Guardião Celeste escrita por Larissa Irassochio


Capítulo 4
Capítulo 3 - Procura




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O primeiro lugar que eles acharam convincente procurar as asas tinha sido o lugar que Jamiel tinha pousado quando caiu. Era em uma área afastada da cidade, na parte rural. Os campos eram verdes como nos filmes, havia bois e vacas e pequenas casas.
Alycia não se incomodou em caminhar por tanto tempo até encontrarem o lugar. Ficava perto de uma árvore, e quem virasse ao norte conseguia ver um celeiro ao longe. Já Jamiel parecia fracassar no quesito evitar sensações humanas, estava cansado de andar por tanto tempo, mas o quanto mais perto chegava do lugar mais ele acelerava o passo. Então, quando ele pulou a cerca e ajudou a garota a fazer o mesmo, ele nem esperou, correu até os seus pulmões queimarem e a garganta secar.
Parou e se jogou no chão ao chegar no lugar. Estava na mesma posição de alguém que tinha levado um soco no estomâgo, e a sensação era a mesma. Socou o chão como se o odiasse e teve uma vontade imensa de chorar, mas reprimiu.
– Jamiel! - ele ouviu o grito cansado de Alycia, ouviu os passos dela chegar mais perto a cada minuto. Ela se ajoelhou ao lado dele e depositou uma das mão nas costas do rapaz - Sinto muito - ela disse por fim.
Por um longo instante ele teve vontade de abraça-la e pedir que dissesse que tudo iria ficar bem, porque era o que ele queria. Que tudo melhorasse, queria voltar para casa.

A viagem de volta tinha sido longa e cansativa. Os trens tinham atrasado e o táxi era opção excluída já que era muito caro, mas eles esperaram até que o próximo trem chegasse.
Jamiel se sentou ao lado da janela e Alycia na sua frente. Ele deitou contra o vidro e fechou os olhos. Sabia a sensação da dor humana, da dor da alma, e ele sentia.
Alycia sentia como um peixe se debatendo sem poder fazer nada. Olhou para as mãos do rapaz que ainda estavam sujas de terra molhada e depois para o seu rosto. Era anguloso e bem desenhado, os cabelos eram negros como a noite e o rosto pálido como se não tivesse vida, as bochechas magras de quem não comia direito, mas o que chamava a atenção dela eram os olhos de cor de tempestade. Era uma tempestade na praia, como se o céu quisesse tocar o mar.
– Fico desconfortável em ter você me encarando por tanto tempo - ele disse mau-humorado. Ela ruborizou.
Mas era uma mentira. Uma grande mentira. Ele adorava perceber que ela o encarava, mas odiava lembrar que não podia deixar que ela nutrisse sentimentos. Ele sabia que ela sentia algo por ele, mas não demonstrava. Era durona.
– Te encaro porque sua feiura me assusta - ela disse e fechou o rosto para ele também.
Ele riu dela. Achava tão engraçado o fato de ela ser tão mau-humorada, diferente dele que na maioria das vezes era apenas recluso, mas ela não. Ela era como furacão que não tinha medo de sair destruindo tudo e consumindo o que podia a sua frente. Consumindo, é, ela consumia os sentimentos dele.
E então percebeu que estava falhando em tentar se portar como um anjo, ele se sentia magoado.
Ele só acordou com batida de chegada do trem, foi quando seu rosto foi para frente e ele sentiu o nariz contra o vidro. Ela não o encarou, apenas lançou um olhar de intriga e se levantou enquanto vestia o casaco. Ele tocou a cabeça que agora estava dolorida.
Ela saiu do vagão deixando-o para trás, perdido e sem entender o que estava acontecendo. Gritou por Alycia, mas ela o ignorou, então ele correu atrás da garota. Ele a alcançou e fechou sua mão sobre o ombro dela, ela virou-se no mesmo momento. Tinha um olhar hostil, até mesmo, machucado. Como se estivesse sentindo dor e raiva ao mesmo tempo.
– O que aconteceu? - Jamiel perguntou quase que num sussuro, sentia preocupação
Ela virou o rosto para o outro lado da rua. Estava o ignorando. Jamiel viu lágrimas se formarem nos cantos dos olhos da menina.
– O que eu fiz? - perguntou novamente, a voz carregada de culpa.
Ela o encarou. Os grandes olhos brilhantes de lágrimas. Sentiu uma imensa vontade de abraçar aquela pequena garota e confortá-la.
– Quem é Cecily? Eu ouvi... você a chamou por muito tempo enquanto dormia... - os lábios estavam fechados em uma linha rígida, os olhos carregavam sentimentos ruins de tristeza e a voz era como se ela chorasse.
– Eu... - bufou - Me desculpa, Alycia. Eu..
Ela balançou a cabeça em sinal negativo e sorriu, mas não era de felicidade. Se afastou e saiu andando novamente.
– Me esqueça, Jamiel - foram as únicas coisas que ela disse.

