... eu me atrapalho e caio naquele lago idiota... – explicou o pequeno Watson dando um pequeno soco em seu joelho.

─ William Arthur Watson, - ralhou Violet pondo-se de pé num estrondo. – pare de sentir pena de si mesmo nesse instante ou eu o farei desejar que tivesse apanhado daqueles garotos ao invés de cair num lago idiota. – trovejou com as mãos em punhos ao lado do corpo.

─ O discurso encorajador mais... eloquente que eu já presenciei, Vi. – brincou Nikolai batendo palmas lentamente. – E ela está certa, Artie. Ficar lamentando dessa forma é uma atitude inútil. Além disso, quem disse que os adultos não levam socos de vez em quando ou caem em lagos ao tentar proteger os amigos...? A diferença importante a ser notada aqui, é que eles não têm as mães para colocá-los de castigo! – considerou ele.

─ Não, mas eles têm as esposas. – observou William, fazendo Violet e Nikolai rirem.

─ Sempre perspicaz, meu caro Artie. – riu Nick. – Vi tem razão... também prefiro você do meu lado numa briga do que eu mesmo. – ponderou dando tapinhas amistosos nas costas do primo.

Os olhos dos dois, então, recaíram sobre a figura atenta de Violet. Parada próxima a porta com uma expressão conhecida de ambos, a jovem senhorita Holmes estava tentando ouvir a conversa de seus pais no andar de baixo, mas com dificuldade.

─ Ei, Artie, ouça essa. – disse Nikolai acabando com o silêncio no quarto, atrapalhando a irmã de propósito. – As últimas do mundo da Violet. Ela acha que papai está querendo trair a mamãe com uma criada. – falou zombando, mas seu primo levara a coisa a sério e mirou a prima surpreso.

─ Tio Sherlock? – exclamou. – Mas ele é casado com a tia Anne... e mamãe diz que ele é o último cavalheiro em Londres que seria pego traindo... Violet, você está errada. – gaguejou o final, pois sabia que aquela era a última coisa que sua prima gostava de ouvir, fazendo Nikolai assoviar em aprovação por sua ousadia. Violet limitou-se a fuzilá-los com o olhar.

─ Não confio naquela criadinha e não estou errada. – retrucou olhando de um para o outro com superioridade.

─ E pelo visto não confia no seu próprio pai. – desdenhou Nikolai, ficando sério. – Você ouviu o que a mamãe disse...

─ Ouvi, John. Ouvi muito bem! – exclamou com os braços juntos ao lado do corpo, a voz esganiçada pela vontade contida de gritar. – E o que mamãe disse é que papai costuma usar de quaisquer artifícios para chegar aonde quer. – sentenciou com os olhos baixos.

─ Violet, você já viu a filha dos Hooper piscando para mim quando vamos a Igreja, acha que por causa disso eu estou apaixonado por ela? – perguntou Nikolai após vários segundos de silencio, com muito tato, tentando ser respeitoso com a preocupação da irmã, mas ainda achando absurdo.

─ Você não pode estar... aquela garota cospe quando fala. – comentou William inocentemente.

─ Realmente não estou, Artie. – assegurou John, mirando-o de soslaio, sem querer perder as reações da gêmea. – Viu, Violet? Um sorriso é um sorriso. Não chega a nada por si só. E nesse caso, não vai chegar porque, sejamos justos, quem é melhor para o papai do que a mamãe? Aposto que aquela criadinha, que aliás, tinha dentes tortos, não sabe sequer a diferença entre Wagner e Shubert! Como papai poderia se interessar por alguém incapaz de compreender sua música?! Além disso, você é garota, deveria saber que o seu sexo, às vezes, passa muito tempo numa... numa... relação não correspondida, ou sei lá como chamam isso.

─ Meu sexo?! – bradou a pequena Holmes, parando para respirar fundo. Aquele não era o momento para uma discussão sobre a guerra dos sexos. – Muito bem, senhor eu conheço o coração das pessoas. Então papai não vai se interessar por ela, a não ser como meio de conseguir uma brecha até Milverton. Em todo caso, ela não saberá que está sendo usada. E é nela que se encontra a minha desconfiança. – explicou erguendo os olhos ao jogar o cabelo para trás.

─ Minha mãe costuma dizer, que um cavalheiro sempre sabe se esquivar de uma desqualificada. – observou Artie, tentando ajudar.

─ E seu pai afirma que a fêmea consegue ser mais mortífera do que o macho. – retrucou Violet voltando-se com violência para seu primo, que acabou se resignando em um dar de ombros. Nikolai suspirou. Não fariam com que ela desistisse. Ninguém jamais faria Violet Holmes admitir que estava errada a respeito de algo. Todavia, aquilo também jamais impediria John Holmes de tentar.    

─ Bem, eu gosto de provar que você está errada, então, porque não fazemos assim....? Vá até lá. – sugeriu Nikolai, ao que sua irmã não foi mais capaz de reprimir um pequeno gritinho de irritação.

─ Você acabou de me dizer que eu deveria confiar...

─ Eu sei, eu sei... e também sei que estamos de castigo. Mas, outra coisa que conheço é o seu ceticismo. Só acredita vendo. E se você não for e não acabar com essas besteiras de filha ciumenta...

─ Nunca mais vai confiar em seu pai. – completou William. – E, se não pudermos confiar nos nossos pais... em quem vamos confiar?

─ Ele está se tornando mais sábio a cada vez que desviamos os olhos. – brincou Nikolai sorrindo com aprovação para o primo, que sorriu orgulhoso de volta.

Violet se sentia uma grande idiota por precisar passar por tudo aquilo. É claro que confiava em seu pai. Não o amava acima de tudo, não só mais do que a Deus, como lhe ensinara a senhora Hudson? E também não era o ceticismo que a impulsionava a concordar com seu irmão e seu primo, mas sim uma pulga atrás da orelha, uma sensação de medo completamente voltada para a criada e não Holmes. John não acreditava em intuição, mas a dela nunca errava.

─ Qual o plano? – perguntou William analisando as expressões de seus primos, olhando significativamente de um para o outro. Nikolai sorriu para ele e piscou marotamente.

─ Diga-me, meu caro Artie, o quanto você quer sair para tomar um sorvete? – o sorriso dele era sugestivo e seus companheiros quase riram.

─ Com você me olhando assim e numa escala de travessura ou gostosura, eu diria... o bastante para passarmos juntos o castigo pelo resto de nossas vidas. – foi a resposta de William.


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Notas finais do capítulo

Boa tarde! Como estão todos? Sim, eu sei que minhas palavras foram: tiro, porrada e bomba; e que este capítulo foi totalmente pacífico. Contudo, ele é o início da um grande tiro. O segundo maior tiro. Talvez o mais previsível tiro... então, tudo bem vocês adivinharem o que vem a seguir. Eu deixo. Em todo caso, espero que gostem! Bjooos! Bom fim de semana!



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