Ondas de uma vida roubada escrita por Maresia


Capítulo 93
Na sombras das nuvens




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/670836/chapter/93

O dia avançava lento e quente rumo à noite misteriosa e cansativa, à medida que uma lancha camuflada pela coragem e pelo sacrifício, desfilava suavemente pelas marés sonhadoras do oceano Atlântico, uma lancha que transportava a mudança e o mau presságio nas suas margens, uma lancha que tingia o pôr-do-sol com as aguarelas vermelhas do sangue.

— É aqui. - Sussurrou o estranho Caminhante das sombras em tom distante e pensativo, enquanto a travessia do Canal da Mancha reflectia no seu coração a cor branca do sofrimento. - Como o destino é irónico. - Disse em tom cínico, saltando para a terra castanha e queimada pelo gelo do tempo. - O princípio e o fim cruzam-se numa linha tão ténue que é difícil definir os dois momentos. - Constatou tristemente, lançando na lancha que o trouxera até aos braços do destino uma granada fumegante que a levaria nas asas azuis do mar para um local mais tranquilo e seguro do que aquela terra atroz e maldosa, patrulhada pelo exército do autoritarismo. - Agora sou só eu e tu. - Afirmou em tom de desafio, cravando os seus olhos misteriosos no firmamento azul e malévolo onde os seus passos desenhavam as insígnias da liberdade e os mistérios dos sonhos. - Se a força dos homens não fosse superior à força do destino eu certamente não estaria aqui neste momento, porém não tremo nem me vergo perante as suas adagas inflamadas pelo fogo e pelo veneno.

Os passos do nobre homem ecoavam silenciosamente nas profundezas macias do tempo, deixando na areia castanha aquecida pela lava do sangue da maldade a coragem e a dignidade que o tornaram o combatente do destino, saindo das suas inúmeras e mortais batalhas vitorioso. Recortado no firmamento azul e triste materializava-se um imponente palácio que vagueava imerso na história e na maldade dos tempos, um palácio decorado pelas sombras e pelo sangue do mundo, um palácio bafejado pelas plantas do medo e da dor, um palácio regido pela mão autoritária do imperialismo.

— Cheguei. - Murmurou o corajoso Caminhante das sombras em tom sumido e gélido, encarando com profunda raiva as portas que serviam de entrada no mundo da escuridão e do mal.

Uma figura alta e imponente, trajando a cor das trevas, baloiçava entre o mundo da luz e o mundo da escuridão, inalando todo o aroma da alegria e da esperança transportados pela doce maresia do oceano, transformando-os em tristeza e sofrimento. O Viajante do mistério com um arrepio de vento gelado, ergueu os dois braços na direcção de quem ansiosamente o aguardava, cerrando os punhos que combateriam as espadas do destino, porém os seus lábios mantiveram-se prisioneiros incontestáveis da maré azul e prateada, finalmente adentrara pelo véu negro das trevas, no entanto conservou uma pequena luz de primavera no seu coração, que jamais permitiria que ele se afundasse naquele jardim inóspito e sangrento, jamais deixaria o mundo que abraçara dezasseis anos antes.

Diana passou o resto do dia na mansão dos heróis mais poderosos da terra, estava feliz por estar de volta, contudo uma faca muito afiada rasgava lentamente o seu coração, a equipa estava a desmoronar-se e a culpa era inteiramente sua, talvez devesse continuar perdida e absorvida pela calma e pela claridade daquela solarenga vereda campestre, mas a saudade levara mais uma vez a melhor sobre o seu coração, agora já não havia volta a dar.

Depois do jantar, a jovem dirigiu-se ao seu quarto, seguida de perto pelo seu enorme cão branco, precisava de estar sozinha, precisava de reflectir sobre todas aquelas mudanças repentinas, precisava de se voltar a encontrar nas profundezas do seu espírito.

Nessa noite estrelada e prometedora, o oceano caminhava solitário pelas margens arenosas da vida, sentindo nas suas águas azuis e ondulantes os lamentos abafados da brisa, os olhares caprichosos das estrelas, abraçando os beijos insolentes do futuro, um futuro tão bem alicerçado que jamais poderia ser desmantelado.

