A Feiticeira e o Contrabandista escrita por Espíndola


Capítulo 3
Davos I




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Vinte senhores ou mais estavam reunidos no Salão do Trono para assistir aquele absurdo. O Mão-do-Rei, Lorde Seaworth ocupava um cargo difícil, mas com a Melisandre em sua corte, tornara-se impossível. Muitas das manobras dela eram mal vistas pela maioria. E esta última, queimar Joffrey vivo, não aconteceria. Não permitirei que o Rei seja conhecido como mentiroso. Stannis garantira a Cersei que não mataria seus filhos e ainda que ela não tivesse confessado, ela pagou por seus crimes. Ela envenenou Sansa Stark.


Lorde Petyr Baelish, o Mestre-da-Moeda, fora quem comprometera-se em salvar o bastardo. Com a ajuda de Gran Meistre Pycelle. A Mão só precisou concordar com o plano – desconhecido para o Rei – e ele se cumprira. Davos sabia que a qualquer momento o Magistrado do Rei, Sor Illyn Payne chegaria de mãos vazias. Talvez Sor Illyn fosse castigado por isso, o que Davos não gostaria que acontecesse, afinal, identificava-se com o cavaleiro que perdera a língua. Eu perdi meus dedos. Agora estão no fundo do rio. O Betha Negra fora o único navio Baratheon a explodir naquela noite. Apesar da perda de meu barco, vencemos.


Todos os seus filhos estavam vivos. Dale, o mais velho, tonara-se escudeiro de Sor Axell Florent, castelão de Pedra do Dragão. Allard servia como intendente em Ponta Tempestade há duas viradas de lua. Matthos fora sagrado cavaleiro e imediatamente envergou o branco, tornando-se Sor Matthos Seaworth. Que sobrenome eu dei aos meus filhos... Culpava-se. E ainda tinha Devan servindo o Rei como escudeiro. Os outros três mais novos: Maric, Stannis e Steffon, estavam com sua esposa Marya em seu lar, em segurança. Tudo continuará dando certo para nós. A Mão esperava em seu cadeirão.


O Rei já se desdobrava no Trono quando seu filho Sor Matthos chegou no lugar do carrasco.


— Majestade, Joffrey não foi encontrado em nossa masmorra. Ele fugiu.


Aquela premissa levaria qualquer corte a loucura com murmúrios, porém, diante de Stannis, todos limitaram-se a observar calados. Eles o respeitam. Davos sorriu internamente. Procurou Melisandre, mas seu assento ao lado da Rainha Selyse estava vazio. Onde ela estará? Tinha aconselhado seu amigo a sequer permitir a presença dela nesta execução. “Será feito do nosso modo”, ele prometeu. Antes que o Rei pudesse indagar qualquer coisa, Sor Illyn Payne surgira com Tommen Lannister. A Feiticeira vinha logo atrás, de queixo erguido e vestes escarlates leves. Maldição! O que ela está fazendo? Lorde Tywin cairá sobre nós.


A Majestade levantou-se e sentenciou: — Não são apenas os Lannisters que pagam por suas dívidas. Coloquem o garoto na pira. — O silêncio tornara-se tão constrangedor, que pronunciar uma palavra parecia juntar-se a vítima na fogueira. Tentou mirar todos os olhares de negação para seu amigo, mas sabia que esta decisão, ele já tinha tomado, sem o consultar.— Tommen Lannister, fruto de incesto, é acusado de participar do envenenamento de Sansa Stark. Eu o condeno a morte. — Alguns suspiraram, mas o Rei logo continuou: — Nas chamas. — E ainda completou: — Do Senhor da Luz. — Não seria do modo antigo? Deveria ter articulado a fuga dos dois, Davos condenava-se. Seu Rei e amigo realmente parecia enfeitiçado pela Mulher Vermelha. De repente, seu olhar encontrou o dela. Assim permaneceram, encarando-se, enquanto ela começava a oração. Estamos todos perdidos.


(…)


Do dia pra noite, sua vida transformou-se num caos. O mais novo dos bastardos Lannisters estava morto. Será que Dorne se manterá leal agora? Com Myrcella? Além disso, um corvo de seu filho Maric chegara do Cabo da Fúria. Asas escuras, palavras escuras. Sua doce Marya havia sucumbido em uma doença que a levara em poucos dias. Meistre Edgard havia sido humilhado e devolvido a Cidadela. Espero que Maric não tenha se condenado ao castigar o Sábio Edgard. Davos sabia o apoio que o erudíto tinha em Mata de Chuva.


Teve uma ceia fúnebre na Torre da Mão com seus dois filhos, Sor Matthos e Devan. O próprio Rei marcou sua presença taciturna, exibindo uma faceta de pouca conversa. Não houve choro, apenas abraços. Retirou-se, subindo para seu aposento reservado. Enfim, o Contrabandista lagrimou. Sozinho, lembrou-se de como se sentia nervoso ao ficar longe de Marya nos primeiros anos de casamento. Como amou aquela mulher. Como se conheceram, em uma aventura inesperada no Mar Estreito. Lá se vai a filha do carpinteiro... E eu nem pude me despedir. Não a via há anos. Neste tempo, deitara-se com outras mulheres raríssimas vezes. Mas não poderia contar nos dedos. Satirizou-se com culpa. No mesmo instante, como se um demônio o ouvisse e viesse para condená-lo, a porta de seu quarto abriu.


— Boa noite, Lorde Davos... — Essa voz, esse tom.


A Feiticeira sorriu brandamente ao entrar e fechar a porta atrás de si. O que ela fez com meus guardas? Perguntou-se mesmo já sabendo a resposta. O mesmo que ela faz comigo. Desde que a vira nua pela primeira vez, algo em seu interior, levava-o ao desejo, ao pecado. E isto foi antes de assisti-la parir um de seus demônios. O demônio que matou o caçula do Rei.


— Eu percebi como me olhou durante a oferenda. — Seu coração latejou. Não acreditava no que estava vivendo, parecia o começo de um saudoso pesadelo. E talvez seja mesmo. Ele queria falar, mas só conseguiu balbuciar algumas palavras, pois ela deixou suas vestes cairem de forma suave, escorrendo através de sua pele lisa, sem qualquer marca. — Sim. É deste olhar que estou falando. — O aroma picante do perfume dela alcançou Davos. Não! O que estou fazendo? Naquele dia, naquele momento, ele encontrou força para resistir. Marya...


O que está fazendo?! O Rei sabe que sua “amante” está aqui? — Provocou com firmeza, endireitando-se e escapando do toque enfeitiçado dela. É bom que ela saiba que eu sei.


Infelizmente, a Mulher Vermelha realmente parecia ver o futuro, pois subitamente ameaçou-lhe: — E o Rei sabe que você libertou Joffrey com a ajuda de Lorde Petyr? Para onde o enviou mesmo? Rochedo Casterly? — Ele ficou pasmo. Não soube o que dizer ou como fraudar a acusação. Melisandre o mirou com o mesmo olhar da cremação do crepúsculo. A passos lentos, exibindo suas curvas sensualmente, chegou até ele, abrindo o nó de seu calção. O que estou fazendo? A fragância da mulher parecia embebedá-lo.


Por tanto tempo resisti as tentações dessa mulher. Autuava-se a Mão do Rei, Lorde Davos.
Por tantos dias resisti a não trair Stannis. Condenava-se o Cavaleiro das Cebolas, Sor Davos.
Por tantas noites desejei possuí-la, devorá-la, roubá-la.
Avançou o Contrabandista, Davos.


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