Jamiel estava sentado em frente ao prédio de Alycia. Já era tarde da noite e ele esperava ver a garota novamente para tentar um conversa e se não desse certo, pegar suas coisas e ir embora. Não pensava em deixar de ser Guardião dela, mas a veria de longe sempre. Continuaria cuidando dela.
Mas a demora dela em regressar o incomodava, incomodava muito. Sentia um vazio no peito maior que a culpa. Aquilo foi o estilingue para ele procurar pela garota.
Não era mais nenhuma noite anormal, era apenas... a noite. Fazia frio como todos as outras noites ou os dias, mas agora o verão se aproximava.
Vielas estreitas, becos sujos, homens com olhares nojentos pelas ruas.
Sentiu um calafrio subir pela espinha. Algo ruim tinha acontecido. Apressou o passo e se ocupou em olhar em cada beco imundo que encontrava, cada cruzamento e barzinho. Pensou que no mínimo a encontraria chorando em alguma calçada, mas o que achou foi muito pior.
Lá estava ela em um beco com meia dúzia de homens a sua volta, ela berrava e pedia que eles a deixassem em paz, mas eles apenas riam e passavam suas mãos podres por ela.
– ALYCIA? - Jamiel berrou sem pensar. Tinha que salva-la, dar sua vida pela dela.
Então, o primeiro homem que virou ele acertou um soco que devia ter quebrado o nariz do cara. Dois foram para cima dele, sentiu quando um soco lhe acertou o estômago e pensou em vomitar, o segundo homem puxou pelos cabelos fazendo-o cair. Sentiu o gosto de ferrugem do próprio sangue de um corte na boca. Os chutes foram certeiros nas costelas. Ouvia Alycia gritar.
Pensou como era um idiota. Tinha todo um treinamento de Anjo Guerreiro e não tinha o usado.
Os minutos que se passaram foram de socos e chutes, sangue manchando mãos e camisetas e uma mão quebrada.
Quando todos os homens tinham desistido e Jamiel já estava cansado o bastante, ele se virou para Alycia que estava encolhida em um canto. Ele correu e a abraçou, os braços dele a envolvendo por completo enquanto ela chorava no seu peito. Ele estava quente e ela agradeceu por isso. Ele se afastou, mas manteve as mãos nos ombros dela.
– Você está bem? - perguntou preocupado.
Ela não respondeu com palavras. Apenas balançou a cabeça em sinal negativo enquanto tentava segurar as lágrimas. Ele arregalou os olhos e encarou o corpo da menina. A calça aberta, sangue, roupas rasgadas. E naquele momento ele também teve vontade de chorar, abraçou a menina novamente com cuidado e a puxou para o próprio colo.
– Vou te tirar daqui - disse com determinação - Vou te levar para o hospital...
– Não! - ela interferiu com a voz fraca - Por favor, não, não...
Ele assentiu. Queria correr para o hospital mais próximo e ver se estava tudo bem com Alycia, mas não tinha o direito de violar a decisão dela.

Quando chegaram no apartamento, Jamiel a colocou no sofá e correu para a cozinha. Iria buscar água, mas quando voltou ela não estava mais lá. Seguiu para o corredor e ouviu o gemido baixo que vinha do banheiro, a porta semi-aberta. Empurrou com cuidado e a encontrou embaixo do chuveiro com roupa e tudo. Chorava baixinho, encolhida e parecia sentir muita dor.
Ele conseguia sentir. Sentia. O que ela sentisse ele também sentiria. Estavam ligados por um fio dourado dos mais belos. Não sabia como devia chamar, talvez, amor.
Jamiel se aproximou e ajoelhou-se no chão com ela.
– Por favor, saia. Quero ficar sozinha - ela escondia o rosto entre as mãos - Não quero que me veja assim - sussurou.
Ele não sabia se devia tocá-la ou não. Queria fazer algo que diminuisse toda aquela dor compartilhada pelos dois.
– Você tem que tirar essa roupa... Tomar um banho, comer, descansar...
– Eu não sou uma criança, Jamiel - disse baixinho. Ela limpou as lágrimas do rosto e encarou o homem a sua frente.
Ele pareceu constragido quando disse:
– Acho melhor... eu... vou me retirar - e saiu do banheiro fechando a porta atrás de si.
Ele não dormiu aquela noite. Ficou acordado olhando para o teto branco pensando em Alycia, ela estava a metros e simplesmente não podia fazer algo. Culpou-se a noite toda por ter falhado ao proteger a menina.



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