— Às vezes acredito que as pessoas já nascem com sorte, porém ao longo do tempo compreendi que a sorte não é um bem à partida adquirido, é preciso conquistá-lo, alcançá-lo, forjá-lo, para alguém que desperdiçou toda a sua sorte num único dia, este discurso pode parecer demasiado hipócrita, porém neste momento é nisto que eu penso. - Reflectia um homem bem-parecido em tom triste e abalado, cravando os seus duros e penosos passos na casa do mar. - O tempo não cura nem cicatriza feridas, nem mágoas, nem o insuportável peso da cobardia que pousa sobre os meus ombros, somente intensifica ainda mais a dor e o desespero, transformando-os numa corrente sangrenta que cobre o coração na totalidade. - Cismava num mesmo tom depressivo, olhando o azul silencioso das marés com a saudade e o arrependimento a dançarem nos seus olhos claros. - Agora percebo que é tarde para voltar atrás, é tarde para lamentos, é tarde para anular o fantasma da cobardia que venera o meu passado, é tarde para lhe chamar filha. - Pensou de forma melancólica, inundando o oceano com milhares de gotas de prata que floriram durante dezasseis anos num jardim de perda, dor e saudade.

— O que faz um homem como tu aqui nesta noite? - Perguntou uma voz rouca e fria nas costas do estranho e desesperado homem. - A água dos teus olhos não apaga os erros do passado.

— Eu sei Fury. - Respondeu o homem em tom abafado, não se mostrando surpreso por o director da S.H.I.E.L.D estar ali.

— O destino mesmo assim foi bastante generoso contigo, não te podes queixar de nada, só estás a colher os frutos que cultivaste durante anos. - Repreendeu Nick em tom ausente, olhando para a expressão carregada patente no rosto do seu amigo.

— Eu só a levei para aquele orfanato para a proteger do mundo, eu só queria que ela tivesse uma vida estável, feliz, sem problemas. - Retorquiu o sujeito de forma sufocante, como se aquelas palavras lhe roubassem o ar dos pulmões, como se o mar o afogasse nas suas águas azuis e vingativas.

— Vê como o destino é irónico e trapaceiro, por mais que a tentasses proteger o que é conjecturado não poderia ser alterado e ainda para mais sendo ela filha de quem é...

— Eu nunca desejei que ela fosse uma Vingadora, não tens o direito de me acusar. - Gritou o desesperado homem de forma arrastada, vendo o futuro afogar-se na palma da sua mão.

— Mas deixaste com ela as sementes das quais o destino se aproveitaria mais tarde. - Ripostou Nick em tom cínico, conhecia a dureza incondicional das suas palavras, no entanto os amigos não servem apenas para dar palmadinhas nas costas. - Agora só te resta, se tiveres coragem para isso, remediares o que fizeste, ainda tens tempo.

— Eu não posso roubar-lhe a imagem que ela criou do seu pai, eu não tenho o direito de a fazer sofrer mais...

— Tu não tens é o direito de lhe roubar o pai, pensa no que queres fazer daqui para a frente, as tuas chances podem estar a chegar ao fim, acredita no que eu te digo, não desperdices o tempo que ainda resta, realmente tu sempre foste um sortudo, até breve. - Despediu-se o director em tom de ultimato, os segredos da humanidade nunca foram mistério para os seus sentidos demasiado aguçados, ele sabia do que estava a falar.

Um relógio de uma qualquer igreja anunciava a chegada das sete da manhã, o dia despontava preguiçoso, espreitando lentamente pelas cortinas de fumo e poluição. A porta do quarto de Diana abriu-se lentamente, quebrando por uma milésima de segundo o silêncio adormecido da mansão dos Vingadores, preparando a entrada sorrateira de Tony Stark que em pezinhos de lã se aproximou cautelosamente da cama bordada da Sereia, parando a olhar para aquele sono delicioso e leve.

— Nunca tive dúvidas que te tornarias numa mulher linda, inteligente e com um sentido de tolerância nunca antes visto, e acredita, eu já vi muita coisa neste mundo, é como ter a tua mãe aqui outra vez. - Pensou o milionário tristemente, acariciando o rosto macio da Sereia. - Naquele dia pensei que estava tudo perdido, no entanto o destino bafejou-me com uma brilhante estrela da sorte que nunca penso em desperdiçar, voltaste para o lugar de onde ninguém te poderia ter tirado.

Seguidos pelos uivos de sofrimento e tristeza do oceano, dois homens caminhavam pela areia quente da praia, tendo como companhia as almas dos que pereceram às mãos do diabo. Uma pequena menina de apenas um ano, dormitava nos braços do seu pai, mal sabendo o destino que escondido se escrevia nas estrelas.

— Deixa-me ficar com ela. - Pediu Anthony Stark em tom abafado, limpando os olhos incrivelmente vermelhos com as costas da mão, olhando para a pequena menina como se ela fosse um tesouro. - Prometo que cuidarei dela como se fosse minha filha, nada lhe faltará, não a leves para longe de mim, ela é a única coisa que me resta, a única lembrança da Hyliana.

— A minha decisão está tomada, não a quero no teu mundo, tenho que a proteger, não entendes isso? - Ripostou em tom arrogante o homem que transportava a menina nos seus braços, olhando o milionário com cara de poucos amigos, censurando no seu interior destruído as palavras que acabara de escutar.

— Ela ficará segura comigo, daria a minha vida por ela, garanto-te. - Jurou Stark em voz suplicante, fazendo uma carícia ternurenta no rosto doce da pequena menina. - Por favor, deixa-me cuidar dela.

— Não insistas Tony, a minha decisão já foi tomada, nada nem ninguém a pode mudar. - Rosnou o pai de Diana em tom enfadado, entrando num carro que levaria a pequena menina ao seu destino, focando o seu olhar num helicóptero que voava rumo ao cantinho das novas oportunidades. - Deixa-me em paz, faz o teu luto que eu faço o meu. - Ordenou em tom abafado, fechando a porta do carro com estrondo, só se lembrava de ter sofrido daquela forma quase mortal somente uma vez.

— Certo, faz o que quiseres, porém a tua cobardia e o teu egoísmo podem sair-te bastante caros. - Resmungou o milionário em tom arrogante, entrando para o lugar do condutor. - Os problemas não desaparecem só por fugires deles, mais tarde ou mais cedo eles encontraram-te, só espero que seja mais cedo do que pretendes. - Afirmou em tom cruel, guiando Diana até ao orfanato Spring.

Tony sentou-se na borda da cama da jovem, olhando o espelho quebrado daquele dia reflectido naqueles olhos adormecidos e azuis, símbolo de liberdade, justiça e concretização. O seu coração batia descompassadamente perante aquela perfeita miragem do passado, aprisionando os seus pensamentos nas lembranças azuis e prateadas do mar.

— Nem imaginas como és parecida com a tua mãe. - Sussurrou em tom baixo e sofredor, relembrando a figura belíssima e elegante da jovem Hyliana, a única flor que crescera no jardim do seu coração, a única flor que valera a pena regar. - Se tu soubesses o que está escrito no meu coração. - Sussurrou no mesmo tom, debruçando-se suavemente sobre o corpo adormecido da morena, sentindo aquela doce respiração com aroma a maresia tocar-lhe tranquilamente no rosto. - Desculpa...

— Tony o que pensas que estás a fazer? - Gritou em voz silenciosa Steve Rogers, entrando furioso no quarto a quando da visão daquele cenário inimaginável. - Vamos. - Ordenou em tom duro, puxando o atordoado Stark para fora do quarto.

— Eu não fiz nada. - Defendeu-se o milionário em tom de desafio, quando chegaram à sala de estar da mansão, enfrentando a fúria azul que percorria os olhos do super-soldado.

— Não fizeste porque eu cheguei. - Ripostou Steve mal-humorado, atirando Stark para cima de um dos sofás. - Ela não é nem nunca será uma das tuas conquistas, por isso espero não te encontrar mais nenhuma vez num daqueles momentos.

— Perdeste todo o direito, não vou falar mais contigo sobre este tipo de assuntos, a Diana não é propriedade tua nem de ninguém. - Retaliou o Homem de Ferro em voz dura e provocadora, saindo da sala com passada segura, deixando Steve entregue aos seus pensamentos, acabando por fim por sair através da porta do elevador.

A cidade iniciava a sua manhã, igual a todas as outras, rotineira, citadina e poluída, arrastando o quotidiano dos habitantes nas suas margens esfumadas. Os jornais começavam a desfilar pelos olhos dos mais atentos, curiosos ou simplesmente pelos olhos dos mais trocistas.

Envolto na multidão desorientada e despreocupada, deambulava Steve Rogers, perdido e imerso em pensamentos e ideias que infelizmente não lhe traziam qualquer tipo de conclusão. Os seus olhos azuis e sonhadores encontravam-se presos pelas algemas do futuro impossibilitando-o de ver o que o rodeava, sentia-se como alguém colocado à força num lugar onde não pertence.

— Vingadores caídos em desgraça. - Lia-se na primeira página do New York Times, enchendo uma esplanada apinhada de murmúrios e suposições.

— Noite negra para os heróis mais poderosos da terra. - Sussurrava um homem de meia-idade, lendo as enormes letras garrafais do Washington Post, coçando o queixo calvo com preocupação.

— Devemos confiar as nossas vidas a estes homens designados os heróis mais poderosos da terra? - Lia um polícia com ar desconfiado, folheando agressivamente o Boston Globe.

— Os Vingadores foram humilhados e postos fora de combate pela Sociedade da Serpente devido à intervenção do lunático Homem Aranha no conflito. - Lia-se em letras garrafais e apelativas em milhares de capas do Clarim Diário, inundando as centenas de bancas, de quiosques e de papelarias, alarmando a maior parte da população.

— A paz está condenada neste mundo, a protecção dos Vingadores já não é eficaz. - Citava uma jovem enfermeira, vendo as letras desfilarem pelo seu Facebook, em tom indignado, olhando para as colegas com quem tomava o pequeno-almoço.

— Mãe o capitão América já não nos pode proteger? - Perguntou um menino de tenra idade, olhando com tristeza para uma fotografia do ícone Americano estampada na primeira página do New York Post sendo completamente torturado pela feroz e perigosa Anaconda. - Se ele já não nos pode proteger então quem poderá? - Insistiu a criança em tom assustado, aproximando-se da banca dos jornais para ver melhor o seu aterrador e inesperado conteúdo, “ O mundo já não é um lugar seguro.”.

Finalmente os ouvidos do nobre soldado voltaram a encaixar-se naquela realidade cruel e atroz, as tristes e assustadas palavras do menino fizeram o seu coração tombar num ninho de espinhos e punhais, o seu sorriso fora substituído por uma grossa máscara de tristeza e culpa, sentia os olhares caprichosos tombarem como mil bombas sobre o seu peito, não era possível aguentar aquele golpe do destino.

— Isto não é possível, estes tipos só podem estar loucos! - Gritava Stark completamente fora de si, atirando em seu redor todos os jornais gentilmente cedidos por Jarvis.

— Tony, tu já viste isto? - Gritou Scott apavorado, mostrando ao milionário a capa do Clarim Diário.

— Isto é uma desgraça, estes tipos estão a dar cabo de nós. - Lamentava-se Janet em tom triste e desiludido, vendo os milhares de comentários negativos nascerem no seu perfil do Facebook.

— Tony desculpa, eles aqui também falam no meu regresso. - Pediu Diana em tom desesperado, mostrando aos presentes um jornal do Canadá online, “ Vingadora cuja identidade ainda se desconhece faz a sua aparição depois de vários meses de ausência, estamos perante um aliado ou um inimigo?”.

— Tu não tens culpa Diana, eles é que são uns autênticos abutres. - Disse Tony em tom frustrado, atirando-se para um sofá vazio. - Onde está o Cap?

— Aqui Tony. - Respondeu Steve em tom pesado, entrando quase a correr pela sala de estar da mansão. - Pelos vistos já sabem do sucedido, nem as crianças confiam em nós.

— Bolas, os arredores da mansão estão inundados de jornalistas, já sei o que se passou, não se fala de outra coisa. - Avisou o Gavião Arqueiro em tom cansado, atirando-se num sofá, respirando com alguma dificuldade, lançando um beijo e um alegre sorriso à sua namorada. - Eu fugi do hospital, achei que seria melhor assim, não podia continuar lá fechado quando todos vocês estavam a ser dizimados pela força das palavras.

— Certo Clint, mais tarde chamo uma enfermeira para te observar, fica tranquilo. - Prontificou-se o Homem de Ferro em tom alarmado, caminhando até à janela, reparando na multidão de flashes que desfilava pelas imediações da mansão.

— Mas o que se passa com este aparelho dos diabos. - Resmungou Thor de mau-humor, atirando o comando da TV para o outro lado da sala.

— Esperem lá, mas o que é isto, parece que todos os canais televisivos cessaram as suas emissões! - Constatou Diana em tom confuso, olhando para uma mancha negra reflectida num ecrã branco puro.

— O cataclismo final está a chegar, rendam-se. - Rosnou uma voz omnipresente vinda dos milhares de canais televisivos, o rastilho estava lançado agora só faltava acendê-lo.

Como reagirão os Vingadores aquele estranho sucedido? Quem foi o causador desta enorme desgraça? Como será o mundo dali para a frente? Estará o fim dos Vingadores à beira de acontecer?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ondas de uma vida roubada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.